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sexta-feira, 6 de março de 2020

O LIVRE-ARBÍTRIO E OS SEUS INIMIGOS por Roberto Rufo e Silva

INSTITUTO CULTURAL KARDECISTA DE SANTOS


ROBERTO LUIZ RUFO E SILVA






O LIVRE-ARBÍTRIO E OS SEUS INIMIGOS













SANTOS, SÃO PAULO, BRASIL
2013






ROBERTO LUIZ RUFO E SILVA



O LIVRE-ARBÍTRIO E OS SEUS INIMIGOS








Trabalho elaborado para apresentação no XIII SBPE - Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita organizado pelo Instituto Cultural Kardecista de Santos




SANTOS, SÃO PAULO, BRASIL
2013
RESUMO

A liberdade é uma das grandes conquistas da sociedade moderna. Tem-se por pressuposto que uma pessoa, um povoado, uma cidade e um país só se desenvolvem plenamente se os governos garantirem aos seus cidadãos o exercício pleno da liberdade.
E por liberdade entende-se a capacidade de criar, escrever, falar sem quaisquer amarras,  exercer enfim o livre-arbítrio passando então a sua população a ser identificada como o conjunto de cidadãos livres.  Os regimes totalitários, as ditaduras e as grandes religiões sempre se intitularam como as guardiãs do comportamento de todos os seres humanos. As práticas utilizadas para alcançar seus objetivos foi o de sempre colocar percalços ao longo do caminho da evolução das pessoas. Não raro utilizaram  a tortura como “ método corretivo”  aos recalcitrantes .
O Espiritismo, dito evolucionista, tem a priori a necessidade da utilização do livre-arbítrio dos seres humanos, pois somente isso garantirá o progresso moral e intelectual do planeta em que habitamos. Entendemos que vários perigos se interpõem à doutrina espírita quanto à plena utilização do livre-arbítrio e que devemos nos preparar adequadamente para enfrentá-los.













Sumário


















1 INTRODUÇÃO


Procurei ao longo do meu trabalho, composto basicamente de apenas um capítulo, mostrar a evolução do conceito de liberdade ao longo da história até o seu momento atual, definida como a capacidade de livre escolha, e como o Espiritismo tem tudo a ver com essa necessidade da escolha como condição principal da evolução dos espíritos.  A seguir listo quais os principais perigos que a meu ver o livre-arbítrio terá que enfrentar.
Alguns deles já habitam conosco no dia a dia do movimento espírita, outros podem se introduzir caso não tenhamos a capacidade de identificá-los adequadamente.
Reitero no final que devemos ter esperança na construção de uma sociedade digna, partindo sempre do uso do livre arbítrio como condição primordial .














2 O LIVRE-ARBÍTRIO E OS SEUS INIMIGOS


2.1 O LIVRE-ARBÍTRIO


Segundo o Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano, a Liberdade teria três significados fundamentais, correspondentes a três concepções: a 1ª, segundo a qual a Liberdade é a ausência de condições e  limites; a 2ª, a Liberdade é vista como necessidade, que se baseia no mesmo conceito da 1ª, ou seja, a autodeterminação, mas atribuindo-a à totalidade a que o homem pertence; a 3ª concepção vê a Liberdade como possibilidade ou escolha, sendo então a Liberdade limitada e condicionada. ( 1 )
As duas primeiras, ao longo da história da filosofia estão ligadas a uma ordem cósmica ou divina, à Substância, ao Absoluto, ao Estado . A origem dessas concepções está nos estóicos, para os quais, a Liberdade consiste na autodeterminação e, portanto, só o sábio é livre. Isto porque somente o sábio vive em conformidade com a natureza, só ele se conforma à ordem do mundo , do destino .
Ainda segundo o Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano, enquanto as duas primeiras concepções de Liberdade possuem um núcleo conceitual comum, a terceira concepção não recorre a esse núcleo porque entende a Liberdade como medida da possibilidade, portanto escolha motivada ou condicionada. Nesse sentido a Liberdade é um problema aberto. Livre, nesse sentido não é quem se identifica com o Absoluto, o Estado, mas quem possui uma variável de possibilidades. 
Segundo a Doutrina Espírita, especificamente na sua Lei de Liberdade, o homem não pode vangloriar-se de gozar de absoluta liberdade, porque os seres humanos precisam uns dos outros, limitando dessa forma o uso de uma Liberdade absoluta. Dizem os espíritos "Desde que dois homens estejam juntos, há entre eles direitos a serem respeitados e, portanto, nenhum deles gozará de liberdade absoluta."  Mas  reforçam que sem o livre-arbítrio, o homem seria uma máquina ( 2 ) .
O Espiritismo, portanto, se identifica muito mais com a terceira concepção do que com as outras duas, conceito esse apresentado no Capítulo " Fatalidade " do Livro dos Espíritos onde, apesar de falar na escolha das provas antes de encarnar, a escolha inicial que determinaria um destino ,  reforça que o Espírito conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de resistir ou ceder às provas morais.
Sucede-se que historicamente o movimento espírita brasileiro trouxe para dentro de si os vírus da anti-liberdade que acabaram por comprometer a capacidade de escolha e decisão dos seus praticantes bem como dos movimentos espíritas regionais pelo Brasil afora.
"A Sociedade aberta e os seus Inimigos" é o nome de um dos livros mais instigantes do filósofo da ciência Karl Raimund Popper, nascido em Viena em 1.902 e falecido em 1.994 , aos 92 anos de idade , em Londres . Karl Popper fundou a teoria da falibilidade do conhecimento. Argumentou que o conhecimento científico não se assenta no chamado método indutivo, mas numa contínua interação entre conjecturas e refutações.
Entre as consequências desta visão progressista do conhecimento encontram-se duas consequências que terão particular importância para a filosofia política e moral de Popper. A primeira é que passa a se adotar o chamado critério de demarcação entre asserções científicas e não científicas: científicas são apenas aquelas que sejam susceptíveis de teste, isto é, de refutação. Algo do tipo "se a ciência demonstrar que estamos errados em algum ponto, nós mudaremos ".
Uma segunda consequência da teoria do conhecimento de Popper está na liberdade de crítica. "A possibilidade de se criticar uma teoria, de submetê-la a teste e de tentar refutá-la é condição indispensável do progresso do conhecimento", afirma Popper.

2.2 O PRIMEIRO INIMIGO AO LIVRE-ARBÍTRIO


O primeiro inimigo ao livre-arbítrio no Espiritismo oficial surgiu quando se assumiu uma posição claramente avessa a qualquer crítica, já que o Absoluto determinou antecipadamente o certo e o errado.
Diga-se que as ideologias dominantes no século XIX e XX tiveram o mesmo comportamento. Hoje vejo claramente que devemos desconfiar de toda concepção otimista da sociedade baseada nas duas primeiras concepções de Liberdade citadas, pois as injustiças têm um auto grau de aceitação no corolário dessas concepções. Fico com o grande escritor Elias Canetti quando afirma que  a ladainha de uma "astúcia da razão" histórica , capaz de se impor mesmo com a humanidade trabalhando na direção contrária , é um grande embuste ( 3 ) . O mesmo vale para uma razão natural.
O grande pensador espírita Eugênio Lara em seu interessante livro "Breve ensaio sobre o humanismo espírita" nos esclarece que apesar de o Humanismo Espírita ter suas raízes no pensamento iluminista, anteclerical, ele não entra em confronto com o cristianismo, com a Igreja. O autor Eugênio Lara sugere que ao querer interpretar os dogmas e princípios católicos sob a ótica espírita, Allan Kardec trouxe para dentro da Doutrina Espírita o ovo da serpente. Gosto muito quando afirma que o Espiritismo é determinista, mas não é fatalista. E que não há um destino pré-estabelecido bem como não existir fatalidade nos atos da vida moral. ( 4 ) Essa ideia é desenvolvida pelo pensador argentino Manuel Porteiro em uma conferência de 09 de outubro de 1.935 no Teatro Lasalle na Argentina .
Reproduzo aqui o texto completo pela sua beleza e densidade:
A filosofia espírita é determinista, mas não é fatalista, nem no sentido teológico, nem no materialista . No primeiro, porque não admite que as ações humanas nem as causas que as produzam estejam dispostas por Deus para a realização de cada fim individual, e porque este fim não é um limite no qual se encerre a evolução do espírito, nem está fora do ser , nem é oposto à sua essência nem à sua vontade, senão que é dinâmico, indefinido e livre na eleição dos meios e das ações que hão de realizá-lo: é o ser realizando-se a si mesmo no processo sem limites de sua evolução, superando-se nas noções e na prática do bem, da justiça e do amor , desenvolvendo as potencialidades e faculdades de seu espírito, elevando-se a uma maior compreensão de sua personalidade e da natureza no meio da qual se desenvolve. (Manuel Porteiro, 1936)

2.3 O SEGUNDO INIMIGO AO LIVRE-ARBÍTRIO


O segundo inimigo ao livre-arbítrio agora no ideário espírita , assim como à democracia , é não ficarmos atentos ao crescimento da intolerância religiosa e política. Estou preocupado com o que Fernando Bonassi, autor e ensaísta teatral, chama de criação no mundo contemporâneo de uma "República Fundamentalista Evangélica" no mundo ocidental.  Sua regra de conduta se baseia no ódio, às vezes disfarçado pelo desprezo, ao mundo científico e ao avanço do conhecimento, traduzidos numa intolerância ao Estado Democrático de Direito. Especialmente em se tratando dos neo-pentecostais o perigo é ainda maior, pois ao avançarem suas garras no mundo político formal, levam junto consigo a intolerância, que ganha dimensões de tragédia quando é incrementada aos aparelhos de estado.  Sua força na Câmara Federal (a bancada evangélica) colabora no patrocínio de um ideário de desprezo pela individualidade humana.
Se no movimento espírita a presença física nos cargos políticos é ainda incipiente, o perigo do ideário também ultraconservador é latente.  Basta acompanhar o órgão oficial de imprensa da Federação Espírita Brasileira, a revista "O Reformador", que repete os mesmos jargões/conceitos de 50 anos atrás , como se os grandes movimentos civis da segunda metade do século XX ,  que alteraram as relações sociais, nunca tivessem existido.
 E onde se situa nisso tudo o nosso querido Espiritismo? Jaci Regis, em seu artigo "Palavras de Emmanuel" do Jornal Abertura de Junho/2010, demonstra através da análise do livro "O Consolador" psicografado por Francisco Cândido Xavier e publicado  pela FEB em 1940 ( há setenta anos atrás), o qual traz as opiniões do Espírito Emmanuel , que a palavra desse espírito passou a ser considerada como uma "autorizada versão vertida da Espiritualidade Superior e tornou-se paradigma para o movimento espírita brasileiro" nas mesmas palavras de Jaci Regis . Eu complemento afirmando que é um paradigma  que não pode ser submetido a  testes, pois sua fonte advém de uma profecia superior , logo não passível de progressos oriundos de quaisquer avanços do conhecimento . Nesse ponto a FEB é extraordinariamente coerente com seu desprezo pelas mudanças sociais e morais que as ciências apontam como urgentes para o aperfeiçoamento do comportamento humano.

2.4 O TERCEIRO INIMIGO AO LIVRE-ARBÍTRIO


O terceiro inimigo ao livre-arbítrio vem da política. Aquela que nas palavras da filósofa Hannah Arendt seria a nossa última garantia de sanidade mental, hoje se transformou num grande negócio.  A frequência constante dos políticos nas páginas policiais é um atestado do perigo que falarei a seguir.  O grande fracasso da distribuição de renda no mundo e da solidariedade política entra as nações, com países importantes relegando durante anos a segundo ou terceiro planos anseios legítimos de outros povos, foi o combustível necessário para o aparecimento, o que parecia impossível nessa altura do campeonato, de um ideário baseado no controle do Estado, das comunicações e do comportamento humano. É o que eu chamo de perigo do reaparecimento de doutrinas totalitárias, com uma nova roupagem, onde até mesmo o uso de estratégias democráticas são utilizadas em causa própria. O Estado total não reconhece limites morais.
Determinados grupos que sairam às ruas, têm desprezo pelas instituições democráticas, aproveitando a fragilidade das mesmas pelo principal motivo que expus acima. A perseguição a veículos da mídia na cobertura dos protestos, com uso sistemático de violência física, demonstra a pouca importância que esses fanáticos têm pela liberdade de imprensa.  Prestemos atenção, pois como disse a escritora Lya Luft estamos em momentos extremamente confusos, perigosos, de vulnerabilidade e indecisão.
Em seu magistral livro "O povo brasileiro"  em sua introdução , o  antropólogo Darcy Ribeiro ( 5 ) escreve :
A estratificação social separa e opõe os brasileiros ricos e remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis. Nesse plano, as relações de classe chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda comunicação propriamente humana entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora, como se essa fosse uma conduta natural.
Os espíritos foram muito claros e contundentes ao responder que a desigualdade social é obra dos homens e não de Deus. Mas desafio quem nunca leu a estapafúrdia afirmação que as injustiças sociais são resgates do passado. Por esse tipo de conduta aliado ao desprestigio da política, os " revolucionários " e os " reacionários " estão de volta . Cuidado com eles. O livre-arbítrio nada significa para esse tipo de gente. No desejo de participarmos de movimentos sociais coletivos, devemos analisar muito bem o conteúdo desses grupos antes de entregarmos solenemente a nossa liberdade.
O engajamento entusiasmado costuma dar em grandes decepções. Os intelectuais fascistas e socialistas são pródigos em dar cria a grandes monstros.
Nas palavras do filósofo Czeslaw Milosz, Prêmio Nobel de Literatura de 1.980 , em seu livro Mente Cativa , " pertencer às massas é a grande força motriz do intelectual engajado " . 

2.5 O QUARTO INIMIGO AO LIVRE-ARBÍTRIO


O quarto inimigo do livre-arbítrio que listo agora é o da " civilização do espetáculo " , a cultura da celebridade , a adoração das novidades tecnológicas , onde o conhecimento que induz a valores não tem mais significado . Cultura passou a ser diversão. O que não é divertido não é cultura. O capitalismo está passando por uma grave crise justamente por aceitar como único valor existente aquele fixado pelo mercado. É espantosa a generalização da frivolidade, a proliferação do jornalismo de fofocas e de escândalos.
Sinto-me um ser à parte da humanidade quando vou ao cinema com minha esposa, em espaços alternativos, para assistir a um filme denominado " de arte " , ou seja , filmes que tratam das relações humanas e seus valores . Duram no máximo duas a três semanas no circuito cinematográfico. Quando entrei para a Mocidade Espírita Estudantes da Verdade em Santos no ano de 1.978, que maravilha de ambiente cultural encontrei naquela casa e naqueles jovens, assim como eu. Cinema, teatro e televisão eram fontes de cultura, saber e conhecimento do ser humano . Muitos tabus e preconceitos foram ultrapassados com esse conhecimento. Até mesmo na criação de argumentos contra a ditadura militar que vigia na época.
Porque o salto pra trás?  Onde estavam os intelectuais americanos que permitiram vários governos Bush ( pai e filho ) com seu atraso intelectual e moral ? Porque os intelectuais espíritas não perceberam esse fenômeno do aviltamento da cultura e se prepararam adequadamente para suprir as pessoas de subsídios para o seu dia a dia? E a tão famosa frase de que o progresso intelectual engendra o progresso moral, onde fica?
Para os intelectuais de porte mundial há uma explicação dada pelo escritor Mário Vargas Llosa ( 6 ):
 O que levou ao apoucamento e à volatilização do intelectual em nosso  tempo? Uma razão que deve ser considerada é o descrédito em que várias gerações de intelectuais incidiram em virtude de suas simpatias  pelos totalitarismos nazista , soviético e maoísta, bem como de seu silêncio e cegueira diante de horrores como o Holocausto , o Gulag soviético e os massacres da Revolução Cultural chinesa. (2012)
Sugiro a leitura do livro " Por uma esquerda sem futuro " de Timothy James Clark , que ao tratar da crise da modernidade , faz uma pergunta que repasso a todos : " Será que ainda temos à mão os materiais com as quais se constitui uma sociedade digna do nome " ? ( 7 )  Ao responder à pergunta 766 os espíritos de uma outra forma respondem qual o caminho para a busca dos materiais que fazem uma sociedade participativa . Afirma que Deus nos deu a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação. Dizem que os homens devem concorrer para o progresso, ajudando-se mutuamente. T.J.Clark ainda tem esperança quando diz que os " os elementos de uma nova linguagem possam de fato ser encontrados no espetáculo de uma política engessada, de uma economia impiedosa e de um entusiasmo generalizado ( como sempre ) pela mais recente e estúpida novidade tecnológica " .
Finalizo com as palavras  do genial Eugênio Lara no Prólogo ao seu citado livro : " O Espiritismo afasta-se radicalmente do dogmatismo cristão , do religiosismo , do pensamento mágico , da visão teológica do Ser e integra-se ao laicismo, alinha-se à ciência , sobretudo porque ele possui uma natureza humanista, portanto laica e secular " .( 8 ) .
Parece fácil, mas o caminho pela frente é muito árduo e cheio de perigos . A capacidade de organização dos viciados em religião e ideologias não deve ser menosprezada. No entanto , acredito nas palavras do poeta irlandês Seamus Heaney : " virá um dia em que a esperança irá rimar com história " .

















3 CONCLUSÃO


O Espiritismo só sobreviverá como ideia capaz de participar das decisões importantes da humanidade quando for capaz de construir um ideário e um comportamento isentos de preconceitos.  Para isso o livre-arbítrio é a ferramenta mais importante do seu conjunto doutrinário. Sem ele, ficaremos como as demais correntes espiritualistas que repetem sem cessar as mesmas ladainhas conservadoras. O pior corolário disso é a incapacidade de se abrir ao novo, mudar o comportamento, compreender melhor os seres humanos e com isso evoluir.
Infelizmente acredito que corremos o risco atualmente de nos transformarmos em mais uma religião, que para se defender da acusação de retrógrada, imobilizada, repete as palavras de Salomão de que não há nada de novo debaixo do sol.

             












REFERÊNCIAS


( 1 ) Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano - 6ª edição 2012 - Martins Fontes .
( 2 ) O Livro dos Espíritos - 1ª Edição comemorativa do Sesquicentenário - 2007 - FEB .
( 3 )  Livro Auto de Fé - Elias Canetti - 2ª edição 2011 - COSACNAIFY .
( 4 )  Breve ensaio sobre o humanismo espírita - Eugênio Lara -  1ª edição 2012 - CPDoc - Centro de Pesquisa e Documentação Espírita .
( 5 )  O Povo Brasileiro - Darcy Ribeiro - 12ª edição - Companhia de Bolso .
( 6 )  A Civilização do Espetáculo - Maria Vargas Llosa - 1ª edição 2012 - Editora Objetiva Ltda .
( 7 )  Por uma esquerda sem rumo - T.J.Clark - 1ª edição 2013 - Editora 34 .
( 8 )  Breve ensaio sobre o humanismo 

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

REFLETINDO SOBRE - HÁ DOIS MIL ANOS - por Ricardo Nunes


REFLETINDO SOBRE  - HÁ DOIS MIL ANOS


 Tenho me dedicado a reler alguns livros espíritas que li na juventude e que naquela época me impressionaram muito. Tento perceber a impressão que tais livros me causam hoje em dia. Com este objetivo, acabei de reler a famosa obra “Há dois mil anos” psicografada por Francisco Cândido Xavier. Esta obra pretende ser uma biografia de uma das reencarnações do Espírito Emmanuel, que teria sido, segundo informação ali existente, o senador Publius Lentulus, legado do imperador romano na Judeia ao tempo de Jesus.

Desde que foi publicado, na primeira metade do século XX, o livro causou polêmicas quanto aos fatos ali narrados. Na atualidade, podemos verificar na internet toda uma discussão sobre a existência ou não deste senador na Roma antiga. Existe um debate interessante sobre a veracidade de uma carta atribuída no livro ao senador Publius Lentulus e destinada ao senado romano, na qual o senador teria feito a descrição de algumas características físicas e morais de Jesus de Nazaré.

 Em minha opinião estas polêmicas não tiram o valor   literário e doutrinário do livro. Trata-se de um bom livro, bem escrito, e que trata de alguns episódios da época do cristianismo primitivo. Mesmo que a obra fosse ficcional, ainda assim teria o seu valor. Se existem nela elementos de ficção e realidade tão ao gosto de alguns escritores, não sei dizer. O fato é que Emmanuel não a oferece ao público como obra ficcional, mas como relato de sua própria história naquela distante Roma dos Césares, diz ele:

 “Tenho-me esforçado, quanto possível, para adaptar uma história tão antiga ao sabor das expressões do mundo moderno, mas, em relatando a verdade, somos levados a penetrar, antes de tudo, na essência das coisas, dos fatos e dos ensinamentos. Para mim essas recordações têm sido muito suaves, mas também muito amargas. Suaves pela rememoração das lembranças amigas, mas profundamente dolorosas, considerando o meu coração empedernido, que não soube aproveitar o minuto radioso que soara no relógio da minha vida de Espírito, há dois mil anos. Permita Jesus que eu possa atingir os fins a que me propus, apresentando, nesse trabalho, não uma lembrança interessante acerca de minha pobre personalidade, mas, tão somente, uma experiência para os que os que hoje trabalham na semeadura e na seara do nosso divino Mestre. ”

De fato, o livro dá a impressão de ter sido escrito por alguém que conhecia profundamente aquela época da história de Roma, diz ainda Emmanuel:

 “Ante minha alma surgem as reminiscências das construções elegantes das colinas célebres; vejo o Tibre que passa, recolhendo os detritos da grande Babilônia imperial, os aquedutos, os mármores preciosos, as termas que pareciam indestrutíveis...Vejo ainda as ruas movimentadas, onde uma plebe miserável espera as graças dos grandes senhores, as esmolas de trigo, os fragmentos de pano para resguardarem do frio a nudez da carne. Regurgitam os circos.... Há uma aristocracia do patriciado observando as provas elegantes do Campo de Marte e, em tudo, das vias mais humildes até os palácios mais suntuosos, fala-se de César, o Augusto!”

Percebe-se que o livro é escrito por alguém profundamente cristão, o que condiz com as características ideológicas de Emmanuel e também de Chico Xavier, apesar de ambos terem se convertido ao espiritismo. Emmanuel também teria sido, em uma de suas reencarnações, segundo a tradição existente no movimento espírita, um sacerdote católico.

 A obra relata um amor frustrado entre o senador Publius Lentulus e Lívia, sua esposa, que teria sido uma das primeiras aristocratas romanas adeptas da mensagem cristã. No que diz respeito ao seu relacionamento afetivo com Lívia, Emmanuel sugere na obra um conceito questionável em termos de filosofia espírita, o de que seriam “almas gêmeas”.

 O livro traz uma interessante descrição da Roma dos Césares: do sofrimento e das atividades dos escravos, das competições e cruéis divertimentos no circo, dos costumes patrícios, do domínio militar das legiões romanas sobre os povos conquistados, das intrigas na disputa pelo poder na política do império. A obra relata ainda as pregações de Jesus, sua condenação e morte, a ascensão de Nero ao poder, a destruição de Jerusalém por Tito, bem como trata das primeiras perseguições aos cristãos e termina com a erupção do Vesúvio em Pompeia, entre outros temas. Daria certamente um grande filme.

 É necessário dizer que não acredito na desonestidade de Chico Xavier na composição do livro. Neste sentido, alguns adversários do espiritismo alegam que ele teria feito pesquisas sobre a Roma antiga para escrever o romance. Não creio.

 Outros defendem como fonte da obra o inconsciente do médium, que seria capaz de captar, através de “superpoderes”, sabe-se lá de que maneira, a narrativa do livro na mente de alguma pessoa em qualquer lugar do mundo. Também não creio.

  Seria a obra um produto do inconsciente profundo do médium, de origem anímica, em razão dele ter vivido naquela época em uma de suas reencarnações? Esta hipótese seria possível, porém também não acredito nesta alternativa considerando as múltiplas personalidades, com seus maneirismos, estilos característicos, perfis psicológicos, intelectuais e morais diversos, que se manifestaram através da psicografia de Chico durante toda a sua vida.

Muito interessante é o breve período de tempo em que o livro foi escrito, quase 4 meses, de 24 de outubro de 1938 a 09 de fevereiro de 1939.

Vale a pena ler este e outros romances psicografados por Chico Xavier e por outros médiuns, sem perder de vista, é claro, que a obra psicografada de qualquer médium deve ser analisada sob os critérios filosóficos, técnicos e éticos da ciência espírita. Para entender adequadamente a obra de Xavier ou de qualquer outro médium é necessário conhecer a obra de Allan Kardec, que nos ensina, entre outras coisas, que nenhum médium está isento da análise crítica de sua produção mediúnica, pois, afinal, não existe médium perfeito.


quinta-feira, 25 de maio de 2017

Sobre a vida em Jupiter, segundo a Revista Espírita de 1858 - por Alexandre Cardia Machado

Sobre a vida em Jupiter, segundo a Revista Espírita de 1858


Existe um parágrafo inteiro descrevendo as características dos habitantes de Júpiter. Na Revista Espírita (RE) no ano de 1858, em diversas edições. Aqui só destacarei alguns deles:
-          “ Enquanto nós rastejamos penosamente na Terra, o Habitante de Júpiter se transporta de um a outro lugar, deslizando pela superfície do solo, quase sem fadiga, como o pássaro no ar ou o peixe na água”;
-          “ a alimentação é formada de frutas e plantas”

 Allan Kardec recebe um comunicação e a publica, sobre esta comunicação Kardec, faz a seguinte referência:

“ignoramos onde e quando se realizaram, não conhecemos o interpelante, nem o médium, somos completamente estranhos a tudo isso...entretanto é notável a perfeita concordância ...”

-          “ 25 – nosso globo terrestre é o primeiro desses degraus, o ponto de partida, ou vimos ainda de um ponto inferior?
-          Há dois globos antes do vosso, que é um dos menos perfeitos.
-          “ 26 – qual o mundo que habitas? Ali és feliz?
-          Júpiter. Ali desfruto de uma grande calma; amo a todos os que me rodeiam. Não temos ódio.”
- “ ... No planeta Júpiter, onde habito, há melodia em toda parte: no murmúrio das águas, no ciciar das folhas, no canto do vento; ...”


Em outro número da RE do mesmo ano – Agosto de 1858 “A propósito dos desenhos de Júpiter” - Nesta edição Kardec publica o desenho da “famosa casa de Mozart” feita em agua forte – gravada em uma placa de cobre por um médium que não sabia desenhar, nem gravar. Kardec ressalva “ora, como fato de manifestações, estes desenhos são, incontestávelmente, os mais admiráveis, desde que se considere que o autor não sabe desenhar, nem gravar, e ...mesmo que esse desenho seja uma fantasia do Espírito que o traçou, o simples fato de sua execução, não seria um fato menos digno de atenção...”

Análise crítica deste conjunto de textos:

As naves espacias  Pionner no início da década de 80,  as Voyagers, na década de 90, a sonda Galileu, no final da década de 90 e a recente passagem da nave New Horizon que se encaminhava a Plutão nos enviaram fotos fantásticas em diversos comprimentos de onda dos planetas externos do sistema solar, nos revelaram a existência dos anéis de Júpiter e suas 67 Luas.

Sabemos hoje que Júpiter não tem superfície, trata-se de um planeta gasoso, muito massivo, mas com a densidade ¼ da terrestre.
Alguns cientistas admitem que o núcleo do planeta possa ser formado por um líquido altamente pressurizado, formado por Hidrogênio e Hélio.
Com o exposto acima não acreditamos que Mozart pudesse ter uma casa, como desenhada na “Revue”, em um planeta sem superfície sólida.
Jupiter trata-se de um planeta gasoso e portanto insistir na justificativa da existência desta casa seria chover no molhado, todas estas publicações só poderiam ser oriúndas de um Espírito pseudo-sábio.


Para abrir a sua mente: Kardec, Allan – Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos Editora EDICEL SP- Brasil– 1858


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

O MITO DO PROGRESSO por Roberto Rufo e Silva

O MITO DO PROGRESSO

“O progresso roda constantemente sobre duas engrenagens. Faz andar uma coisa esmagando sempre alguém”. (Vitor Hugo).

“O progresso, sendo uma condição da natureza humana, não está ao alcance de ninguém a ele se opor”(Allan Kardec).
 Andrew Jackson foi um advogado e político americano. Foi o sétimo presidente dos Estados Unidos, de 1829 a 1837.  Jackson foi uma figura polarizadora, que dominou a política americana dos anos 1820 aos anos 1830. Sua ambição política, combinada com a ampliação da participação política por mais pessoas moldaram o moderno Partido Democrata. Famoso pela sua dureza, ele era apelidado de”Old Hickory”(Velha Nogueira).Talvez o aspecto mais controverso da presidência de Jackson tenha sido a sua política em relação aos índios americanos. Jackson foi um líder defensor de uma política conhecida como Indian Removal (Remoção Indígena). Enfim, Jackson imprimiu um grande progresso material aos EUA, todavia a um custo elevado de vidas indígenas, cujas terras possuíam riquezas minerais que precisavam ser exploradas.

Há palavras que adquiriram com o tempo um significado totalmente positivo, colocando suas palavras antônimas em situação de desprestígio. Progresso é uma delas. Quando se diz que um sujeito é progressista, logo definimos que”lá vai um cara bom ajudando o mundo”. Quanto ao seu contrário, o sujeito dito conservador, logo afirmamos que “lá vai um cara que não deseja um mundo melhor”. Isso acontece também na relação otimista/pessimista. Dizia um professor que o pessimista só é otimista quanto ao futuro do pessimismo.

Mas será mesmo que todo”progresso”( científico, social ou material ) é realmente um passo a mais na evolução espiritual, ou temos comido muito gato por lebre? 

 A Doutrina Espírita na sua Lei do Progresso nos oferece um balizador interessante quando os espíritos em resposta à pergunta 779 nos falam que o progresso tem que se fazer pelo contato social e que todo progresso intelectual tem que estar embasado num progresso moral, que infelizmente nem sempre o segue imediatamente. É isso que nos interessa conceituar quanto à Lei do Progresso. Outras afirmações, tais como, de que existem povos rebeldes que se colocam contra o progresso (os índios americanos por exemplo) e que por isso serão naturalmente aniquilados de alguma forma são datadas e ultrapassadas. Além disso os espíritos complementam seu pensamento dizendo que nós mesmos, os civilizados, um dia fomos rebeldes. Hoje já não se aceita mais essa relação”civilizados/selvagens”.

Atualmente o ser humano consegue destruir um”campo rebelde”em Alepo na Síria com foguetes teleguiados por satélites com uma margem de erro de aproximadamente três metros do alvo a ser atingido. Será isso um progresso? Mesmo assim às vezes os foguetes erram o alvo e acabam atingindo escolas ou hospitais com consequências dramáticas. Mas não percamos a esperança , novos ”progressos”virão e não erraremos mais o alvo. 

Em seu livro”O Mito do Progresso”, Gilberto Dupas não sem razão nos alerta que esse discurso dominante de que todo progresso é bom, traz também consigo a justificação indevida à exclusão, à concentração de renda e aos graves danos ambientais. A Doutrina Espírita nesse ponto é esclarecedora ao colocar o orgulho e o egoísmo como o maior obstáculo ao progresso. Faço aos leitores a indagação do Professor Gilberto Dupas :”O que significa, afinal, a palavra progresso no imaginário da sociedade global que vive o início do século XXI”?

Para o autor o que definitivamente consolidou a ideia contemporânea de progresso foi a revolução provocada por Darwin com sua Origem das Espécies, publicada em 1859.  A partir daí, nos ensina Dupas, o mundo produziu uma vasta literatura em ciência social em que progresso era sempre suposto como axioma. Ou seja, diz ele, a ideia de progresso permeou a quase totalidade da obra de Hegel, estruturada sobre a dialética, que seria uma fonte propulsora infinita do progresso.
Um dia ainda escreverei um artigo intitulado”O Mito da Dialética”. O Espiritismo dito progressista, a meu ver,abraçou em demasia esse mito como sendo algo intrínseco e inerente ao discurso espírita.  Marx também acreditou profundamente no progresso histórico e inexorável da humanidade.

Faz-se necessário um pouco de descrença nesse mito do progresso como algo essencialmente bom. Vamos voltar a ler Schopenhauer, Kierkegaard, pois um pouquinho de”pessimismo”é salutar. Duvidemos do que nos parece óbvio. Após a queda do socialismo real, passou-se acreditar que só existe um tipo de progresso. Alguém preconizou até que seria o fim da história.  
                                              
Faço uma pergunta a vocês : quem pode se dizer otimista e acreditar piamente de que qualquer sociedade complexa só se viabiliza pela auto-regulação da economia de mercado? Uma fábrica nos EUA pagava 20 dólares a hora aos seus empregados. Seguindo as leis do mercado transferiu-se  para o México, onde pagava 5 dólares a hora. Aperfeiçoando-se ainda mais pelas regras do mercado, agora impostas pela China, mudou-se para lá onde paga agora  2 dólares a hora. Podemos falar em progresso? Se sim, como fica o tal avanço moral? Causou desemprego nos EUA, aumentou o”círculo da ferrugem”em seu país (pesquisem), alimentou o trabalho aviltante na China e por tabela ajudou a eleger o Donald Trump, que soube explorar habilmente essa situação. 

Finalizo passando a vocês uma tarefa. Leiam por favor com atenção a resposta dos espíritos e os comentários de Kardec à pergunta 793. (Por quais sinais se pode reconhecer uma civilização completa?). É ótimo.


                                                                                                                                                   Roberto Rufo.


domingo, 12 de fevereiro de 2017

Pau que nasce torto as vezes se endireita - por Alexandre Cardia Machado

Pau  que nasce torto as vezes se endireita

Gostaríamos de falar de uma iniciatva que já conta com 10 anos, trata-se do Prêmio Trip Transformadores – realizado pela Revista Trip, neste ano padrocinada pelo Grupo Boticário junto com outros onze co-patrocinadores. A ideia do prêmio veio de Paulo Lima, Editor – Presidente da revista.

Este Prêmio tem por objetivo identificar, brasileiros capazes de recriar a noção de desenvolvimento humano, transformando a realidade. Isto tem tudo a ver com o Jornal Abertura, onde sempre que possível buscamos chamar a atenção para aqueles que fazem algo de bom pela sociedade, aqules que demonstram o Caráter do Homem (ou Mulher) de Bem.

A revista, em edição especial, impressa em papel reciclado, em seu editorial escreve o que buscamos destacar aqui: “Você acredita no Brasil? Deveria. Por alguns minutos desapegue-se das imagens mal construídas do país que você vive. Esqueça a corrupção de colarinho branco que parece minimizar a honestidade de um povo. Acredite que há mesmo quem tira dinheiro do bolso para ajudar os outros. Conteste com veemência a máxima de que pau que nasce torto nunca se endireita. Quem contou isso para você mentiu.”

Li a revista, num voô entre Porto Alegre e São Paulo, leitura fácil, as pessoas que lá foram reconhecidas são muito diferentes umas das outras, o que elas tem em comum é o fazer acontecer as mudanças, no campo social, na cultura ou na transformação para melhor do mundo ao seu redor.
Escolhi um caso que bem representa o que no Espiritismo chamamos do progresso que o Espírito experimenta em sua encarnação, nunca é tarde para mudar. Ainda que mais raro, é possível sim mudar alguém que está em um presídio, ou que caminhou no mau, por muito tempo, não há uma solução única, mas se oferecermos alternativas, alguns conseguirão melhorar. Jacira Jacinto da Silva, Presidente da CEPA, em seu livro Criminalidade: Educar ou Punir, assim se refere à situações semelhantes a que busco mostrar aqui: “ As lições do espiritismo nos ensinam a enxergar que todas as pessoas, incluíndo as que nasceram e cresceram sem oportunidade, e até mesmo as que cometeram infrações graves à ordem social, têm perspectiva de sucesso, pois fomos criados para aprender e crescer indefinidamente”.

Escreveremos sobre Luiz Alberto Mendes, escritor e colunista da revista Trip, autor de 6 livros, esteve preso por 31 anos no presídio do Carandirú, na cidade de São Paulo, tendo o peso sobre si de pelo menos dois assassinatos. Saiu de casa aos 12 anos, para fugir de um pai alcólatra que batia na esposa e nos filhos, vivendo nas ruas até os 19 anos quando foi preso. Não se importava com nada, não via perspectiva na vida. Assim passou um bom tempo na cadeia, até que veio a epidemia de AIDS, nos anos 80 do século passado, que infestou os presídios.

Luiz relata que não havia profissionais de saúde em número suficiente no Carandirú e por um impulso ele resolveu se importar com aquilo e fazer algo no presídio, foi ajudar no cuidado aos pacientes. Foi quando uma conheceu uma enfermeira travesti que gostava muito de ler. Ali surgiu uma amizade.Ela foi a primeira a lhe mostrar a importância da leitura. 

A transformação foi imediata, do não fazer nada o dia inteiro, passou a ser um leitor voraz, passou a ler 10 horas por dia. Em meio a dor e a agonia do presídio conheceu a obra de Jean Paul Sarte, a quem admira, mas a quem se propõe  discordar, Sarte disse “ O inferno são os outros” ele contesta “ O inferno é a ausência dos outros”. Esta reflexão demonstra que ele foi capaz de perceber que a importância da relação com o outro, perceber a importância da outra pessoa nos humaniza.

O conhecimento melhora a vida, desde que não seja ornamental, ou seja apenas para distração. A leitura tem o potencial de ser um transformador de estrutura mental e por consequência fazer com que passemos da ideia à ação.

Pesquisando um pouco mais encontramos uma entrevista de Luiz Mendes, onde ele explica um pouco melhor como iniciou o interesse pela leitura e a explicação para a frase colocada acima.

O contato começa com uma mulher que trocava conversa comigo por cartas. Essa história tem início bem antes, pois quando fui preso eu não sabia escrever carta direito e um amigo me ensinou a escrevê-la, com rascunho e eu passava a limpo para enviar à minha mãe. Então chegou um momento em que comecei a modificar a carta, porque eram relatos íntimos com minha mãe, até que num ponto comecei a escrever sozinho. Fui escrevendo para outras pessoas também até chegar nessa professora, que morava no Rio de Janeiro, estava se formando em Letras, gostava de literatura e me mandava os livros importantes para eu ler. Os primeiros livros que eu me apaixonei foram os de Érico Veríssimo.”
Este relato, lembra um pouco o que descrevem os romances espíritas, onde as palavras de amor, e de esclarecimento, abrem um espaço na mente do espírito, por onde o amor penetra. Não foi bem assim com Luiz, demorou um bom tempo, em suas próprias palavras, já bem mais maduro afirma, “não foram os livros que me salvaram, mas as pessoas que me enviram os livros”. Esta frase denota toda uma perspectiva filosófica e não mítica de Luiz. 

Em algum momento a ação transformadora da leitura, transformou Luiz em um ser moral que se preocupa com o bem estar e os direitos dos outros.

Luiz Mendes hoje dá palestras, ajuda com seus livros outras pessoas a sair da marginalidade, ele não é espírita, o texto não tem nenhuma referência a religião, pela proximidade com Sarte, tudo leva a crer que seja materialista. Mas seja como for o Espírito tem em si mesmo o impulso do progresso e mais uma vez parafrasiando Sarte “ Liberdade é o que você faz com aquilo que aconteceu com você”.

 A lei do progresso é de ação permanente pois sempre queremos, ou almejamos algo a mais para nós mesmos ou para a nossa sociedade.