quinta-feira, 11 de abril de 2013

Arquétipos – Jaci Régis

Arquétipos – Jaci Régis

Naquele tempo era costume nos encontrarmos aos sábados de manhã. Eu, o José e o Joaquim. Éramos diretores do Lar Veneranda e nesse espaço colocávamos em dia as coisas e conversávamos abundantemente.


Joaquim comentou a persistência das ideias através dos tempos: Passam anos e você vê que a maioria continua acreditando nos mesmos símbolos e ideias, disse.

José lembrou-se dos arquétipos, ideia de Carl Jung, criador da Psicologia Analítica.

Segundo Jung, ensinou José, os arquétipos ou “ideias primordiais” se originam de uma constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Funcionam como centros autônomos que tendem a produzir, em cada geração, a repetição e a elaboração dessas mesmas experiências.

São estruturas autógenas que se multiplicam decorrendo de fatores culturais, ou seja, elas existem, formam verdades, formas de pensar e agir supostamente espontâneas se impondo à sociedade e, naturalmente, também às pessoas.

Após o longo esclarecimento houve um silêncio. Joaquim voltou à carga.

- Será que a persistência das ideias cristãs seria um exemplo dos arquétipos?

José pensou e disse: Talvez não exatamente como Jung definiu. Mas nos permite pensar como, geração após geração, certos símbolos, mitos e ideias atravessam a cortina do tempo.

- Sob o ponto de vista da reencarnação, talvez possamos explicar a perpetuação das ideias, intervi por minha vez. E aduzi: A fixação na mente da pessoa através das experiências vividas nas culturas em que se encarnou ao longo do tempo possivelmente explique o fenômeno.

José completou: Por isso os arquétipos possuem como que uma identidade especifica e persistem como herança cultural a se imporem aos grupos sociais.

Penso, falei, no mito do messias. É um arquétipo da cultura judaica. Com o cristianismo esse mito foi universalizado e identificado em Jesus de Nazaré.

Nesse caso, continuou José, o arquétipo do cristianismo é posterior ao do mito do messias, pelo menos em quatro séculos.

O que passou, prosseguiu ele, é que essa carga arquetípica estabelece uma cortina pesada contra a renovação. Esse fato me faz analisar como as religiões mantém-se apesar da queda vertiginosa de seu poder.

Dei continuidade ao diálogo: Como, desde a mais remota antiguidade, a ação divina sempre foi predatória, resignar-se e submeter-se foi o caminho ensinado para prolongar a vida, pois o deus tem o poder de matar quando sua vontade assim quiser. E nada nos protege, ponderei.

A tradição pesa e cria uma atmosfera de proteção contra o novo, que se apresenta quase sempre como um abismo, falou Joaquim.

Continuei: Quando a ciência penetra o nebuloso das verdades fundamentais, que inclui Deus e a razão de viver, a natureza e o destino das pessoas, a maioria nega-se a mudar, a retificar o caminho e despreza as verdades. O novo pode afetar o equilíbrio que arquetipicamente mantém a maioria nos limites de suas crenças.

O interessante, completou José, é que o crente, de modo geral, aceita os progressos da ciência no campo das realidades mais objetivas, como a saúde, tanto quanto adere aos novos hábitos e comportamentos que se modificam conforme os tempos.

Mas o crente rejeita as evidências, atalhou Joaquim, quando a ciência contraria as afirmativas seculares sobe a divindade e a natureza humana. Talvez os arquétipos da certeza da fé permaneçam na base dessa resistência.

Essa indecisão, falei por minha vez, facilita a vida das religiões, ancestrais, afirmativas. Mantendo suas verdades e usando da estratégia do mistério e do poder a que se atribuiu, elas se mantêm imunes ao novo. Seja como for, são um refúgio para o ser humano desnorteado com a revelação de fatos que desmontam todo o esquema de fé e certeza em que se sustenta precariamente.

José fez a pergunta: Como superar o peso dessas ‘ideias primordiais’?

Foi Joaquim, inspirado, quem respondeu: Ainda que demore, pela ciência. Porque ela investiga os fatos, descobre as razões e estabelece uma compreensão razoável das coisas, ainda que temporariamente. Porque a ciência descobre verdades parciais, sujeitas a mudar.

Comentei que estava lendo um livro sobre uma filosofia espiritualista que, como qualquer uma, descobriu a verdade. Seu fundador, para afirmar suas teses, simplesmente nega os fatos cientificamente comprovados.

Para ele, repetindo a ideia da criação bíblica, o ser humano foi criado por Deus, isolado de todos os mecanismos da evolução das espécies. Nega, inclusive, a relação dos seres humanos com as civilizações pré-humanas. Deus, para o fundador, tira as pessoas do vazio.

Nada tenho com esses pensamentos, mas vejo que mesmo os indivíduos mais letrados, na pressuposição de terem encontrado um caminho próprio para entender o mistério da vida, não titubeiam em rejeitar os fatos para manter sua fé.

Depois de tomarmos um cafezinho, José fez uma análise interessante. De modo geral, disse ele, as religiões estão paradas conceitualmente e os avanços da ciência não abalam seus alicerces, pelo menos a curto prazo. A Igreja católica mantém seus princípios medievais em pleno século vinte e um. E como ela, todas as crenças religiosas se referem ao passado, às verdades que desbotaram, mas se apegam a elas como boias de salvação.

Mantém-se, interveio Joaquim, porque para ao crente não importam, pelo menos para a maioria, os escândalos, as descobertas cientificas. Ele se agarra à sua crença que tem o selo divino e diante do divino a ciência ainda é vista como sacrílega.

Provoquei: E o Espiritismo? E continuei: Allan Kardec afirmou que se qualquer principio da doutrina for desmentido pela ciência, passaríamos a seguir a ciência e abandonaríamos aquele principio. A medida não é apenas inteligente. É sábia.

Todavia, voltou José, ainda que muitas das afirmações espíritas tenham sido desmentidas pela investigação cientifica há quem se mantenha apegado aos ditames de cento e cinquenta anos atrás. Aqui também, a fé religiosa, nega evidências, concluiu.

A força de um arquétipo diminui, mas talvez nunca desapareça, comentou José. Pode ser e é substituída por outros arquétipos, pois assim tem sido, conforme os modelos cultuais se modificam.

Sempre houve os que se rebelaram contra a tutela dos modelos. Em todas as épocas essa rebeldia foi a brecha para a renovação Agora, neste século vinte e um, a força das investigações cientificas está criando, paulatinamente, um arquétipo materialista contrariando todo os arquétipos anteriores, espiritualistas, deístas, religiosos.

O futuro mostrará como nos livraremos do materialismo, disse eu.

E a conversa terminou, pois era hora do almoço.



Texto publicado na coluna Ciência da Alma no Jornal Abertura – Março 2013



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