quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Perguntas Sem Respostas - Jaci Régis

Perguntas Sem Respostas

Após a palestra em que o tema era a família no século XXI, fui entrevistado para um progrma de rádio. O entrevistador, depois de outras perguntas, desferiu a seguinte: “ Você tem levantado muitos problemas e tem uma visão diferente da vida. Você julga que isso é uma missão?” A pergunta surpreendeu-me. E a resposta foi intempestiva: “ Nada de missão, apenas estou numa luta, num modo de pensar e num momento de atuação”.

Depois, meditando verifiquei que certos grupos gostam de ver as coisas sob um prisma meio fantástico, sobrenatural. Uma delas é essa sobre os missionários. E aí temos três posições interessantes: os que se transformam em missionários por injunções do grupo, da coletividade; os que se deixam tornar missionários e, finalmente, os que querem ser missionários.

Parece-me que o verdadeiro missionário não se aprecebe que o é. Se julga tal, já não é. Mas o tema é fascinante. Ser “missionário” tem algumas vantagens. Adquire o caráter trancedental de quem sabe das coisas e precisa ser ouvido com devoção.

O modelo mais comum de “missionário” é o que assume a posição de guru.
Então, ele é o consultor, o confessor, o psicólogo, o cientista, o filósofo, o sacerdote. E quantos gostam desta posição!

Há também um aspecto não desprezível. É que o missionário pode esconder-se atrás dessa posição para fugir à sua condição humana.  Porque tal missão parece dar o direito ou o dever de viver com os deuses e então, quando se pode camuflar os próprios desejos!

Quanto à minha frente pergunta: “ Você se considera realizado?”. Eu a encaro surpreso. E digo: “ O que é ser realizado? E lembro que alguém disse, talvez Tagore, não sei bem, que o homem para se realizar precisava plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho.

Bem, já escrevi alguns livros, tive muitos filhos e plantei algumas árvores. Seria isso realização? Aprecio a vida no seu dinamismo.

Gostei muito quando um pessoa ouvindo a música de Ivan Lins que, entre outras coisas, diz: “ Quero tua risada mais gostosa .../ esse seu jeito de achar que a vida pode ser maravilhosa .../ não ter vergonha de aprender como se goza/ quero tua louca liberdade .../ e o desejo de passar de seus limites/ e ir além “, disse “ você é isso aí ... Porque tem todo um sentido de romper, de ruptura, de não considerar limites para a busca, para o encontro com realidades nem sempre sonhadas.”

Às vezes penso que as tentativas de encontrar respostas para a razão de viver, perdem-se no emaranhado de palavras. Alguns dizem que é preciso ter um objetivo para a vida. Outros supõem equacionar todos os problemas com enunciados como: de onde venho, por que estou aqui e para onde vou”.

Creio que ter um objetivo é fechar, limitar, circunscrever o trajeto vivencial. Suponho que mais correto é ter um sentido, uma orientação vivencial que não se esgota. Nem se alcança ou termina.
É preciso compreender que viver é ser angustiado. Não atormentado. A liberação da angústia só é possível pelo  intercâmbio emocional, pela troca de sentimentos. E sentimento engloba também inteligência, saber e investigação. Todos os mecanismos do Espírito estão inevitavelmente impregnados de emoções, até mesmo quando se diz do raciocínio frio.

Por isso, não há porque me dizer realizado, acabado, terminado, completo, satisfeito, feliz. Como poderia sê-lo? Estou na inquietude do saber, na incerteza da emoção, nos altos e baixos dos desejos, na refrega da luta, na alternância do amor e do ódio, da tolerância e da intolerância, do acerto e do erro.

Diante dessa realidade, eu disse à pessoa que me olhava, em silêncio: “ Prefiro que ao término desta jornada, eu diga apenas, como Pablo Neruda: confesso que vivi...


NR: Este artigo está publicado no Livro Caminhos da Liberdade e saiu no Jornal Abertura de Julho de 2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário