terça-feira, 2 de abril de 2013

A Palavra mais certa - Texto de Jaci Régis publicado mais uma vez no ABERTURA julho de 2012

Fui visitar meu velho companheiro Athanazildo, que no passado foi parceiro nos embates que travamos no meio espírita.


Desde há muito ele se afastou e poucas vezes nos encontramos. Mas soube que fora operado do intestino. Encontrei-o animado. Recebeu-me com carinho. Depois de falarmos sobre sua cirurgia e as perspectivas futuras de sua saúde, passamos a conversar, como persistentes analistas dos problemas humanos.

-Tenho acompanhando teu trabalho no Espiritismo. Leio sempre teus artigos e livros. Certamente concordo com tuas idéias. Mas confesso que te vejo numa batalha difícil, talvez sem vitória possível.

-Eu sempre penso que nos compete lançar as sementes. O tempo e as pessoas é que serão, no futuro, os frutos, os que te acompanharão ou não. Mas confesso que é sempre muito bom abrir novos caminhos. Sinto-me confortável em poder ver e pensa as coisas de outros ângulos.Caminho com cautela, mas decidido.

-Você sempre foi visionário, sorriu.

-Não se trata de ser visionário. Mas caminhar sem medo, rompendo com velhos conceitos e enfrentando, a principio, a própria incerteza e prosseguir. É saltar sobre obstáculos e sentir liberdade.

-E a nossa Mocidade, perguntou, lembrando o tempo em que éramos membros da juventude espírita.

-A Mocidade que nos moveu a adolescência e a juventude, meu amigo, está a passos lentos...

-Que pena. Éramos tão felizes....

-Ela reúne uma ou duas dezenas de jovens que não parecem aspirar a liderança. E quando se é jovem e não aspira a liderança estamos incapazes de enfrentar obstáculos e conflitos.

-Lamentável...

-Esses jovens, a maioria oriunda de famílias espíritas, estão mergulhados até o pescoço na cultura materialista deste tempo. Comportam-se, pensam e vivem como a maioria, incapazes de resistir, de trilhar um caminho próprio, diferente. Justamente porque não sentem necessidade disso.

-E os teus companheiros que formavam contigo uma brilhante brigada pelos ideais espíritas?

-Bem, como você sabe, quando eclodiu a crise e fomos literalmente expulsos do Espiritismo cristão, as coisas mudaram. Aquele pequeno grupo, José, Ciro, Miguel e eu se desfez.

-Ficastes só?

-A solidão é emblemática na vida. Todo o ser humano é, constitucionalmente, solitário. Por vezes, o amor rompe essa solidão na relação afetiva profunda. Também a amizade é canal de liberação dessa solidão. Meus amigos seguiram seus caminhos.

-Esse caldo materialista parece realmente dominar a sociedade. Todas as coisas seguem um caminho mais ou menos parecido. Vejo até as religiões se preocuparem não com a espiritualidade, mas com o sucesso, a felicidade aqui e agora.

Ele fez uma pausa e continuou.

-Não encontro a palavra certa para exprimir o que sinto. Não quero condenar o mundo, nem as pessoas. Vejo todos apressados em busca de um objetivo diluído no amanhã. E falar em espiritualidade parece deslocado do tempo. Porque quase sempre sugere uma divisão irremediável entre o real e a fantasia..

-Como assim, perguntei.

-É tradicional na nossa cultura, dar à espiritualidade um sentido místico, ter fé, uma certa negação da vida corpórea, uma aspiração de felicidade além. Por outro lado, gostar da vida corpórea, produzir bens, vencer profissional e economicamente, aproveitar o talento, parece perder a vida. .

-Talvez você tenha razão. A visão atual é de desencanto com a espiritualidade. Como você disse olhada com certo desinteresse para não dizer o pior. A conjuntura criada, imediata, consumista vê a morte como fim. E o Espírito, a alma ficam como remotas crenças que não ajudam a criar uma vida feliz. O sucesso econômico, sobretudo, parece ser o que mede a vitória ou o fracasso. Surgem os problemas existenciais, a depressão, o medo e o egoísmo parece ser a defesa correta nessa luta.. No afã de garantir a vida, a maioria literalmente se perde na impossibilidade de realizar seus sonhos, desejos.

. -É muito difícil falar sobre a espiritualidade sem suscitar a resposta de que os tempos são outros, que não é bem assim... A vida voltada para Deus, no passado, era exatamente o afastar-se do convívio, das emoções, dos desejos. Agora as pessoas querem ser feliz aqui mesmo enquanto vivas.

Despedimo-nos.

Na volta, ouvi no radio a canção do Gonzaguinha que diz

“Busquei a palavra mais certa,

Vê se entende meu grito de alerta” .

Ponderei que justamente o difícil é encontrar a palavra mais certa, para exprimir no delicado terreno das concepções, que espiritualidade não é fuga do real, mas positivamente abraçar o real, com a certeza que encontrar em nós as almas ou espíritos somos.

Procurar a palavra mais certa para explicar que as aspirações de um mundo melhor, de uma vida equilibrada e uma sociedade mais justa começam dentro de cada um de nós. Porque somos sempre o fruto de nós mesmos.

Eu gosto de dizer a frase “ que se leva da vida é a vida que a gente leva”, significando a importância de nosso estar no mundo, de nosso viver. Sem esconder emoções, sem aprisionar-se em medos. Mas abrir o coração e caminhar, com a naturalidade da vivência da inteligência e o afeto.

Vi na televisão um anúncio de um belo modelo de automóvel que era apresentado como o grande desejo e terminava com a frase ‘o que se leva da vida e a vida que você leva”..

Porque a vida é comprometimento.

Palavra certa muito pouco ouvida e sobretudo vivida.

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