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sábado, 31 de agosto de 2024

DEMOCRACIA: UMA UTOPIA AINDA A SER ALCANÇADA! por Ricardo de Morais Nunes

 

DEMOCRACIA: UMA UTOPIA AINDA A SER ALCANÇADA! por Ricardo de Morais Nunes

Temos defendido ao longo dos últimos tempos a importância dos espíritas pensarem as questões da política, da economia e da sociedade com vistas a poderem formar uma consciência mais ampla destas questões, de um ponto de vista filosófico, não partidário, como é obviamente o caso quando tratamos desses temas no âmbito do movimento espírita.

Acreditamos mesmo que tais reflexões podem propiciar aos espíritas um melhor desenvolvimento de seu   pensar político e  social , de um ponto de vista crítico, tendo em vista a uma melhor participação cidadã, de natureza humanista, nas diversas sociedades do mundo em que vivem.

Nesse campo temático se há uma discussão que realmente causa muita divergência, mesmo entre os espíritas estudiosos, é sobre o conceito de democracia. O que é afinal democracia? Conceito fundamental que precisa ser aprofundado, pois não basta dizer que somos a favor da democracia ou que somos contra as ditaduras. É necessário explicar o que entendemos por democracia.

É necessário iniciar a nossa reflexão lembrando que o conceito de democracia remonta à Grécia antiga. A pólis ateniense é o primeiro exemplo de democracia direta no mundo. Desde esse momento passou a ser comum remontarmos a essa origem, cantarmos em verso e prosa a democracia que surge em Atenas.

 Porém, é necessário irmos além e perguntarmos como funcionava essa democracia, era realmente democrática a pólis ateniense? Sabemos que não. Em Atenas apenas o cidadão da pólis tinha direito a se manifestar na Ágora. A maioria da população era de escravos, mulheres e estrangeiros que estavam excluídos da participação nos negócios da cidade-Estado.

A democracia grega, quando olhamos bem de perto, quando observamos a sua estrutura, não era tão perfeita assim. Claro que esses defeitos, olhando em retrospecto, não são suficientes para rejeitamos o grande avanço da proposta democrática grega.

De lá para cá muita coisa mudou. Muita água correu debaixo da ponte.

Tivemos o fim das cidades-Estado na Grécia sucedidas pelas várias dominações imperiais da antiguidade, o domínio teológico e político da Igreja católica, o poder dos monarcas, as revoluções políticas contra o poder dos monarcas, o poder dos burgueses, as revoluções contra o poder dos burgueses.  Passamos pelos regimes político-econômicos do tipo escravocrata, feudal, escravista colonial, capitalista e socialista. Passamos pela revolução agrícola, industrial e hoje digital.

No século XX, tivemos, ainda, ditaduras de direita, de esquerda, repúblicas teocráticas, Estados e legislações de segregação racial, imperialismo moderno, colonialismo, guerras de intervenção estrangeira, guerras civis, golpes militares e revoluções.

Como se não bastasse os fatos acima mencionados, em algumas nações, nas últimas décadas, infelizmente, tem ocorrido uma relação promíscua entre as instituições de Estado e a criminalidade comum, o que, sem dúvida, acentua   os problemas políticos e sociais, dificultando, ainda mais, a busca pela concretização dos princípios democráticos.

 Na grande maioria das nações do mundo, hoje, vivemos no sistema que podemos chamar de democracias liberais, representativas, de perfil econômico capitalista. Há alguns países que ainda ostentam, com maior ou menor intensidade, alguns princípios de seu período socialista, mas é possível contar esses países nos dedos após a dissolução da União Soviética e a queda do muro de Berlim.

O comunismo e o socialismo, em nosso tempo, nessas duas primeiras décadas do século XXI, não são mais ameaças ao sistema capitalista e às democracias liberais como insistem os ultradireitistas desse nosso momento histórico, que se utilizam do absurdo e falso argumento da “ameaça comunista” para solapar qualquer possibilidade de crítica ao capitalismo e a essas democracias.

Enfim, o que podemos verificar, hoje, é que as democracias liberais ainda são extremamente incompletas e que não realizam todo o potencial do ideal democrático. O grande modelo, para muitos, dessa democracia moderna, liberal, são os Estados Unidos da América.

 Porém, se olharmos para a realidade social destas democracias liberais com “olhos de ver” observaremos que essa democracia mínima tem sido tão sintonizada com os interesses do capital que muitas vezes ela se torna uma verdadeira antidemocracia nos países nos quais ela foi adotada.

 E, ainda pior, em nossos dias, mesmo essa democracia mínima, está sendo atacada com vistas a retrocessos inaceitáveis que seguem em direção a concepções neofascistas de sociedade que andam de mãos dadas com teorias e práticas econômicas neoliberais, as quais destroem qualquer ideia de justiça social ou bem-estar social.

Frequentemente, a política contemporânea, em seu melhor sentido, como representativa dos direitos dos cidadãos, tem sucumbido aos interesses do dinheiro, da acumulação e da riqueza de alguns poucos. Há necessidade, hoje, de realizarmos uma profunda crítica às sociedades que giram em torno do capital e esquecem o ser humano.

 Devemos, portanto, dizer, em alto e bom som, que, de um ponto de vista espírita, portanto, humanista, que privilegia o ser ao invés do ter, os interesses do “mercado”, do capital, das minorias privilegiadas em termos econômicos, não devem prevalecer sobre os interesses da sociedade como um todo.

É necessário, sob esse horizonte alargado de sociedade, voltarmos a acreditar que os homens e mulheres de nosso tempo, coletivamente, podem construir um destino político diferente, sendo imprescindível, em nosso entendimento, começarmos a construir um novo ideal democrático tendo em vista o futuro da humanidade.

Para esse objetivo é urgente nos descartarmos da ideia, muito útil aos que mandam no mundo e que estão confortáveis nas situações de injustiça e exclusão dos outros, de que não há outro mundo possível.

Nesta linha de raciocínio, devemos ter como premissa fundamental, que a   democracia ainda é a grande utopia a ser alcançada. Nesse sentido, é necessário elevar o nosso conceito de democracia, não nos contentando, apenas, com as chamadas liberdades formais, aquelas dos direitos e garantias do indivíduo perante as possíveis arbitrariedades do Estado.

2ª parte

Não há que se falar em democracia real sem considerarmos também as necessidades materiais dos cidadãos. Não é possível falar em democracia em um mundo de milhões de marginalizados no sentido do acesso aos bens fundamentais ao desenvolvimento da vida.

É necessário lembrar que, atentar contra a dignidade material das pessoas no nível fundamental da sobrevivência digna, é também atentar contra os direitos humanos. Há países que se dizem “livres” e “defensores da liberdade”, mas que atentam contra os direitos humanos no sentido do absoluto desamparo às condições materiais de vida de seus cidadãos. Liberdade para morrer de fome não é liberdade.

Pensamos que esta maneira de compreender os problemas políticos e sociais de nosso tempo corresponde plenamente aos generosos princípios que podemos encontrar em toda a obra de Allan Kardec, a qual nos convida à permanente transformação individual e coletiva.

 Entendemos que nós, espíritas, podemos auxiliar o processo de transformação dessa ordem de coisas, em primeiro lugar denunciando as sociedades que permitem a acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos enquanto milhões, em nossos países e no mundo, se encontram privados do básico para uma vida digna e decente.

 Dessa forma, estaremos dando um primeiro passo fundamental no enfrentamento dessas situações que é o da conscientização do maior número de pessoas sobre esse grave problema de nosso tempo. O movimento espírita, com seus centros e instituições, pode colaborar muito nesse processo,  sendo claro que se não o fizer estará colaborando também, só que em um sentido contrário, favorecendo a alienação, portanto, o status quo, a exploração.

E, em segundo lugar, nós espíritas, podemos auxiliar o movimento geral de transformação social com a nossa participação, sempre pacífica em conformidade com os princípios de não violência ensinados pelo espiritismo, em todas as instâncias da palavra, da ação e da manifestação, que nos forem acessíveis no campo das lutas sociais.

Para isso, é necessário nos livrarmos dos conceitos superficiais e ingênuos de democracia e ditadura. É certo que todo espírita minimamente informado dirá, como um mantra religioso ou como uma verdade metafísica quase que vinda do alto, que é favorável à liberdade e à justiça social. Claro, não poderia ser diferente do ponto de vista filosófico-espírita. Isso é de uma evidência cristalina, mesmo em uma baixa compreensão da filosofia espírita.

Mas o que devemos ter em mente é que a conquista destes fatores, liberdade e justiça social, em sociedade, não ocorrerá simplesmente por gratuidade de Deus ou benevolência dos poderosos. Liberdade e justiça social devem ser conquistadas através das lutas sociais.

 É necessário levar em conta os interesses materiais em jogo, em uma palavra: a luta de classes. Mesmo que essa luta de classes, em nosso tempo, tenha adquirido características e peculiaridades distintas da época em que foi concebida teoricamente.

Sem uma compreensão dialética da vida social, dos conflitos de interesses em jogo, das resistências e pressões no campo prático da vida social, não avançaremos um milímetro nem mesmo na compreensão do que efetivamente acontece em nossas sociedades contemporâneas. E sem compreender, não conseguiremos contribuir.  

 É necessário termos claro que as nossas sociedades capitalistas contemporâneas não estão em conformidade com a ideia de justiça natural que encontramos nas propostas espíritas. E que só poderemos realmente ter um conceito mais amplo de democracia quando extinguirmos, socialmente, economicamente, e politicamente, os abismos materiais entre as pessoas, que as fazem tão diferentes em suas condições de vida, apesar da mesma humanidade.

 Não se trata de um objetivo fácil, é um horizonte a ser perseguido por todos que amam a justiça. Os espíritas entre eles.

Essa condição de maior igualdade, dará mais amplo sentido, até mesmo, ao processo da reencarnação dos indivíduos, porque poderíamos perguntar: de que adianta ao Espírito reencarnar em condições tão desfavoráveis que, muitas vezes, o fazem sucumbir em relação ao próprio objetivo da reencarnação, que é seu autodesenvolvimento intelecto-moral em sociedade?

 Na atualidade, há estudiosos que afirmam que vivemos a época do capitalismo pós-fordista, que privilegia a financeirização da economia ao invés da produção, deixando, portanto, nessa nova fase do capitalismo mundial, milhões de pessoas no mundo sem ter condições de acesso a um trabalho ou tendo como perspectiva apenas trabalhos precarizados.

Última parte

 Em O Livro dos Espíritos, publicado em meados do século XIX, época em que ainda não tínhamos no mundo um capitalismo tão desenvolvido, encontramos uma interessantíssima antecipação crítica às subjetividades que giram apenas em torno do capital, da acumulação, do ter.

 Tais subjetividades, ao longo do tempo, acabaram por criar, em uma união de interesses, um sistema, uma estrutura econômica-social-política, altamente favorecedora do egoísmo pessoal. Assim respondiam os Espíritos às perguntas de Kardec à época:

 Questão 711- O uso dos bens da terra é um direito de todos os homens? R: Esse direito é a consequência da necessidade de viver.

Questão 717- Que pensar dos que açambarcam os bens da terra para se proporcionarem o supérfluo, em prejuízo dos que não têm sequer o necessário? R: Desconhecem a lei de Deus e terão de responder pelas privações que ocasionarem.

Em um livro lançado do inicio da década de noventa do século XX, um teórico político norte-americano, Francis Fukuyama, ao verificar a queda do muro de Berlim e a decadência da União Soviética, propôs que a democracia liberal, de perfil capitalista, representava uma espécie de estágio máximo alcançado pela humanidade, uma espécie de “fim da história” quanto aos modelos políticos e econômicos que disputaram o século XX.

Várias décadas depois do lançamento da famosa obra, verificamos que nossas democracias liberais, ao invés de patrocinarem maior inclusão das pessoas aos seus benefícios, acabaram por acentuar, ainda mais, as contradições materiais no mundo.

A carência alimentar, o desamparo, a falta de acesso à saúde, à educação, ao saneamento básico, ao teto, as guerras e intervenções estrangeiras na soberania dos países e a destruição perversa do meio ambiente por razões econômicas ainda são uma realidade vivida na pele por milhões em nosso mundo, os quais são os “perdedores” desse sistema capitalista e dessa democracia liberal que quer nos convencer que todos seremos “vencedores”.

Acreditamos, portanto, que a história não acabou e que ainda nos cabe construir modelos políticos, sociais e econômicos, efetivamente democráticos, que realizem, concretamente, na vida social, os princípios da liberdade e da igualdade enaltecidos pela filosofia espírita e por todos os humanistas do mundo. Tememos que se não alcançarmos maiores patamares de democracia real, estaremos nos encaminhando para a barbárie.

 

 

Nota da Redação: Este artigo será publicado em três partes no Jornal Abertura de setembro, outubro e novembro de 2024.

 

 

quarta-feira, 10 de julho de 2024

A AUTONOMIA FRENTE AS DETERMINAÇÕES - por Ricardo de Morais Nunes

 

A AUTONOMIA FRENTE AS DETERMINAÇÕES

A questão da autonomia e da heteronomia, muito discutida no movimento espírita da atualidade, deve ser colocada em justos termos, sob pena de incidirmos em análises simplistas do tema. É certo que Kardec afirma que “sem o livre-arbítrio o homem seria máquina”, porém esse homem livre não é tão livre como parece.

O ser humano está submetido a inúmeros condicionamentos de caráter social, biológico, econômico, ideológico, geográfico, cultural, familiar, enfim a inúmeros fatores que pressionam sua subjetividade, constituindo- lhe o eu, sem que na maioria das vezes tenha percepção desse fato, pois tais fatores, em geral, incidem em nível inconsciente. Se levarmos em conta, ainda, que nossa individualidade espiritual reveste inúmeras personalidades históricas, no tempo e no espaço, tal situação  se agrava.

Porém, é possível que o ser humano adquira consciência das determinações, as constate e as supere, claro que sempre em certa medida, pois há determinações, em tese, insuperáveis.

 Nesse sentido, negar que há uma esfera de liberdade frente as determinações certamente é um exagero que deve ser evitado, pois diferentemente dos animais o ser humano produz cultura e é dotado de perfectibilidade. E na perfectibilidade está a possibilidade do novo, da criação, do inédito.

O espiritismo, portanto, acerta quando afirma a perfectibilidade do espírito humano e o livre-arbítrio. O ser humano não está preso à natureza como os animais irracionais que repetem ao infinito os mesmos padrões de comportamento. Não é o caso de entrar aqui, para as finalidades desse artigo, na tese aceita por muitos estudiosos espíritas, de que um dia o princípio espiritual dos animais também entrará na esfera da liberdade e da consciência.

 Segundo o espiritismo, na medida em que desenvolvermos nossa perfectibilidade, enquanto seres humanos, através das reencarnações sucessivas, iremos ampliando nosso grau de liberdade ante os determinismos mesmo que esse aperfeiçoamento demore eternidades.

 O ser humano, para o espiritismo, portanto, é perfectível. Pode, através do pensamento crítico e do autoexame de si mesmo ir, em certa medida, além das determinações que o fazem pensar e ser de uma determinada maneira. Nesse procedimento reside a real autonomia, como capacidade de governar-se por si mesmo.

 Nas sociedades de todos os tempos a heteronomia, como norma exterior a induzir o comportamento humano, sempre foi muito presente. Desde as sociedades religiosas do passado às sociedades capitalistas de nosso tempo, sempre há aqueles que nos dizem o que pensar, o que fazer, como viver, como agir.

O ser humano autônomo é aquele que consegue dizer um não consciente às influências externas indo ao encontro de si mesmo. É fácil? Claro que não. Primeiro, porque é muito difícil constatarmos os condicionamentos que nos aprisionam muitas vezes de forma inconsciente. Segundo, porque nadar contra a maré das ideias e comportamentos padronizados já produziu o afogamento existencial de muitos. Mas, não há outro jeito, a autonomia é também um fator de libertação e de felicidade pessoal.

Claro que a autonomia pressupõe a responsabilidade pessoal perante o outro, o ser si mesmo autônomo leva em conta essa responsabilidade. Autonomia não é arbitrariedade, não é individualismo, nem egocentrismo, não é fazer o que se quer sem levar em conta os efeitos da ação praticada sobre o outro.

Como disse no início desse artigo o tema autonomia é muito discutido hoje no movimento espírita, o que é muito positivo. Precisamos, porém, ter cuidado para termos uma abordagem madura sobre o tema, sem menosprezarmos a força poderosa das inúmeras determinações que nos fazem agir, frequentemente, conforme o padrão aceito pela maioria.

Na verdade, o comportamento heterônomo da massa é a regra, sendo a autonomia a exceção. A autonomia relativa neste mundo é uma conquista, talvez seja a mais difícil empreitada a ser realizada pelo ser humano.

Ricardo Nunes


 E a autonomia verdadeira se reveste de um caráter prático, que diz respeito à ação no mundo, o que dificulta ainda mais a sua realização. Em geral, o mundo não aceita muito bem as personalidades que afirmam sua autonomia de pensar e agir.

 Este artigo foi publicado no Jornal Abertura de março de 2024, queres ler o jornal Completo?

Baixe aqui: 

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/42-jornal-abertura-2024?download=293:jornal-abertura-marco-de-2024

O artigo foi publicado no jornal Catalão - FLAMA ESPIRITA 193 em Julho de 2024.

sábado, 4 de maio de 2024

OS ESPÍRITAS E O ESTADO LAICO por Ricardo Nunes

 

OS ESPÍRITAS E O ESTADO LAICO por Ricardo de Morais Nunes

Uma das maiores conquistas do mundo ocidental foi o surgimento do Estado laico. Após um histórico de guerras religiosas sangrentas, as instituições políticas ocidentais se formataram segundo o princípio ético-jurídico da neutralidade do Estado em questões religiosas.

No passado ocorreram uma quantidade enorme de guerras religiosas. Para não me estender em demasia destaco aqui as cruzadas que colocaram em conflito cristãos e muçulmanos, e as guerras religiosas no ocidente que colocaram em conflito católicos e protestantes. O tristemente célebre massacre da noite de São Bartolomeu, em 1572, na França, manchou a história religiosa do mundo cristão.

Hoje em dia a ideia de “guerra santa” ainda persiste, misturando política, nacionalismo e religião em um caldo de cultura verdadeiramente explosivo. No mundo contemporâneo existem Estados teocráticos, nos quais o livro religioso e a palavra do chefe religioso se sobrepõem às leis civis do Estado nacional. 

É fácil perceber que um Estado que se declara religioso acaba por tomar partido entre os seus cidadãos e, como consequência, trata com menor interesse, para dizer o mínimo, aqueles que não aderem ao credo oficial. Do ponto de vista das liberdades democráticas traz para a arena política uma visão absolutista e dogmática restringindo o espaço para o debate alteritário.

No Brasil dos últimos anos, houve um crescimento da influência dos religiosos no Estado. Fala-se, hoje, inclusive, em uma “bancada da bíblia” no legislativo federal. Já foi falado por um presidente do passado recente sobre a necessidade de ser  nomeado, à instância máxima do judiciário brasileiro, um ministro “terrivelmente evangélico”.

No Brasil, ante o quadro político dos últimos anos, corremos o grave risco de misturar, irremediavelmente, religião e Estado, o que seria realmente um risco às liberdades democráticas de crença e manifestação da opinião.

Allan Kardec enfrentou problemas com a religião quando por ocasião do auto de fé de Barcelona. Nesse triste episódio, obscurantista, de caráter medieval, teve seus   livros espíritas queimados na Espanha por ordem de um bispo intolerante que se achou no direito de intervir nas questões alfandegárias do Estado Espanhol em sua relação com a França.

Penso que nós, espíritas livre-pensadores, devemos estar alertas para esse problema. Uma coisa são os adeptos de uma visão religiosa se manifestarem perante a sociedade civil sobre os variados temas políticos que existem na sociedade, exercendo, assim, seu legitimo direito à livre expressão, outra coisa é integrar as instituições do Estado, tendo como requisito fundamental para o exercício de um cargo público, não sua capacidade técnica, científica, administrativa ou política, mas a característica de ser religioso, profitente de uma determinada fé.

Isso resultará em uma imposição de valores e crenças aos que não comungam com a mesma visão, o que a longo prazo fará um estrago tremendo ao desenvolvimento científico, ético e cultural da sociedade. O Estado deve ser apenas um garantidor das múltiplas manifestações de crença e não crença, as quais representam os diferentes estados de consciência de uma nação.

Não há nenhuma conquista da humanidade que não pode ser perdida. O obscurantismo medieval está sempre à espreita e, não tenhamos dúvidas, pode voltar em novas roupagens. Dos espíritas, discípulos de Allan Kardec, um homem que acreditava na ciência, na razão e no desenvolvimento para melhor da humanidade, se espera que estejam atentos e que não embarquem nas canoas furadas do retrocesso.

Gostou do Artigo, ele foi publicado no jornal Abertura de abril de 2024, quer ler o jornal completo - baixe aqui:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/42-jornal-abertura-2024?download=300:jornal-abertura-abril-de-2024

 

 

 

 

segunda-feira, 6 de março de 2023

O MOVIMENTO DAS IDEIAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA - por Ricardo de Morais Nunes

 

O MOVIMENTO DAS IDEIAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA

Na atualidade muitos espíritas sentem que é necessário ou desejável um posicionamento de caráter político. No artigo do nosso estimado amigo Roberto Rufo no Abertura do mês de setembro ele indaga ao comentar sobre um evento do coletivo Espíritas à esquerda: “politicamente sou de centro-direita. Tenho salvação? ”   Alexandre Cardia, nosso querido editor, afirma na mesma edição “temos publicado artigos de nossos articulistas, alguns de centro, outros mais à direita ou mais à esquerda”. A referência à esquerda, à direita ou ao centro está na ordem do dia no movimento espírita brasileiro.

Ricardo de Morais Nunes -12° SBPE


O que quero ressaltar, no entanto, nesse artigo, não é propriamente o posicionamento político que cada um entende melhor para si, o que é legitimo dentro de uma perspectiva de livre pensamento. Por exemplo, eu mesmo me situo em uma perspectiva de crítica ao capitalismo, por entender que o capitalismo, enquanto sistema econômico, precisa ser superado ou, pelo menos, reformado profundamente, pois efetivamente tem gerado abismos de desigualdade intransponíveis entre os seres humanos, criando de um lado uma restrita classe de privilegiados que tudo possuem ao excesso e, do outro, a grande maioria, uma população marginalizada excluída dos bens fundamentais à vida.  Nesse sentido, me coloco à esquerda em termos de posicionamento político, sem a menor hesitação.

Mas meu objetivo hoje não é analisar as posições de esquerda, centro ou direita existentes no movimento espírita brasileiro. Meu objetivo é chamar atenção para o fato de como as circunstâncias históricas objetivas mudam independentemente de nossas vontades pessoais e nos colocam desafios inesperados para a reflexão.

 Há alguns anos, no Brasil, o assunto fundamental no movimento espírita, para um importante número de pensadores, era sobre a natureza religiosa ou não do espiritismo, sobre a natureza cristã ou não do espiritismo. Esse foi o grande debate no qual estiveram envolvidos grandes pensadores, uns defendendo a natureza cristã e religiosa do espiritismo, outros defendendo a natureza laica e universal da proposta filosófica espírita. O debate era tão intenso que se criou naquela época uma lenda urbana ou, como diríamos hoje, uma “fake News”, de que alguns espíritas, no caso os laicos, queriam “tirar Jesus do espiritismo”.

 Na atualidade, no entanto, esse debate não deixou de ser relevante. Pelo contrário, como espírita laico e livre pensador entendo que este tema é fundamental para a melhor compreensão da obra de Allan Kardec, porém, esse tema cedeu muito espaço às questões políticas e sociais.

 Tais questões surgiram a partir de uma demanda da sociedade brasileira para que os espíritas se posicionassem quanto a sua visão de sociedade e política, dadas as crises e ameaças à democracia liberal brasileira. Não foi por acaso que surgiram os chamados coletivos espíritas, nos quais a preocupação social é evidente já a partir da denominação desses grupos.

Interessante observar, neste novo horizonte de discussão, que tem havido diálogos interessantes e fraternos entre espíritas laicos progressistas e espíritas religiosos progressistas. Assim como os espíritas conservadores também dialogam entre si sejam eles laicos ou religiosos.  As demarcações rígidas que tínhamos entre espíritas religiosos e não religiosos se atenuaram em parte por força da temática política e social e houve um processo de interação em nosso movimento espírita.  Nesse sentido, o adjetivo “progressista”, pode pertencer a espíritas laicos ou religiosos o mesmo ocorrendo com o adjetivo “conservador”.

É necessário chamar atenção que essa agenda temática se impôs de fora ao movimento espirita brasileiro e convocou os espíritas a pensar sobre as questões políticas e sociais de seu tempo e, a partir dessa reflexão, se dividiram em visões de mundo distintas. Essa situação nos mostra claramente como somos reféns, em boa medida, de nosso tempo histórico. Na verdade, o “Espírito do tempo” é a moldura sobre a qual se realiza nosso fazer filosófico.

O espiritismo, enquanto filosofia espiritualista, pode ser apto a acompanhar o devir das ideias. Mas também pode não acompanhar e ficar estagnado passando a se constituir em mais uma cosmovisão dogmática no campo do espiritualismo.

 Mais uma vez é necessário lembrar o acerto da famosa frase de Léon Denis: “O espiritismo será o que dele fizerem os homens”. Ou, em boa linguagem atual:  O espiritismo será o que dele fizerem os homens, as mulheres, e os integrantes da comunidade LGBTQI+ de nosso tempo.

 Uma coisa é certa em meio a esses novos enfoques e prioridades temáticas que abalam, mas também redirecionam o tradicional movimento espírita brasileiro. Não será fácil para a maioria dos espíritas, principalmente os que já militam há muitos anos no movimento espírita, se acostumarem a essa mudança de agenda temática. Surgirão muitos espíritas que não se reconhecerão sintonizados com esse novo tempo de reflexão espírita.

 A nossa tendência, como ser humano, é nos cristalizarmos em nossas idiossincrasias, é nos acomodarmos em nossas “verdades” e em nossas “certezas”. Porém, o novo sempre vem, e nos assusta. A verdade é que desejamos, mesmo que de forma inconsciente, que o tempo pare, na exata conformidade dos nossos anseios pessoais e de nosso mundo muito particular. Mas, felizmente, o mundo é maior que nossos desejos, que nossos condicionamentos, enfim, o mundo nos supera.

Artigo originalmente publicado na página 8 do Jornal Abertura de outubro de 2022. Se quiseres ver o jornal todo baixe:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/22-jornal-abertura-2022?download=202:jornal-abertura-outubro-de-2022


segunda-feira, 11 de julho de 2022

AS GUERRAS E A UTOPIA ESPÍRITA DA PAZ UNIVERSAL por Ricardo de Morais Nunes

 

AS GUERRAS E A UTOPIA ESPÍRITA DA PAZ UNIVERSAL

Desde a antiguidade até a contemporaneidade as guerras têm sido muito comuns em nossa história. Guerras de conquista de territórios, de escravização de povos, de pilhagem de riquezas. Na antiguidade os hebreus, os egípcios, os persas, os gregos, romanos e outros povos participaram de inúmeras guerras.

Na Idade Média e nos primórdios da era moderna tivemos as guerras religiosas. As cruzadas católicas, os conflitos entre protestantes e católicos. A aniquilação dos cátaros e a terrível noite de São Bartolomeu marcaram tristemente a história do ocidente.

Ricardo Nunes - XII SBPE


No século XX tivemos guerras de caráter ideológico-político. A batalha de Stalingrado que envolveu nazistas alemães contra comunistas russos na segunda guerra mundial é um exemplo paradigmático de conflito ideológico.

Podemos mencionar, ainda, as guerras de independência dos povos contra seus colonizadores. As lutas de independência do Vietnã, por exemplo, são impressionantes, para ficar apenas em um exemplo.

As jihads ou guerras santas da atualidade. Quem de nossa geração não lembra do atentado às torres gêmeas?

O eterno conflito Israel x Palestina. Sem solução até nossos dias.

As invasões soviéticas à Hungria, Tchecoslováquia e Afeganistão.

Os ataques norte-americanos ao Iraque, Afeganistão e Síria.

 O mais recente conflito Russia x Ucrânia/OTAN.

Um conflito histórico para nós, brasileiros, é a chamada “guerra do Paraguai” ocorrida no século XIX, na qual brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios se envolveram em um conflito sangrento, provavelmente, o maior conflito entre as nações da América do Sul.

 Podemos falar ainda nos eventos revolucionários. Para citar apenas alguns exemplos a revolução francesa, russa, cubana, chinesa, iraniana.

A guerra também pode ser feita sem tiros e bombas, através de sanções econômicas que asfixiam a economia de um país. Exemplo notável em nossos dias é o bloqueio/embargo econômico dos Estados Unidos a Cuba.

Essa medida, que já dura mais de 60 anos e remonta ao tempo da guerra fria, prejudica toda a população daquele país, pois sanciona as relações comerciais normais entre Cuba e os Estados Unidos e interfere nas relações comerciais de Cuba com outros países. Os países membros da ONU, em maioria, têm se manifestado várias vezes contra o bloqueio e nada acontece.

As lutas de classe entre os detentores do poder econômico e os trabalhadores muitas vezes se transformam em violência aberta e deflagrada. A célebre comuna de Paris no século XIX é um exemplo paradigmático de como o poder econômico reage aos movimentos de emancipação dos trabalhadores ao longo da história.

Estes são apenas alguns poucos exemplos que cito de memória de algumas guerras, conflitos e lutas ao longo de nossa história. Podemos verificar que, infelizmente, as guerras são comuns em nosso mundo e que a paz é algo muito difícil de ser conquistada e preservada.

É certo também dizer que evoluímos conceitualmente no sentido de repudiar moralmente a guerra. As normas internacionais e os fóruns internacionais são tentativas de se fazer valer a diplomacia ao invés da violência.

A questão 742 do Livro dos Espíritos nos ensina que a guerra ocorre em razão da “predominância da natureza animal sobre a espiritual e para satisfação das paixões”. A questão 743 do mesmo livro diz que um dia “a guerra desaparecerá da face da terra quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus”. E na questão 744 temos que a guerra ainda é” necessária para levar a liberdade e o progresso”.

Talvez seja estranho para muitos a compreensão de que a liberdade e o progresso podem ter sua origem na guerra. Mas isso em nosso mundo, no qual a força física e material ainda predomina, não é um absurdo. Basta lembrar de alguns fatos históricos que apontam nessa direção.

 A revolução francesa, acontecimento histórico no qual houve violência, superou a aristocracia feudal com seus privilégios e criou um regime republicano cuja pretensão era a igualdade de todos perante a lei. Mesmo com os avanços e retrocessos da ideia republicana na França e no mundo, hoje em dia poucos pensam em voltar a uma concepção aristocrática e feudal de vida política e social.

A guerra civil norte-americana entre os nortistas e sulistas propiciou a abolição da escravidão naquele país. O que foi um avanço, mesmo se considerarmos que a segregação racial nos Estados Unidos tenha tido vigência até a década de 60 do século XX, o que deu origem aos movimentos de luta pelos direitos civis dos negros nos quais se destacou Martin Luther King Jr.

Alguns filósofos defendem que a violência é a “parteira da história”, considerando que as guerras e revoluções, que se repetem na história, frequentemente operam grandes transformações do mundo.

Gandhi inovou porque liderou o movimento de independência da Índia ensinando a doutrina da não violência. Confesso, porém, que tenho dúvidas se tal método de Gandhi pode ser universalizado com vistas a outros êxitos em nosso mundo ainda tão inferior moralmente.

Mas não deixo de admirar a abertura política e mental que esse grande político e religioso indiano nos proporcionou. Uma verdadeira revolução nas possibilidades do fazer político, muito em conformidade com os ideais espiritualistas.

 Nós, espíritas, podemos dizer que somos defensores da paz, pois rejeitamos, por princípio, a violência e a guerra. Obviamente que não excluímos de nossos direitos a legítima defesa individual e coletiva, uma vez que não é lógico que um indivíduo ou grupo social se entreguem a uma agressão injusta e ao extermínio se puderem resistir.

  Nossa luta, porém, se faz através da conscientização do valor da vida e do exercício da fraternidade. Queremos o bem de todos os seres humanos. Desejamos vida e felicidade a todas as pessoas. Desejamos um mundo de liberdade, justiça social e paz para a humanidade como um todo.

Nós, espíritas, temos a nossa utopia. Que é transformação deste planeta Terra, da condição de mundo de provas e expiações em mundo de regeneração, ou seja, em um mundo no qual o bem seja mais forte que o mal.

A nossa utopia espírita combina espiritualidade com ação social. A nossa espiritualidade não é passiva ou alienante. Lutamos com as armas da palavra e da ação. Lutamos sem violência para que, um dia, esse mundo seja transformado.

Mas tudo isso sem ilusão, sem ingenuidade, pois sabemos que, infelizmente, a violência ainda é estrutural no mundo em que vivemos, e que a opressão, em suas várias facetas, ainda é vigente entre nós.  

 Lutamos, porém, para que um dia isso se transforme e para que possamos viver em um mundo que renunciou a violência em favor da razão e da fraternidade. O conhecimento de nossa essência espiritual, pode, quem sabe, nos ajudar a chegar nesse novo mundo.

Talvez quando ampliarmos nossa noção do que é a vida conseguiremos ser menos egoístas e apegados às coisas deste mundo. O que nos levará a renunciar a disputas inúteis em favor do que realmente importa em termos dos verdadeiros bens e valores da vida.

Quem sabe, nesse dia, consigamos construir um mundo de paz universal.

Texto originalmente publicado no ABERTURA de maio de 2022:

Baixe aqui:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/22-jornal-abertura-2022?download=174:jornal-abertura-maio-de-2022


 

 

 

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

ESPIRITISMO, PRAZER E FELICIDADE por Ricardo Nunes

 

ESPIRITISMO, PRAZER E FELICIDADE


Ricardo de Moraes Nunes 

“O prazer é a meta natural na vida. O sofrimento é transitório, eventual. Temos que construir uma consciência feliz, que ame, que busque o prazer de viver “Jaci Régis

Será que o espiritismo combina com a ideia de prazer e felicidade? Não estaria o espiritismo ligado apenas a ideia da morte, de fantasmas do outro mundo, de resignação ante o sofrimento? Não busca o espírita apenas a libertação do Espírito com vistas a uma entrada feliz no outro mundo?

Certamente a felicidade absoluta é impossível neste mundo. Como poderíamos ser absolutamente felizes em um planeta no qual existem tantos problemas. Aqui na Terra temos insegurança alimentar, doenças, violência, desemprego, famílias sem teto, crianças desamparadas, destruição ecológica, ditaduras políticas e tantos outros problemas. Neste sentido, falarmos em felicidade absoluta seria um verdadeiro egoísmo, pois estaríamos alimentando uma postura indiferente, alienada dos graves problemas que vivemos na faixa da existência terrestre.

 Mas podemos perguntar ainda. É possível pelo menos uma felicidade relativa neste mundo? É possível uma felicidade pessoal geradora de prazer interior, porém não alienada, não desconhecedora dos problemas terrenos?

O espiritismo nos traz uma ideia de felicidade e prazer possíveis de serem alcançados na Terra. O espiritismo bem compreendido nos traz alguns princípios filosóficos importantes para que compreendamos a vida física de forma positiva.

A primeira ideia a ser destacada que nos oferece a filosofia espírita é que a defende que a vida terrena é oportunidade de aprendizado, de crescimento, amadurecimento, realização e conquista da sabedoria. O espiritismo nos convida a olharmos nossas existências terrestres como oportunidades de construção de nós mesmos e do mundo ao qual pertencemos. Portanto, nos ensina a valorizarmos e amarmos a vida, a Terra, o mundo.

Em relação ao sofrimento o espiritismo nos ensina a distinguir entre o bem e o mal sofrer. O mal sofrer é o que causa a revolta, o desânimo, que nos faz desistir. Já o bem sofrer é aquele que nos faz resistir corajosamente aos desafios e dificuldades da vida com vistas a nos tornarmos mais firmes, mais sábios, mais experientes perante nossas dores e sofrimentos, com vistas a superação.

Sem dúvida que existirão as lutas que não venceremos e que a aceitação madura perante o incontornável será necessária. Segundo Léon Denis: “É um dever lutar contra a adversidade. Abandonar-nos, deixar-nos levar pela preguiça, sofrer sem reagir aos males da vida seria uma covardia. Mas, quando os nossos esforços se tornam supérfluos, quando tudo é inevitável, chega então o momento de apelarmos à resignação”.

Não há dúvida, no entanto, que mesmo as batalhas perdidas podem trazer ensinamentos ao Espírito imortal que somos e podem se traduzir em amadurecimento pessoal, espiritual, se soubermos enfrentar com sabedoria esses momentos de perda.

É necessário dizer também que o espiritismo não condena a alegria, os momentos de festa. Não nos diz para sermos sisudos e aparentarmos uma seriedade que muitas vezes não temos. O exemplo Jesus de Nazaré tem relevância para os espíritas nesse sentido. Da mesma maneira que brindava o casamento de alguns amigos, chorava por Lázaro e expulsava os vendilhões do templo.  Jesus de Nazaré possuía uma conduta natural, não artificial, não farisaica, fingindo hipocritamente ser melhor do que os outros. Agia em conformidade com cada ocasião.

Provavelmente, Jaci Regis foi o pensador espírita que melhor compreendeu a importância teórica de se ressaltar o prazer de viver como tema relevante no âmbito filosofia espírita e como práxis existencial espírita. Jaci compreendeu extraordinariamente a importância de se construir uma vida produtiva e útil no bem e de nos afastarmos do culto ao sofrimento tão presente na proposta cristã e espírita cristã.

 Não que Jaci negasse a existência do sofrimento, apenas enfatizava a necessidade de nos dedicarmos a sua superação, sem ficarmos perdendo tempo em cogitações hipotéticas, de caráter reencarnacionista, frequentemente indemonstráveis empiricamente, sobre eventuais causas anteriores do sofrimento. Não desconhecia, é claro, a lei natural das vidas sucessivas, apenas criticava esse procedimento especulativo inútil banalizado em nosso movimento espírita.

A vida é para ser vivida agora com alegria e confiança. Não precisamos esperar o além para sermos felizes. Aqui e agora realizaremos o céu e o inferno dentro de nós. No momento presente, nesse instante, nessa fração de segundos entre o passado e o futuro, é que se encontra a vida. Portanto, segundo o melhor entendimento da filosofia espírita, é o agora que importa. O além obviamente existe, mas nosso estado futuro será determinado pelo que somos agora.

 

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

ESPIRITISMO E PANDEMIA - por Ricardo de Morais Nunes

 

ESPIRITISMO E PANDEMIA

TEXTO DE RICARDO NUNES APRESENTADO NA MESA REDONDA “ESPIRITISMO E PANDEMIA” NO XXIII CONGRESSO DA CEPA EM 08 DE OUTUBRO DE 2021

É interessante observar que em uma época de individualismo exacerbado promovido por concepções neoliberais de economia, política e sociedade, um vírus, um simples e invisível vírus, denominado COVID 19, acentuou ainda mais a separação entre as pessoas.

  Na verdade, muitos de nós já vivíamos sob a perspectiva do isolamento introjetando os valores da sociabilidade capitalista, os quais apontam para o ter e não para o ser, para o egoísmo e não para o altruísmo. Infelizmente, temos frequentemente esquecido que o bem-estar e o equilíbrio do grupo social são fundamentais para a existência e felicidade de cada indivíduo e que os laços sociais são uma espécie de oxigênio da vida.

Durante a pandemia do vírus não pudemos mais nos abraçar, não pudemos nos beijar, não pudemos nos aproximar. Ficamos reclusos em nossas casas tentando organizar os espaços de fora, e nos deparando muitas vezes com os vazios de dentro. O velho ditado “tempo é dinheiro” perdeu o sentido. Aquela sensação de ocupação e pressa nos abandonou por esses longos meses.

Tivemos que exercitar a paciência, a espera, e os dias passaram devagar. Passamos a trabalhar em casa misturando nossos materiais de trabalho com o ambiente doméstico e com os brinquedos de nossos filhos, renunciamos aos lazeres e passeios, nos afastamos de familiares e amigos. Muitos de nós perdemos entes queridos. Familiares e amigos partiram para o mundo maior, para o mundo dos Espíritos, enchendo-nos o coração de dor e saudade, sendo a filosofia espírita o mais forte apoio aos nossos pensamentos e emoções nestes graves momentos.

O vírus certamente trará grandes lições. Sairemos melhores desta crise? Aprenderemos alguma coisa? É difícil dizer.

 E o espiritismo, enquanto filosofia espiritualista, o que tem a dizer em um momento tão difícil para a humanidade? A filosofia espírita descortina a todos novos horizontes existenciais. Nos ensina que tudo passa, se transforma e evolui.

 Segundo o espiritismo, das sociedades agrárias às sociedades pós-industriais, estamos submetidos a um complexo processo evolutivo, não uniforme, sem dúvida sujeito a avanços e retrocessos no terreno da história, porém rumo a patamares superiores de civilização, sendo que tal processo evolutivo se dá pelas leis psicofísicas da reencarnação.

O espiritismo ensina que a vida, em si mesma, é imperecível e transcendente. Que acima de tudo somos e que continuaremos a ser mesmo após a morte.   Ensina a confiança na razão, na ciência, na capacidade do ser humano em resolver os seus problemas.   Lembra que a dor e o prazer, a vida e a morte, a tristeza e a felicidade, são fatores inerentes às leis naturais do planeta em que vivemos, sem desconsiderar, é claro, os excessos e equívocos humanos na produção de sofrimentos.

 Nos conscientiza que somos os protagonistas do nosso destino, sem desprezar os determinismos de variada natureza que incidem sobre nossas vidas.  Esclarece a importância do amor e da solidariedade na construção de um ser humano e de um mundo melhor.

Que possamos, a partir das lições deste difícil período, ter clareza da importância de nossa existência terrestre em nosso desenvolvimento individual e coletivo. Que aprendamos a cultivar uma nova sociabilidade não mais centrada apenas no “eu”, mas que considere o “nós”. Que compreendamos a terra como nossa casa comum a ser preservada e que nos conscientizemos da rede invisível que nos entrelaça a todos, em uma trama de ações e reações sob a perspectiva dialética indivíduo-sociedade.

Uma das grandes lições do vírus é a de que ele não é democrático, pois atingiu preferencialmente os pobres e despossuídos, os quais ficaram mais expostos e vulneráveis por viverem em habitações precárias que não permitem os devidos cuidados de afastamento social, e também por terem tido que sair às ruas, em meio à maior crise de saúde pública de nosso século, na busca do pão de cada dia.

 Apesar disso, constatamos, que o aristocrata, o milionário, e o trabalhador são iguais em fragilidade física. Ficou claro para aqueles que tem “olhos de ver” que o dilema economia X saúde é um falso dilema. Sem trabalhadores saudáveis não há possibilidade de se construir uma sociedade economicamente forte.

 A prioridade em qualquer sociedade civilizada deve ser a vida e não o capital, mesmo porque todos sabemos que o problema do mundo não é falta de dinheiro, mas sim a concentração da riqueza nas mãos de minorias privilegiadas.

Outra lição fundamental deste período, foi a que nos ensinou que o risco de morte repentina é uma realidade mais próxima do que imaginávamos, o que nos fez compreender que o amanhã na Terra é apenas uma possibilidade. Compreendemos, efetivamente, a importância do agora.

Esta crise da pandemia também abriu algumas poucas janelas de oportunidade. Parece-me que a maior delas se deu no campo das comunicações. Este congresso virtual da CEPA, reunindo espíritas das Américas e da Europa, sem saírem de suas casas, é um bom exemplo desse novo tempo que se inicia.

Finalmente, gostaria de fazer alguns agradecimentos:

Em primeiro lugar, aos profissionais de saúde, em especial aos médicos e enfermeiros que ficaram na linha de frente no combate ao COVID 19.

Aos cientistas que trabalharam intensamente com vistas a descobrir as vacinas necessárias ao enfrentamento desta doença. Sonho com o dia em que as conquistas da ciência beneficiarão toda a humanidade.

A todos os trabalhadores dos supermercados, farmácias e comércios em geral que mantiveram a economia básica funcionando, com vistas a evitar a escassez de alimentos e produtos fundamentais.

A todos os professores que mantiveram sua tarefa de ensinar mesmo à distância, sem poder contar com a presença física e a alegria de seus alunos.

A todos os governos que promoveram a valorização da ciência e compreenderam a necessidade das estratégias de afastamento social e, por isso, cumpriram com seu dever de cuidado perante seus cidadãos.

A todos os Estados que possuem um sistema de saúde público, universal e gratuíto. Ficou absolutamente claro que os países que tinham sistemas públicos de saúde estavam mais aparelhados para enfrentar essa tremenda crise.

 Em relação ao Brasil, meu país, deixo minha especial homenagem ao SUS (Sistema Único de Saúde), sistema que luta para sobreviver ante a carência de verbas de financiamento, mas que possui em seus quadros verdadeiros heróis na luta contra a pandemia e contra as doenças em geral. Os profissionais e militantes dos SUS têm nos ensinado que medicina e saúde não devem ser compreendidas como mercadorias.

A todos os cidadãos do mundo que não deixaram de acreditar na ciência em tempos de negacionismo científico. Cabe-nos, agora, manter a esperança em dias melhores. E, juntamente com Chico Buarque de Hollanda, cantor, compositor e escritor brasileiro, repetir a frase da canção: “Amanhã vai ser outro dia”.

 


sexta-feira, 25 de junho de 2021

16 IDEIAS FUNDAMENTAIS PARA UM PENSAMENTO SOCIAL ESPÍRITA CONTEMPORÂNEO - por Ricardo de Morais Nunes

 

16 IDEIAS FUNDAMENTAIS PARA UM PENSAMENTO SOCIAL ESPÍRITA CONTEMPORÂNEO

“Os homens se entenderão quando praticarem a lei da justiça” –Livro dos Espíritos 812a


Ricardo de Morais Nunes


Ante as controvérsias políticas e sociais dos últimos tempos, no Brasil e no mundo, um amigo questionou nas redes sociais se haveria um conjunto de princípios básicos ou ideias, de índole política, que constituam um pensamento social espírita contemporâneo com vistas a nortear a práxis dos espíritas no mundo. Trata-se, a meu ver, de um questionamento muito pertinente para os espíritas da atualidade. Nas linhas abaixo, descrevo aquelas ideias que, segundo penso, são fundamentais, imprescindíveis, para a formação um pensamento social espírita neste início do século XXI. Um pensamento social espírita compatível com as generosas propostas humanistas contidas na filosofia espírita. O pressuposto da presente reflexão é a crença na possibilidade de construção de uma nova arquitetura social, a partir das lições da história, das ciências sociais e da política, sem desprezar a contribuição do espiritualismo espírita a esta tarefa:

1-       Defesa da democracia. Entenda-se democracia não apenas em um sentido formal, de igualdade de todos perante a lei, mas em sentido material, como possibilidade de todos os cidadãos acessarem aos bens materiais, educacionais, culturais e serviços sociais fundamentais à vida. E também na forma da mais ampla participação popular possível nas decisões da coletividade. Nesse sentido, a expressão “aristocracia intelecto –moral” contida em “Obras póstumas” de Allan Kardec deve ser superada. Tal expressão, apesar de indicar corretamente a necessidade dos governantes serem dotados de aptidão intelectual e ética para lidar com os assuntos de Estado e governo, na contemporaneidade, época em que se valoriza a participação popular, apresenta-se com um caráter elitista incompatível com os nossos tempos que aspiram à mais ampla democracia.

2-       Desenvolvimento de um pensamento crítico em relação ao capitalismo.  O capitalismo, enquanto sistema econômico, se por um lado teve aspectos revolucionários em relação ao mundo feudal no sentido do desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico, por outro, tem falhado em diminuir os abismos econômicos entre pessoas e classes sociais, favorecendo, dessa forma, uma enorme concentração de riqueza nas mãos de uns poucos eleitos do grupo social em detrimento da grande maioria da população. Essa crítica deve ser realizada sem meias palavras pelos espíritas, uma vez que essa desigualdade econômica e social profunda coloca em risco o exercício da política e a própria ideia de democracia. Neste tema é necessário não ignorar o que muitos teóricos das ciências sociais, de Marx a Piketty, entre tantos outros, do passado e do presente, já reconheceram na análise do referido sistema econômico.

3-       Compreensão que o mundo não é algo dado definitivamente, pronto e acabado. O mundo, indivíduo e sociedade, está em transformação permanente. Nesse sentido, é imprescindível não abandonarmos a utopia da possibilidade da transformação do mundo para melhor. Sempre acreditando que o futuro poderá ser melhor que o passado e que a construção desse futuro está em nossas mãos a cada dia do presente. Em nossa história, já passamos pelo escravismo na antiguidade e também na modernidade, pelo feudalismo na Idade Média, pelo capitalismo na modernidade e contemporaneidade e por tentativas socialistas no século XX e nada indica que chegamos ao “fim da história”. Aliás, a filosofia espírita nos ensina que a humanidade está submetida a uma lei de progresso. Como será nomeada essa nova etapa da humanidade? Quais as formas econômicas e institucionais que constituirão essa nova fase da humanidade? Nesse momento histórico não sabemos, o que importa agora é a esperança e a possibilidade de um novo tempo.

4-      Defesa da liberdade de crença, opinião e manifestação. Repudio a qualquer forma de silenciamento. Nesse sentido, faz se necessário defender a ampliação ao máximo dos meios de comunicação para que as diversas classes sociais possam se manifestar, com especial atenção, no entanto, para as classes menos favorecidas no grupo social, pois são as que mais sofrem as agruras de uma sociedade injusta e precisam ter sua voz assegurada.

5-      Defesa da bandeira ecológica reconhecendo que as ações individuais de preservação do meio ambiente são necessárias, porém insuficientes caso não se mude o modelo de exploração atual da natureza de feitio predatório. Tendo claro que a questão ecológica é uma das questões mais urgentes no mundo contemporâneo, pois corremos o risco real de desequilibramos o ecossistema do planeta, prejudicando, portanto, a vida em sua globalidade.

6-      Defesa dos valores da espiritualidade no sentido de valorização da vida terrena, sem perder de vista a perspectiva imortalista e reencarnacionista ensinada pela filosofia espírita, que ensina que o ser humano transcende a morte biológica em um processo infinito de aperfeiçoamento intelecto-moral que inclui o retorno ao planeta terra várias vezes, ocasião em que encontrará em seu retorno tudo aquilo que plantou em existências anteriores tanto no aspecto positivo quanto negativo.

7-       Defesa do princípio da fraternidade como orientador supremo da vida social, compreendendo que os princípios da liberdade e da igualdade só se realizarão efetivamente dentro de uma ideia maior de fraternidade entre os homens. A defesa do princípio da fraternidade não significa ignorar ou fechar os olhos para a dinâmica sociológica da luta de classes e para a violência estrutural do sistema econômico capitalista em relação as classes sociais não detentoras dos meios de produção, violência que se reflete em vários níveis de exploração social. Essa defesa do princípio da fraternidade significa uma aposta na possibilidade do diálogo entre as classes sociais. Não se desconhecendo, de forma ingênua, porém, as enormes barreiras ideológicas e de interesses que impedem frequentemente esse necessário diálogo.

8-      Enaltecimento por parte dos espiritas dos ideais de liberdade e igualdade. Enquanto por um lado os ideais de liberdade favorecem à construção de sociedades mais livres, que não menosprezem a importância dos deveres sociais de cada um. Por outro lado, os ideais da igualdade devem favorecer a compreensão que igualdade não é nivelação, massificação, de todos os seres humanos desconhecendo as diferenças individuais. Porém, sempre dentro do princípio que as diferenças individuais nunca deverão chegar ao nível que haja seres humanos que não tenham o fundamental para a existência material, educacional e cultural.

 

9 - Reconhecimento da dialética indivíduo-sociedade a partir da compreensão que o indivíduo influencia a sociedade, mas a sociedade e suas instituições também influenciam o indivíduo. Nesse sentido, é necessário rompermos com concepções individualistas, idealistas, verdadeiramente metafísicas, que imaginam o indivíduo distante de influências ideológicas heterônomas, como se os homens e mulheres no mundo estivessem em uma bolha de proteção em pleno exercício de autonomia, sem a influência consciente ou inconsciente de fatores externos na formação de sua subjetividade. Portanto, devemos superar a falsa ideia de que ideologia se escolhe. Na verdade, desde o nascimento bebemos os valores ideológicos predominantes em uma determinada sociedade e é necessário muito pensamento crítico para escapar dessa influência. Nesse sentido, os espíritas devem refletir sobre as possibilidades da autonomia sem desprezar o problema da ideologia. E sem ignorar que, a ideologia predominante formadora das mentalidades no mundo contemporâneo, a que possui uma infinidade de aparelhos ideológicos a disseminar por todos os meios seus valores, é a ideologia capitalista, que aponta para a valorização do ter em detrimento do ser, para a concorrência individualista ao invés da solidariedade. Na atualidade, mesmo a ideologia religiosa tem sido cada vez mais colocada a serviço dos valores do capitalismo. O paraíso no céu tem sido cada vez mais substituído pela busca do paraíso na terra. Deus passou a intervir no sucesso material das pessoas.

10 - Defesa de uma educação emancipadora, humanista, que vise ao bem geral da humanidade, não apenas instrumentalizada para servir aos interesses do mercado de trabalho. Nós, adeptos da filosofia espírita, somos discípulos de um educador humanista. A educação é um dos caminhos para a construção de um novo ser humano e de um novo mundo. Neste tema mais importante do que o ensino religioso nas escolas, é a reflexão sobre os valores universais da espiritualidade que apontam para o respeito à vida, às diferenças, para compaixão, altruísmo, desprendimento dos bens materiais, respeito a natureza, etc. E que favorecem a ideia de que o ser humano é um ser cósmico dotado de dignidade intrínseca.

11 - Abandono da ideia de neutralidade em questões políticas e sociais. Se por um lado não devemos descer ao nível da criação de um “partido espírita” ou da indicação de candidatos ou partidos dentro dos centros espíritas, por outro, não devemos esquecer jamais que somos seres sociais e que a política, em seu melhor sentido, quer queiramos ou não, se entrelaça em nossa vida individual e, portanto, nos interessa e constitui. Sempre levando em conta que o espiritismo, enquanto filosofia, se desdobra na possibilidade de um pensamento sociológico, uma sociologia, como queria o pensador espírita argentino Manuel Porteiro.

12 - Compreender que se o espiritismo possui uma dimensão política, humanista, sociológica, no entanto, também é, em específico, uma filosofia espiritualista que aponta para a dimensão metafisica do ser humano, sendo seu principal objetivo, conforme seu fundador, o combate ao materialismo. Nesse sentido, política e metafisica são duas dimensões do espiritismo. O espiritismo não é um espiritualismo alienante como os do passado que prometiam o céu a partir da renúncia da terra, no entanto, os espíritas não devem ser absorvidos apenas pelas questões políticas, sendo necessário alcançar um equilíbrio neste tema.

13- No que diz respeito a atuação política, à práxis do espírita no mundo, é necessário lembrar que o compromisso do espiritismo com a ética universal de Jesus aponta para os princípios da não violência. Esta postura de não violência deve ser encarada sem ilusões. Os exemplos de Gandhi, Martin Luther King, Dom Hélder e tantos outros, conhecidos e não conhecidos, nos mostram que, mesmo os não violentos, quando tratam de assuntos políticos, acabam por se expor à possibilidade de algum tipo de violência física ou moral.

14 - Defesa do Estado laico. Os espíritas, desde o auto de fé de Barcelona, compreendem que Estado e Religião não devem se misturar. Nesse sentido, as guerras e perseguições religiosas que fizeram tantas vítimas na história serão sempre lembradas pelos espíritas, sendo o Estado laico, portanto, uma conquista civilizatória da modernidade que deve ser defendido.

 

15 - Defesa das atividades e conquistas da ciência. O espiritismo, filho tardio do iluminismo, valoriza a ciência que é uma das expressões da razão. Defender a ciência em tempos de “terra plana” e de negacionismos de variada natureza é um verdadeiro ato político que deve ser realizado com coragem pelos espíritas. Obviamente que esta postura de defesa das atividades científicas não significa ignorar os grandes problemas éticos que o desenvolvimento desta atividade enfrenta na contemporaneidade.

16 - Criação, nas instituições espíritas, de cursos de política e cidadania. Obviamente que uma sociedade espírita tem compromisso principal com os cursos introdutórios e avançados de espiritismo e com os cursos de teoria e prática mediúnica, sendo o estudo e divulgação do espiritismo a tarefa fundamental dos centros espíritas. Se uma sociedade espírita apenas tiver esses cursos já estará cumprindo seus objetivos, pois essa tarefa só pode ser realizada pelos espíritas. Porém, nos centros espíritas existem atividades complementares que também podem ser realizadas, como as de assistência e solidariedade social ou atividades de caráter cultural. No campo das atividades de caráter cultural, podem ter lugar cursos de política e cidadania. Justifica-se esse tipo de curso porque, nós, espíritas, devemos estar conscientes dos problemas políticos e sociais. Desnecessário repetir que tais cursos devem ser realizados de forma não partidária, com vistas a conhecer, do ponto de vista da história, da sociologia, da filosofia e do espiritismo o que é a sociedade, suas dinâmicas e conflitos dialéticos, visando, por fim, refletir sobre as possibilidades de melhoria da mesma. Esta medida favorecerá a formação de espíritas conscientes dos problemas do mundo, preparando-os para uma atuação humanista e critica na vida social. Esta ideia não é nova, Manuel Porteiro já havia imaginado nas instituições espíritas o que ele chamou de “cátedras de sociologia”. Normalmente, os adversários desta ideia referem-se à interdição de Kardec no artigo primeiro do regulamento da sociedade parisiense. Porém, é inegável que os temas políticos e sociais, de um ponto de vista filosófico e humanista, são tratados ao longo de toda a obra de Allan Kardec, o que enseja o desenvolvimento de um verdadeiro pensamento social espírita. Geralmente o espírita apressa-se a fazer juízos morais sobre a política e a história. É necessário, porém, conhecer e reconhecer a complexidade dos problemas sociais e políticos antes de julgar de maneira simplista ou maniqueísta. Há muito o que aprender com a história das ideias políticas. De Platão a Noam Chomsky há uma reflexão política e social profunda, a qual os espíritas kardecistas não podem e não devem ignorar, sob pena de não participarem do debate do mundo contemporâneo, o que os colocaria à margem dos processos de evolução social.

 Ricardo de Morais Nunes - artigo publicado nos Jornais Abertura de maio e junho de 2021

 Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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