A
AUTONOMIA FRENTE AS DETERMINAÇÕES
A
questão da autonomia e da heteronomia, muito discutida no movimento espírita da
atualidade, deve ser colocada em justos termos, sob pena de incidirmos em
análises simplistas do tema. É certo que Kardec afirma que “sem o livre-arbítrio
o homem seria máquina”, porém esse homem livre não é tão livre como parece.
O
ser humano está submetido a inúmeros condicionamentos de caráter social,
biológico, econômico, ideológico, geográfico, cultural, familiar, enfim a
inúmeros fatores que pressionam sua subjetividade, constituindo- lhe o eu, sem
que na maioria das vezes tenha percepção desse fato, pois tais fatores, em
geral, incidem em nível inconsciente. Se levarmos em conta, ainda, que nossa
individualidade espiritual reveste inúmeras personalidades históricas, no tempo
e no espaço, tal situação se agrava.
Porém,
é possível que o ser humano adquira consciência das determinações, as constate
e as supere, claro que sempre em certa medida, pois há determinações, em tese, insuperáveis.
Nesse sentido, negar que há uma esfera de
liberdade frente as determinações certamente é um exagero que deve ser evitado,
pois diferentemente dos animais o ser humano produz cultura e é dotado de perfectibilidade.
E na perfectibilidade está a possibilidade do novo, da criação, do inédito.
O
espiritismo, portanto, acerta quando afirma a perfectibilidade do espírito
humano e o livre-arbítrio. O ser humano não está preso à natureza como os
animais irracionais que repetem ao infinito os mesmos padrões de comportamento.
Não é o caso de entrar aqui, para as finalidades desse artigo, na tese aceita
por muitos estudiosos espíritas, de que um dia o princípio espiritual dos
animais também entrará na esfera da liberdade e da consciência.
Segundo o espiritismo, na medida em que
desenvolvermos nossa perfectibilidade, enquanto seres humanos, através das
reencarnações sucessivas, iremos ampliando nosso grau de liberdade ante os determinismos
mesmo que esse aperfeiçoamento demore eternidades.
O ser humano, para o espiritismo, portanto, é perfectível.
Pode, através do pensamento crítico e do autoexame de si mesmo ir, em certa
medida, além das determinações que o fazem pensar e ser de uma determinada maneira.
Nesse procedimento reside a real autonomia, como capacidade de governar-se por
si mesmo.
Nas sociedades de todos os tempos a
heteronomia, como norma exterior a induzir o comportamento humano, sempre foi
muito presente. Desde as sociedades religiosas do passado às sociedades
capitalistas de nosso tempo, sempre há aqueles que nos dizem o que pensar, o
que fazer, como viver, como agir.
O
ser humano autônomo é aquele que consegue dizer um não consciente às
influências externas indo ao encontro de si mesmo. É fácil? Claro que não.
Primeiro, porque é muito difícil constatarmos os condicionamentos que nos
aprisionam muitas vezes de forma inconsciente. Segundo, porque nadar contra a
maré das ideias e comportamentos padronizados já produziu o afogamento
existencial de muitos. Mas, não há outro jeito, a autonomia é também um fator
de libertação e de felicidade pessoal.
Claro
que a autonomia pressupõe a responsabilidade pessoal perante o outro, o ser si
mesmo autônomo leva em conta essa responsabilidade. Autonomia não é
arbitrariedade, não é individualismo, nem egocentrismo, não é fazer o que se
quer sem levar em conta os efeitos da ação praticada sobre o outro.
Como
disse no início desse artigo o tema autonomia é muito discutido hoje no
movimento espírita, o que é muito positivo. Precisamos, porém, ter cuidado para
termos uma abordagem madura sobre o tema, sem menosprezarmos a força poderosa
das inúmeras determinações que nos fazem agir, frequentemente, conforme o
padrão aceito pela maioria.
Na
verdade, o comportamento heterônomo da massa é a regra, sendo a autonomia a exceção.
A autonomia relativa neste mundo é uma conquista, talvez seja a mais difícil
empreitada a ser realizada pelo ser humano.
E a autonomia verdadeira se reveste de um
caráter prático, que diz respeito à ação no mundo, o que dificulta ainda mais a
sua realização. Em geral, o mundo não aceita muito bem as personalidades que
afirmam sua autonomia de pensar e agir.
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