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segunda-feira, 6 de março de 2023

O MOVIMENTO DAS IDEIAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA - por Ricardo de Morais Nunes

 

O MOVIMENTO DAS IDEIAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA

Na atualidade muitos espíritas sentem que é necessário ou desejável um posicionamento de caráter político. No artigo do nosso estimado amigo Roberto Rufo no Abertura do mês de setembro ele indaga ao comentar sobre um evento do coletivo Espíritas à esquerda: “politicamente sou de centro-direita. Tenho salvação? ”   Alexandre Cardia, nosso querido editor, afirma na mesma edição “temos publicado artigos de nossos articulistas, alguns de centro, outros mais à direita ou mais à esquerda”. A referência à esquerda, à direita ou ao centro está na ordem do dia no movimento espírita brasileiro.

Ricardo de Morais Nunes -12° SBPE


O que quero ressaltar, no entanto, nesse artigo, não é propriamente o posicionamento político que cada um entende melhor para si, o que é legitimo dentro de uma perspectiva de livre pensamento. Por exemplo, eu mesmo me situo em uma perspectiva de crítica ao capitalismo, por entender que o capitalismo, enquanto sistema econômico, precisa ser superado ou, pelo menos, reformado profundamente, pois efetivamente tem gerado abismos de desigualdade intransponíveis entre os seres humanos, criando de um lado uma restrita classe de privilegiados que tudo possuem ao excesso e, do outro, a grande maioria, uma população marginalizada excluída dos bens fundamentais à vida.  Nesse sentido, me coloco à esquerda em termos de posicionamento político, sem a menor hesitação.

Mas meu objetivo hoje não é analisar as posições de esquerda, centro ou direita existentes no movimento espírita brasileiro. Meu objetivo é chamar atenção para o fato de como as circunstâncias históricas objetivas mudam independentemente de nossas vontades pessoais e nos colocam desafios inesperados para a reflexão.

 Há alguns anos, no Brasil, o assunto fundamental no movimento espírita, para um importante número de pensadores, era sobre a natureza religiosa ou não do espiritismo, sobre a natureza cristã ou não do espiritismo. Esse foi o grande debate no qual estiveram envolvidos grandes pensadores, uns defendendo a natureza cristã e religiosa do espiritismo, outros defendendo a natureza laica e universal da proposta filosófica espírita. O debate era tão intenso que se criou naquela época uma lenda urbana ou, como diríamos hoje, uma “fake News”, de que alguns espíritas, no caso os laicos, queriam “tirar Jesus do espiritismo”.

 Na atualidade, no entanto, esse debate não deixou de ser relevante. Pelo contrário, como espírita laico e livre pensador entendo que este tema é fundamental para a melhor compreensão da obra de Allan Kardec, porém, esse tema cedeu muito espaço às questões políticas e sociais.

 Tais questões surgiram a partir de uma demanda da sociedade brasileira para que os espíritas se posicionassem quanto a sua visão de sociedade e política, dadas as crises e ameaças à democracia liberal brasileira. Não foi por acaso que surgiram os chamados coletivos espíritas, nos quais a preocupação social é evidente já a partir da denominação desses grupos.

Interessante observar, neste novo horizonte de discussão, que tem havido diálogos interessantes e fraternos entre espíritas laicos progressistas e espíritas religiosos progressistas. Assim como os espíritas conservadores também dialogam entre si sejam eles laicos ou religiosos.  As demarcações rígidas que tínhamos entre espíritas religiosos e não religiosos se atenuaram em parte por força da temática política e social e houve um processo de interação em nosso movimento espírita.  Nesse sentido, o adjetivo “progressista”, pode pertencer a espíritas laicos ou religiosos o mesmo ocorrendo com o adjetivo “conservador”.

É necessário chamar atenção que essa agenda temática se impôs de fora ao movimento espirita brasileiro e convocou os espíritas a pensar sobre as questões políticas e sociais de seu tempo e, a partir dessa reflexão, se dividiram em visões de mundo distintas. Essa situação nos mostra claramente como somos reféns, em boa medida, de nosso tempo histórico. Na verdade, o “Espírito do tempo” é a moldura sobre a qual se realiza nosso fazer filosófico.

O espiritismo, enquanto filosofia espiritualista, pode ser apto a acompanhar o devir das ideias. Mas também pode não acompanhar e ficar estagnado passando a se constituir em mais uma cosmovisão dogmática no campo do espiritualismo.

 Mais uma vez é necessário lembrar o acerto da famosa frase de Léon Denis: “O espiritismo será o que dele fizerem os homens”. Ou, em boa linguagem atual:  O espiritismo será o que dele fizerem os homens, as mulheres, e os integrantes da comunidade LGBTQI+ de nosso tempo.

 Uma coisa é certa em meio a esses novos enfoques e prioridades temáticas que abalam, mas também redirecionam o tradicional movimento espírita brasileiro. Não será fácil para a maioria dos espíritas, principalmente os que já militam há muitos anos no movimento espírita, se acostumarem a essa mudança de agenda temática. Surgirão muitos espíritas que não se reconhecerão sintonizados com esse novo tempo de reflexão espírita.

 A nossa tendência, como ser humano, é nos cristalizarmos em nossas idiossincrasias, é nos acomodarmos em nossas “verdades” e em nossas “certezas”. Porém, o novo sempre vem, e nos assusta. A verdade é que desejamos, mesmo que de forma inconsciente, que o tempo pare, na exata conformidade dos nossos anseios pessoais e de nosso mundo muito particular. Mas, felizmente, o mundo é maior que nossos desejos, que nossos condicionamentos, enfim, o mundo nos supera.

Artigo originalmente publicado na página 8 do Jornal Abertura de outubro de 2022. Se quiseres ver o jornal todo baixe:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/22-jornal-abertura-2022?download=202:jornal-abertura-outubro-de-2022


segunda-feira, 11 de julho de 2022

AS GUERRAS E A UTOPIA ESPÍRITA DA PAZ UNIVERSAL por Ricardo de Morais Nunes

 

AS GUERRAS E A UTOPIA ESPÍRITA DA PAZ UNIVERSAL

Desde a antiguidade até a contemporaneidade as guerras têm sido muito comuns em nossa história. Guerras de conquista de territórios, de escravização de povos, de pilhagem de riquezas. Na antiguidade os hebreus, os egípcios, os persas, os gregos, romanos e outros povos participaram de inúmeras guerras.

Na Idade Média e nos primórdios da era moderna tivemos as guerras religiosas. As cruzadas católicas, os conflitos entre protestantes e católicos. A aniquilação dos cátaros e a terrível noite de São Bartolomeu marcaram tristemente a história do ocidente.

Ricardo Nunes - XII SBPE


No século XX tivemos guerras de caráter ideológico-político. A batalha de Stalingrado que envolveu nazistas alemães contra comunistas russos na segunda guerra mundial é um exemplo paradigmático de conflito ideológico.

Podemos mencionar, ainda, as guerras de independência dos povos contra seus colonizadores. As lutas de independência do Vietnã, por exemplo, são impressionantes, para ficar apenas em um exemplo.

As jihads ou guerras santas da atualidade. Quem de nossa geração não lembra do atentado às torres gêmeas?

O eterno conflito Israel x Palestina. Sem solução até nossos dias.

As invasões soviéticas à Hungria, Tchecoslováquia e Afeganistão.

Os ataques norte-americanos ao Iraque, Afeganistão e Síria.

 O mais recente conflito Russia x Ucrânia/OTAN.

Um conflito histórico para nós, brasileiros, é a chamada “guerra do Paraguai” ocorrida no século XIX, na qual brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios se envolveram em um conflito sangrento, provavelmente, o maior conflito entre as nações da América do Sul.

 Podemos falar ainda nos eventos revolucionários. Para citar apenas alguns exemplos a revolução francesa, russa, cubana, chinesa, iraniana.

A guerra também pode ser feita sem tiros e bombas, através de sanções econômicas que asfixiam a economia de um país. Exemplo notável em nossos dias é o bloqueio/embargo econômico dos Estados Unidos a Cuba.

Essa medida, que já dura mais de 60 anos e remonta ao tempo da guerra fria, prejudica toda a população daquele país, pois sanciona as relações comerciais normais entre Cuba e os Estados Unidos e interfere nas relações comerciais de Cuba com outros países. Os países membros da ONU, em maioria, têm se manifestado várias vezes contra o bloqueio e nada acontece.

As lutas de classe entre os detentores do poder econômico e os trabalhadores muitas vezes se transformam em violência aberta e deflagrada. A célebre comuna de Paris no século XIX é um exemplo paradigmático de como o poder econômico reage aos movimentos de emancipação dos trabalhadores ao longo da história.

Estes são apenas alguns poucos exemplos que cito de memória de algumas guerras, conflitos e lutas ao longo de nossa história. Podemos verificar que, infelizmente, as guerras são comuns em nosso mundo e que a paz é algo muito difícil de ser conquistada e preservada.

É certo também dizer que evoluímos conceitualmente no sentido de repudiar moralmente a guerra. As normas internacionais e os fóruns internacionais são tentativas de se fazer valer a diplomacia ao invés da violência.

A questão 742 do Livro dos Espíritos nos ensina que a guerra ocorre em razão da “predominância da natureza animal sobre a espiritual e para satisfação das paixões”. A questão 743 do mesmo livro diz que um dia “a guerra desaparecerá da face da terra quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus”. E na questão 744 temos que a guerra ainda é” necessária para levar a liberdade e o progresso”.

Talvez seja estranho para muitos a compreensão de que a liberdade e o progresso podem ter sua origem na guerra. Mas isso em nosso mundo, no qual a força física e material ainda predomina, não é um absurdo. Basta lembrar de alguns fatos históricos que apontam nessa direção.

 A revolução francesa, acontecimento histórico no qual houve violência, superou a aristocracia feudal com seus privilégios e criou um regime republicano cuja pretensão era a igualdade de todos perante a lei. Mesmo com os avanços e retrocessos da ideia republicana na França e no mundo, hoje em dia poucos pensam em voltar a uma concepção aristocrática e feudal de vida política e social.

A guerra civil norte-americana entre os nortistas e sulistas propiciou a abolição da escravidão naquele país. O que foi um avanço, mesmo se considerarmos que a segregação racial nos Estados Unidos tenha tido vigência até a década de 60 do século XX, o que deu origem aos movimentos de luta pelos direitos civis dos negros nos quais se destacou Martin Luther King Jr.

Alguns filósofos defendem que a violência é a “parteira da história”, considerando que as guerras e revoluções, que se repetem na história, frequentemente operam grandes transformações do mundo.

Gandhi inovou porque liderou o movimento de independência da Índia ensinando a doutrina da não violência. Confesso, porém, que tenho dúvidas se tal método de Gandhi pode ser universalizado com vistas a outros êxitos em nosso mundo ainda tão inferior moralmente.

Mas não deixo de admirar a abertura política e mental que esse grande político e religioso indiano nos proporcionou. Uma verdadeira revolução nas possibilidades do fazer político, muito em conformidade com os ideais espiritualistas.

 Nós, espíritas, podemos dizer que somos defensores da paz, pois rejeitamos, por princípio, a violência e a guerra. Obviamente que não excluímos de nossos direitos a legítima defesa individual e coletiva, uma vez que não é lógico que um indivíduo ou grupo social se entreguem a uma agressão injusta e ao extermínio se puderem resistir.

  Nossa luta, porém, se faz através da conscientização do valor da vida e do exercício da fraternidade. Queremos o bem de todos os seres humanos. Desejamos vida e felicidade a todas as pessoas. Desejamos um mundo de liberdade, justiça social e paz para a humanidade como um todo.

Nós, espíritas, temos a nossa utopia. Que é transformação deste planeta Terra, da condição de mundo de provas e expiações em mundo de regeneração, ou seja, em um mundo no qual o bem seja mais forte que o mal.

A nossa utopia espírita combina espiritualidade com ação social. A nossa espiritualidade não é passiva ou alienante. Lutamos com as armas da palavra e da ação. Lutamos sem violência para que, um dia, esse mundo seja transformado.

Mas tudo isso sem ilusão, sem ingenuidade, pois sabemos que, infelizmente, a violência ainda é estrutural no mundo em que vivemos, e que a opressão, em suas várias facetas, ainda é vigente entre nós.  

 Lutamos, porém, para que um dia isso se transforme e para que possamos viver em um mundo que renunciou a violência em favor da razão e da fraternidade. O conhecimento de nossa essência espiritual, pode, quem sabe, nos ajudar a chegar nesse novo mundo.

Talvez quando ampliarmos nossa noção do que é a vida conseguiremos ser menos egoístas e apegados às coisas deste mundo. O que nos levará a renunciar a disputas inúteis em favor do que realmente importa em termos dos verdadeiros bens e valores da vida.

Quem sabe, nesse dia, consigamos construir um mundo de paz universal.

Texto originalmente publicado no ABERTURA de maio de 2022:

Baixe aqui:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/22-jornal-abertura-2022?download=174:jornal-abertura-maio-de-2022


 

 

 

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

ESPIRITISMO, PRAZER E FELICIDADE por Ricardo Nunes

 

ESPIRITISMO, PRAZER E FELICIDADE


Ricardo de Moraes Nunes 

“O prazer é a meta natural na vida. O sofrimento é transitório, eventual. Temos que construir uma consciência feliz, que ame, que busque o prazer de viver “Jaci Régis

Será que o espiritismo combina com a ideia de prazer e felicidade? Não estaria o espiritismo ligado apenas a ideia da morte, de fantasmas do outro mundo, de resignação ante o sofrimento? Não busca o espírita apenas a libertação do Espírito com vistas a uma entrada feliz no outro mundo?

Certamente a felicidade absoluta é impossível neste mundo. Como poderíamos ser absolutamente felizes em um planeta no qual existem tantos problemas. Aqui na Terra temos insegurança alimentar, doenças, violência, desemprego, famílias sem teto, crianças desamparadas, destruição ecológica, ditaduras políticas e tantos outros problemas. Neste sentido, falarmos em felicidade absoluta seria um verdadeiro egoísmo, pois estaríamos alimentando uma postura indiferente, alienada dos graves problemas que vivemos na faixa da existência terrestre.

 Mas podemos perguntar ainda. É possível pelo menos uma felicidade relativa neste mundo? É possível uma felicidade pessoal geradora de prazer interior, porém não alienada, não desconhecedora dos problemas terrenos?

O espiritismo nos traz uma ideia de felicidade e prazer possíveis de serem alcançados na Terra. O espiritismo bem compreendido nos traz alguns princípios filosóficos importantes para que compreendamos a vida física de forma positiva.

A primeira ideia a ser destacada que nos oferece a filosofia espírita é que a defende que a vida terrena é oportunidade de aprendizado, de crescimento, amadurecimento, realização e conquista da sabedoria. O espiritismo nos convida a olharmos nossas existências terrestres como oportunidades de construção de nós mesmos e do mundo ao qual pertencemos. Portanto, nos ensina a valorizarmos e amarmos a vida, a Terra, o mundo.

Em relação ao sofrimento o espiritismo nos ensina a distinguir entre o bem e o mal sofrer. O mal sofrer é o que causa a revolta, o desânimo, que nos faz desistir. Já o bem sofrer é aquele que nos faz resistir corajosamente aos desafios e dificuldades da vida com vistas a nos tornarmos mais firmes, mais sábios, mais experientes perante nossas dores e sofrimentos, com vistas a superação.

Sem dúvida que existirão as lutas que não venceremos e que a aceitação madura perante o incontornável será necessária. Segundo Léon Denis: “É um dever lutar contra a adversidade. Abandonar-nos, deixar-nos levar pela preguiça, sofrer sem reagir aos males da vida seria uma covardia. Mas, quando os nossos esforços se tornam supérfluos, quando tudo é inevitável, chega então o momento de apelarmos à resignação”.

Não há dúvida, no entanto, que mesmo as batalhas perdidas podem trazer ensinamentos ao Espírito imortal que somos e podem se traduzir em amadurecimento pessoal, espiritual, se soubermos enfrentar com sabedoria esses momentos de perda.

É necessário dizer também que o espiritismo não condena a alegria, os momentos de festa. Não nos diz para sermos sisudos e aparentarmos uma seriedade que muitas vezes não temos. O exemplo Jesus de Nazaré tem relevância para os espíritas nesse sentido. Da mesma maneira que brindava o casamento de alguns amigos, chorava por Lázaro e expulsava os vendilhões do templo.  Jesus de Nazaré possuía uma conduta natural, não artificial, não farisaica, fingindo hipocritamente ser melhor do que os outros. Agia em conformidade com cada ocasião.

Provavelmente, Jaci Regis foi o pensador espírita que melhor compreendeu a importância teórica de se ressaltar o prazer de viver como tema relevante no âmbito filosofia espírita e como práxis existencial espírita. Jaci compreendeu extraordinariamente a importância de se construir uma vida produtiva e útil no bem e de nos afastarmos do culto ao sofrimento tão presente na proposta cristã e espírita cristã.

 Não que Jaci negasse a existência do sofrimento, apenas enfatizava a necessidade de nos dedicarmos a sua superação, sem ficarmos perdendo tempo em cogitações hipotéticas, de caráter reencarnacionista, frequentemente indemonstráveis empiricamente, sobre eventuais causas anteriores do sofrimento. Não desconhecia, é claro, a lei natural das vidas sucessivas, apenas criticava esse procedimento especulativo inútil banalizado em nosso movimento espírita.

A vida é para ser vivida agora com alegria e confiança. Não precisamos esperar o além para sermos felizes. Aqui e agora realizaremos o céu e o inferno dentro de nós. No momento presente, nesse instante, nessa fração de segundos entre o passado e o futuro, é que se encontra a vida. Portanto, segundo o melhor entendimento da filosofia espírita, é o agora que importa. O além obviamente existe, mas nosso estado futuro será determinado pelo que somos agora.

 

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

ESPIRITISMO E PANDEMIA - por Ricardo de Morais Nunes

 

ESPIRITISMO E PANDEMIA

TEXTO DE RICARDO NUNES APRESENTADO NA MESA REDONDA “ESPIRITISMO E PANDEMIA” NO XXIII CONGRESSO DA CEPA EM 08 DE OUTUBRO DE 2021

É interessante observar que em uma época de individualismo exacerbado promovido por concepções neoliberais de economia, política e sociedade, um vírus, um simples e invisível vírus, denominado COVID 19, acentuou ainda mais a separação entre as pessoas.

  Na verdade, muitos de nós já vivíamos sob a perspectiva do isolamento introjetando os valores da sociabilidade capitalista, os quais apontam para o ter e não para o ser, para o egoísmo e não para o altruísmo. Infelizmente, temos frequentemente esquecido que o bem-estar e o equilíbrio do grupo social são fundamentais para a existência e felicidade de cada indivíduo e que os laços sociais são uma espécie de oxigênio da vida.

Durante a pandemia do vírus não pudemos mais nos abraçar, não pudemos nos beijar, não pudemos nos aproximar. Ficamos reclusos em nossas casas tentando organizar os espaços de fora, e nos deparando muitas vezes com os vazios de dentro. O velho ditado “tempo é dinheiro” perdeu o sentido. Aquela sensação de ocupação e pressa nos abandonou por esses longos meses.

Tivemos que exercitar a paciência, a espera, e os dias passaram devagar. Passamos a trabalhar em casa misturando nossos materiais de trabalho com o ambiente doméstico e com os brinquedos de nossos filhos, renunciamos aos lazeres e passeios, nos afastamos de familiares e amigos. Muitos de nós perdemos entes queridos. Familiares e amigos partiram para o mundo maior, para o mundo dos Espíritos, enchendo-nos o coração de dor e saudade, sendo a filosofia espírita o mais forte apoio aos nossos pensamentos e emoções nestes graves momentos.

O vírus certamente trará grandes lições. Sairemos melhores desta crise? Aprenderemos alguma coisa? É difícil dizer.

 E o espiritismo, enquanto filosofia espiritualista, o que tem a dizer em um momento tão difícil para a humanidade? A filosofia espírita descortina a todos novos horizontes existenciais. Nos ensina que tudo passa, se transforma e evolui.

 Segundo o espiritismo, das sociedades agrárias às sociedades pós-industriais, estamos submetidos a um complexo processo evolutivo, não uniforme, sem dúvida sujeito a avanços e retrocessos no terreno da história, porém rumo a patamares superiores de civilização, sendo que tal processo evolutivo se dá pelas leis psicofísicas da reencarnação.

O espiritismo ensina que a vida, em si mesma, é imperecível e transcendente. Que acima de tudo somos e que continuaremos a ser mesmo após a morte.   Ensina a confiança na razão, na ciência, na capacidade do ser humano em resolver os seus problemas.   Lembra que a dor e o prazer, a vida e a morte, a tristeza e a felicidade, são fatores inerentes às leis naturais do planeta em que vivemos, sem desconsiderar, é claro, os excessos e equívocos humanos na produção de sofrimentos.

 Nos conscientiza que somos os protagonistas do nosso destino, sem desprezar os determinismos de variada natureza que incidem sobre nossas vidas.  Esclarece a importância do amor e da solidariedade na construção de um ser humano e de um mundo melhor.

Que possamos, a partir das lições deste difícil período, ter clareza da importância de nossa existência terrestre em nosso desenvolvimento individual e coletivo. Que aprendamos a cultivar uma nova sociabilidade não mais centrada apenas no “eu”, mas que considere o “nós”. Que compreendamos a terra como nossa casa comum a ser preservada e que nos conscientizemos da rede invisível que nos entrelaça a todos, em uma trama de ações e reações sob a perspectiva dialética indivíduo-sociedade.

Uma das grandes lições do vírus é a de que ele não é democrático, pois atingiu preferencialmente os pobres e despossuídos, os quais ficaram mais expostos e vulneráveis por viverem em habitações precárias que não permitem os devidos cuidados de afastamento social, e também por terem tido que sair às ruas, em meio à maior crise de saúde pública de nosso século, na busca do pão de cada dia.

 Apesar disso, constatamos, que o aristocrata, o milionário, e o trabalhador são iguais em fragilidade física. Ficou claro para aqueles que tem “olhos de ver” que o dilema economia X saúde é um falso dilema. Sem trabalhadores saudáveis não há possibilidade de se construir uma sociedade economicamente forte.

 A prioridade em qualquer sociedade civilizada deve ser a vida e não o capital, mesmo porque todos sabemos que o problema do mundo não é falta de dinheiro, mas sim a concentração da riqueza nas mãos de minorias privilegiadas.

Outra lição fundamental deste período, foi a que nos ensinou que o risco de morte repentina é uma realidade mais próxima do que imaginávamos, o que nos fez compreender que o amanhã na Terra é apenas uma possibilidade. Compreendemos, efetivamente, a importância do agora.

Esta crise da pandemia também abriu algumas poucas janelas de oportunidade. Parece-me que a maior delas se deu no campo das comunicações. Este congresso virtual da CEPA, reunindo espíritas das Américas e da Europa, sem saírem de suas casas, é um bom exemplo desse novo tempo que se inicia.

Finalmente, gostaria de fazer alguns agradecimentos:

Em primeiro lugar, aos profissionais de saúde, em especial aos médicos e enfermeiros que ficaram na linha de frente no combate ao COVID 19.

Aos cientistas que trabalharam intensamente com vistas a descobrir as vacinas necessárias ao enfrentamento desta doença. Sonho com o dia em que as conquistas da ciência beneficiarão toda a humanidade.

A todos os trabalhadores dos supermercados, farmácias e comércios em geral que mantiveram a economia básica funcionando, com vistas a evitar a escassez de alimentos e produtos fundamentais.

A todos os professores que mantiveram sua tarefa de ensinar mesmo à distância, sem poder contar com a presença física e a alegria de seus alunos.

A todos os governos que promoveram a valorização da ciência e compreenderam a necessidade das estratégias de afastamento social e, por isso, cumpriram com seu dever de cuidado perante seus cidadãos.

A todos os Estados que possuem um sistema de saúde público, universal e gratuíto. Ficou absolutamente claro que os países que tinham sistemas públicos de saúde estavam mais aparelhados para enfrentar essa tremenda crise.

 Em relação ao Brasil, meu país, deixo minha especial homenagem ao SUS (Sistema Único de Saúde), sistema que luta para sobreviver ante a carência de verbas de financiamento, mas que possui em seus quadros verdadeiros heróis na luta contra a pandemia e contra as doenças em geral. Os profissionais e militantes dos SUS têm nos ensinado que medicina e saúde não devem ser compreendidas como mercadorias.

A todos os cidadãos do mundo que não deixaram de acreditar na ciência em tempos de negacionismo científico. Cabe-nos, agora, manter a esperança em dias melhores. E, juntamente com Chico Buarque de Hollanda, cantor, compositor e escritor brasileiro, repetir a frase da canção: “Amanhã vai ser outro dia”.

 


sexta-feira, 25 de junho de 2021

16 IDEIAS FUNDAMENTAIS PARA UM PENSAMENTO SOCIAL ESPÍRITA CONTEMPORÂNEO - por Ricardo de Morais Nunes

 

16 IDEIAS FUNDAMENTAIS PARA UM PENSAMENTO SOCIAL ESPÍRITA CONTEMPORÂNEO

“Os homens se entenderão quando praticarem a lei da justiça” –Livro dos Espíritos 812a


Ricardo de Morais Nunes


Ante as controvérsias políticas e sociais dos últimos tempos, no Brasil e no mundo, um amigo questionou nas redes sociais se haveria um conjunto de princípios básicos ou ideias, de índole política, que constituam um pensamento social espírita contemporâneo com vistas a nortear a práxis dos espíritas no mundo. Trata-se, a meu ver, de um questionamento muito pertinente para os espíritas da atualidade. Nas linhas abaixo, descrevo aquelas ideias que, segundo penso, são fundamentais, imprescindíveis, para a formação um pensamento social espírita neste início do século XXI. Um pensamento social espírita compatível com as generosas propostas humanistas contidas na filosofia espírita. O pressuposto da presente reflexão é a crença na possibilidade de construção de uma nova arquitetura social, a partir das lições da história, das ciências sociais e da política, sem desprezar a contribuição do espiritualismo espírita a esta tarefa:

1-       Defesa da democracia. Entenda-se democracia não apenas em um sentido formal, de igualdade de todos perante a lei, mas em sentido material, como possibilidade de todos os cidadãos acessarem aos bens materiais, educacionais, culturais e serviços sociais fundamentais à vida. E também na forma da mais ampla participação popular possível nas decisões da coletividade. Nesse sentido, a expressão “aristocracia intelecto –moral” contida em “Obras póstumas” de Allan Kardec deve ser superada. Tal expressão, apesar de indicar corretamente a necessidade dos governantes serem dotados de aptidão intelectual e ética para lidar com os assuntos de Estado e governo, na contemporaneidade, época em que se valoriza a participação popular, apresenta-se com um caráter elitista incompatível com os nossos tempos que aspiram à mais ampla democracia.

2-       Desenvolvimento de um pensamento crítico em relação ao capitalismo.  O capitalismo, enquanto sistema econômico, se por um lado teve aspectos revolucionários em relação ao mundo feudal no sentido do desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico, por outro, tem falhado em diminuir os abismos econômicos entre pessoas e classes sociais, favorecendo, dessa forma, uma enorme concentração de riqueza nas mãos de uns poucos eleitos do grupo social em detrimento da grande maioria da população. Essa crítica deve ser realizada sem meias palavras pelos espíritas, uma vez que essa desigualdade econômica e social profunda coloca em risco o exercício da política e a própria ideia de democracia. Neste tema é necessário não ignorar o que muitos teóricos das ciências sociais, de Marx a Piketty, entre tantos outros, do passado e do presente, já reconheceram na análise do referido sistema econômico.

3-       Compreensão que o mundo não é algo dado definitivamente, pronto e acabado. O mundo, indivíduo e sociedade, está em transformação permanente. Nesse sentido, é imprescindível não abandonarmos a utopia da possibilidade da transformação do mundo para melhor. Sempre acreditando que o futuro poderá ser melhor que o passado e que a construção desse futuro está em nossas mãos a cada dia do presente. Em nossa história, já passamos pelo escravismo na antiguidade e também na modernidade, pelo feudalismo na Idade Média, pelo capitalismo na modernidade e contemporaneidade e por tentativas socialistas no século XX e nada indica que chegamos ao “fim da história”. Aliás, a filosofia espírita nos ensina que a humanidade está submetida a uma lei de progresso. Como será nomeada essa nova etapa da humanidade? Quais as formas econômicas e institucionais que constituirão essa nova fase da humanidade? Nesse momento histórico não sabemos, o que importa agora é a esperança e a possibilidade de um novo tempo.

4-      Defesa da liberdade de crença, opinião e manifestação. Repudio a qualquer forma de silenciamento. Nesse sentido, faz se necessário defender a ampliação ao máximo dos meios de comunicação para que as diversas classes sociais possam se manifestar, com especial atenção, no entanto, para as classes menos favorecidas no grupo social, pois são as que mais sofrem as agruras de uma sociedade injusta e precisam ter sua voz assegurada.

5-      Defesa da bandeira ecológica reconhecendo que as ações individuais de preservação do meio ambiente são necessárias, porém insuficientes caso não se mude o modelo de exploração atual da natureza de feitio predatório. Tendo claro que a questão ecológica é uma das questões mais urgentes no mundo contemporâneo, pois corremos o risco real de desequilibramos o ecossistema do planeta, prejudicando, portanto, a vida em sua globalidade.

6-      Defesa dos valores da espiritualidade no sentido de valorização da vida terrena, sem perder de vista a perspectiva imortalista e reencarnacionista ensinada pela filosofia espírita, que ensina que o ser humano transcende a morte biológica em um processo infinito de aperfeiçoamento intelecto-moral que inclui o retorno ao planeta terra várias vezes, ocasião em que encontrará em seu retorno tudo aquilo que plantou em existências anteriores tanto no aspecto positivo quanto negativo.

7-       Defesa do princípio da fraternidade como orientador supremo da vida social, compreendendo que os princípios da liberdade e da igualdade só se realizarão efetivamente dentro de uma ideia maior de fraternidade entre os homens. A defesa do princípio da fraternidade não significa ignorar ou fechar os olhos para a dinâmica sociológica da luta de classes e para a violência estrutural do sistema econômico capitalista em relação as classes sociais não detentoras dos meios de produção, violência que se reflete em vários níveis de exploração social. Essa defesa do princípio da fraternidade significa uma aposta na possibilidade do diálogo entre as classes sociais. Não se desconhecendo, de forma ingênua, porém, as enormes barreiras ideológicas e de interesses que impedem frequentemente esse necessário diálogo.

8-      Enaltecimento por parte dos espiritas dos ideais de liberdade e igualdade. Enquanto por um lado os ideais de liberdade favorecem à construção de sociedades mais livres, que não menosprezem a importância dos deveres sociais de cada um. Por outro lado, os ideais da igualdade devem favorecer a compreensão que igualdade não é nivelação, massificação, de todos os seres humanos desconhecendo as diferenças individuais. Porém, sempre dentro do princípio que as diferenças individuais nunca deverão chegar ao nível que haja seres humanos que não tenham o fundamental para a existência material, educacional e cultural.

 

9 - Reconhecimento da dialética indivíduo-sociedade a partir da compreensão que o indivíduo influencia a sociedade, mas a sociedade e suas instituições também influenciam o indivíduo. Nesse sentido, é necessário rompermos com concepções individualistas, idealistas, verdadeiramente metafísicas, que imaginam o indivíduo distante de influências ideológicas heterônomas, como se os homens e mulheres no mundo estivessem em uma bolha de proteção em pleno exercício de autonomia, sem a influência consciente ou inconsciente de fatores externos na formação de sua subjetividade. Portanto, devemos superar a falsa ideia de que ideologia se escolhe. Na verdade, desde o nascimento bebemos os valores ideológicos predominantes em uma determinada sociedade e é necessário muito pensamento crítico para escapar dessa influência. Nesse sentido, os espíritas devem refletir sobre as possibilidades da autonomia sem desprezar o problema da ideologia. E sem ignorar que, a ideologia predominante formadora das mentalidades no mundo contemporâneo, a que possui uma infinidade de aparelhos ideológicos a disseminar por todos os meios seus valores, é a ideologia capitalista, que aponta para a valorização do ter em detrimento do ser, para a concorrência individualista ao invés da solidariedade. Na atualidade, mesmo a ideologia religiosa tem sido cada vez mais colocada a serviço dos valores do capitalismo. O paraíso no céu tem sido cada vez mais substituído pela busca do paraíso na terra. Deus passou a intervir no sucesso material das pessoas.

10 - Defesa de uma educação emancipadora, humanista, que vise ao bem geral da humanidade, não apenas instrumentalizada para servir aos interesses do mercado de trabalho. Nós, adeptos da filosofia espírita, somos discípulos de um educador humanista. A educação é um dos caminhos para a construção de um novo ser humano e de um novo mundo. Neste tema mais importante do que o ensino religioso nas escolas, é a reflexão sobre os valores universais da espiritualidade que apontam para o respeito à vida, às diferenças, para compaixão, altruísmo, desprendimento dos bens materiais, respeito a natureza, etc. E que favorecem a ideia de que o ser humano é um ser cósmico dotado de dignidade intrínseca.

11 - Abandono da ideia de neutralidade em questões políticas e sociais. Se por um lado não devemos descer ao nível da criação de um “partido espírita” ou da indicação de candidatos ou partidos dentro dos centros espíritas, por outro, não devemos esquecer jamais que somos seres sociais e que a política, em seu melhor sentido, quer queiramos ou não, se entrelaça em nossa vida individual e, portanto, nos interessa e constitui. Sempre levando em conta que o espiritismo, enquanto filosofia, se desdobra na possibilidade de um pensamento sociológico, uma sociologia, como queria o pensador espírita argentino Manuel Porteiro.

12 - Compreender que se o espiritismo possui uma dimensão política, humanista, sociológica, no entanto, também é, em específico, uma filosofia espiritualista que aponta para a dimensão metafisica do ser humano, sendo seu principal objetivo, conforme seu fundador, o combate ao materialismo. Nesse sentido, política e metafisica são duas dimensões do espiritismo. O espiritismo não é um espiritualismo alienante como os do passado que prometiam o céu a partir da renúncia da terra, no entanto, os espíritas não devem ser absorvidos apenas pelas questões políticas, sendo necessário alcançar um equilíbrio neste tema.

13- No que diz respeito a atuação política, à práxis do espírita no mundo, é necessário lembrar que o compromisso do espiritismo com a ética universal de Jesus aponta para os princípios da não violência. Esta postura de não violência deve ser encarada sem ilusões. Os exemplos de Gandhi, Martin Luther King, Dom Hélder e tantos outros, conhecidos e não conhecidos, nos mostram que, mesmo os não violentos, quando tratam de assuntos políticos, acabam por se expor à possibilidade de algum tipo de violência física ou moral.

14 - Defesa do Estado laico. Os espíritas, desde o auto de fé de Barcelona, compreendem que Estado e Religião não devem se misturar. Nesse sentido, as guerras e perseguições religiosas que fizeram tantas vítimas na história serão sempre lembradas pelos espíritas, sendo o Estado laico, portanto, uma conquista civilizatória da modernidade que deve ser defendido.

 

15 - Defesa das atividades e conquistas da ciência. O espiritismo, filho tardio do iluminismo, valoriza a ciência que é uma das expressões da razão. Defender a ciência em tempos de “terra plana” e de negacionismos de variada natureza é um verdadeiro ato político que deve ser realizado com coragem pelos espíritas. Obviamente que esta postura de defesa das atividades científicas não significa ignorar os grandes problemas éticos que o desenvolvimento desta atividade enfrenta na contemporaneidade.

16 - Criação, nas instituições espíritas, de cursos de política e cidadania. Obviamente que uma sociedade espírita tem compromisso principal com os cursos introdutórios e avançados de espiritismo e com os cursos de teoria e prática mediúnica, sendo o estudo e divulgação do espiritismo a tarefa fundamental dos centros espíritas. Se uma sociedade espírita apenas tiver esses cursos já estará cumprindo seus objetivos, pois essa tarefa só pode ser realizada pelos espíritas. Porém, nos centros espíritas existem atividades complementares que também podem ser realizadas, como as de assistência e solidariedade social ou atividades de caráter cultural. No campo das atividades de caráter cultural, podem ter lugar cursos de política e cidadania. Justifica-se esse tipo de curso porque, nós, espíritas, devemos estar conscientes dos problemas políticos e sociais. Desnecessário repetir que tais cursos devem ser realizados de forma não partidária, com vistas a conhecer, do ponto de vista da história, da sociologia, da filosofia e do espiritismo o que é a sociedade, suas dinâmicas e conflitos dialéticos, visando, por fim, refletir sobre as possibilidades de melhoria da mesma. Esta medida favorecerá a formação de espíritas conscientes dos problemas do mundo, preparando-os para uma atuação humanista e critica na vida social. Esta ideia não é nova, Manuel Porteiro já havia imaginado nas instituições espíritas o que ele chamou de “cátedras de sociologia”. Normalmente, os adversários desta ideia referem-se à interdição de Kardec no artigo primeiro do regulamento da sociedade parisiense. Porém, é inegável que os temas políticos e sociais, de um ponto de vista filosófico e humanista, são tratados ao longo de toda a obra de Allan Kardec, o que enseja o desenvolvimento de um verdadeiro pensamento social espírita. Geralmente o espírita apressa-se a fazer juízos morais sobre a política e a história. É necessário, porém, conhecer e reconhecer a complexidade dos problemas sociais e políticos antes de julgar de maneira simplista ou maniqueísta. Há muito o que aprender com a história das ideias políticas. De Platão a Noam Chomsky há uma reflexão política e social profunda, a qual os espíritas kardecistas não podem e não devem ignorar, sob pena de não participarem do debate do mundo contemporâneo, o que os colocaria à margem dos processos de evolução social.

 Ricardo de Morais Nunes - artigo publicado nos Jornais Abertura de maio e junho de 2021

 Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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terça-feira, 14 de abril de 2020

O SAMBA DA MANGUEIRA - por Ricardo de Morais Nunes


O SAMBA DA MANGUEIRA

Existem espíritas que condenam o carnaval. Alegam que no carnaval homens e mulheres se afastam de seus propósitos divinos e caem na tentação da luxúria, acompanhados, é claro, por uma boa leva de espíritos obsessores. Muitos temem, em complexos mal resolvidos, a exposição da beleza dos corpos femininos e masculinos que os remetem a ideias de culpa e pecado introjetadas em seu inconsciente por uma educação religiosa deturpada.

De fato, existem excessos no carnaval, mas também fora do carnaval, e é difícil acreditar que os que gostam de excessos esperem o carnaval para realizá-los. Prefiro enxergar o carnaval como uma grande festa popular, rica em significados profundos para alma do povo. O carnaval talvez seja a grande válvula de escape psicológica do povo brasileiro, que sofre no dia a dia as agruras de uma sociedade extremamente desigual e injusta e os desafios da existência cotidiana.

O carnaval é o momento da fantasia e da ilusão. O varredor de rua veste-se de rei. O desempregado, por alguns dias, se transforma em um poderoso magnata árabe ou em um banqueiro de casaca. A bela jovem brilha, como uma verdadeira mulher maravilha, no carro alegórico. O rico e abastado se junta à massa popular e esquece por alguns momentos suas distinções econômicas e materiais. O empregado dança a mesma marchinha que seu patrão. Aqueles que nutrem esperanças no amor se transformam em pierrôs e colombinas.

Além da característica psicológica das festas de Momo, que permitem o extravasamento de tensões emocionais e o alívio momentâneo das lutas de classe, ainda existe a característica cultural. Esta característica pode ser observada nas letras dos sambas enredo, no bailado cheio de alta estima e estilo do mestre sala ou do passista, no orgulho da porta bandeira em ostentar o símbolo maior de sua escola, na beleza das fantasias e dos trajes coloridos e na pulsação e ritmo da bateria.

O carnaval é muito mais do pensam os moralistas de plantão sejam eles espíritas ou não. O carnaval pode servir para dar espaço a atos políticos cheios de simbolismo e significado. Neste sentido, a escola de samba Mangueira do Rio de Janeiro surpreendeu a todos neste ano de 2020 com um belo samba enredo de nome “A verdade vos fará livre”. Este samba diz muitas coisas importantes a respeito do real significado da mensagem de Jesus e faz uma crítica bem atual da instrumentalização da religião para fins políticos de poder.

 Uma das frases da letra do samba que me marcou particularmente é a que diz “Não tem futuro sem partilha nem messias de arma na mão”. Parece incrível que no Brasil atual chegamos ao ponto de uma escola de samba ter que dizer uma coisa tão óbvia, mas, que, curiosamente, causou impacto em muitos que se dizem cristãos e versados em teologia e estudos bíblicos.

 A escola de samba mangueira trouxe para a avenida um Jesus da não violência, da paz, do amor, da compaixão com os deserdados do mundo, da justiça social, e do respeito a diferença. Um Jesus que se apresenta com “rosto negro, sangue índio e corpo de mulher” e que “enxuga o suor de quem sobe e desce ladeira”. Para alguns, fortemente condicionados de ideologia conservadora: um Jesus comunista!

Na verdade, a escola de samba mangueira, paradoxalmente, deu uma aula de espiritualidade para muitos que se dizem religiosos, pois teve a capacidade de expressar, com máxima clareza, um Jesus que não combina com armas de fogo, opressões, ou com discriminações de qualquer natureza. Um Jesus que não combina com poder e com dinheiro e que ama os simples, os que com o suor de seu rosto ganham o pão de cada dia sem prejudicar ou enganar a ninguém.

A mangueira fez um desfile revolucionário!

Ricardo de Morais Nunes é Bacharel em Direito, licenciado em Filosofia, Presidente do CPDoc e reside em Santos

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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quarta-feira, 6 de novembro de 2019

JACI RÉGIS E O JARDIM DE EPICURO – por Ricardo Nunes


JACI RÉGIS E O JARDIM DE EPICURO – por Ricardo Nunes



NR: Este artigo compilado aqui, foi publicado no Jornal ABERTURA de janeiro a outubro de 2019.
INTRODUÇÃO
  Um dos princípios fundamentais do pensamento filosófico de Jaci Régis é a valorização do prazer. Segundo o pensador espírita brasileiro, a adequada compreensão da necessidade do prazer em nossa trajetória existencial pode nos conduzir à conquista de uma vida terrena relativamente feliz e exitosa. Esta visão estabelece um contraditório ao pensamento cristão e ao pensamento espírita-cristão, que enaltecem o sofrimento como fator privilegiado de evolução e crescimento espiritual. Em razão desta postura teórica, Jaci foi chamado de epicurista por alguns de seus opositores:


“Revoltam-se alguns quando afirmo que O universo está baseado no prazer e não na dor. Dedo em riste acusam-me de epicurista. Epicurista? Eu não sabia. Não tinha conhecimento da filosofia de Epicuro e fui saber quem era esse ilustre personagem, a quem fui ligado como um verdadeiro pecado.”[i]

Ao acusarem Jaci de epicurista utilizaram o sentido negativo do termo, cujo significado popular expressa uma pessoa ligada ao culto do prazer sensorial, corporal, ou seja, alguém que vive para o gozo e para o prazer imediatos, sem maiores preocupações de ordem existencial. Não era este o sentido que Jaci dava à ideia do prazer.

 Procuraremos nos próximos meses fazer uma análise do pensamento de Jaci Régis sobre tão importante tema. Pensar sobre a questão do prazer e da dor é também questionar sobre a temática da felicidade. Em um sentido profundo, é refletir sobre a possibilidade de uma sabedoria para o bem viver.

A presente reflexão, que se desenvolverá pelas próximas edições de ABERTURA, oferecerá, também, aos amantes da filosofia, uma excelente oportunidade de conhecer alguns princípios do epicurismo, importante escola filosófica da antiguidade. Em seu jardim, Epicuro enaltecia o prazer como objetivo fundamental da existência.

Para bem distinguirmos a posição de Epicuro e de Jaci Régis, destacaremos algumas importantes doutrinas que ensinavam a superação, e, até mesmo, a negação do mundo e do corpo, na busca de regiões metafísicas mais elevadas. Trataremos especialmente do platonismo e do cristianismo.

O platonismo compreende o mundo terrestre como cópia imperfeita do chamado “mundo das ideias”, ou “mundo das formas”, cabendo ao filósofo, portanto, a tarefa de elevar-se, pela razão, deste mundo terreno da instabilidade, imperfeição e ignorância, até o mundo ideal da estabilidade, perfeição e conhecimento.

 O cristianismo, por sua vez, propõe a salvação da alma, que deverá escapar deste “vale de lágrimas”, que é a terra, em direção ao céu, onde o crente será acolhido por Deus. Para o cristianismo tradicional, o homem é maculado pelo pecado original desde sua origem e, portanto, não há que se falar de felicidade neste mundo. A felicidade do homem é a salvação em Jesus Cristo.

Na atualidade, já existem correntes cristãs que prometem o reino da terra e os bens do mundo aos seus fiéis, através da polêmica teologia da prosperidade. Porém, esta não foi a concepção do cristianismo em suas origens, principalmente o católico, e também não foi a concepção das principais correntes do protestantismo desde Lutero. Não trataremos da teologia da prosperidade na presente reflexão.

No que diz respeito as influências cristãs contidas no espiritismo, verificaremos um certo enaltecimento do sofrimento, apesar de, em essência, o espiritismo apresentar uma proposta de valorização positiva da encarnação e das vidas sucessivas, como fatores imprescindíveis de aperfeiçoamento e oportunidade para a evolução do espírito imortal.

É justamente em relação às influências cristãs presentes no espiritismo que devemos considerar a importância do pensamento de Jaci Régis, que, ao final de sua vida, defendeu um espiritismo pós-cristão.  Um espiritismo liberto das influências do cristianismo, ou seja, um espiritismo livre das concepções de culpa, castigo, e do culto ao sofrimento.


O PRAZER EM EPICURO
Jaci Régis e o Jardim de Epicuro

Epicuro de Samos fundou a primeira das grandes Escolas helenísticas, que surgiu em Atenas por volta do século IV a. C. A fundação da escola, em Atenas, constituiu-se em um verdadeiro ato de desafio às Escolas de Platão e Aristóteles, que ainda existiam na época, mas que já se encontravam em decadência, apenas vivendo de seu passado glorioso. A Escola de Epicuro representava o novo em contraposição ao passado clássico, segundo Giovanni Reale e Dario Antiseri:

O próprio lugar escolhido por Epicuro para sua Escola é a expressão da novidade revolucionária do seu pensamento: não uma palestra, símbolo da Grécia clássica, mas um prédio com jardim (que era mais um horto), nos subúrbios de Atenas. O Jardim estava longe do tumulto da vida pública citadina e próximo do silêncio do campo, aquele silêncio e aquele campo que não diziam nada para  as filosofias clássicas, mas que se revestiam de grande importância para a nova sensibilidade helenística”.[ii]

O pensamento de Epicuro pode ser subdivido em três temas: lógica, física e ética. Abordaremos a ética de Epicuro, a qual melhor se relaciona com o tema em desenvolvimento. Para Epicuro, a essência do homem é material, ou seja, o homem é um agregado de átomos que se dispersam por ocasião da morte, logo será material o seu bem específico, que é o prazer. No entanto, diferentemente dos Cirenaicos, que consideravam os prazeres e dores físicas superiores aos psíquicos, Epicuro tem uma tese contrária:

“Como fino indagador da realidade do homem, Epicuro compreendera perfeitamente que mais do que os gozos ou sofrimentos do corpo, que são circunscritos no tempo, contam as ressonâncias interiores e os movimentos da psique, que os acompanham e duram bem mais”.[iii]

Assim, para Epicuro, existe o prazer do corpo, que consiste “na ausência de dor no corpo”, e o prazer da alma, que consiste “na ausência de perturbação da alma”. Este estado de ausência de dor no corpo e perturbação na alma foi denominado de aponía e ataraxía.Diz Epicuro:

“Assim, quando dizemos que o prazer é um bem, não aludimos, de modo algum, aos prazeres dos dissipados, que consistem em torpezas, como creem alguns que ignoram nosso ensinamento ou o interpretam mal; aludimos, ao contrário, à ausência de dor no corpo e à ausência de perturbação na alma. Portanto, nem libações e festas ininterruptas, nem comer peixes e tudo o mais que uma mesa rica pode oferecer são fonte de vida feliz, mas sim o sóbrio raciocinar, que perscruta a fundo as causas e todo ato de escolha e de recusa, e que expulsa as falsas opiniões por via das quais grande perturbação se apossa da alma” .[iv]

Com vistas a atingir a aponía e ataraxía, Epicuro distinguiu os prazeres da seguinte forma: 1- Prazeres naturais e necessários; 2- prazeres naturais, mas não necessários 3- prazeres não naturais e não necessários. Os prazeres naturais e necessários são aqueles que devem ser satisfeitos, como por exemplo: beber quando se tem sede, comer quando se tem fome, repousar quando se está cansado. Já os prazeres naturais, mas não necessários, são “variações supérfluas” dos prazeres naturais, exemplo: comer bem, beber bebidas refinadas, vestir-se com apuro, etc. E, finalmente, os prazeres não naturais e não necessários, os quais não tolhem a dor corpórea e nem eliminam a perturbação da alma. São prazeres “vãos” nascidos das “vãs opiniões dos homens”. São aqueles ligados aos desejos de riqueza, poder e honras.

  Devemos concluir esta breve reflexão sobre o prazer em Epicuro afirmando que o famoso filósofo acreditava na possibilidade de uma vida feliz e harmônica neste mundo. Trata-se de uma visão otimista sobre as possibilidades da existência humana, a qual nos convida à necessidade de estabelecermos uma sabedoria de vida, com vistas a manutenção de nossa serenidade e equilíbrio pessoal através do uso da razão.


REGIS E O JARDIM DE EPICURO
O corpo como túmulo da alma em Platão

Normalmente, quando pensamos na ideia de conflito entre corpo e alma, nos conceitos de expiação e culpa, lembramos da tradição judaico-cristã, que nos é mais próxima em termos de perspectiva histórica. No entanto, estas ideias estão presentes desde a mais alta antiguidade no mundo ocidental. Já no orfismo, religião que existiu na Grécia arcaica, mais ou menos por volta do século VIII A.C., encontramos ideias deste tipo.
O orfismo não deve ser ignorado pelos estudiosos do pensamento ocidental, pois influenciou importantes filósofos gregos do período áureo da filosofia na Grécia. É interessante observar, igualmente, que a ideia da palingenesia ou reencarnação está presente nesta que é uma das mais antigas doutrinas religiosas do mundo ocidental. Segundo Giovanni Reale e Dario Antiseri as crenças fundamentais do orfismo são:

“a) No homem hospeda-se um princípio divino, um demônio (alma) que caiu em um corpo por causa de uma culpa originária.
b) Esse demônio não apenas preexiste ao corpo, mas também não morre com o corpo, pois está destinado a reencarnar-se em corpos sucessivos, a fim de expiar aquela culpa originária.
c) Com seus ritos e práticas, a “vida órfica” é a única em grau de pôr fim ao ciclo das reencarnações e de, assim libertar a alma do corpo.
d) para quem se purificou (os iniciados nos mistérios órficos) há um prêmio no além (da mesma forma que há punições para os não iniciados.”[v]

Podemos verificar que no orfismo o corpo e a alma estão em conflito, e que o corpo é uma espécie de lugar de expiação da alma. Pitágoras, o eminente filósofo e matemático, também recebeu grande influência dos órficos e acreditava que a alma devido a uma “culpa originária” também era obrigada a reencarnar-se em sucessivas existências corpóreas, não apenas em forma humana, como forma de expiação daquela culpa. Conta a tradição que Pitágoras se recordava de suas vidas anteriores e que entendia que a purificação da alma não se daria apenas através da prática de ritos, como os órficos ensinavam, mas sim através do reto agir humano com vistas a se tornar um seguidor de Deus.

É em Platão, no entanto, que conheceremos a mais alta reflexão metafísica até aquele momento histórico. O pensamento platônico influenciou profundamente a história da filosofia no ocidente com sua tese que enfatiza a contraposição entre o mundo sensível e mundo das ideias. Outra distinção importante no pensamento platônico, é a que separa radicalmente alma e corpo, sendo o corpo, segundo a concepção do famoso discípulo de Sócrates, um verdadeiro túmulo a impedir a liberdade da alma. Neste sentido, Giovanni Reale e Dario Antiseri explicam o pensamento de Platão:

“Enquanto temos um corpo, estamos “mortos”, porque somos fundamentalmente nossa alma; e a alma, enquanto se encontra em um corpo, acha-se como em uma tumba; e, com isso, encontra-se em situação de morte. Nosso morrer (com o corpo) é viver, porque, morrendo o corpo, a alma se liberta do cárcere. O corpo é a raiz de todo mal, fonte de amores insensatos, de paixões, inimizades, discórdias, ignorância e loucura. E tudo isso precisamente mortifica a alma. Essa concepção negativa do corpo sofre certas atenuações nas últimas obras de Platão, embora nunca desapareça por completo”.[vi]   




JACI REGIS E O JARDIM DE EPICURO- PARTE 4
O cristianismo: pecado e salvação

No cristianismo é central a noção de pecado e queda do homem. Disse Javé: “Da árvore do conhecimento do bem e do mal não comereis, porque no dia em que dela comerdes tereis de morrer”. [vii]Já o maligno disse ao primeiro casal: “Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em que dela comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal”.[viii]

Como Adão não resistiu à tentação foi expulso do paraíso. A partir deste momento entraram no mundo o mal, a dor e a morte. Com Adão toda a humanidade pecou e o pecado entrou na história do homem. Diz Paulo de Tarso: “Por obra de um só homem o pecado entrou no mundo e pelo pecado, a morte; assim, a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram”.[ix]

Porém, segundo o pensamento cristão, Deus se fez homem e resgatou a humanidade do pecado e, com a sua ressurreição, derrotou a morte, consequência do pecado. Esta milenar interpretação cristã distanciou-se profundamente do pensamento grego vigente até então. Neste sentido, afirmam Giovanni Reale e Dario Antiseri:

 “A encarnação do Cristo, sua paixão expiadora do antigo pecado, que fez seu ingresso no mundo com Adão, e sua ressurreição resumem o sentido da mensagem cristã- e essa mensagem subverte inteiramente os quadros do pensamento grego. Os filósofos gregos haviam falado de uma culpa original, extraindo o conceito dos mistérios órficos... Mas, ficaram muito longe da explicação da natureza dessa culpa”.[x]

Portanto, para a visão cristã, o homem é um ser decaído, maculado pelo pecado original. Trata-se de uma visão negativa a respeito do ser humano. O homem, nesta visão, é um nada que deve ser resgatado pela graça de Deus de sua condição miserável. Daí à interpretação do mundo como um “vale de lágrimas” foi um passo.

Santo Agostinho, unindo revelação cristã e filosofia grega, retomou o dualismo platônico radical. O famoso santo da igreja falava em cidade de Deus e cidade dos homens. Na primeira, a virtude em todas as suas expressões, na segunda, o mal, a corrupção, o erro.

Estas concepções nos influenciaram profundamente ao longo dos séculos. Nós, espíritos imortais, temos reencarnado sucessivas vezes no mundo ocidental e temos sofrido a pressão ideológica desta cultura que nega a vida, sendo que esta maneira de compreender o sentido do homem e do mundo também influenciou o espiritismo como veremos a seguir.

JACI RÉGIS E O JARDIM DE EPICURO – PARTE 5
A Influência cristã no espiritismo

Em relação ao contexto histórico em que foi fundado o espiritismo, meados do século XIX, é necessário ter em mente que era uma época em que o cristianismo na França, e mesmo na Europa, ainda tinha grande influência social. É curioso verificar na Revista Espírita de Allan Kardec, que cobre o período de 1858 a 1869, quantos membros da igreja se manifestaram contra o espiritismo com suas pastorais e sermões. Na Espanha ultraconservadora ocorreu um auto de fé com a queima de livros espíritas. Vários Espíritos ligados ao cristianismo auxiliaram na elaboração do espiritismo, sendo que tal circunstância histórica contribuiu para que, em certos aspectos, o espiritismo incorporasse algumas ideias e conceitos mais pertinentes ao cristianismo do que ao espiritismo propriamente dito.

De fato, uma boa compreensão do espiritismo não nos permitirá idealizar a vida extrafísica em detrimento da vida terrena. Quando o espiritismo aceita a classificação do planeta terra como “mundo de provas e expiações” certamente está mais próximo da visão cristã que compreendia a terra como uma espécie de “vale de lágrimas”.  Podemos encontrar, mesmo no contexto da obra de Allan Kardec, algumas ideias muito discutíveis, que apontam para uma compreensão literal, fatalista, punitiva, da lei de causa e efeito no campo da reencarnação.

Enfim, o espiritismo incorporou alguns elementos do pensamento cristão em sua estrutura doutrinária, e aqui se faz necessário distinguir, o pensamento cristão, do imortal pensamento ético de Jesus de Nazaré, com o qual o espiritismo está em conformidade.  É a partir da reflexão crítica a este estado de coisas que poderemos compreender o pensamento de Jaci Régis, pensador espírita brasileiro que entendeu, profundamente, o quanto as noções cristãs foram assimiladas ao pensamento espírita.


 Antes de falarmos da reflexão de Jaci Régis devemos ressaltar que seu pensamento é o de um espiritualista, mais especificamente, de um espírita, de um kardecista. Alguém que raciocina a partir da ideia de corpo e alma, sendo esta última imortal e submetida a reencarnações sucessivas com vistas a um percurso evolutivo. Não é, portanto, o pensamento de um materialista. Como vimos anteriormente neste artigo, Epicuro valoriza a vida terrestre, sob a perspectiva materialista. Jaci Régis, a partir de uma leitura mais precisa em termos conceituais do pensamento espírita, ressalta a importância da vida terrena para a trajetória evolutiva da alma. O corpo, o mundo, e a vida terrestre, não devem, portanto, ser negados, pois representam elementos fundamentais da educação e evolução do Espírito.

Finalmente, devemos dizer que no Brasil o espiritismo tomou um feitio religioso e cristão acentuado. Este posicionamento epistemológico do espiritismo no campo da religião fez com que as pretensões de Kardec no sentido de criar uma ciência e doutrina filosófica fossem prejudicadas em grande parte. E, com isso, aprofundou-se ainda mais o sincretismo entre cristianismo e espiritismo.


JACI RÉGIS E O JARDIM DE EPICURO - PARTE VI
Reflexões sobre o prazer.

Jaci Régis afirma que a cultura judaico-cristã enalteceu o sofrimento e a dor e que nela: “O homem foi colocado numa posição de impotência, cumulado de culpa, desobediência e sujeito à ação fulminante da divindade. Nada de alegria. Nem de felicidade. Essa, quando tudo dá certo, só depois da morte. Aqui, a dor é soberana. O velho testamento diz, sem meias medidas, que Deus não faz acordo com quem desobedece suas leis” .[xi]

 O pensador kardecista denuncia a deturpação histórica que foi realizada com a figura de Jesus, que foi transformado em salvador dos pecados da humanidade, que passou a ser visto como alguém triste, alguém que se deu em sacrifício por nós, sem alegria, sem felicidade, sem sorrisos: “os cristãos foram enganados pela Igreja que transformou o homem de Nazaré num mito, em salvador, em messias universal. E fizeram-no triste, morto na cruz, com sua coroa de espinhos. Não existem gravuras do Cristo sorrindo. Como se ele estivesse amargurado por ter que conviver com essa espécie decaída que é o homem. Jesus de Nazaré foi criticado porque comia e bebia”.[xii]

 Jaci nos faz recordar que Jesus teria dito que veio para que tenhamos “vida em abundância”, e apresentou a criança como símbolo: “Todavia, não é exaltado que Jesus disse: “Eu vim para que tenham vida e vida em abundância”. As mentes enfermiças dos religiosos entenderam que essa vida abundante só seria possível depois da morte, depois de derramar sangue, suor e lágrimas. O mestre apresentou a criança como símbolo. E criança é alegria, prazer, esperança e promessa. A vida terrena é terreno de construção. Cada um prepara esse terreno de forma diferente, colhendo sorrisos ou lágrimas”.[xiii]

É muito fácil constatarmos que o espiritismo, desde suas origens com Allan Kardec, assimilou a cultura do sofrimento e da dor. Reflete o Espírito Agostinho, em O evangelho segundo o espiritismo: “Vossa terra é por acaso um lugar de alegrias, um paraíso de delícias? A voz do profeta não soa ainda aos vossos ouvidos? Não clamou ele que haveria choro e ranger de dentes para os que nascessem neste vale de dores? Vós, que nele vieste viver, esperai, portanto, lágrimas ardentes e penas amargas. E quanto mais agudas e profundas forem as vossas dores voltai os olhos aos céus e bendizei ao Senhor por vos ter querido provar! (...) Felizes os que sofrem e choram! Que suas almas se alegrem porque serão atendidos por Deus”.[xiv]

Segundo Jaci o espiritismo não pode ser a doutrina da dor e do sofrimento, mas sim a doutrina do prazer: “O Espiritismo não pode ser a doutrina da dor e do sofrimento. Mas a doutrina do prazer, no seu sentido amplo, libertador e construtivo. Deve limpar a mente das pessoas da morbidez deixada pelo cristianismo. Precisa reciclar a pretensa maldição divina sobre as gerações...”[xv]

Muitos depreciam a vida afirmando que ela é curta, ilusória, que somos frágeis, e que nada podemos realizar, não era o que entendia nosso pensador: “A vida é breve, afirmam, desqualificando nossa estadia corpórea. Ilusão. A vida é longa, longuíssima, pois se vivencia no bater ritmado dos segundos, dos milésimos de segundo. Pensar na morte para viver é subverter a vida. A mente mergulhada na morbidez, cercada de medo, de erros do passado, lei de talião, causa e efeito, entendidas, todas, como instrumentos de tortura divina e purificação da alma pelo fogo da dor, não pode ser feliz. Ao contrário, retrai-se, induz-se à solidão e sente-se intimamente injustiçada”. [xvi]

Esta visão distorcida pela glorificação do sofrimento e da punição atinge até mesmo um dos princípios fundamentais do espiritismo: “Alguns espíritas, tomando a reencarnação desligada do processo evolutivo e esquecidos de que ela é um instrumento deste, passaram a ligá-la à punição divina. Se, raciocinam, Deus é justo, ninguém sofre sem razão. Logo se a razão não está nesta vida, só pode estar nas outras vidas. Criaram o pecado originário.”.[xvii]

O pensador espírita pós-cristão faz um verdadeiro elogio ao amor e ao prazer: “Agora queremos o amor que liberta que é leve, aberto, que faz bem ao coração. Amor com sexo, com alegria, dentro do recíproco respeito. Amor com ideal, com construtividade. Prazer é retempero da alma. É estado de otimismo e realidade, de pensamento positivo e disposição para servir. É uma forma de estar no mundo, superando morbidez conceitual da punição divina, pois não existe punição divina”. [xviii]


JACI RÉGIS E O JARDIM DE EPICURO 
POR UMA NOVA COMPREENSÃO DE DEUS

 Afirma Jaci Régis que é necessário que tenhamos uma nova compreensão sobre Deus.  Devemos compreendê-lo não mais como um Deus com características humanas, que pune e fornece a graça segundo seus soberanos e inescrutáveis critérios, mas sim como um Deus que se revela na perfeição das leis naturais, as quais apontam para a felicidade humana.

 Segundo o pensador espírita brasileiro devemos: “Inaugurar um novo entendimento da forma como a Causa Primária de todas as coisas, através de sua obra magnífica, rica de detalhes e de processos perfeitos, quer proporcionar felicidade aos homens”.[xix]

Para ter este novo entendimento sobre Deus é necessário ter em mente que tudo aquilo que foi dito sobre Deus, desde a antiguidade até nossos dias, foi dito por homens, apenas por homens, e que não foi o próprio Deus que falou diretamente à humanidade, nem passou procuração a quem quer que seja para falar em seu nome.

“Tudo o que se diz e prega sobre a existência de um deus superior, um criador, um ordenador da vida, foi idealizado, escrito, pregado pelos homens. As muitas faces de Deus representam a imagem dos homens, de cada época. ” [xx]

E a civilização ocidental, judaico-cristã, desenvolveu uma ideia terrível sobre Deus. Um Deus que tem características de pessoa humana a exigir sacrifícios e oferendas, a condenar e a absolver as criaturas, segundo critérios discricionários. Na verdade, a concepção judaico-cristã, apesar de sua origem monoteísta mais abstrata e racional que a do politeísmo da antiguidade, acabou por não conseguir se livrar de uma ideia antropomórfica a respeito da divindade.

A primeira coisa a fazer, portanto, para que tenhamos um novo entendimento sobre Deus, é nos descartarmos desta visão restritiva e humana a respeito da Causa primária de todas as coisas. Devemos liberar nossa mente desta visão acanhada, a qual nos tem sido ensinada há milênios. Neste sentido, afirma Jaci:

 Um novo pensar sobre Deus começará por deixar de lado o deus Jeová, as afirmativas bíblicas e, de modo geral, as teorias que fazem dele uma pessoa. Simplesmente porque não corresponde às mínimas necessidades de um deus universal”.[xxi]

Para Régis a lei natural é a grande expressão da atuação da mente divina no universo, a qual cria, sustenta e direciona, teleologicamente, o espírito e a matéria, em uma sábia e permanente interação, em um grandioso panorama cósmico evolutivo, que ainda escapa a compreensão plena do homem terreno.

“A lei natural exprime a sabedoria divina, com mecanismos extremamente competentes, estabelecendo o ritmo e a sucessão dos fatores com o fim de equacionar, no universo energético, tanto quanto no universo inteligente, o princípio do equilíbrio. Atuando através da lei de causa e efeito ou ação e reação, ferramenta de busca do equilíbrio, pela reciprocidade dos fatores.”[xxii]

No que diz respeito à relação homem e Deus, afirma o pensador espírita pós-cristão que tal relação tem sido frustrante, em razão da equivocada compreensão dos homens sobre a forma da atuação divina. O apelo dos homens sobe aos céus na busca de soluções nem sempre encontradas.

“... a relação entre a criatura e o criador tem sido fria, unilateral. A tentativa do diálogo pela oração, pela imprecação não se concretiza porque o silêncio divino é devastador. E isso sempre foi e é terrível, porque as criaturas são inseguras, temem a morte e procuram num poder maior, supostamente cheio de amor, um porto seguro, uma resposta para o seu medo. O crente pergunta, onde está o Deus onipotente que não atua para eliminar o mal, punir os que praticam crimes e não salva e cura livrando-nos da morte”.[xxiii]

  Afirma Jaci que esta decepção decorre do que se tem falado sobre o amor de Deus. As igrejas referem-se ao amor de Deus à pessoa, ao indivíduo. No entanto, este amor de Deus se expressa no sentido da sabedoria da lei natural, a qual propicia infinitos meios e oportunidades para que o Espírito imortal atinja a felicidade e a plenitude no tempo e no espaço.

Na busca da plenitude existencial, há espaço para o erro e para o acerto do Espírito em um longo processo de aprendizado, sendo que a realização desta plenitude deve ser compreendida sempre na relação com o outro e nunca isoladamente.

 Nesta visão, não se cogita de pecados suscetíveis de condenação eterna e também não se espera nenhum ato de salvação por parte da divindade. E também não se compreende o planeta terra como um “vale de lágrimas”, do qual devemos nos libertar com vistas a alcançarmos as esferas espirituais da felicidade.

 O que existe é apenas aprendizado no percurso das vidas sucessivas, as quais devem ser aproveitadas em um sentido de oportunidade, produtividade e prazer na construção de nossas potencialidades individuais e coletivas.

 “De fato, o universo gira em torno do amor, no sentido de prodigalizar meios e formas de oferecer ao Espírito humano o acesso ao seu equilíbrio interno e nas relações com o outro, isto é, seja feliz. O novo pensar sobre Deus pensa que o objetivo da vida é a felicidade. A inteligência divina proporciona meios para isso, no tempo, através da lei da evolução”.[xxiv]


JACI RÉGIS E O JARDIM DE EPICURO 
A TERRA É AZUL

Jaci Régis costumava afirmar que não desconhecia os problemas do mundo, mas que preferia pensar o mundo de forma positiva, porém sem ingenuidade: “Passam pela mente o alarido das crianças, as campinas floridas, o amor entre as pessoas, a música, a paciência dos educadores, o trabalho silencioso e persistente dos pesquisadores, os benefícios da ciência e da tecnologia”.

Reconhece que vivemos em um “mundo globalizado”, em uma “aldeia global”, e que estamos no “olho do furacão”, pois no dia a dia recebemos, de forma imediata, uma enxurrada de notícias a respeito do sofrimento e das dores dos seres humanos de todas as partes do mundo e que, em vista disso, precisamos selecionar muito bem nossas sintonias mentais, sob pena de nos perdermos em uma angustia paralisante.

“Tamanha carga de emoções exige um redimensionamento da mente, da percepção, da capacidade de priorizar, de decidir, de escolher. De ouvir e não ouvir. De ver e não ver. De falar ou calar”.

Mas, sobretudo, sua visão é otimista. Enquanto muitos se desesperam com a vida e com o mundo, em uma atitude de negação existencial, afirma Jaci que as noções da preexistência, sobrevivência, e destinos evolutivos da alma, que incluem lágrimas, mas também sorrisos, dor, mas também prazer, apontam para novos horizontes no futuro da humanidade.

“A terra é azul, gira no silêncio do cosmo cumprindo seu roteiro. Cada uma das pessoas gira em torno de si mesma em busca do outro. Isso é vida e vida dinâmica, que inclui dor, alegria, lágrimas e sorrisos. Mas somente a persistência do ser que cada um é, além da morte e antes do túmulo será o sinal para uma nova etapa da humanidade.”

 Entendemos que a importância da reflexão espírita de Jaci Regis está justamente em nos auxiliar a desenvolver uma visão mais otimista sobre a vida, sobre o mundo, no sentido de rompimento com uma certa visão mórbida da existência humana neste planeta. Jaci, em uma correta compreensão da filosofia espírita, nos convida a acreditar em nossas potencialidades e a realizar uma vida produtiva, prazerosa, útil no bem, e feliz, tanto quanto possível à nossa condição evolutiva.

Certamente que os percalços existem. E são muitos.  As realidades da existência cotidiana de cada um de nós não são desconhecidas.  O sofrimento também está presente neste mundo. Porém, o sofrimento não deve ser cultuado, deve ser superado. Precisamos acreditar na vida, nas possibilidades, no amor. Precisamos acreditar em Deus, afinal, como dizia Jaci:

“Não quer Deus o sorriso, a felicidade, melhor? A doutrina kardecista abriu as portas da esperança. Ninguém ficará fora do reino, porque Deus ama a todos, mesmo que não tenhamos condições de entender os mecanismos de sua sabedoria. A reencarnação consolida a solicitude e a sabedoria divinas. Nela se espelha a grandeza do Criador e da sua Lei Natural”.

OBRAS CONSULTADAS

Aprender a viver – Filosofia para os novos tempos –Luc Ferry
Doutrina Kardecista-modelo conceitual-reescrevendo o modelo espírita- Jaci Régis
História da Filosofia, volumes I e II – Giovanni Reale e Dario Antiseri
Introdução a Doutrina Kardecista – Jaci Régis
Novas Ideias – Jaci Régis
Novo pensar- Deus, homem e mundo – Jaci Régis
O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec



[i] RÉGIS, Jaci.Novas Ideias.icks edições
[ii] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia- Volume 1.Paulus.
[iii] Idem, idem
[iv] Idem, idem
[v] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia – volume 1. Paulus.
[vi] Idem, idem
[vii]REALE, Giovanni; DARIO, Antiseri. História da Filosofia-Volume 2. Paulus
[viii]Idem, idem
[ix] Idem, idem
[x] Idem, idem
[xi] RÉGIS, Jaci. Novas ideias. icks edições.
[xii] Idem, idem
[xiii] Idem, idem
[xiv] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.Lake.
[xv] RÉGIS, Jaci. Novas ideias. icks edições
[xvi] Idem, idem
[xvii] RÉGIS, Jaci. Introdução à doutrina kardecista.Licesp
[xviii] RÉGIS, Jaci. Novas ideias.icks edições
[xix] RÉGIS, Jaci. Novas ideias- icks edições
[xx] RÉGIS, Jaci. Novo pensar-Deus, homem e mundo.icks edições
[xxi] Idem, idem
[xxii] Idem, idem
[xxiii] Idem, idem
[xxiv] Idem, idem

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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