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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

O Luto por Reinaldo di Lucia e Carolina Régis

O Luto 

        Muito se fala, especialmente nos dias atuais, sobre a importância do luto, da vivência do luto como algo necessário para que consigamos seguir em frente após as perdas que vivenciamos em nossa caminhada encarnatória. 

        Esse foi precisamente o tema da discussão de um grupo de amigos espíritas no último mês. Não há como negar que o luto é inevitável. A perda dos entes queridos é um dos momentos mais dolorosos na vida de qualquer pessoa e não há como não sentir esta dor. Muitas vezes, ela dura por períodos excessivamente longos, podendo dificultar ou mesmo impedir que a pessoa continue sua vida normalmente. Por isso se diz que o luto deve ser vivido, sentido, trabalhado e, finalmente, superado. 

        Quanto tempo isso leva? Depende de cada um, obviamente. Mas deve ser um tempo que possibilite que o ser que o vive retome, ainda que gradualmente, sua vida – que não será a mesma, mas deve continuar com mais conhecimento e serenidade.

         Agora, como o espírita encara o luto? Porque, sem dúvida, a Doutrina Espírita nos coloca em uma condição diferente, uma vez que nos apresenta uma visão de mundo diferente, baseada na continuidade da existência do ser. E é aí que a coisa começa a ficar complexa. Principalmente porque, com a tendência dos seres humanos de uniformizarem os sentimentos e acharem que todos devem sentir as coisas da mesma forma, acabam padronizando o luto: “Ah, mas você é espírita, não é? Sabe que a vida continua, não precisa ficar desse jeito...”. – Porquê não? Vejo o luto como uma profunda saudade da presença, do toque, do olho no olho. A falta do contato, da conversa, da convivência. 

        Talvez seja mais que simplesmente saudade, já que a saudade pode normalmente ser sanada com uma visita ou um telefonema. Mas a ausência, essa permanece. E dói. Muito. Eis o luto. Ah, dirão, isso passa. Não nos iludamos, meus amigos. Não passa jamais. Diminui, sim, a um ponto em que conseguimos seguir em frente – de uma maneira quase normal. Mas ela, a dor, a saudade, a falta, sempre estarão lá. 

        E o que podem os Centros Espíritas fazer para, de alguma forma, ajudarem as pessoas a passar por essa fase? Penso que o primeiro passo é entenderem que a acolhida é fundamental – entender, empaticamente, o que as pessoas em luto estão sentindo é um primeiro passo essencial para essa ajuda. Mas, por melhor que seja a intenção, só ela não basta (de boas intenções ... lembram?). É preciso uma capacitação, algo mais profissional, para que possamos, com firmeza e doçura, estar ali para aquela criatura. E assim ajudá-la a passar por esta fase. 

        E vocês, amigos leitores? O que pensam sobre o luto e o Espiritismo? Mandem comentários. Gostaríamos muito de saber a visão de vocês.

        Deixem os seus comentários aqui no blog.

Este artigo foi publicado no jornal Abertura de outubro de 2019, agora disponível online.

Baixe aqui:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/28-jornal-abertura-2019?download=210:jornal-abertura-outubro-de-2019


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA ESPÍRITA Contribuição para Debate por Reinaldo Di Lucia

 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA ESPÍRITA -  Contribuição para Debate por  Reinaldo Di Lucia 

 Trabalho 

Apresentado no IV SBFE, em Porto Alegre - 1995 

 1- INTRODUÇÃO: 

 Indubitavelmente, existe, no Brasil, um movimento espírita, se entendermos por movimento um conjunto organizado de pessoas que se dizem espíritas, ou que, de alguma forma, procuram" seguir" os ensinamentos que nos foram proporcionados por Allan Kardec. Prova disto são os inúmeros centros, casas, núcleos, etc., espíritas, com os quais nos deparamos diariamente, mesmo que alguns deles com nomes que indicam mais um sincretismo religioso - seja de origem afro ou cristã - que propriamente espírita. 

 Entretanto, o que se observa é que tal movimento espírita é, por assim dizer, amorfo. Senão vejamos, em que se baseia sua existência? Apesar das reiteradas afirmações de Kardec sobre a função dos grupos de espíritas, focando-a principalmente no estudo e desenvolvimento do espiritismo (e, conseqüentemente, com o dever de dar séria importância à divulgação dos conceitos espíritas, da maneira mais atualizada possível, o que se observa é o foco no assistencialismo imediatista. Este, mesmo sendo necessário num dado momento, visando atacar problemas agudos que proliferam na sociedade brasileira (tais como a fome, o desabrigo, o desemprego, entre outros); não passa de uma" ação de bombeiro", que apaga o fogo mas não constrói o futuro. 

 E é exatamente neste sentido, o de construção do futuro, que foi dito que o movimento espírita é amorfo. Existem grandes e sérias perguntas que se fazem e que, a contragosto, acabam ficando sem resposta: que contribuição efetiva trouxe a doutrina espírita para a humanidade, considerada em seu todo? 

Qual a influência do espiritismo sobre a cultura, seja nos meios acadêmicos formais, ou informais? 

Que papel vem cumprindo o espiritismo na elaboração de um mundo mais evoluído, onde o homem possa ser mais feliz?

 Nada, infelizmente, ou ao menos muito pouco. Depois de um início fulgurante, onde o espiritismo andava paripasso com a ciência oficial, onde os maiores expoentes espíritas ocupavam postos proeminentes nas academias, onde a principal preocupação dos grupos espíritas era a confirmação formal das teorias - e idéias apresentadas pelos espíritos desencarnados (normalmente através de médiuns com pouco ou nenhum conhecimento), ocorreu uma transformação radical no seio da doutrina espírita. Esta transformação incluiu: 

  O quase desaparecimento do espiritismo na Europa;

  A vinda para o Brasil, onde encontrou campo fértil ao seu florescimento; 

  O sincretismo, no Brasil, com as várias escolas religiosas aqui existentes; 

  A superestimação da ”caridade”, em detrimento do conhecimento; 2

 As conseqüências desta transformação acabaram sendo altamente funestas para o espiritismo, do ponto de vista que estamos abordando. De fato, hoje, o espiritismo é um ilustre desconhecido nos meios culturais. 

Quando muito, e isto no Brasil, refere-se à doutrina espírita como uma religião, ou talvez uma seita, que, portanto, pertence ao campo da mística, ao lado da cromoterapia, cristais, anjos, etc. Dentro do meio espírita, a idéia vigente é que tudo corre da melhor maneira possível. 

O movimento espírita, como conseqüência direta das transformações já citadas, encara o espiritismo como um tripé, constituído de ciência, filosofia e religião. É importante frisar que este é um tripé desigual, onde o aspecto “religião" suplanta com larga margem os demais. 

Em meados da década de 80, observou-se uma reação a este ponto de vista, reação esta que, tendo por base o próprio Kardec, contestava o caráter de religiosidade da doutrina espírita. Desde esta época, a grande questão em pauta é saber se o espiritismo deve ou não ser considerado uma religião. No entanto, muito pouco se discute sobre os demais aspectos expostos. 

Na verdade, é muito difícil contestar o caráter filosófico do espiritismo, uma vez que sua principal contribuição é uma cosmo visão inteiramente nova, antecipando, ao menos na forma como são estruturados os seus princípios básicos, em mais de 100 anos a proposta de uma visão holística, preconizada pela psicóloga francesa Monique-Thoening, em 1980. 

 Assim, até mesmo devido a esta facilidade, o desenvolvimento da filosofia espírita é uma realidade, apesar dos problemas que serão discutidos mais adiante. Já no que diz respeito à ciência espírita, a situação é muito mais nebulosa. A despeito de Kardec encarar a doutrina espírita como uma ciência, e sujeita aos mesmos critérios de validação então vigentes, a noção de ciência espírita tem sido usada, com grande freqüência, de duas maneiras distintas: 

Pelo movimento espírita “oficial”, como sendo uma antecipação de todas as grandes descobertas que serão, um dia, realizadas. De fato, é muito comum ouvir se frases como: “Mais cedo ou mais tarde, a ciência demonstrará que o espiritismo estava certo”. Por aqueles que questionam o caráter religioso, como sendo uma contra posição à postura mística que se observa em grande parte das organizações que formam o movimento espírita “oficial". Como se observa, o aspecto científico da doutrina espírita não é questionado pelos espíritas, apesar das razões diversas apresentadas pelos místicos e pelos não “místicos”. 

 Apesar disto, o meio científico tem solenemente ignorado o espiritismo, remetendo-o, na melhor das hipóteses, ao campo da metafísica. As teses espíritas, mesmo sendo racionais e baseadas em pesquisas realizadas por luminares da história das ciências, não encontram campo para desenvolverem-se nas academias. Em vista disto, será que ainda podemos afirmar que o espiritismo é uma ciência (mesmo se o encararmos como a “ciência do futuro”)? 

Quais são os pré-requisitos indispensáveis  para que uma disciplina possa adquirir o estatuto de ciência? Quais os elementos comprobatórios da cientificidade do espiritismo? 

O que seria necessário para que a doutrina espírita passasse a ocupar um lugar nas academias de ciências? Como seria a epistemologia do espiritismo? 

 Tais são as questões que o presente trabalho se propõe a discutir. Deve-se, no entanto, levar em consideração que tal discussão passa, necessariamente, por: 

  Uma avaliação daquilo que hoje é considerado como sendo ciência, e que, portanto, pode receber a “chancela oficial” das academias. Este é um campo de debate que vem sendo muito abordado pela filosofia da ciência, cujas discussões, de cunho basicamente epistemológico, são deveras complexas. 

  O confronto dos postulados da ciência espírita com os paradigmas vigentes, os quais podem não ser adequados ao seu objeto de estudo. Talvez seja necessário questionar estes paradigmas, e propor a criação de novos, o que também traz uma considerável carga de complexidade. 

  A falta de uma discussão, no meio espírita, da questão metodológica, sem a qual é impossível fazer ciência. A ciência espírita ressente-se muito da ausência desta discussão, que deveria, dada a abrangência do objeto de estudo, envolver vários segmentos do meio espírita. Isto posto, considerando as dificuldades inerentes ao tema, propõe-se que esta primeira apresentação tenha o caráter não de uma tese ou mesmo uma monografia, mas de uma contribuição para debate, que deverá ser posteriormente enriquecida. 

 2- O ESTATUTO DE ClENTIFlCIDADE: 

 Este é, provavelmente, o grande x da questão, e é também a tema mais complexo a ser desenvolvido: quando algo pode ser considerado científico, porquê o pode e como? Para possibilitar esta discussão, vamos partir de algumas concepções que temos a respeito da ciência - ou seja, vamos delimitar os termos a serem empregados. Podem-se encontrar as seguintes concepções de ciência: 

 “1. Conhecimento. 

2. Saber que se adquire pela leitura e meditação; instrução, erudição, sabedoria. 

3. Conjunto organizado de conhecimentos relativos a determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e um método próprio: ciências históricas; ciências físicas. 

4. Soma de conhecimentos práticos que servem a um determinado fim: ciência da vida. 

5. A soma dos conhecimentos humanos considerados em conjunto: os progressos da ciência em nossos dias. 

6. Filosofia. Processo pelo qual o homem se relaciona com a natureza, visando a dominação dela em seu próprio benefício. [Atualmente este processo se configura na determinação segundo um método e na expressão em linguagem matemática de leis em que se podem ordenar os 4 fenômenos naturais, do que resulta a possibilidade de, com rigor, classificá-Ios e controlá-los.] {Seguem-se as seguintes definições: ciência cristã, ciência econômica, ciência infusa, ciências aplicadas, ciências econômicas, ciências exatas, ciências experimentais, ciências físicas, ciências humanas, ciências morais, ciências naturais, ciências normativas, ciências ocultas, ciências sociais}”1 

Para Ernest Nagel, a ciência tem três aspectos obrigatórios: 

  Permitir um controle prático da natureza, que desemboca na tecnologia e nos problemas éticos que dela advem. 

  "(...) algo que se propõe atingir conhecimento sistemático e seguro, de sorte que seus resultados possam ser tomados como conclusões certas a propósito de condições mais ou menos amplas e uniformes sob as quais ocorrem os vários tipos de acontecimentos." 

  Uma forma de conhecimento que parte de um método de investigação " Aspecto .muitas vezes mal interpretado e sempre difícil de descrever com brevidade, mas que é, talvez, seu traço mais permanente e garantia última do crédito que merecem as conclusões da investigação científica." Para Nagel este método" é a lógica geral, tácita ou explicitamente empregada para apreciar os méritos de uma pesquisa. "2 

 Divisão particular do conhecimento, especialmente uma que trabalha com um conjunto de fatos ou verdades sistematicamente arranjadas, e mostrando a operacionalização de leis gerais.”3

 Resumindo, tais definições enfatizam os seguintes pontos, no que tange ao conceito de ciência: 

  Conjunto organizado de conhecimentos, isto é, o saber estruturado de forma a pertencer a uma comunidade.

  Conhecimentos obtidos através da observação, da experiência dos fatos e de um método próprio, o que descredencia o saber obtido fora destes critérios do estatuto de "científico". 

 Ciência como meio de dominação da natureza, isto é, a possibilidade da predição: "ciência, logo previsão, logo ação", como dizia Comte. 

  A obtenção da verdade, a partir da descoberta de leis, equivalendo a reputar como verdadeiro somente o saber adquirido desta forma. Há uma explicação histórica para que a ciência seja, até hoje, vista desta maneira. De fato, apesar de o problema do conhecimento existir no homem desde os primórdios da civilização, as motivações e os métodos que levam ao conhecimento são inerentes à época em que se deram. 5 

O início da jornada do conhecer humano é marcado por uma forma mítica de pensar. O mito é a primeira forma de descrição do universo, cujos principais expoentes foram Hesíodo e Homero. Na descrição mítica (canto), os fenômenos naturais são frutos das ações dos deuses, num momento de paixão (pathos). O objetivo do canto (evocação) é realizar este pathos, através das características próprias de cada deus. A este dizer mítico contrapõe-se o estudo racional (logos) do universo, que teve início no século VI a.C. com Thales de Mileto. 

Entretanto, esta contraposição se faz não tanto no sentido da essência dos pensamentos, mas principalmente, no método4 de estudo empregado. Ainda assim, a. grande novidade desta forma de descrever o universo (que, de resto, era o objetivo último de toda a filosofia pré-socrática), é o desejo de encontrar a arché, ou seja, a substância primordial e fundamental que constituiria o universo, da qual todas as demais seriam derivadas. 

 É, porém, com Sócrates (Séc. V a. C.) e com seu discípulo Platão que o homem volta-se para dentro de si. A mudança de foco que se faz então, deixando de priorizar o objeto cognoscível para focar o sujeito cognoscente (e é, então, que se delineia o humanismo socrático), é uma verdadeira revolução epistemológica, a ponto de só ser inteiramente compreendida séculos mais tarde. A partir da filosofia de Sócrates, e sua busca incansável pela definição precisa dos termos (conceito), Platão cria o idealismo. A proposta é que o homem traz consigo, de forma inata, uma representação do mundo verdadeiro, o Mundo das Idéias, da qual nosso mundo sensório não é mais que simples corruptela (este Mundo é a fonte das idéias inatas que os homens apresentam sem que nada Ihes tivesse sido ensinado). Outra revolução é feita com um discípulo de Platão, Aristóteles. 

Diferentemente do mestre, Aristóteles não aceitava a tese das idéias inatas, considerando que o homem nascia absolutamente ignorante (o homem é uma tabula rasa), vindo a aprender e aprender o mundo através dos sentidos: "Nada existe no intelecto que não tenha passado" antes pelos sentidos". Pode-se dizer que Aristóteles é o primeiro cientista, no sentido moderno do termo: com sua lógica (a qual estuda não o processo - o como - a inteligência chega aos conseqüentes, mas, sim, a correção - a validade - do processo uma vez terminado) ele delimita o conhecimento e suas possibilidades metódicas. 

 Estes dois pontos de vista dissonantes, tanto do ponto de vista do método como do principio do conhecimento (o idealismo - racionalismo de um lado e o empirismo - realismo de outro), tiveram (e a rigor ainda têm) profunda influência em toda a história da filosofia. Na verdade, o primeiro pensador a ocupar-se destas questões sob um prisma diverso é Descartes (1596 - 1650), no século XVII. É claro que estas questões estão mais afeitas à filosofia, tendo ficado por longo tempo afastada das academias de ciência. Os cientistas somente agora, ao final do século XX, é que estão se dando conta da importância capital desta discussão.5 6 

Mesmo assim, estas questões eram parte integrante (talvez mesmo o principal fundamento) das teorias dos precursores do método científico até hoje vigente. Vemos que foi a partir deste debate que Bacon6 , logo complementado por locke7 , define o método empírico como base fundamental da investigação científica, e formula o raciocínio indutivo, cujo método parte de um ou mais dados conhecidos para se chegar a uma conclusão científica (neste conceito, já se percebe um caminho que levará fatalmente à experimentação). 

Mas não se pode esquecer que a principal fonte motivadora desta postura é a oposição às teses de Aristóteles que, através da filosofia tomista (numa tentativa de conciliar a fé e a razão), dominou o cenário intelectual durante toda a idade média. Descartes ocupou-se com outra questão, Preocupado em analisar nem tanto a verdade a ser obtida, mas o modo como se conhece, ele antepõe a epistemologia à ontologia, postura decididamente inédita em toda a história da filosofia, e estabelece como único método possível a dúvida (princípio da dúvida metódica). 

A partir dai. postula a existência de uma coisa pensante, que seria o próprio eu,”Penso, logo existo", Eis definido o racionalismo, poderosa arma a contestar o dogmatismo ainda vigente na época. A seguir, Descartes define seu método, que parte da intuição, utiliza a clareza e a distinção como regras do conhecimento e emprega a decomposição analítica do objeto em seus componentes básicos. Apesar de toda esta carga racionalista, que é fundamental para a construção do modelo mecanicista do mundo, Descartes usa um conceito metafísico (Deus) para validar o seu método. A introdução deste elemento metafísico faz com que ele postule também o dualismo, separando o corpo (res extensa) da alma (res cogitans). 

 A formulação filosófica do moderno método científico estava completa. O arremate viria com as descobertas das leis do mundo físico, realizadas e consolidadas, principalmente, por Galileu e Newton. Galileu Galilei (1564 - 1642), físico, astrônomo e matemático italiano, "foi quem primeiro utilizou a combinação de raciocínio teórico, observação experimental e rigorosa linguagem matemática, que até hoje caracteriza essa ciência básica”.8 

Estabelece as principais leis do movimento, criando o ramo da cinemática (e a conseqüente relatividade galileana), as leis da queda e, através da observação astronômica, validou a teoria heliocêntrica. Teve muita Influência sobre as idéias de Descartes. Isaac Newton (1642 - 1727) matemático, físico, astrônomo e teólogo inglês, é no dizer de Isaac Asimov, o maior cientista que já viveu. 

Criador da mecânica clássica, da física dos fenômenos celestes, das leis da dinâmica (as famosas leis de Newton), de parte da hidrodinâmica, da ótica (principalmente a reflexão e refração da luz), do cálculo infinitesimal, das leis da gravitação universal, e da teoria sobre a natureza corpuscular da luz. Em sua maior obra, Princípios matemáticos da filosofia natural, Newton define o seu método de investigação, inteiramente experimental, baseado na descrição matemática para se chegar à avaliação crítica dos fenômenos. "Graças a Newton, estabeleceu-se de 7 forma refinada e precisa a visão do mundo como tKi1I espetacular e perfeita máquina, movida por leis determinadas, em última instância, por seu Divino Criador.”9 

O modelo mecanicista do universo, base do método científico ainda hoje vigente, completa-se no século XIX, com Auguste Comte (1798 - 1857), filósofo francês. Comte delineia os princípios básicos da ciência, através de uma hierarquização das disciplinas conhecidas e da formulação de um sistema que é, ao mesmo mecanicista (encara o universo como uma máquina), reducionista (o objetivo da ciência reduz-se ao fato positivo, observável) e determinista (busca estabelecer relações causais constantes e necessárias entre os fenômenos). É o positivismo, cujas bases ainda hoje são válidas nos meios acadêmico e científico. Assim, podemos definir os princípios do moderno método científico:

  A experimentação, através da qual se pode comprovar ou não a teoria, e que permite a repetição por qualquer cientista convenientemente aparelhado. 

  A universalidade, isto é, a confirmação dos experimentos em diversos locais por diversos cientistas.

  O critério de falseabilidade, que permite que uma teoria possa ser falseável, para que possa, também, ser convenientemente demonstrada. 

  A quantificação, que permite uma delimitação precisa do "até onde." podemos considerar válida a teoria. A partir da definição do princípio da incerteza, esta quantificação passou a incluir, necessariamente, critérios estatísticos. 

 A evolução do conhecimento, a qual se realizou com uma diretriz científica em direção ao modelo mecanicista, foi despojando o homem de sua condição central no universo, e relegando-o a nada mais que uma máquina. Segundo Kart Jaspers, houve, no decorrer desta evolução, três verdadeiras revoluções científicas que levaram a isto: 

  A primeira, de cunho cosmológico, foi a aceitação do heliocentrismo em detrimento do geocentrismo. (Séc. XVII). 

  A segunda, de cunho biológico, foi a descoberta da evolução darwiniana. 

  A terceira, de cunho psicológico, deu-se com as pesquisas de Wundt, que culminaram com a teoria behaviorista. No entanto, eis que o final do século XIX e início do XX trouxeram uma total inversão dos valores positivistas, notadamente na física. "Duas descobertas no campo da física, culminando na teoria da relatividade e na teoria quântica, pulverizaram todos os principais conceitos da visão de mundo cartesiana e da mecânica newtoniana. 

A noção de espaço e tempo absolutos, as partículas sólidas elementares, a substância material fundamental, a natureza estritamente causal dos fenômenos físicos e a descrição objetiva da natureza - 8 nenhum destes conceitos pôde ser estendido aos novos domínios que a física agora penetrava."10 Além das novidades no campo puramente físico, duas das descobertas causaram (ou ao menos seriam capazes de causar) uma revolução das mais sérias no seio da Teoria do Conhecimento e no método científico: 

  A primeira delas é o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Descrito fisicamente como a impossibilidade de podermos determinar ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula subatômica, sua influência na base filosófica da ciência é derrubar a raiz determinista do positivismo. A partir desta descoberta, foi necessário reavaliar toda a relação de causalidade, bem como admitir que uma mesma causa pode redundar em diferentes efeitos. Foi também necessário passar a avaliar a interferência do acaso, (a-caso, sem causa determinada ou conhecida) nos fenômenos naturais. 

  A outra descoberta, realizada por Luis DeBroglie, é a dualidade Partícula: Onda, isto é, a capacidade que determinadas unidades subatômicas têm de se apresentarem ora como partícula, ora como onda, dependendo, a rigor, do tipo de experimento (ou, em linguagem mais poética, do modo como o cientista realiza a pergunta). "A dualidade partícula - onda, que as unidades subatômicas exibem, faz desabar solenemente o princípio da não contradição da lógica formal, que se encontra na base do raciocínio clássico. A é A, e também A é não-A!".11

 Apesar disso, incrivelmente, tais descobertas não foram bastante fortes para causarem uma ruptura do paradigma então (e ainda) vigente. Entretanto, as próprias ciências da natureza, hoje, pouco se apóiam neste paradigma e, mais que isto, apelam para o conhecimento intuitivo do homem para compreendê-Ia: "A resolução, do paradoxo partícula /onda forçou os físicos a aceitarem um aspecto da realidade que contestava o próprio fundamento da visão mecanicista de mundo - o conceito de realidade da matéria. Em nível subatômico, a matéria não existe com certeza em lugares definidos; em vez disso, mostra" tendências para existir", e os eventos atômico não ocorrem com certeza em tempos definidos e de maneiras definidas, mas antes mostram" tendências para ocorrer". 

No formalismo da mecânica quântica, essas tendências são expressas como probabilidades e estão associadas a quantidades que assumem a forma de ondas; são semelhantes às formas matemáticas usadas para descrever, digamos, uma corda de violão em vibração, ou uma onda sonora. É assim que as partículas podem ser, ao mesmo tempo, ondas. 

Não são ondas tridimensionais reais, como as ondas da água ou as ondas sonoras. São" onda.s de probabilidade" - quantidades matemáticas abstratas com todas as propriedades características de ondas - que estão relacionadas com as probabilidades de se encontrarem as partículas em determinados pontos do espaço e em momentos determinados. 

Todas as leis da física 9 atômica se expressam em termos destas probabilidades. Nunca podemos predizer com certeza um evento atômico: apenas podemos prever a possibilidade de sua ocorrência".12 

O efeito que estas descobertas teve pode ser comparado ao de uma bomba na mente dos cientistas. Mais de um deles (mesmo nomes imortais, como Einstein, Heisenberg, Bohr) afirmaram em diversas ocasiões que não estavam preparados para absorver todo o impacto destas novas concepções (apesar de eles mesmos serem seus criadores). E isto levou diretamente às profundas discussões epistemológicas do fim do século (Popper, Kühn, Schlick, Camap) e à formação de um paradigma que pudesse dar conta destas novas questões: um Paradigma holístico. 13 

Se, por um lado, dentro das próprias ciências de investigação da natureza já se levantam dúvidas sobre a validade do modelo científico vigente, a coisa se toma muito mais grave nas ciências ditas humanas.14 Michel Foucault15, por exemplo, acha inteiramente desnecessário considerar as ciências humanas como falsas ciências, uma vez que elas não são, em absoluto, ciências. Nada têm a ver com aquilo que pode ser denominado ciência. A configuração daquilo que define a positividade daquilo que hoje chamamos de "ciências humanas", e que as enraíza na episteme moderna coloca-as fora do estatuto de cientificidade. Os motivos que levam Foulcault a dizer isto baseiam-se, principalmente, na teoria que sua "arqueologia do saber" o conduziu a formular sobre as ciências humanas e no próprio conceito de homem. 

Para Foucault, "O homem é uma invenção cuja data recente a arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente. E talvez o fim próximo.“16 A crítica pode parecer muito dura, mas, não deixa de ter uma razão muito profunda. As ciências humanas, visando talvez garantir, a qualquer preço, o direito de ocupar uma cadeira nas academias, fundamentaram-se no positivismo tanto ou mais que as ciências exatas. Falando dos temas gerais da cientificidade das ciências humanas, Japiassu define: "O primeiro tema consiste na preocupação sempre constante de uma referência empírica na base de toda a elaboração do conhecimento; o segundo diz respeito ao esforço intelectual para extrair formas ordenadoras do conhecimento e de constituição dos objetos de pensamento: esquematismo, formalismo, etc.; o terceiro concerne à busca de modelos explicativos, operatórios e preditivos permitindo ao pensamento não somente a leitura inteligente dos dados, mas também uma manipulação da realidade que ela aborda; o quarto, enfim, refere-se ao uso do cálculo e da quantificação.17 Em base ao quanto foi exposto, acreditamos que o único caminho viável para que as ciências humanas possam continuar a pretender manterem-se ciências é uma mudança de vértice, com a assunção de um novo paradigma. E é considerando que a ciência espírita pode perfeitamente encaixar-se no âmbito das ciências humanas que postulamos a necessidade de um novo paradigma para ela. Na realidade, sob um certo ponto de vista, o próprio desenvolvimento do espiritismo justifica esta mudança. 10 

3- O ESPIRITISMO: 

 Historicamente, o espiritismo já surge aspirando o estatuto de científico. Seu codificador, Allan Kardec,o define como: “O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e da destinação dos Espíritos, e das suas relações com o mundo corporal.”18 Kardec, um cientista imerso no meio cultural de sua época, considerava que o espiritismo deveria seguir uma linha científica positivista. 

Mais de uma vez ele afirmou que o espiritismo não se baseia senão nos fatos observáveis, que são a base do método científico então (e ainda hoje) vigente. Entretanto, o próprio Kardec cai na tentação de considerar a doutrina espírita como uma ciência para o futuro (apesar de não ter permanecido sentado, esperando-o). Talvez tenha sido esta postura do codificador que gerou a inércia em que vive hoje o movimento espírita: "As corporações científicas não têm, e não terão jamais, que se pronunciar sobre a questão (da doutrina espírita - N. do A.); ela não é mais da sua alçada que a de decretar se Deus existe, ou não. Portanto, é um erro fazer delas juízes. O espiritismo é uma questão de crença pessoal que não pode depender do voto de uma assembléia, porque esse voto, mesmo favorável, não pode forçar as convicções. 

Quando a opinião pública estiver formada a este respeito, os sábios como indivíduos, a aceitarão, e suportarão a força das coisas. Deixai passar uma geração e, com ela, os preconceitos do amor próprio em que se obstina, e vereis que ocorrerá com o espiritismo como ocorreu com tantas outras verdades que se combateu, e que agora seria ridículo po-Ias em dúvida. Hoje são os crentes que se chama de loucos; amanhã serão todos os que não creiam; da mesma forma como se chamou de loucos outrora, aqueles que criam que a Terra girava.“19 Entretanto, esta postura de Kardec revela mais uma vez que ele adiantava-se ao seu tempo. 

De fato, a colocação acima, principalmente no que tange ao dogmatismo que se exprime na posição da maioria dos cientistas - sejam do século XIX ou do XX - e que Tho918S Kühn chama de paradogmas (em contraposição aos paradigmas), vem sendo muito discutida pela filosofia da ciência. O espiritismo surge, em meados do século XIX, baseado em dois alicerces:

  A extensa fenomenologia mediúnica que se dissemina em diversos países da Europa e também nos Estados Unidos da América a partir do início do mesmo século: Edward Irving, pastor protestante de uma igreja escocesa em Londres (1830); Andrew Jackson Davis, trabalhador braçal nos distritos rurais de New York, (1844); a família Fox, em Hydesville, New York (1848); Mrs. Hayden, esposa de um jomalista da Nova Inglaterra (1852); Daniel Dunglas Home, em Currie, Edimburgo (1855); o fenômeno das mesas girantes, na França (a partir da década de 1840). Estes fenômenos, impressionantes não só pela sua abundância, mas principalmente pela sua qualidade intrínseca (não do teor das comunicações, mas em relação à produção do fenômeno propriamente dito), formaram uma base na 11 qual foi possível o desenvolvimento do espiritismo sem as características de magia ou bruxaria que poderiam obstaculizar esse desenvolvimento. 

  O desenvolvimento do magnetismo, cuja fenomenologia vinha sendo observada desde o século XV, mas que firmou-se definitivamente como campo de pesquisas entre o final do século XVIII e o início do XIX, com Franz Anton Mesmer, o criador da teoria do magnetismo animal. Nesta teoria, Mesmer "(...) aplica o princípio Newtoniano da atração universal à idéia do fluido universal, teorizando que este exerce sobre o corpo efeitos análogos ao do ímã, devido à presença, nos nervos, de um fluido eletromagnético (...)“20. 

Kardec era um adepto das teses do magnetismo, a ponto de ter aceito, inicialmente, o fenômeno das mesas girantes como sendo promovido por ação magnética. A partir destas bases, e da grande elaboração teórica formulada por Allan Kardec sobre as respostas dos espíritos a questões que ele mesmo preparara, surge o espiritismo sob a forma de um corpo de doutrina, ou antes, de uma filosofia espiritualista, que é como o espiritismo é apresentado no Livro dos Espíritos, porém como já dissemos, com pretensões de cientificidade. Esta postura, cabal em Kardec, que a explicita em mais de um texto em toda a sua obra, foi fortemente deturpada pelos que vieram após, notadamente no Brasil, onde adquiriu uma conotação religiosa, concorrendo com religiões tradicionais, como as diversas denominações evangélicas (e mesmo setores da igreja católica), e com os sincretismos religiosos afro-brasileiros pela aquisição de adeptos, quase prometendo a salvação. 

 É interessante notar que os princípios básicos que alicerçam a doutrina espírita (existência de Deus, existência e imortalidade do espírito, evolução infinita, reencarnação, pluralidade de mundos habitados e comunicabilidade com os desencarnados) não foram trazidas a lume pelo espiritismo. Todos estes princípios já haviam sido expressos por doutrinas, religiões e/ou filosofias anteriores a ele, tanto do oriente quanto do ocidente. 

O grande mérito da doutrina espírita foi unir todas estas idéias num todo indivisível, integrando-as entre si de modo a formarem uma visão de mundo única, na qual alguns pontos de vista muito particulares acabam destacando-se:  A possibilidade de admitir a existência do espírito como princípio inteligente do universo, dissociado, em essência, forma e manifestação, da matéria, sem que esta existência necessite ser admitida unicamente pela fé. A realidade dos espíritos é, se não um fato cientificamente comprovado pela ciência "oficial", ao menos uma tese suficientemente aceitável, uma vez que" (...) nem a razão nem a consciência a repelem.“21 

 A individualização definitiva deste princípio em seres incorpóreos, os quais são responsáveis pelas atividades intelectuais dos homens, sendo imortais e permanecendo eternamente individualizados. 12  O progresso inexorável como lei da natureza, à qual estão submetidos todos os seres, mas que não é concedido sob a forma de graça, devendo ser conquistado com o esforço do próprio ser. 

  A idéia de reencarnação não como punição ou expiação dos erros cometidos, mas como possibilidade de aprendizado do espírito num contato íntimo com a matéria, e, portanto, como necessidade absoluta para sua própria evolução e para a concretização da lei de progresso. 

  O livre-arbítrio como patrimônio inalienável do homem, o qual pode decidir livremente aquilo que deseja para sua vida e seu futuro. porém sabendo que cada decisão provoca efeitos diretos, com base no princípio de ação e reação, e que, portanto, o homem é o único responsável pelos resultados de suas ações. A partir destes pontos, os quais são, esses sim, absolutamente novos na história da humanidade, a doutrina espírita pode desenvolver-se de modo amplo. Se tivéssemos que localizá-Ia entre as diversas filosofias, poderíamos fazê-Io colocando-a entre as idéias radicais de. crença absoluta (misticismo) e não-crença absoluta (materialismo) e também como precursora das tentativas modernas no sentido de uma teoria holística sobre o universo: “O espiritismo é uma proposta equilibrada entre os extremismos místicos e materialistas. Ele os supera dialeticamente, transcendendo-os, buscando a síntese. Como tal, propõe uma visão dinâmica do processo da vida, sem, contudo, apresentar um quadro acabado, final. Ao contrário.

Coloca como definitivo apenas princípios básicos, permitindo que o pensamento e a pesquisa se ampliem, através do tempo, conforme a ciência e o conhecimento cresçam. Isto é, o espiritismo não se aventura a formular hipóteses desvinculadas das possibilidades do entendimento humano porque isso só serve para manter o homem ignorante, confuso, exigindo dele uma crença irracional.”22 Tudo isto faz com que possamos, sem cair no risco de uma segmentação exagerada do espiritismo, identificar dois aspectos pelos quais ele se apresenta: 

  O Espiritismo enquanto doutrina moral: do ponto de vista espírita, do mesmo modo que há um dualismo no universo, representado pelos princípios material e espiritual, há um conjunto de leis específicas para cada um deles. A matéria é governada pelas leis físicas, as quais estão sendo continuamente descobertas pelas ciências de investiga o da natureza (as quais não são da competência específica do espiritismo),23 enquanto que o espírito deve ser governado por leis morais. Rara o espiritismo, moral é a capacidade de distinguir o bem do mal, e, portanto é a adequação às leis divinas, ou naturais, as quais Kardec expôs, didaticamente, no livro III de O Livro dos Espíritos. 

 Uma diferença entre o conceito de moral conforme entendido pela sociologia e aquele defendido pelo espiritismo é que, uma vez que o espiritismo concebe as leis divinas como eternas, a moral, para ele, é absoluta, assim como os conceitos de bem e mal. A relativização da moral pelo homem, para ser utilizada como base aos sistemas legais 13 que regem as sociedades é que provocam as distorções, as quais vão sendo corrigidas com a evolução. 

 Isto posto, vemos que o espiritismo pode ser considerado como uma doutrina moral, na medida em que fornece ao homem noções sobre as leis que o regem, enquanto espírito imortal. Ao mesmo tempo, é uma doutrina fortemente consoladora, uma vez que coloca nas mãos do ser humano os instrumentos (mas também a responsabilidade) para sua própria evolução, postulando que o futuro será aquilo que dele fizermos. Talvez por isto é que o próprio Kardec assumiu, para o espiritismo, o papel do Consolado r citado por Jesus na bíblia24 (ainda que sem o conteúdo de fatalismo presente na maioria das religiões): " Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo com que o homem saiba donde vem, para onde vai, e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela esperança."25 

 O espiritismo enquanto filosofia: o surgimento da filosofia no mundo dá-se a partir do desejo do ser humano em explicar o universo que o cerca, e as relações entre ele, ser humano, e este universo. Apesar de surgir como contraposição metódica ao dizer mítico (ver p. 4), a filosofia não é exclusivamente racional: "Quando se dá a passagem da consciência mítica para a racional, aparecem os primeiros sábios, sophos (...). Um deles, Pitágoras (séc VI a.C.) que também era matemático, usou pela primeira vez a palavra filosofia (philos + sophia), que significa 'amor à sabedoria'. É bom observar que a própria etimologia mostra que a filosofia não é puro Iogos, pura razão: ela é a procura amorosa da verdade.“26. É nesta ânsia de saber, muitas vezes intuitivo, que o homem cria os sistemas. e escolas filosóficas. Na medida em que o espiritismo procura também explicar o universo e mostrar as relações entre o espírito e a matéria, ele é uma filosofia. No dizer de Herculano Pires, um dos maiores filósofos espíritas, "A Filosofia Espírita sintetiza em sua ampla e dinâmica conceituação todas as conquistas reais da tradição filosófica, ao mesmo tempo que inicia o novo ciclo dialético da nova civilização em perspectiva. 27 E é como filosofia que o espiritismo se destaca, uma vez que traz, através de uma cosmovisão diferenciada - porque livre dos preconceitos que embotam a visão do homem - respostas lógicas a questões até então insolúveis ou relegadas ao campo da fé. Herculano Pires postula a existência de uma ontologia, um existencialismo e uma sociologia espíritas, formando um corpo filosófico único e complexo. 

 Desta forma, não há como negar a existência, muito bem definida e delimitada, da filosofia espírita. Ela se faz a despeito dos próprios espíritas. os quais preferem encarar a doutrina espírita apenas como doutrina moral (e muitas vezes religiosa ou dogmática) a ter de exercitar seu pensamento na filosofia. Já vimos que o espiritismo é uma doutrina moral e uma filosofia. Mas. poderá ele ser considerado uma ciência? E, se puder, quais as suas bases necessárias? 14

 4- UMA DISCUSSÃO SOBRE A CIÊNCIA ESPÍRITA: 

 Allan Kardec considerava o espiritismo como uma ciência, e mais, como uma ciência positiva: “É, pois, resultado da observação, numa palavra. uma ciência; a ciência das relações entre os mundos visível e invisível; ciência ainda imperfeita. mas que diariamente se completa por novos estudos e que. tende certeza. tomará posição ao lado das ciências positivas. Digo Positivas, porque toda ciência que repousa sobre fatos é uma ciência positiva, e não puramente especulativa.“28 

Não podemos esquecer-nos que tais considerações são perfeitamente concordantes com os princípios e a formação de Kardec. Sendo ele um homem de cultura, criado no meio positivista do século passado, não admitia como válido senão aquele conhecimento que proviesse de uma fonte de fatos confiáveis, e que pudessem ser corroborados racionalmente. Assim é que somente interessa-se pelos fatos espíritas quando, presente a uma reunião de mesas girantes, sua inteligência é posta a prova para explicar, a si mesmo, o fenômeno observado; e a partir de então começa a pesquisar. acabando por formular o espiritismo. 

 Outra consideração que se faz necessária é que a época em que o espiritismo surgiu foi marcada pela desmistificação de alguns conceitos, principalmente na biologia, que levaram o homem a relegar toda a metafísica ao campo da religião e, portanto, indigna de ser objeto por parte das ciências. A síntese da uréia em laboratório, em 1831, é um golpe mortal na teoria do vitalismo, reforçando a concepção mecanicista da vida. Estavam em curso as experiências que levariam à destruição do conceito de geração espontânea. O espírito da época era o da necessidade da experimentação como base fundamental do processo científico. 

 O pensar da ciência espírita como uma ciência positiva levava à necessidade do estabelecimento de dois aspectos fundamentais que pudessem alicerçar o seu florescimento: o objeto de pesquisa e seu método. Kardec não se furtou a estabelece-los. e o fez segundo critérios bem definidos:  O objeto de estudo - Quanto a isto, parece-nos não haver o menor problema. O próprio Kardec, ao definir os limites da ciência espírita, delimita o objeto: é o espírito, no que diz respeito à sua natureza, origem e destinação, e as relações este espírito (aqui compreendido como princípio inteligente, e, portanto, distinto da matéria, que é não-inteligente) com o mundo corporal. 

Note-se que esta delimitação coloca como objeto da ciência espírita uma gama muito larga de teorias, fenômenos e entes, tais como: o ser inteligente e tudo aquilo que lhe diz respeito (e, portanto, englobando aqui todas as assim chamadas ciências humanas), os modos de relação entre este ser inteligente com o mundo que o cerca (abarcando, então. os fenômenos produzidos devido a esta interação. a saber, não somente os fenômenos mediúnicos e anímicos, mas também as partes das ciências físicas nas quais o observador é participante essencial do processo) e os fenômenos do mundo corporal que têm interferência direta no ser inteligente (o que abrange também as chamadas ciências biológicas). Bem entendido, não estamos defendendo a criação de uma física espírita. de uma 15 biologia ou medicina espírita, de uma psicologia espírita; afirmamos apenas que o espiritismo tem algo a dizer em conjunto com todas estas disciplinas. 

  O método da pesquisa - Para que uma ciência possa aspirar este título. é absolutamente necessária a definição do método, isto é, o modo pelo qual se espera atingir os resultados da pesquisa. Ao mesmo tempo, é também imprescindível que se delimite os critérios de validação, em base as quais serão verificados os mesmos resultados, visando comprová-Ios ou negá-Ios. Tanto os métodos quanto os critérios de validação da ciência "oficial" já foram expostos no item 2. 

O que pretendemos discutir aqui é exatamente este tema no que tange à ciência espírita. Kardec também não se negou a efetivar esta definição. Uma vez que os critérios tradicionais de validação não eram aplicáveis à nova doutrina que se criava, ele estabeleceu seus próprios critérios, sem, contudo deixar de empregar a idéia básica vigente, a de experimentação contínua e diversificada de todas as possibilidades. 

No dizer de Herculano, “Kardec não se perdeu, como Wundt29, Weber30 e Fechner31, no sensível das pesquisas epidérmicas do limiar das sensações. Percebeu logo que os métodos não podiam ser aplicados a fenômenos extrafísicos e estabeleceu o princípio da adequação do método ao objeto.“32 Para tanto, Kardec estabelece que as pesquisas espíritas só teriam validade se fossem baseadas na experimentação mediúnica (isto é, os dados da pesquisa deveriam ser obtidos por meio de discussão direta dos temas com os desencarnados, através de médiuns), ou seja, ele define a mediunidade como método da pesquisa espírita. Para validar este método, postula que os resultados assim obtidos só seriam considerados verdadeiros se fossem igualmente recebidos por vários experimentadores, através de diferentes médiuns em diferentes partes do mundo (critério de universalidade do ensino dos espíritos). 

 Paralelamente, o codificador emprega o crivo da razão (critério da racionalidade das comunicações espíritas) como validador complementar: “Os Espíritos são o que são e nós não podemos alterar a ordem das coisas. Como nem todos são perfeitos, não aceitamos suas palavras senão com reservas e jamais com a credulidade das crianças. Julgamos, comparamos, tiramos conclusões do que observamos e os seus próprios erros constituem ensinamentos para nós, uma vez que não renunciamos ao nosso discernimento.“33

 Não há dúvida que, ao tentar resolver este problema, Kardec realizava um pensar metodol6gico sobre a doutrina que estava criando. Ainda assim, parece-nos que ele próprio percebeu a dificuldade que enfrentava, de fazer a ciência espírita aceita universalmente, como demonstra no seguinte texto: “Talvez nos contestem a denominação de ciência, que damos ao espiritismo. Ele não teria, sem dúvida e em nenhum caso, as características de uma ciência exata, e precisamente nisso está o erro dos que pretendem julgar e experimentar como uma análise química ou um problema de matemática; já é bastante que seja uma ciência filosófica. 

Toda ciência deve basear-se em fatos; mas estes, por si sós, não constituem a ciência; ela nasce da coordenação e da dedução lógica dos fatos: é o conjunto das leis que os regem. Chegou o espiritismo ao estado de ciência? Se se trata de uma ciência acabada, sem dúvida será prematuro 16 responder afirmativamente; mas as observações já são hoje bastante numerosas para permitir pelo menos deduzir os princípios gerais, onde começa a ciência.”34 

A nosso ver, o grande problema da ciência espírita reside no fato de ela não ter sabido transformar a novíssima cosmovisão trazida pela filosofia espírita, a qual se fundamenta nos pontos básicos que nos referimos acima (p. 10) num paradigma verdadeiramente científico que pudesse embasá-Ia e às suas descobertas. 

Não possuindo este paradigma, ou ao menos a sua proposta, a ciência espírita, por tratar de temas que são verdadeiros traumas para os cientistas, que os encaram como mera superstição, não consegue penetração suficiente na cultura para que possa vir a ter influência nas academias. Ao mesmo tempo, outro problema se apresenta. 

Para que a mediunidade possa ser empregada convenientemente como método de pesquisa, é necessário que saiba enfrentar as teorias alternativas, hoje existentes, que se propõem a explicar o fenômeno mediúnico sem a participação dos espíritos desencarnados. Os critérios de universalidade e racionalidade postulados por Kardec, se apresentam válidos para uma crítica do conteúdo das comunicações, e conseqüentemente da identidade do espírito comunicante, partem do princípio da veracidade do fato mediúnico e da possibilidade da imortalidade da alma, elementos ainda não demonstrados de maneira cabal. 

 Assim sendo, à guisa de conclusão, podemos afirmar que é absolutamente necessário que a ciência espírita não só defina um novo paradigma, que poderá sem problemas ser chamado de um paradigma espírita, mas que faça-o aceito nas academias de ciências. Para a definição deste paradigma, será necessária uma ampla discussão entre os setores culturalmente mais avançados dos diversos movimentos espíritas existentes, uma vez que é muito improvável que ele possa surgir de um insight pessoal. 

Não podemos esquecer, contudo, que já temos, na filosofia espírita, a base necessária para a criação deste novo paradigma, uma base tão distinta de tudo o que ainda hoje existe que sua aceitação seria, para usar a terminologia de Kühn, uma ruptura revolucionária não-cumulativa, ou seja, uma verdadeira revolução científica. Ao mesmo tempo, é necessário que a ciência espírita crie, a partir deste paradigma, novos métodos de pesquisa e critérios de validação que possam ser facilmente e convenientemente empregados por todos os cientistas espíritas. Isto serviria para que a ciência espírita pudesse consolidar-se, e assim demonstrar cabalmente seus princípios básicos. 

 É claro que se pode argumentar que a própria ciência "oficial" tem, também, seus problemas metodológicos, e que o paradigma sobre a qual ela se baseia repousa em princípios bastante frágeis. Tal argumentação é correta. Entretanto, só conseguiremos mudar um ponto de vista falho se tivermos outro para substituí-Io, além de força de vontade e conhecimentos suficientes para impo-Io. Se nós, cientistas espíritas ficarmos parado aguardando que o desenvolvimento científico eIou cultural comprove nossas próprias teses, perderemos o trem da história e correremos o risco de sermos engolidos pela própria evolução intelectual que tanto desejamos. 17 

REFERÊNCIAS 

 1 Aurélio BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Novo dicionário da língua portuguesa. 

 2 Ernest NAGEL, Filosofia da Ciência. 

 3 New Webster's Dictionary of lhe English Language (tradução livre) 

 4 Etimologicamente, a palavra método (do grego meta + hodós) significa “percorrer um caminho" ou seja, como chegar ao fim desejado a partir do estado atual. Já metodologia (meta + hodós + logos) é a problematização do método, é perguntar-se se há um caminho a ser percorrido, e como ele pode sê-Io. Esta diferença etimológica leva-nos a concluir que, apesar de haver problemas de método na ciência espírita, há, principalmente, uma quase que total ausência de metodologia. Trataremos mais profundamente desta questão futuramente, durante a revisão deste texto. 

 5 Uma outra discussão, a qual não cabe neste trabalho, mas que é também fundamental num questionamento sobre o conhecimento, refere-se à existência de uma Verdade absoluta, independente do ser humano, pré existente e eterna, e da possibilidade de o homem atingir esta Verdade. A alternativa é a impossibilidade do conhecimento desta Verdade, mas somente de uma verdade relativa. Esta discussão é sintetizada por Kant, com seus postulados de coisa-em-si (númeno), inefável, e coisa-em-nós (fenômeno), cognoscível. 

 6 Sir Francis Bacon (1561 - 1626), pensador inglês, barão de Verulan, escreveu o Novum Organon Scientiarum, óbvia oposição ao Organon de Aristóteles. 

 7 John Locke (1632 - 1704), filósofo inglês, criador do empirismo científico, escreveu Ensaio sobre o entendimento humano, no qual procurava descrever uma teoria completa do conhecimento 

 8 Roberto CREMA, Introdução à visão holística, p. 30. 

 9 Ibidem, p.34 

 10 Fritjof CAPRA, O ponto de mutação, p. 69. 

 11 Roberto CREMA, opus citatus, p. 41. 

 12 Fritjof CAPRA, opus citatus, p. 75. 

 13 A questão do paradigma holístico é sobremaneira importante para a ciência espírita, uma vez que indica um caminho que ela mesma (ciência espírita) pode seguir em direção à definição de seu próprio paradigma. Entretanto, devido à profundidade exigida por esta questão, sua discussão será deixada para a continuação deste trabalho. 

 14 A denominação ciências humanas nos parece inadequada, e talvez seja inadequada mesmo a denominação anteriormente usada, ciências da natureza. Afinal, se uma ciência deve possuir método e objeto, ambos incluem o homem (compreendido como "ser pensante") em seu trabalho. Uma possibilidade (mas talvez esta seja uma sugestão um tanto ousada!), seria o emprego, respectivamente, dos termos ciências do espírito e ciências da matéria, coerentemente com a postura de Kardec. 

 15 Michel FOUCAUL T, Les mots et les choses, cap. X (citado por Hilton JAPIASSU, Introdução à epistemologia da psicologia, p.15). 

 16 Ibidem, p. 16. 

 17 Hilton JAPIASSU, opus citatus, p.19. 

 18 Allan KARDEC, O que é o espiritismo, p.10. 

 19 Ibidem, p. 34. 

 20 Reinaldo DI LUCIA, Passes: discussão e propostas, monografia apresentada no III Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita, 1993, p.2 

 21 Allan KARDEC, O livro dos médiuns, p. 19. 

 22 Jaci RÉGIS, Uma nova visão do homem e do mundo, p.2 

 23 Deve-se entender por "leis sendo descobertas continuamente" como pesquisas incessantes sobre os mecanismos que regem o universo físico. Porém não se pode esquecer que, ultimamente, estas pesquisas têm levado a conceitos de organicidade (em oposição ao mecanicismo) e probabilidade (aceitação do acaso), os quais contrariam a visão positivista do universo, como já foi aqui relatado. 

 24 Evangelho de João, cap. XIV, w. 15 a 17 e 26. 

 25 Allan KARDEC, O evangelho segundo o espiritismo. p. 135. 

 26 Maria L. de A. ARANHA e Maria H .P. MARTINS, Filosofando: Introdução à filosofia. p. 72. 18

 27 J. Herculano PIRES. Introdução à filosofia espírita, p.28. 

 28 Allan KARDEC, Revista espírita. novembro 1964, p. 323. 

 29 Wilhelm Wundt (1832 - 1920) é considerado o criador e sistematizador da psicologia como ciência experimental, através de seu livro Manual de psicologia fisiológica. 

 30 Weber, fisiólogo inglês, foi o realizador dos primeiros estudos sobre o tempo de reação psicomotora, uma das bases para o estabelecimento da psicologia experimental. 

 31 Fechner, a partir das pesquisas de Weber, elabora uma série de métodos para a obtenção de medidas quantitativas das sensações, formulando a lei de Weber - Fechner: “A intensidade da sensação aumenta por igual, quando a razão dos estímulos continua a ser igual, em todos os sentidos.“ 

 32 J. Herculano PIRES, Ciência espírita, p. XV. 

 33 Allan KARDEC, Revista espírita, julho de 1859, p. 195. 

 34 Allan KARDEC, opus citatus, janeiro de 1858, p. 2. 

 BIBLIOGRAFIA 

 1. Alves, Rubem. Filosofia da ciência, 58 ed, São Paulo, Brasiliense, 1981 

 2. Arruda Aranha, Maria Lúcia e Pires Martins, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia, 28 ed, São Paulo, Modema, 1993 

 3. Capra, Fritjof. O ponto de mutação, São Paulo, Cultrix, 1982 

 4. Conan Doyle, Arthur. História do espiritismo, São Paulo, Pensamento 

 5. Crema, Roberto. Introdução à visão holística, 18 ed, São Paulo, Summus, 1989 

 6. Garcia Morente, Manuel. Fundamentos de filosofia, 88 ed., São Paulo, Mestre Jou, 1980 

 7. Gauld, Alan. Mediunidade e sobrevivência, São Paulo, Pensamento, 1982. 

 8. Hempel, Carl G. Filosofia da ciência natural, 28 ed, Rio de Janeiro, Zahar, 1974 

 9. Herculano Pires, José. Ciência espírita, 28 ed, São Paulo, Paidéia, 1981 

 10. Herculano Pires, José. Introdução à filosofia espírita, 28 ed, São Paulo, FEESP, 1993 

 11. Japiassu, Hilton. Introdução à epistemologia da psicologia, 38 ed, Rio de Janeiro, Imago, 1982 

 12. Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo, 918 ed, Rio de Janeiro, FEB, 1944 

 13. Kardec, Allan. O livro dos espíritos, São Paulo, Pensamento. 

 14.Kardec, Allan. O livro dos médiuns, 528 ed, Rio de Janeiro, FEB, 1944 

 15. Kardec, Allan. O que é o espiritismo, 58 ed, São Paulo, Instituto de Difusão espírita, 1978 

 16. Kardec, Allan. Obras póstumas, 18 ed, São Paulo, LAKE, 1975 

 17. Kardec, Allan. Revista espírita, Sobradinho, Edicel, volumes dos anos de 1858, 1859 e 1864 18. Kühn, Thomas. A estrutura das revoluções científicas, in Coleção Os Pensadores, 

18 ed, São Paulo, Abril Cultural, 1975 

 19. Lantier, Jacques, O espiritismo, Lisboa, edições 70 

 20. Nagel, Emest. Filosofia da ciência, São Paulo, Cultrix, 1968 

 21. Popper, Karl. A lógica da investigação científica, in Coleção Os Pensadores, 18 ed, São Paulo, Abril Cultural, 1975 

 22. Régis, Jaci. Uma nova visão do homem e do mundo, 18 ed, Santos, Dicesp, 1984 

 23. Ronan, Colin A. História ilustrada da ciência - a ciência nos séculos XIX e XX, São Paulo, Jorge Zahar Editor, 1987 

 24. Tinoco, Carlos Alberto. Parapsicologia e ciência: origens e limites do conhecimento parapsicológico, 18 ed, São Paulo, Ibrasa, 1993 

 25.Vergez, Andre e Huisman, Denis. História dos filósofos ilustrada pelos textos, 48 ed, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1980

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

O GRANDE PROBLEMA DA TRANSEXUALIDADE por Reinaldo di Lucia

 

O GRANDE PROBLEMA DA TRANSEXUALIDADE

O grande problema da transexualidade não é, irônica e tragicamente, a própria transexualidade e menos ainda, o ser transexual.

Somos nós, os chamados Cisgêneros, o grande problema! Aqueles que são a maioria da Humanidade e, em sua grande parte, vivem e exercitam uma visão maniqueísta, binária e excludente.  Vivemos no terceiro milênio; mas nossa visão de mundo se encontra há dois séculos passados.

Olvidando que o universo é o maior exemplo de diversidade e de diferenças infinitas, ainda não conseguimos aceitar plenamente aquele que não se nos apresenta, à nossa própria imagem e semelhança. Aceitamos somente o espelho.

Talvez, muitas vezes, rejeitemos o diferente porque tendemos ao seguro e ao estabelecido, que não nos impele a questionamentos e crises conscienciais.

Mas, lentamente, a sociedade vem mudando.  Os chamados invisíveis clamam por seu lugar no mundo, por respeito, por acolhimento e por cidadania. Com seus direitos e deveres.

Querem ser vistos e ouvidos... E nós, enquanto sociedade, não mais podemos negá-los e devemos escutar seus anseios e medos.

É bem verdade que, ao se fazerem notar, algumas vezes, fazem tremer os alicerces de nossa sociedade, gerando situações ainda não esclarecidas e, menos ainda, resolvidas. Somente com o tempo e o avanço do conhecimento é que poderemos melhor compreendê-las.

As questões de trabalho, de atendimento à saúde, de participação nos esportes e até de uso de sanitários.  Onde situar o transexual? Estes são muitos dos questionamentos dos Cisgeneros.

Afinal, a mulher trans (um indivíduo nascido biologicamente homem, mas que se identifica com o gênero feminino) deverá disputar esportes com mulheres cis? Se presidiária, deve cumprir pena em uma penitenciária feminina ou masculina? Deve utilizar o sanitário feminino ou masculino?  Os mesmos questionamentos surgem com o homem trans (indivíduo nascido biologicamente mulher, mas que se identifica com o gênero masculino).

Divergências e até processos tem ocorrido em razão disto, conflitos entre Cis e Trans.

É chegado o momento de realmente enxergarmos o Transexual.  Nos atemos a seu sexo biológico, o que não é a sua essência.  É simplesmente um Espírito que se sente Homem ou Mulher, independentemente do seu corpo.  Essa é a questão.  Não podemos mais os ver como um homem que quer ser mulher, porque ele é uma mulher, ainda que num corpo masculino.

E não podemos os ver como uma mulher que quer ser homem, porque ele é um homem, ainda que num corpo feminino.

É como o Espírito se vê e sente-se. E devemos respeitar quem são e como se veem. Precisamos ver além... além da pele, além do corpo.... A ALMA!

Ao fazermos isto, conseguiremos acolhe-los e respeita-los.  Muito mais que as lutas que vivem para adequar o seu corpo ao seu Espírito, os sofrimentos imensos que suportam são decorrentes de nosso comportamento enquanto sociedade.  Da forma com que os tratamos: negando , rejeitando, maltratando, agredindo e até matando! Trata-se de garantir-lhes os tão discutidos Direitos Humanos. 

E quem melhor do que nós, espíritas, que compreendemos as múltiplas existências em diferentes vivencias, para estender os braços e com imenso carinho no olhar, acolhê-los?

Finalizando, para quem desejar, vale a pena ler os “Princípios de Yogyakarta”, dos quais o Brasil é signatário.  Foi publicado em novembro de 2016, como resultado de uma reunião internacional de grupos de direitos humanos realizado na cidade de Yogyakarta, na Indonésia. Contêm um conjunto de preceitos destinados a aplicar os padrões da Lei Internacional de Direitos Humanos ao tratar de situações de violação destes direitos referentes à orientação sexual e identidade de gênero.

Estes princípios foram complementados e ampliados em 2017, para incluir mais formas de Expressão de Gênero e características sexuais, além de vários novos princípios.

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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terça-feira, 17 de novembro de 2020

Afinal somos livres? por Reinaldo di Lucia

 

Afinal, somos livres?

 

É com este tema que marco o reinício de minhas palestras no Centro Espírita Allan Kardec, de Santos, em 2020. Tema instigante, que é debate na Filosofia há séculos. Afinal, o livre-arbítrio existe ou somos determinados pelas condições que nos rodeiam?

Precisamos, antes de mais nada, definir liberdade. E, por incrível que pareça, isto não é tão fácil. Vejamos a definição clássica, do dicionário:

“Conjunto de direitos reconhecidos ao indivíduo, isoladamente ou em grupo, em face da autoridade política e perante o Estado; poder que tem o cidadão de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe faculta a lei”

Ou então, “Liberdade significa o direito de agir segundo o seu livre arbítrio, de acordo com a própria vontade, desde que não prejudique outra pessoa.”

Ou ainda, “Nível de independência absoluto e legal de um indivíduo, de uma cultura, povo ou nação, sendo nomeado como modelo (padrão ideal).”

Uma questão importante nestas definições é em relação aos limites da liberdade. Na segunda definição, por exemplo, “agir segundo o seu livre arbítrio, ou de acordo com sua própria vontade”, poderia ser entendido como não possuindo limites. Entretanto, complementa-se: desde que não prejudique outra pessoa. O que é um limitador por si só, originado de um princípio religioso (“não fazer aos outros o que não desejaria para si”) ou político (a existência de um pacto social que permite a convivência em sociedade). Tal como o limitador legal da primeira definição.

Já na terceira, a ideia de liberdade como um “nível de independência absoluto” implica num homem não limitado em sua possibilidade de ação. Como afirmava Richard Bach, em Ilusões – a história de um messias indeciso, cada um de nós é livre para fazer o que quiser. Independente de prejudicar ou não aos outros.

Ou seja, a resposta à questão do título depende essencialmente da definição que damos à palavra liberdade. Se limitarmos essa definição a fazermos somente o que não afeta negativamente os outros, então nossa liberdade é limitada, e nosso livre-arbítrio está condicionado a não ultrapassar este limite. Concluímos então que só é possível a liberdade plena se não houver uma divisa moral que nos impeça de ir além: a preocupação com aqueles que dividem conosco a existência (e isso, obviamente, não inclui somente os seres humanos).

Pessoalmente, gosto do conceito de liberdade de Spinoza: diretamente associada à ideia de liberdade está a noção de responsabilidade, uma vez que o ato de ser livre implica assumir o conjunto de nossos atos e saber responder por eles. Ou seja, posso sim prejudicar os outros se eu quiser, mas na vida em sociedade isto (normalmente) tem consequências, que devo assumir.

Kardec propõe que só conseguimos a liberdade absoluta pelo pensamento, pois assim estaríamos livres tanto das limitações sociais quanto do cerceamento imposto pela matéria. Mas deu a este tema tanta importância que o colocou como uma das leis morais, que regem o Espírito.

Precisamos encontrar o equilíbrio entre nosso livre arbítrio e a vida em sociedade. Para tanto, precisamos assumir nossa responsabilidade, eliminando os vícios que nos assolam: orgulho, egoísmo etc.

Simples, não?

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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quinta-feira, 2 de julho de 2020

O criacionismo com novo fôlego - Carolina Regis di Lucia Reinaldo di Lucia

O criacionismo com novo fôlego
 

Ah, esta nossa vida. É engraçado como as coisas são cíclicas, não é? A moda, os costumes ... Até a tecnologia – não é à toa que os discos de vinil, os famosos “bolachões”, estão encontrando novamente o seu lugar ao Sol.

Também é assim com as teorias que buscam explicar o mundo. Desde que Darwin e outros cientistas estabeleceram a Teoria da Evolução como sendo a forma mais provável pela qual a vida e o homem apareceram na Terra, os adeptos do criacionismo (Deus como criador, ao invés da evolução) sentem-se fortemente ameaçados. E, obviamente, reagem. Por exemplo, em 1925, no Estado do Tennessee, nos Estados Unidos, foi promulgada uma lei que estabelecia que o professor que ensinasse qualquer teoria contrária à bíblica, seria preso. Dirão, porém: vivemos novos tempos, o obscurantismo está acabado, a razão e a ciência triunfam. Será?

No final de janeiro passado, foi nomeado um novo presidente da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Benedito Guimarães Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. A CAPES é uma das principais agências de fomento à pesquisa no Brasil. Ligada ao Ministério da Educação, teve uma redução orçamentária de quase 50% para 2020 – e olhe que em 2019 já havia reduzido significativamente o número de bolsas. Certamente é um ataque, de dentro, contra tudo o que o Brasil consegue produzir de positivo no âmbito da pesquisa. Em outras palavras, estão acabando, cada vez mais rápido, com o ensino superior.

Ocorre que o sr. Aguiar Neto é um defensor do design inteligente, uma repaginação pseudocientífica do criacionismo. Sendo reitor de uma Universidade religiosa (presbiteriana) isso talvez não surpreenda. E, enquanto se mantiver como opinião pessoal ou, no máximo, com política de sua universidade privada, poderia ser aceitável.

O problema é que, na posição em que agora se encontra, pode interferir na produção científica do país, por exemplo, coordenando a negativa de bolsas para pesquisas que não estejam de acordo com suas opiniões. Ora, dirão, como já ouvi dizerem, não se vai definir a política científica do país por causa de uma opinião pessoal. Mas a opinião não é só pessoal - é a da bancada evangélica, que se torna mais abundante e poderosa a cada eleição.

Mas tudo o que é ruim pode ficar pior. No final do ano passado, Aguiar Neto afirmou, no site da própria universidade, que deseja disseminar esta teoria na educação básica, como um “contraponto” à ideia da evolução.

Fico me perguntando o que os espíritas pensam disto tudo. Afinal, apesar de a evolução ser um dos princípios básicos do Espiritismo, a primeira questão do Livro dos Espíritos afirma que Deus é a causa primária de todas as coisas, ou seja, temos algo de criacionista em nossa doutrina.

Sempre fui a favor da liberdade de pensamento e de expressão. Exatamente por isso é que não se pode permitir que nossas crianças tenham tolhidas o seu direito ao conhecimento. Porque a intolerância, seja ela política, religiosa ou de qualquer outra fonte, não se dá por satisfeita até que só haja uma única forma de pensar.


Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Revolucionário, eu? Seria a reencarnação obrigatória? por Reinaldo di Lucia


Durante o XXI Congresso Espírita Panamericano, realizado em Santos, o trabalho que escrevi, propondo a possibilidade da reencarnação não ser obrigatória, provocou alguma polêmica. Muitos vieram dizer-me: “Quer dizer que agora, depois de tirarmos Jesus e questionarmos o Perispírito, estamos também eliminando a Reencarnação do Espiritismo?”




Penso que o medo da mudança é tão constante no homem que chega a ser natural este tipo de questionamento. Afinal, desde crianças, quando frequentávamos a infância espírita – naquela época ainda chamada de “escolinha”, um provável diminutivo de “escola de evangelização” – a reencarnação é encarada quase como um dogma. Aliás, em perfeita consonância com Kardec: “Em que se funda o dogma da reencarnação? Na justiça de Deus e na revelação (...)” (Livro dos Espíritos, pergunta 171).

Talvez eu seja mesmo um espírito, digamos, inquieto. Penso que o comodismo do pensamento, o congelamento das ideias leva a uma cristalização que é fatal para a sobrevivência de uma doutrina tão dinâmica quanto o Espiritismo. E assim, desde muito, as perguntas “e se ...” e “ou não” fazem parte integrante da minha visão espírita. Considero necessária e fundamental a revisão periódica dos princípios espíritas, ainda mais se considerarmos o quão rapidamente o conhecimento humano vem evoluindo.

Eis porque considero que a proposta de um trabalho consistente de atualização do Espiritismo, feita há mais de 10 anos pela CEPA, é o que há de mais importante neste século XXI. Não há outras formas de mantermo-nos vivos e atuantes a não ser construindo pontes com as demais formas de conhecimento humano e, se necessário, revendo conceitos que já não mais se sustentam.

Mas, para que isso se efetive, é essencial que nós, espíritas laicos, livres-pensadores e progressistas, tenhamos a mente aberta para a possibilidade da mudança. E, para isso, não pode haver tabus, temas proibidos, impossibilidades a priori. A discussão, o questionamento é obrigatório; a conclusão será feita a partir desse questionamento.

Vamos tirar a reencarnação do corpo doutrinário espírita? Não, não é essa a proposta. Mas temos que analisar com calma até que ponto o livre arbítrio de cada ser pode possibilitar a ele a escolha da não reencarnação. E essa avaliação passa por uma série de outros questionamentos, como fica o edifício conceitual espírita se isso for assim? Qual a extensão do nosso livre-arbítrio? Que outras formas de aprendizado seriam possíveis? Como se dá a evolução? Enfim, há um desdobramento significativo que, de modo amplo, só contribuirá para que o Espiritismo seja mais firme – e que cada um de nós, espíritas, compreendamo-lo ainda melhor.

Que tal, despretensiosamente, despertar o livre-arbítrio revolucionário que vive em você? A reflexão te dará embasamento para mudar seus conceitos, ou mantê-los (seja da mesma forma de antes, seja com novos pilares). Modernizar é isso: pensar, repensar, reciclar, redescobrir, reinventar. Afirmar o mesmo de sempre em uma realidade absolutamente diferente, sem nem ousar uma dúvida sobre o posto, é contextualizar às avessas. Necessário, em algumas situações, mas já exaustivamente explorado, há pelo menos 100 anos, no que tange a filosofia Espírita.  

NR: Este artigo foi publicado no jornal Abertura em novembro de 2012

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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segunda-feira, 14 de outubro de 2019

COSMOLOGIA, EXOBIOLOGIA E ESPIRITISMO UM ESTUDO SOBRE A VIDA E O UNIVERSO - por Reinaldo di Lucia


COSMOLOGIA, EXOBIOLOGIA E ESPIRITISMO UM ESTUDO SOBRE A VIDA E O UNIVERSO

 Reinado Di Lucia

 INTRODUÇÃO

 A questão "Estamos ou não sozinhos no Universo?" não é recente. Entretanto, ela é de fundamental importância, não só como mera especulação intelectual, mas também, e principalmente, na criação de um modelo coerente que sirva para explicar este Universo.

 A ciência inicia-se com problemas. Enquanto nenhum problema, nenhuma inquirição afeta o ser humano, ele se vê desobrigado de pensar, observar, buscar. Assim, conhecer é, simplesmente, reduzir o desconhecido ao conhecido. A verdade científica é des-velamento (aletheia, para os gregos). Para tanto, os cientistas criam modelos, que, posteriormente testados, dão origem às teorias e às leis.

 Atualmente, neste mundo de incertezas em que a própria ciência nos colocou, é grande presunção falar-se em comprovação científica. A "prova" em ciência é uma quimera a ser usada, no máximo, com a finalidade de engrandecimento pessoal de um cientista ou de um grupo, com vistas, normalmente, a um aumento na verba de pesquisa. Os bons resultados obtidos com os testes de uma teoria servem tão somente para que esta continue presente no rol de teorias possíveis.

As teorias só permanecem válidas enquanto explicam e prevêem todo o universo de fatos de que se propõem a tratar. Assim, toda descoberta de fatos novos, de novos elementos que devam ser agregados àquele universo leva à necessidade de novos exames na teoria, para que se verifique sua validade.

É por isso que não se pode dizer que as afirmações científicas são verdades absolutas. No dizer de Karl Popper1 "A ciência não é um sistema de declarações certas e bem estabelecidas; nem é ela um sistema que avança para um estado final. Nossa ciência não é conhecimento; ela não pode nunca pretender haver atingido a verdade, nem mesmo um substituto para ela, a probabilidade" . Isto ocorre porque não se pode, em nosso estágio atual de evolução intelectual, ter certeza que são conhecidas todas as variáveis que afetam o universo de fatos considerados na determinação de uma teoria.

Quando se analisam as ideias sob este prisma, o espiritismo cresce de modo brutal como possibilidade de alternativa científica. Em verdade, sua grande contribuição foi ter imaginado um modelo lógico, coerente e baseado, tanto quanto possível, em fatos palpáveis para explicar e prever o Universo. Este modelo (que podemos chamar, sem medo de erros, de teoria espírita) diferencia-se dos demais modelos científicos vigentes por considerar uma nova dimensão para o Universo, a dimensão não-física do espírito. Ao fazer isto sem as considerações puramente místicas da grande maioria das filosofias que trataram do espírito, a doutrina espírita colocou-se em lugar de destaque entre as teorias científicas de sua época.

O modelo espírita de Universo fundamenta-se em seis princípios básicos que encontram-se de tal forma interligados logicamente na teoria que a demonstração da inexatidão de um deles faria desabar todo este modelo, obrigando a uma revisão estrutural da teoria. São eles:

 1 Existência de Deus.
2 Existência e imortalidade do espírito.
3 Evolução infinita.
4 Pluralidade das existências (reencarnação)
5 Pluralidade dos mundos habitados.
6 Comunicabilidade entre encarnados e desencarnados (mediunidade).

 Apenas dois destes princípios são considerados, de algum modo, pelos representantes das ciências em nosso mundo: a evolução e a pluralidade de mundos habitados.

No que diz respeito à evolução, o princípio geral é bem aceito, embora as nuanças e a extensão desta evolução sejam fortemente questionadas. A mais conhecida proposta, formulada por Darwin em meados do século XIX, é bastante contraditada por diversos outros cientistas que acham-na mais abrangente do que deveria ser (e isto para não falar nas religiões, em sua grande maioria criacionistas, e que, portanto, negam a possibilidade de evolução das espécies). Entretanto, no que tange à visão científica da evolução, esta é restrita à matéria, jamais sendo o espírito considerado, ao menos na acepção de espírito defendida pela doutrina espírita.

Já a possibilidade de vida em outros planetas, apesar de não ter a chancela das academias de ciência, tem sido teoria validada por muitos eminentes cientistas, entre eles físicos, astrônomos, biólogos, etc. Esta teoria (em seu aspecto não-espírita) baseia-se menos em fatos evidentes que no cálculo de probabilidades; mas este cálculo leva, quase que de modo inevitável, à aceitação desta possibilidade.
Para o modelo espírita, ambas as teses andam juntas, não sendo possível uma sem a outra. Entretanto, esta teoria espírita data também da metade do século XIX, tendo sido muito pouco (ou talvez nada) complementada desde então. Ela se refere à vida, e ao modo como esta desenvolve-se no Universo.

 A proposta deste trabalho é confrontar esta teoria espírita sobre a origem da vida com as descobertas que foram feitas pela ciência nestes últimos cento trinta anos: o novo modelo de matéria proposto pela física, as descobertas da genética, as considerações da filosofia da ciência (que mudaram o posicionamento dos cientistas em relação às suas próprias teorias), os avanços na descrição matemática do universo, todos estes novos elementos devem MT comparados à idéia espírita. E, como disse Kardec, se uma verdade nova se revelar, o espiritismo a aceitará.2

O estudo sobre a vida em outros planetas não pode prescindir de duas questões cruciais, e ambas de difícil análise: Como surgiu o Universo? E, uma vez tendo ele surgido, como surgiu e desenvolveu-se a vida?

Tais questões são muito difíceis porque encontram o início de suas respostas no limiar daquilo que é possível pesquisar, em termos científicos, no estágio atual da ciência. Em sendo real a teoria do surgimento universal a partir de uma grande explosão (o Big Bang), o elemento inicial que originou esta explosão é classificado, pelos astrofísicos, como uma singularidade, fenômeno no qual as leis físicas conhecidas deixam de ter validade. Pode-se, então, apenas propor modelos sobre modelos, todos absolutamente possíveis, para este início.

 A segunda questão, sobre a vida, esbarra num problema ainda mais básico: o que é, afinal, vida? Como podemos conceituá-la e, mais, como distingui-la da, digamos assim, "não vida"?

 O que se pretende, com este trabalho, não é, obviamente, a resposta a estas questões singularmente complexas do conhecimento humano. A intenção é tão somente examinar o que se apresentou de novo neste século, verificar se a teoria espírita permanece válida e propor eventuais modificações a serem consideradas para esta teoria. Para tanto, partir-se-á de um pequeno histórico da idéia de vida em outros planetas. Serão demonstradas as principais teorias que hoje tratam da origem do Universo, e também das teorias sobre a origem e o desenvolvimento da vida.

Uma outra questão que deve ser estuda é a existência de evidências sobre a possível vida em outros planetas. Neste aspecto, os fenômenos hoje estudados pela ufologia podem trazer alguma luz. Tal como o espiritismo, a ufologia padece da existência de muitos charlatães que distorcem tanto suas idéias centrais quanto sua base teórica. O que se procurará mostrar é que, quando eliminadas estas interferências, resta uma protociência interessante, que pode colaborar com algumas das teses espíritas.

CAPÍTULO 1 - O UNIVERSO

Origens:

O conceito de Universo variou em extensão, forma e propriedade ao longo da história da humanidade, mas nem por isso deixou de significar sempre, no fundo, a mesma coisa: o conjunto de matéria (e, a partir da relatividade, de energia) existente no espaço. Essas variações deram-se em função da diferença de conhecimentos científicos e tecnológicos em cada época da humanidade. Assim, quando ainda não havia instrumentos para observação, o Universo observável a olho nu media não mais de 2 x 10 anos-luz (o que já é uma distância bastante considerável). Atualmente, os modernos telescópios, como o Hipparcos3 , já conseguiram elevar este número para 2 x 10 anos-luz (ou 20 bilhões de anos luz).

Segundo Ronaldo R. de Freitas Mourão, os físicos conceituam hoje Universo observável como sendo todos os corpos celestes que podem ser detectados diretamente, através dos diversos tipos de radiações por eles emitidas; Universo físico como a extensão do observável, isto é, todos aqueles objetos que podem ser detectados pelos efeitos físicos por eles provocados; e Universo total como o tratamento matemático, metafísico ou filosófico resultante da extrapolação de nossos conhecimentos sobre o Universo4 .

Entretanto, uma pergunta fundamental não foi, até hoje, respondida de maneira inequívoca: qual a origem deste nosso Universo?

As primeiras fontes conhecidas no ocidente sobre a origem do Universo são gregas. Já antes do século VIII a.C. as questões sobre qual o princípio daquelas coisas conhecidas, que os cercavam, eram preocupações comuns entre os gregos. E, como não podia deixar de ser, os primeiros relatos escritos sobre a origem do Universo (cosmogonia) são descritos em linguagem mítica, através, principalmente, dos poemas de Homero e Hesíodo.

O que se observa nesses textos, é que há uma mescla entre a cosmogonia (o nascimento do Universo) e a teogonia (o nascimento dos deuses). O pensamento grego desta época não dissocia a divindade do Universo em que vive, unindo-os todos num mesmo princípio - e daí vão surgir escolas de conhecimento esotéricos, como, por exemplo, o orfismo.

Não se deve entender com isto que a formulação cosmogônica grega seja totalmente voltada para o misticismo. Há, nesta forma de descrever a origem do Universo, mais um problema de linguagem. O grego antigo não formula explicações racionais dos fenômenos, talvez por incapacidade de fazê-lo. "(...) o grego espanta-se e admira-se. Descreve isso perante o que se espanta e se admira. Omite o discurso lógico explícito mas, na própria forma como descreve o que vê insere, ou implícita, uma lógica explicitação das causas e dos processos."5 . É a partir daí que surge o pensar filosófico.

Para Hesíodo, no início tudo era o Caos. O conceito de Caos em Hesíodo é o de desordem, não no sentido de "bagunça", mas como um campo inicial, onde ainda não há o ser, mas existem as condições para sua existência. E esta existência dá-se pela intervenção de Eros, que, com sua dialética dynamis - energeia (potência e ato), constitui o espaço e tudo o que nele há. Este conceito não é irracional. É, ao contrário, bastante profundo, e merece um melhor estudo, que não cabe neste trabalho. Quando, a partir do século VI a.C., os pensadores passaram a descrever o mundo de uma forma lógica, abandonando, por assim dizer, a expressão mítica, as idéias sobre a formação do Universo seguiram duas linhas distintas.

A primeira, apresentada por nomes como Aristóteles, Platão e Ptolomeu, postulava a Terra como sendo um ponto fixo e central do Universo (concepção geocêntrica). A idéia básica é a tendência a acatar a observação visual de que há um movimento aparentemente circular dos demais astros em torno da Terra. Esta, portanto, devia estar fixa, e todos os corpos celestes a recobririam. É interessante notar que, apesar disto, já por esta época não se acreditava mais numa Terra chata, mas sim que ela deveria ser esférica.6

A outra, defendida por pensadores como Pitágoras, Aristarco e, mais tarde, Copérnico, afirmava que a Terra não era o centro do Universo, mas um corpo celeste que girava ao redor de algum outro astro. Entretanto, enquanto que Pitágoras dizia que este centro era um "fogo central" (e não o Sol), Aristarco de Samos, no século II a.C., já defendia a posição que a Terra, como os demais corpos celestes, orbitavam circularmente em volta do Sol. Estavam, já nesta época, lançadas as bases da concepção heliocêntrica.

O grande problema com a primeira hipótese (geocêntrica) é que ela não consegue explicar todos os movimentos dos astros observáveis. De fato, os planetas mais distantes do Sol que a Terra movem-se, de maneira geral, de leste para o oeste, mas, em determinados períodos, parecem retroceder. Estes movimentos retrógrados, explicados facilmente num Universo heliocêntrico, constituíram-se em grandes obstáculos à teoria de uma Terra central, a ponto de ter sido necessária a criação de um sistema de epiciclos, "rodas" mantidas juntas por eixos, movendo-se livremente umas em volta das outras, e todas elas movendo-se em volta da Terra. Estes movimentos deveriam ser muito complexos, e Aristóteles previa cinqüenta e cinco dessas esferas.

Entretanto, por imposição da Igreja Católica, o sistema geocêntrico prevaleceu por toda a Idade Média, e, no século XVI, astrônomos como Copérnico, Tycho, Kepler e Galileu enterraram-no definitivamente. Nasce, então, o que poderíamos chamar de cosmologia moderna, com toda a complexidade matemática que a caracteriza.

Cosmologia Moderna:

A partir das observações astronômicas de Tycho e Galileu, e das contribuições de Newton (notadamente a teoria da gravitação universal), ainda no século XVI, foi-se formando uma determinada concepção de Universo que, ao mesmo tempo que diferia das demais, era singularmente complexa. Esta concepção foi alavancada por William Herschel, no final do século XVIII, com a descoberta do planeta Urano e com a constatação que as nebulosas observadas nos telescópios eram sistemas galácticos de estrelas e planetas, tão grandes ou maiores que a nossa galáxia (a Via-Láctea).
Tais pesquisas levaram à idéia fundamental do Universo, vigente a partir de meados do século XIX: a de que o Universo é aproximadamente igual em todas as direções, e que nossa galáxia é destituída de qualquer localização preferencial no espaço. Essa idéia, chamada de princípio cosmo lógico de Copérnico, leva facilmente à constatação que o Universo é localmente isotrópico7 no espaço, e, portanto, que é espacialmente homogêneo.

Desta constatação surgem duas linhas de pensamento distintas: a primeira, defendida por Newton e, mais tarde, também por Einstein (ao menos preliminarmente) diz que o Universo é isotrópico não só no espaço, mas também no tempo (princípio cosmológico perfeito), o que levou às diversas teorias do Estado Estacionário, isto é, à idéia de um Universo infinito, estático no tempo e no espaço.
Há um problema com esta teoria, facilmente verificável: se o Universo é infinito e homogêneo, para qualquer ponto do céu que olharmos, nossa linha de visão cruzará necessariamente com um número infinito de estrelas. Portanto, o céu deveria ser, sempre, fortemente iluminado, o que não ocorre. Este paradoxo, descrito pela primeira vez em 1826, pelo astrônomo alemão Heinrich Olbers, é fundamental para a cosmologia moderna: qualquer cosmologia bem-sucedida deve resolvê-lo satisfatoriamente.

A segunda linha de pensamento, em oposição à anterior, afirma que visualizamos o Universo de um ponto de vista privilegiado, seja no tempo, seja no espaço (ou mesmo em ambos). Conhecido como princípio cosmológico antrópico, vai de encontro à teoria anterior principalmente num item: admite que o Universo não é estacionário, isto é, está em constante mutação (e nós sabemos hoje que é teoricamente impossível a existência de um modelo estático infinito de Universo no qual a gravidade seja sempre atrativa). Mas, mais do que isso, é coerente também com as observações realizadas neste século, e que levaram à teoria do Big Bang.

Em 1916, Albert Einstein revoluciona a cosmologia com o lançamento da teoria da relatividade geral, em que dava um passo além da gravitação newtoniana. Entretanto, do modo como foi formulada, esta teoria preconizava um Universo não estático, o que o próprio Einstein não conseguia aceitar. Ele introduziu então um elemento desnecessário em suas equações, que visava manter este Universo estático: a constante cosmológica. Ele mesmo admitiu, posteriormente, que este foi um dos maiores erros científicos que já cometeu.

A constante cosmológica foi definitivamente eliminada como possibilidade para o Universo a partir dos trabalhos teóricos de Friedmann e Lemaítre e das observações de Hubble.

Alexander Friedmann (matemático e meteorologista russo), em 1922, e Georges Lemaí'tre (clérigo belga), em 1927, trabalhando independentemente descobriram um conjunto de soluções para as equações da relatividade que admitiam universos abertos e fechados, mas não estáticos. Em 1929, Edwin Hubble, astrônomo norte-americano, anunciou uma lei simples, baseada em suas observações no observatório de Mount Wilson, na qual descrevia a recessão das nebulosas. Era a primeira indicação que o Universo poderia estar expandindo-se.

A proposta de um Universo em expansão foi-se fortificando no decorrer dos anos, de acordo com previsões teóricas dos mesmos estudiosos já citados. E o modelo que foi mais aceito foi o de um Universo que tivesse começado num estado de densidade infinita (uma singularidade), e evoluído a partir de uma grande explosão: é a chamada teoria do Big Bang.

O Big Bang foi praticamente confirmado (e a teoria do estado estacionário definitivamente afastada) em 1964, quando dois físicos dos laboratórios Bell descobriram uma radiação de fundo, de aproximadamente 2,5 a 4,5 K8 , isotrópica e homogênea. Esta radiação, chamada de radiação de fundo das microondas cósmicas, praticamente comprova a primitiva fase quente do Universo.

Estado atual da Cosmologia:

 1 No atual estágio da cosmologia, podemos dizer que são melhor aceitas as seguintes teorias sobre a origem e a formação do Universo:

 2 O Universo é constituído por um continuum quadridimensional de espaço-tempo, regido, em escala macro, pelas equações da relatividade de Einstein. Isto significa, entre outras coisas, que o tempo é uma função variável do Universo, dependente fundamentalmente da velocidade.9
3 Tal espaço-tempo quadridimensional é curvo, e sua curvatura depende da quantidade de massa (matéria) ao seu redor. Graças a isso, a geometria que o descreve não é a euclidiana, mas uma das muitas geometrias alternativas desenvolvidas a partir do século xx. O Universo foi criado a partir de uma singularidade, num instante qualquer há aproximadamente 20 bilhões de anos atrás. Neste momento, não se sabe por que motivo, houve uma grande explosão (Big Bang), que criou o espaço tempo e o pôs em movimento de expansão contínua, a qual dura até hoje.l0
4 Esta expansão é uma expansão do próprio espaço-tempo, o que equivale dizer, do próprio Universo, podendo, portanto, estar-se expandindo a velocidades superiores à da luz no vácuo. O modelo geométrico mais aceito é o de um Universo finito e ilimitado (como uma bola de gás).
5 A singularidade que originou o Universo, como qualquer outra singularidade (um buraco negro, por exemplo), não é explicada pela física quântica. Assim, qualquer explicação que tentemos dar para este nosso cosmo está limitada à idade de 10 segundo e a um comprimento de 10 centímetros.
6 Toda a matéria existente no Universo deve-se a uma ligeira dissimetria entre os pares de matéria / antimatéria formados durante o período de transição de fase (também chamado de período catastrófico ou período inflacionário da expansão). Tal dissimetria é prevista, estatisticamente, pelas teorias unificacionistas mais modernas.
7 O Universo primitivo demorou ainda 700 000 anos para que esfriasse o bastante para que os núcleos atômicos assim formados pudessem dar início à formação de galáxias, estrelas e planetas - base para a vida como nós a conhecemos.

A formação dos planetas:

Planetas, na definição de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, são "corpos celestes de massa muito reduzida, incapazes de gerar energia equivalente à das estrelas, e que se movem em órbita elíptica em torno delas".11

Para considerarmos a formação dos planetas, em particular da Terra, que é o nosso objetivo, não podemos prescindir do estudo da formação do sistema solar, uma vez que ambos formaram-se contemporaneamente.

O Sol é das estrelas mais comuns que poderia existir. É uma estrela de meia idade, em relação às demais da galáxia (deve ter, aproximadamente, 5 bilhões de anos), situado a dois terços do seu núcleo central (isto é, nem muito próximo, nem muito distante dele). A galáxia (a Via Láctea) é uma galáxia espiral que tem em seu núcleo um grande aglomerado de massa (um buraco negro, provavelmente) e, aproximadamente, 100 bilhões de estrelas das mais diversas ordens. Nós realmente não temos nada de muito especial.

Um estudo sobre a origem do sistema solar, levado a efeito principalmente através de estudos espectrais e análises físico-químicas de meteoritos, indica que nosso Sol e todo o sistema originaramse pela contração gravitacional de matéria dispersa na galáxia a partir de ondas de choque geradas pela explosão de uma ou duas supernovas. Esta conclusão origina-se da grande quantidade de isótopos exóticos de muitos elementos químicos presentes nestes meteoritos (por exemplo, magnésio-26 e oxigênio-l7, entre outros).

O modo pelo qual os planetas vieram a existir ainda é controvertido. Qual m teorias despontam, apesar de apenas uma ainda possuir credibilidade. São elas: a da turbulência, a das marés, a das nebulosas e a da acumulação.

A teoria da turbulência é baseada na teoria dos vórtices, de Descartes. Afirma que, no início do sistema solar, havia uma turbulenta atmosfera de gases girando em torno do Sol, que, com sua dissipação, levaria à formação de regiões mais densas, as quais condensar-se-iam em núcleos dos planetas. Como não há evidências que esta turbulência tenha existido, nem uma idéia do porque elas existiriam, esta teoria foi deixada de lado.

A teoria das marés é uma seqüência daquela exposta por Georges Louis de Buffon em 1785, que afirmava que a colisão de um cometa com o Sol teria expelido destes pedaços de matéria que teriam transformado-se nos planetas. A moderna teoria, sabendo que os cometas não têm massa suficiente para arrancar nada do Sol, parte do princípio que a passagem de uma outra estrela suficientemente perto do Sol é que teria arrancado destes filamentos de matéria que se condensariam nos planetas. 

Esta teoria, exposta no início do século XX por James Jeans e Harold Jeffreys, possui uma dificuldade teórica: os gases assim produzidos teriam uma temperatura muito alta, o que provocaria sua dissipação antes da condensação. Outras dificuldades de cunho matemático, se não inviabilizaram a teoria, ao menos tornaram-na mais improvável que a das nebulosas.

 A teoria das nebulosas não é nova: vem das idéias de Kant (1755) e Laplace (1796). Propõe que as forças centrífugas da nebulosa protossolar (que, segundo ela, girava lentamente) provocaram ejeção de material, que teria formado os planetas. Apesar de explicar o motivo pelo qual os planetas movem-se num mesmo plano e numa mesma direção, sabe-se hoje que o momento angular do sistema solar é provavelmente insuficiente para ter causado ejeção de material.

A teoria atualmente mais aceita é chamada teoria da acumulação, e prevê que a nebulosa protossolar, afetada pela explosão das supernovas, teria colapsado. A região central, onde se acumulava grande parte da matéria da nuvem, geraria o Sol. As demais regiões densas teriam gerado os outros corpos do sistema solar, como os planetas, asteróides, satélites. Ainda não se conhece bem o processo de construção, mas a teoria é chamada de acumulação porque prega que os corpos maiores (planetas) tenham-se formado pela fusão (colisão a altas velocidades e pressões) de vários corpos menores (asteróides e planetóides).

A posição espírita:

Em vários textos, Kardec discute a questão da formação do Universo. Os principais deles são aqueles descritos na Revista Espírita, além dos já consagrados capítulos de A Gênese, que discutiremos mais adiante.

Os principais textos da Revista Espírita são:

A pluralidade dos mundos habitados - janeiro de 1863, trata da obra homônima de Camille Flammarion.
Estudos uranográficos - setembro de 1862 é o texto base do capítulo sobre Uranografia Geral da Gênese.
O planeta Vênus - agosto de 1862 trata sobre a constituição eos habitantes deste planeta.
Descrição de Júpiter - abril e agosto de 1862 é uma comunicação sobre a constituição e os habitantes deste planeta.

Podemos resumir no quadro seguinte as principais idéias dos referidos textos:

1-      A pluralidade de mundos habitados é uma realidade inconteste. Dois argumentos existem a seu favor: a insensatez da crença que todo o Universo foi criado só para agradar aos olhos dos terráqueos, e os testemunhos dos espíritos que neles vivem, via mediúnica. Afirma taxativamente que todos os planetas do nosso sistema solar, e mesmo a Lua, devem ser habitados. 12
2-      2- Há uma escala de superioridade dos mundos do sistema solar. Assim, do mais inferior para o mais superior, temos: Marte, Terra, Mercúrio, Satumo, Lua, Vênus, Urano, Netuno e Júpiter.13
3-      3- Em Júpiter, a organização dos corpos é totalmente diferente daquela da Terra. Seus habitantes deslizam pelo solo, alimentam-se de frutas e plantas, a duração da vida é maior que a da Terra e praticamente não existe infância. Com a morte do corpo, este dissipa-se, não apodrece, e não se conhecem moléstias.14
4-       4- Os animais em Júpiter são também bastante evoluídos, sendo encarregados de todas as tarefas manuais, como servos e capatazes. As ocupações dos homens são puramente intelectuais.15
5-       5- O planeta Vênus é um intermediário entre Mercúrio e Júpiter. Lá, os mares são cal mos, os ventos não sopram com violência, o ar é mais rarefeito, os costumes são mais puros; em suma, um mundo de bem-aventuranças.16
6-       6- Os planetas têm o mesmo estilo evolutivo dos espíritos, isto é, são criados na escala mais inferior e evoluem até o mais alto deles.17

Como se pode observar há uma série de conceitos que a ciência atual demonstrou serem equivocados. O livro de Kardec que mais trata deste assunto é A Gênese. Nele, os capítulos de VI a XII são dedicados ao estudo do Universo, da formação da Terra, dos seres vivos e dos espíritos. Ou seja, tratase da Gênese material, orgânica e espiritual.

As principais idéias novas, desenvolvidas neste livro são:

1-      Existe um paralelo entre as descobertas científicas da época e a Gênese de Moisés (descrita na Bíblia), que, na opinião de Kardec, era a mais próxima da verdade entre as teorias da formação do mundo dos povos antigos.
2-      2- O Universo é infinito, assim como o espaço, e o tempo é característico deste nosso universo material, tendo sido criado juntamente com a matéria.
3-      3- As forças que percebemos no Universo são, na verdade, diversificações de uma força única, assim como os diversos tipos de matéria são diversificações da matéria primitiva.
4-       4- Há um fluido, etéreo, que permeia todo o Universo e que serve de veículo para o pensamento. Este fluido é chamado, por vezes, de hausto divino.
5-       5- Os planetas e os satélites, aí incluídos a Terra e a Lua, são formados pelo destacamento de matéria da nebulosa que origina o centro do sistema (em nosso caso, o Sol).

Fala-se também de muitos outros temas, como precessão dos equinócios, revoluções dos planetas e seus movimentos, etc. Sobre as questões da Gênese orgânica, falaremos mais no próximo capítulo.
Algumas das idéias adotadas por Kardec já foram ultrapassadas, como se pode ver ao se comparar as novas descobertas científicas (previamente expostas) com tais idéias. Entretanto, isto não invalida a obra, já que o próprio Kardec, com a precaução que lhe é peculiar, adverte que só está colocando estes temas como propostas, mas que sua aceitação definitiva dependerá de comprovação científica.18

 Entretanto, já há, nas idéias de Kardec sobre o Universo, uma indicação de algumas das mais recentes descobertas, como a unificação das interações, o espaço-tempo como um continuum tetradimensional e a própria pluralidade de mundos habitados. As idéias de Kardec, no fundo, concordam com as teorias que resistiram aos testes das novas descobertas, e que apontam para um Universo dinâmico, em constante mutação, e, portanto, mais apto ao desenvolvimento da vida.

CAPÍTULO 2 - A VIDA

 Definições

Qualquer consideração sobre a origem da vida, ou sobre como ela pode ter vindo a existir, deve passar por uma questão básica: o que é vida? Apesar de esta questão parecer absolutamente irrelevante, já que, em nível macro, é fácil distinguir que um cachorro tem vida, enquanto que uma pedra não tem, ela se enche de sentido quando pensamos no nível molecular da existência.

Consideremos os vírus. Estes consistem em partículas de diferentes tamanhos, que variam da menor das bactérias até o de algumas complexas moléculas de proteínas. São basicamente formados de ácidos nucléicos (DNA ou RNA) e seu formato é, via de regra, icosaédrico ou helicoidal. 

Considerados do ponto de vista cristalográfico, eles seriam inanimados, já que possuem todas as características dos cristais, principalmente no tocante à sua forma. Porém os vírus têm a interessante potencial idade de reproduzir-se, e de manter suas capacidades, digamos, vitais, inalteradas, mesmo quando separado em suas partes constituintes, recuperando estas capacidades assim que estas partes são postas juntas novamente.

Talvez a melhor definição de vida seja: "Vida é uma propriedade da matéria que confere a seus possuidores a capacidade de metabolismo e replicação". Metabolismo é a "capacidade de manter a integridade da célula através de um contínuo reembaralhamento de componentes químicos, convertendo material bruto de fora da em substâncias necessárias à sua existência"19 Já replicação é a possibilidade de um organismo qualquer de fazer cópias de si mesmo. A replicação permite a cópia de informação hereditária, garantindo que as características de uma célula possam ser herdadas com precisão por sua descendência.

É possível usar um computador como metáfora deste processo: o metabolismo seria como um hardware, requerendo atividade constante - é assunto das proteínas. Já a replicação, devido às suas necessidades de estabilidade e legibilidade, é como um software - e assunto dos ácidos nucléicos. "Ácidos nucléicos, como disquetes, são facilmente lidos e copiados. Proteínas, como computadores, são feitas seguindo as instruções, e não por cópias."20

 Existe uma química da vida - que é essencialmente, a química de um elemento chamado carbono, e, em particular, das cadeias de carbono muito longas. É exatamente por isso que a química do carbono é chamada de química orgânica.

 Pode-se dividir os compostos orgânicos encontrados em organismos vivos em, principalmente, quatro grandes classes: carboidratos, gorduras, proteínas e ácidos nucléicos. As gorduras são as mais simples, consistindo cada uma de três ácidos graxos unidos a um glicerol. Os amidos e os glicogênios são constituídos ácidos graxos unidos a um glicerol. Os amidos e os glicogênios são constituídos de unidades de açúcar (carboidratos) pareados. A função dos carboidratos e gorduras no organismo é servir como combustível- fonte de energia.

Os ácidos nucléicos são estruturas muito grandes, complexas, compostas d\' agregados de pelo menos quatro tipos de unidades: os nucleotídeos. São os principais componentes dos genes, os portadores da constituição hereditária.

Variedade e especificidade são as principais características das proteínas, que incluem as maiores em mais complexas moléculas conhecidas. Cerca de vinte e cinco tipos distintos de aminoácidos constituem sua estrutura, sendo, assim, possível a existência de um número virtualmente infinito de proteínas.

Existe uma propriedade importante da vida tal como a entendemos hoje - e que é base para um sério paradoxo na questão da origem da vida: os ácidos nucléicos são sintetizados nas células somente com a ajuda de replicadores (proteínas); ao mesmo tempo, as proteínas são sintetizadas somente se sua seqüência correta de nucleotídeos estiver presente. Num estágio da Terra antes do aparecimento da vida (chamado de estado pré-biótico), no qual não havia nem ácidos nucléicos nem proteínas, como pode a vida surgir?

Pequeno histórico sobre o aparecimento da vida:

Uma das primeira teorias sobre este tema foi atribuída a Arrhenius21, que, (domando uma idéia já exposta pelo filósofo grego Anaxágoras (sec. V a.C.) sugeriu que esporos poderiam ter sido trazidos do espaço para fertilizar a jovem Terra, através de poeira estelar, meteoritos ou vento (radiação) solar. Esta teoria, à qual deu-se o nome de panspermia, tem um inconveniente: a improbabilidade de quaisquer microorganismos terem sobrevivido a uma viagem a tais distâncias, principalmente graças à radiação. Mas, ainda que isto tivesse ocorrido, restaria uma questão: como se originaram os esporos?

Muito tempo passou-se antes que surgisse a teoria clássica sobre a origem da vida: em 1924, o bioquímico russo Alexander Ivanovich Opárin afirmava que não há nenhuma diferença fundamental entre um organismo vivo e matéria sem vida, e que a complexa combinação de manifestações e propriedades tão características da vida devem ter surgido no processo de evolução da matéria, Esta idéia é aceita ainda hoje, como se pode ver nas palavras de Steven Weinberg, prêmio Nobel de física: "A experiência dos últimos 150 anos mostrou que a vida está sujeita às mesmas leis da natureza que a matéria inanimada".22

Em 1928, independente de Opárin, o biólogo britânico J.B.S. Ha1dane publicou um artigo no "Rationalist Animal", no qual especulava sobre as condições que devem ter existido para emergir a vida terrestre. Ele considerou que a luz ultravioleta proveniente do Sol, aliada às descargas elétricas da jovem Terra, agiu sobre a primitiva atmosfera existente no planeta, composta principalmente por amônia (NH3), metano (CH4) e vapor d'água (H2O), formando compostos de carbono, entre os quais, possivelmente, açúcares e alguns aminoácidos necessários para as proteínas. Haldane postulou que estes compostos acumularam-se nos oceanos primitivos, até que eles atingiram a consistência de um "tépido caldo primordial". E foi aí que a vida provavelmente começou.

Origem e desenvolvimento da vida:

 O problema que aqui se coloca, em relação à origem da vida, é, na verdade, posterior à grande questão básica, de caráter quase que inteiramente filosófico: ou a vida foi criada por um ente superior (Deus), tese aceita por todas (ou quase todas) as religiões, e conhecida como criacionismo, ou evoluiu a partir de compostos não vivos, ocasionando a tese da geração espontânea. Não há outra alternativa.

Discorrer sobre a hipótese criacionista da vida é, de certa forma, redundante, já que nosso conhecido Gênese bíblico é um exemplo clássico dela: no primeiro dia, Deus criou o céu e a terra; no segundo, separou o firmamento e as águas; no terceiro, Ele fez a terra firme e as plantas; no quarto dia, Deus fez o Sol, a lua e as estrelas; no quinto, fez os pássaros e os peixes, e, no sexto dia, os animais terrestres e o homem. É interessante notar que como Deus ordenou à terra e às águas que produzissem os seres vivos, em vez de os criar diretamente, não há conflito teológico entre o Gênese e a criação espontânea. Entretanto, permanece o fato de o homem ter sido criado diretamente por Deus, e não evoluído de formas inferiores de vida.

Entretanto, assumindo somente a hipótese não criacionista, o problema que se apresenta é saber se é possível que a vida surja a partir de compostos mais simples não vivos. Admitindo tal possibilidade, resta um mundo de idéias que podem ser desenvolvidas, principalmente a que, admitindo a isotropia universal, propõe a presença de vida em outros planetas.

A resposta parece estar, apesar de tudo, na teoria da seleção natural. Com a repetição, geração após geração, esta teoria parece apontar para a evolução de organismos complexos a partir de outros mais simples, e implica que todas as formas de vida atuais evoluíram de um único e simples progenitor - um organismo a que se refere como o último ancestral comum da vida.

Na verdade, existem, atualmente, três grandes teorias que buscam explicar o problema da origem da vida:

A primeira, defendida já antes de 1930 por Opárin, baseia-se na existência dos coacervatos - uma mistura estável de um líquido oleoso em água, na qual aquele fica disperso dentro de gotículas que se mantêm suspensas na água. Para ele, a moldura física (as células) apareceram em primeiro lugar, a exemplo dos coacervatos. A seguir, pela organização das moléculas dispersas no interior das células em ciclos metabólicos auto-sustentados, criaram-se as proteínas. Finalmente, em último lugar, apareceram os genes. Deve-se notar que Opárin tinha um limitado conhecimento sobre a estrutura destes últimos; apesar disto, sua teoria permanece com alguma validade.

A segunda teoria, proposta pelo físico-químico alemão Manfred Eigen, prêmio Nobel de química, inverte a ordem dos acontecimentos. Propõe que, em primeiro lugar, apareceram os genes, a partir da auto-replicação do RNA. Em seguida, as proteínas, que plasmaram junto com o RNA as bases do moderno sistema genético. Finalmente, a célula apareceu para dar coesão a este sistema previamente formado. Esta é a teoria mais em voga ultimamente, principalmente depois das experiências com replicação do RNA sem a presença de proteínas, feitas por Eigen e Leslie Orgel (Ph.D. em química e pesquisador da NASA para assuntos sobre a vida).

Finalmente, a última teoria, proposta por Cairns-Smith, baseia-se na idéia de que, antes de os ácidos nucléicos serem criados, o material genético original consistia de cristais microscópicos de minerais, com uma distribuição irregular de metais (encontrados, naturalmente, no barro comum). Os átomos de metal eram os mensageiros, transportando as informações do mesmo modo que, posteriormente, o RNA. Esta teoria apresenta o barro em primeiro, as proteínas em segundo, as células em terceiro e os genes em quarto lugar.

Todas estas teorias baseiam-se nos experimentos que foram levados a cabo por alguns cientistas experimentais, a partir de meados do século XX, tentando comprovar a possibilidade de a vida ter surgido de elementos não vivos. O primeiro destes experimentos, a talvez o mais significativo, foi o de Harold Urey e seu aluno Stanley Miller, em 1953.

Nesta experiência, Miller propôs um ambiente supostamente similar ao da Terra no seu início, isto é, um "oceano" de água tépida produzindo vapor, e uma atmosfera redutora, composta de compostos como amônia e metano, submetida a intensas descargas energéticas, sob a forma de raios e radiação ultravioleta. A experiência foi realizada num aparelho onde tais condições eram reproduzidas. Como resultados, em uma semana foram produzidos 3% de aminoácidos, componentes básicos das proteínas.

Um interessante adendo à experiência foi um meteorito encontrado, anos depois, em Murchinson, Austrália, e que demonstrou conter os mesmos aminoácidos produzidos por MilIer, nas mesmas quantidades, aproximadamente. Isto pode indicar que condições pré-bióticas, isto é, antes da existência de vida, podem estar sendo produzidas em outros lugares do espaço.

Outras experiências semelhantes produziram resultados muito compatíveis: assim, Manfred Eigen conseguiu produzir RNA usando apenas proteínas, sem nenhuma molécula de RNA para servir como modelo aos replicadores.

Da mesma forma, Leslie Orgel produziu o mesmo RNA usando apenas um modelo de RNA, na ausência das proteínas replicadoras. Todas estas experiências apontam para o fato de que é possível que condições iniciais pré-bióticas tenham levado à produção dos elementos necessários à vida, desde que em presença de uma quantidade suficiente de energia, o que resulta, simplificadamente, na seguinte equação:

Composto simples + Energia > Precursores da Vida

 Entretanto, as teorias não param por aí: a partir da década de 1960, um importante geneticista japonês, o Dr. Motu Kimura, conferiu uma base matemática para o tratamento estatístico da evolução molecular, que derivou na chamada teoria neutra da evolução. A proposta desta teoria, bastante coerente com os postulados da física moderna, é que, durante o desenvolvimento da vida, a deriva genética, isto é, flutuações estatísticas aleatórias têm sido mais importante que a seleção natural como causa da evolução das espécies.

O que se pode concluir é que a busca da ciência por uma teoria da vida que prescindisse de intervenção sobrenatural, se não é um sucesso absoluto, tem, ao menos, grande probabilidade de estar no caminho da verdade. Apesar disto, pouco se sabe sobre a origem e o desenvolvimento da vida.

A posição espírita:

Kardec era defensor da teoria da geração espontânea. Tanto na Gênese (cap. X - Gênese orgânica) quanto na Revista Espírita (A geração espontânea e a gênese - junho de 1868) ele reafirma essa posição, fazendo a ressalva que ele a admite pessoalmente, mas não a coloca como princípio da doutrina espírita devido a ela não estar ainda plenamente desenvolvida e aceita pela ciência em geral.
Efetivamente, Kardec aceita a idéia da geração espontânea em sua forma comum no século XIX, a de que seres vivos complexos poderiam surgir da matéria inanimada, notadamente aquela em decomposição, como mostra o seguinte texto: "É hoje reconhecido que os pelos do mofo constituem uma vegetação que nasce sobre a matéria orgânica chegada a um certo estado de fermentação. O mofo nos parece ser o primeiro, ou um dos primeiros tipos de vegetação espontânea."23 E ainda: "A matéria orgânica animalizada, isto é, contendo uma certa porção de azoto, dá origem a vermes que têm todos os caracteres de uma geração espontânea."24

As idéias de Kardec estavam em consonância com o espírito de sua época, pois, apesar de os experimentos de Pasteur que demonstraram o erro destas idéias terem sido publicados já em 1861 (com o título de Memória sobre corpúsculos organizados que existem na atmosfera), ainda haviam sérias oposições às suas conclusões, por parte de cientistas de renome, como é o caso de Henry Bastian, professor de anatomia patológica no University CoIlege, de Londres. A geração espontânea só iria cair definitivamente a partir das experiências de John Tyndall, em 1880.

Para a explicação da existência de vida em alguns corpos, enquanto que outros apresentam-se inanimados, Kardec lança mão do conceito de princípio vital. Para ele, tal princípio, ativo nos seres vivos e extinto nos mortos, confere à substância orgânica as propriedades características que a distinguem das substâncias inorgânicas. É uma modificação da matéria básica que forma o Universo, e modifica a constituição molecular dos corpos, dando-lhes as propriedades especiais orgânicas.
Um ponto importante desta teoria de Kardec sobre a vida é que esta é estritamente material, não interferindo o espírito, entendido como o princípio inteligente do Universo, em nada para sua manutenção. Esta idéia, que vem de encontro às recentes descobertas da biologia, é bastante deturpada no meio espírita brasileiro, que ensina que o espírito é que vivifica a matéria.

 A idéia de um fluido vital não é original de Kardec. O vitalismo é uma doutrina que pode ser encontrada em muitos povos antigos, da China aos europeus, passando pela Grécia e por Roma. Definido como "a doutrina segundo a qual os seres vivos são dotados de uma força particular em si mesmos, a força vital, irredutível à físico-química, e que dá origem aos fenômenos vitais", o vitalismo era uma idéia corrente na Europa do século XIX, uma escola que buscava contrapor-se ao mecanicismo e ao reducionismo que, já então, eram dominantes nas academias de ciência.
O vitalismo, enquanto escola filosófica com a pretensão de explicar os fenômenos da vida, foi seriamente abalado pela sintetização da uréia em laboratório, por Friedrich W6hler, em Leipzig, 1828. Atualmente, apesar de ainda existir uma corrente neovitalista que mantém essa idéia acesa, é abafada pelas teorias e experimentações que discutimos acima.

A questão, para o espiritismo, resume-se em discutir a necessidade de lançar mão da tese do princípio vital, tal como definido por Kardec, para explicar a origem da vida. Em função de todas as descobertas feitas pelos biólogos, pode-se sugerir que, no estágio atual do conhecimento, tal tese não é absolutamente necessária, e que a própria idéia de Kardec que a vida pertence ao âmbito da matéria, e não do espírito, é perfeitamente avalizada por estas descobertas.

CAPÍTULO 3 - PLURALIDADE DE MUNDOS HABITADOS: AS EVIDÊNCIAS

A vida no espaço:

Considerando que a vida, muito provavelmente, é uma conseqüência de um arranjo peculiar de átomos de carbono, hidrogênio e nitrogênio, e que estes elementos encontram-se distribuídos no espaço exterior, pode-se questionar sobre a existência de vida, ou ao menos de predecessores de vida, no espaço.

Na realidade, desde a metade deste século era sabido, através de análise espectral, que nas nuvens interestelares existiam alguns compostos simples, como CN e OH. Entretanto, foi somente em 1968 que uma equipe da Universidade de Berkeley, rastreando moléculas poliatômicas no espaço interestelar, concluiu pela existência de uma grande variedade delas26, em particular, o ácido fórmico (HCOOH) e a metanimina (H2CHN), cuja reação produz o mais simples dos aminoácidos, a glicina (NH2CH2COOH). Há, então, excelentes razões para crer que a complexidade molecular baseada em carbono é uma característica presente em todo o Universo, e não só na Terra.

Até a década de 1960, a principal teoria acerca da natureza dos grãos interestelares considerava-os como sendo gelo de água, amônia e metano. Mas, em meados desta década, observações espectroscópicas mostraram uma forte absorção na faixa dos 2 200 A, que não coadunava com nenhum daqueles elementos. Em paralelo, estudos sobre as radiações infravermelhas destas nuvens indicam temperaturas acima do ponto de ebulição da água.

Necessitava-se de uma nova teoria, e ela foi estabelecida pelos astrônomos Fred Hoyle e Chandra Wickramasinghe. Segundo eles, o elemento que melhor absorve naquela faixa de comprimentos de onda é o carbono. Esta idéia foi consideravelmente confirmada pela análise do espectro de uma substância que coincide significativamente com as observações experimentais: a celulose, por coincidência (ou não) um constituinte básico das estruturas vegetais.

A construção de grandes moléculas de polissacarídeos, como a celulose, no espaço não é tão absurda. Quimicamente, carbono e oxigênio podem, a temperaturas compatíveis com aquelas do espaço exterior, unir-se formando anéis pirânicos, compostos que crescem como cristais, "simulando", por assim dizer, o comportamento das células vivas.

Outra descoberta interessante neste campo situa-se na faixa dos 4 430 A, e poderia dar uma idéia de como o nitrogênio estaria presente. A absorção nesta faixa combina com a de uma grande molécula (MgC46H30N6), da família das profirinas, componentes básicos da clorofila, substância necessária à fotossíntese, e, portanto, à existência de vida na Terra.

Todas estas observações, aliadas à descoberta, a partir da década de 1950, de aminoácidos em amostras de meteoritos, sugerem que o "caldo primordial" poderia estar no interior de um cometa, onde polissacarídeos, porfirinas e outros componentes orgânicos poderiam ter-se composto em formas vivas autocopiadoras.
 Estas considerações são usadas pelos astrônomos e alguns biólogos para suportar a tese que a vida na Terra foi semeada por moléculas vindas do espaço - o que seria uma adaptação e uma evolução da teoria da Panspermia. Entretanto, podem também apontar para a hipótese de a vida ter-se desenvolvido em outros locais do espaço, além da Terra.

Evidências de vida fora da Terra:

A idéia da existência de vida em outros planetas possivelmente já existia nos antigos gregos, aparecendo em algumas das odes de Píndaro. Apesar disso, a idéia só pode desenvolver-se quando o homem passou a encarar tais planetas como sendo mundos semelhantes ao nosso. Foi assim que essa idéia, proposta inicialmente por Nicolau de Cusa, foi aceita por Kepler e outros cientistas de renome, desde essa época até nossos dias, crescendo continuamente em força e argumentação.

Entretanto, muitos contestaram esses argumentos. Em 1851, William Whewell, em seu livro Pluralidade dos Mundos, considerava a necessidade de um conjunto de condições básicas para o desenvolvimento da vida: luz, temperatura, pressão, umidade, etc. Tais condições formavam a chamada zona de habitabilidade, da qual planetas muito próximos do Sol (como Mercúrio e Vênus), ou muito distantes (Saturno, Urano, Netuno e Plutão) estariam fora.

 Apesar da força desses argumentos contrários, a partir da metade do século XX a comunidade científica tem cada vez mais aceito a tese da vida em outros planetas. Uma série de razões contribuíram para que isso acontecesse:

Em 1958, Harlow Shapley e Stanley Miller, através de cálculos estatísticos, l'sl imaram uma provável população para o Universo. Mesmo utilizando-se de cálculos conservadores, eles concluíram pela possibilidade de 100 milhões de planetas capazes de abrigar vida, dos quais 100 000 teriam civilizações tecnologicamente mais desenvolvidas que a nossa, considerando como Universo apenas o número de estrelas visíveis pelo telesc{wio. Atualmente, cosmólogos menos cautelosos admitem aproximadamente 10 possibilidades de vida no Universo.

Em 1961, Frank Drake propôs uma fórmula que forneceria o número de possíveis civilizações em nossa galáxia; esta fórmula foi posteriormente reformulada, e sua forma atual é: 

Nv=Mn.Pp.Pi.Pa.Pz.Pe.Pb.Pr.Pd.Pt.

Onde: Nm = N° de estrelas de massa compreendida entre 0.72 e 1.43 vezes a massa do Sol. Pp = Probabilidade que a estrela possua um planeta orbitando em sua proximidade. Pi = Probabilidade que a inclinação da órbita do planeta em relação a seu equador seja correta para a distância orbital. Pa = Probabilidade que o planeta possua uma massa tal que lhe seja possível possuir uma atmosfera - 0.4 a 2.35 vezes a massa da Terra. pz = Probabilidade que ao menos um dos planetas do sistema esteja dentro da zona de habitabilidade. Pe = Probabilidade que a excentricidade da órbita do planeta seja suficientemente baixa, isto é, inferior a 0.2. Pb = Probabilidade que a presença de uma segunda estrela companheira não torne o planeta inabitável. Pr = Probabilidade que a rotação do planeta não seja muito rápida nem muito lenta - dia de 3 a 96 horas. Pd = Probabilidade que o planeta esteja numa idade que tenha permitido o desenvolvimento de vida. Pt = Probabilidade que a vida tenha desenvolvido-se.

A conclusão estatística é que, apenas em nossa galáxia, haja 600 milhões de planetas habitáveis.

- O lançamento do satélite soviético Sputnik, em 04 / 10/ 1957, que inaugurou oficialmente a era espacial, e a descida do homem na Lua, em 1969, convenceram os homens da possibilidade das viagens interplanetárias.

- O desenvolvimento das teorias sobre a origem da vida, e a descoberta dos precursores de vida nos meteoritos e nas nuvens interestelares.

- O satélite IRAS ("Satélite Astronômico Infravermelho"), colocado em órbita a 900 km de altura em 1983, descobriu um sistema planetário em formação em tomo da estrela Vega, distante 26 anos-luz da Terra, além da descoberta de outros sistemas planetários, como o da estrela de Barnard, descoberto em 1967.

- A experimentação sobre existência de vida em Marte, realizada pela sonda Vicking, que demonstrou, senão a existência de vida propriamente dita, ao menos forte possibilidade de ela ter existido num passado não tão remoto. Suposição esta que foi aumentada pela descoberta de um microorganismo em um meteorito proveniente de Marte, em 1996.

A descoberta, em 1986, realizada pela sonda Giotto, que o núcleo do cometa de Halley deve ser formado por, pelo menos, 25 % de matéria orgânica.

Evidências como estas fazem com que, atualmente, quase não existam astrônomos imparciais que não acreditem em vida em outros planetas.

Evidências na Terra:

Um quase corolário da idéia da existência de vida em outros planetas é a possibilidade de outras civilizações, tecnologicamente mais avançadas, terem visitado a Terra. Se assim foi, devem existir ainda hoje fatos que sugiram estas visitas. Este tema é abordado por Erich von Daniken, em seu livro Eram os deuses astronautas?

 A tese principal da obra de von Daniken, que os deuses dos povos antigos foram, na verdade, astronautas de civilizações mais avançadas, baseia-se em dois pontos principais: a vida fora da Terra e a crença em deuses com características muito semelhantes.

Para apoiar sua tese, o autor lança mão de algumas evidências arqueológicas, mais ou menos recentes, porém encaradas sob uma ótica sensivelmente diferente. Dentre estas evidências, pode-se citar:

- Textos da Índia de mais de 3 000 anos de idade, que falam numa espantosa arma, cuja descrição evoca, para nós, a bomba atômica.

- Cientistas russos descobriram, também na Índia, um esqueleto com 4 000 anos de idade que portava radioatividade superior em 50 vezes a do ambiente, com forte indicação que o indivíduo havia consumido alimentos contaminados com radioatividade.

- No início do século XVIII, foram encontrados alguns mapas muito antigos, pertencentes ao almirante Piri Reis, da marinha turca. Tais mapas eram bastante precisos, mas não estavam desenhados de modo correto. Um estudo mais profundo demonstrou que estão registrados nos mapas cadeias de montanhas da Antártida, descobertas somente em 1952. Além disso, as distorções nos desenhos dos mapas são perfeitamente explicáveis se eles tivessem sido feitos a partir de fotos tiradas por uma espaçonave sobre a cidade do Cairo.

- No Iraque e no Egito foram encontradas lentes de cristal, lapidadas, que hoje só podem ser manufaturadas mediante a aplicação de óxido de césio, produto só obtido por processos eletroquímicos.

Esses argumentos são realmente muito fortes. Ainda assim, algumas das evidências de Daniken já foram contestadas, como é o caso das pirâmides do Egito, que um grupo de cientistas japoneses demonstrou ser possível de construir usando apenas a tecnologia da época, em não mais de 20 anos.
Apesar disto, o raciocínio de von Daniken é muito lógico, e, se não quisermos ser preconceituosos, devemos aceitá-lo, ao menos, como uma teoria plausível.

Evidências da ufologia:

 A protociência que se costuma chamar de ufologia tem se destacado para o público leigo da mesma forma que o espiritismo, isto é, em seu aspecto mais sensacionalista. Como o espiritismo, a ufologia tem estado sujeita a ações de uma infinidade de charlatães de todos os tipos, que, a pretexto de apresentar novidades, denigrem sua imagem como uma possível ciência, ainda que alternativa. Finalmente, da mesma forma que o espiritismo, a ufologia tem sido severamente rechaçada pela ciência formal, ainda que com ridículas alegações. Entretanto, a ufologia tem sofrido também sério ataque dos governos, o que tem dado origem a uma enorme gama de especulações, algumas completamente absurdas, outras com fundamento.

O nome ufologia deriva da sigla inglesa UFa (Unindentified Flying Objects), que significa Objetos Voadores Não Identificados - OVNI em português. A sigla não é capaz de transcrever toda a profundidade do tema tratado, uma vez que, ao pé da letra, qualquer objeto que voe e que seja, de alguma sorte, desconhecido, é um OVNI. A grande discussão é que, normalmente, estes OVNI estão associados a visitantes de outros planetas.

A aparição de estranhos objetos voadores não é recente. Vários relatos da antigüidade apontam para a possibilidade de antigas lendas serem, de fato, visitas de seres de outros planetas. Por exemplo, uma história chinesa refere-se a um povo que habitava um distante "terra de carretas voadoras", e que conduzia carros alados com rodas douradas. O Drona Parva, um texto sânscrito, descreve combates aéreos entre deuses, a bordo de máquinas voadoras chamadas vimanas. O profeta Elias, no Velho Testamento, subiu aos céus numa carruagem de fogo.

O caso antigo mais interessante talvez seja o do profeta Ezequiel, narrado também no Velho Testamento. Ele descreve uma visão de um globo de fogo, que tinha ao seu redor uma espécie de metal brilhante. No meio do fogo, apareciam o que ele julgou ter "a semelhança de quatro animais", parecidos com homens, e cada um deles possuía quatro faces e quatro asas. Em 1968, o engenheiro da NASA Josef Blurnrich, procurando contestar a idéia que a roda de Ezequiel era uma nave espacial, acabou desenhando uma nave viável a partir desta descrição. Tão convencido ficou que disse, posteriormente: "Raras vezes uma derrota absoluta foi tão compensadora, tão fascinante e tão prazerosa!".

 A moderna ufologia começou em 14 de junho de 1947, nos EUA. Kenneth Arnold, presidente de uma firma de extintores de incêndio, pilotava seu próprio monomotor quando avistou uma série de estranhos objetos voadores que se dirigiam ao sul. Os objetos, de formato discóide, voavam numa formação que cobria 8 quilometros, a uma velocidade de aproximadamente 2 600 km/h. Chamou aqueles objetos deflying soucers (pires, ou discos, voadores), inaugurando a era ufológica.

O acontecimento mais marcante dessa época, e também o primeiro em que houve desmentidos oficiais à hipótese UFO, foi o ocorrido com o capitão-aviador Thomas Mantell, em 7 de janeiro de 1948. Mantell era um piloto altamente qualificado, veterano da Segunda Guerra Mundial, condecorado por bravura.

Devido ao aparecimento um objeto prateado, em forma de disco, sobre a base aérea de Fort Knox, no Kentucky, Mantell decolou num caça F-5l, em missão de reconhecimento, disposto a interceptar o disco. Depois de várias comunicações pelo rádio, descrevendo-o (um objeto de aproximadamente 80 metros de diâmetro, girando em tomo de um eixo central com incrível velocidade e deslocando-se mais rápido que o caça), a base perdeu contato com o piloto. Seu avião foi encontrado algumas horas depois, completamente destruído.

A versão oficial para o acidente foi estarrecedora: "Mantell teria perseguido o planeta Vênus e pereceu quando dele se aproximou em demasia". Esta teoria foi desqualificada pelos astrônomos, dizendo que, à luz do dia, naquele dia em especial (o céu esta encoberto, com muitas nuvens), o planeta Vênus era invisível. A seguir, disseram que Mantell havia perseguido um balão meteoro lógico, tese que foi desmentida pela Central de Inteligência Técnica Aérea. Desde então, os governos de maneira geral, principalmente os dos EUA, tem sistematicamente desmentido qualquer interpretação que leve à idéia de OVNI, algumas vezes com alternativas completamente ridículas, como no caso Mantell. Talvez seja esta insistência em negar o fenômeno, tão grosseiramente, que tenha feito que a ufologia tenha-se difundido a tal ponto.

Muito do que aparece em ufologia tem a marca da fraude, causada por pessoas que mais querem aparecer. Algumas fraudes fotográficas foram descobertas em análises por computadores, o que, se por um lado contribuiu para livrar a ufologia destes charlatães, por outro leva algumas pessoas mais preconceituosas a julgar que qualquer relato, foto ou avistamento deva ser, necessariamente, fraude. Tal como acontece com o espiritismo. Entretanto, numa amostragem feita por pesquisadores sérios, não ligados à área ufológica, concluiu-se que, no mínimo, 23 % dos casos não poderiam ser explicados por teorias convencionais (fraude, alucinação, confusão com balões meteorológicos ou aeronaves, ilusão de ótica causada por fenômenos naturais, como a aurora boreal, etc.).

O que se conclui é que, quando se destitui a ufologia de toda a pasmaceira infundada, restam alguns fatos que, apesar de severamente pesquisados por meios químicos, eletrônicos, informatizados, hipnóticos, etc., resistem bem a todos eles. Tais fatos apontam inegavelmente para uma possibilidade de que existam realmente civilizações mais avançadas em outras partes do Universo que, tendo dominado tecnologias para nós ainda inimagináveis, conseguem transpor distâncias galácticas e visitar-nos. Se este for o caso, a evidência ufológica pode vir ao encontro da tese espírita.

A posição espírita:

Kardec deixa bastante claro, em vários dos textos que escreveu, sua posição cm prol de um Universo infinitamente povoado por espíritos, das mais diversas ordens, nos mais diversos globos. Já no primeiro Livro dos Espíritos, editado em 1857, se dizia dos mundos habitados, e de que o homem erra ao julgar-se o primeiro em inteligência, bondade e perfeição.

Kardec faz da pluralidade de mundos habitados um dos princípios básicos da doutrina espírita, conforme nos mostra n' O Livro dos Espíritos: "Os espíritos encarnados habitam os diferentes globos do Universo."27 Entretanto, deixa claro que todos os globos, sem exceção (aí incluídos os satélites, como a Lua), abrigam seres corpóreos, ainda que de constituição adequada ao estado de cada um deles. E refuta as objeções que a ciência já fazia em sua época (por exemplo, no que tange à ausência de ar ou água na Lua) com a argumentação: não é porque não percebemos água ou atmosfera que elas não existem.28

 Ora, é certo que a ciência atual já demonstrou que nem todos os corpos celestes são habitados; nem mesmo todos os planetas o são, e, no caso específico do nosso sistema solar, parece que a Terra é o único a ter este privilégio. Entretanto, a idéia espírita da plural idade de mundos habitados vem de encontro àquilo que a astronomia e a física afirmam atualmente, de modo que as eventuais discrepâncias que a teoria espírita, tal como proposta por Kardec, e a ciência atual tenham não invalida a obra do fundador do espiritismo.

CONCLUSÃO

 A idéia espírita sobre o surgimento, desenvolvimento e existência da vida no Universo não foram calcadas em observações experimentais. A tecnologia disponível à época do surgimento da doutrina espírita não permitia tais observações. Esta idéia é um desenvolvimento lógico da filosofia espírita, isto é, do modo como o espiritismo vê o Universo, aliado a comunicações de origem mediúnica.
Entretanto, sua posição a respeito não o coloca na contramão do pensamento científico atual, principalmente no tópico referente à pluralidade de mundos habitados. Ao contrário, as posições dos cientistas hoje concordam admiravelmente, ao menos nas linhas gerais, mais amplas, com as posições lJuc o espiritismo vem defendendo há 140 anos.

Uma concordância importante entre a doutrina espírita e as modernas teorias científicas, concernente ao tema em pauta, é que a vida é uma conseqüência direta da matéria, e que o elemento espiritual só participa deste processo para efetivar a intelectualização desta última. Assim, ao contrário do que dizem alguns sistemas filosóficos do passado, e muitas das religiões do presente, a alma não tem relação com a animalização da matéria.

Desta forma, o espiritismo permanece à vontade para manter sua concepção dualista do Universo: de um lado, o espírito, princípio inteligente e responsável por todas as manifestações desta ordem; de outro, a matéria, elemento intelectualmente inerte, mas possuidor de todas as condições para sua manutenção independente, condições estas que lhe é dada pelas leis físicas, parte integrante da lei divina ou natural.

Todavia, não custa relembrar que este dualismo não é opositivo. Ao contrário das religiões, o espiritismo não prega a inferioridade da matéria em relação ao espírito, nem faz juízo de valor, dizendo que a matéria é um peso morto, um sofrimento de que o espírito deve lutar para se livrar. Matéria e espírito complementam-se, e, se aquela não seria mais que uma massa inerte sem este, o espírito não prescinde do contato material para seu crescimento e evolução.

Ainda assim, não se pode afirmar que o espiritismo tenha antecipado as conclusões que a ciência hoje admite sobre a vida e a pluralidade de mundos habitados. As diversas diferenças entre a teoria espírita e as observações experimentais fazem com que possamos dizer, sem medo de errar, que, se a idéia filosófica estava correta, as considerações científicas afastavam-se da realidade. Porém, como o próprio Kardec afirmou, estes temas devem ser estudados pelas ciências materiais. A ciência espírita deve, apenas, servir de baliza, fornecendo bases teóricas.

Em particular, uma destas teorias espíritas merece uma maior atenção: é o caso do princípio vital. Empregado por Kardec como artifício para explicar por quê alguns seres são vivos, enquanto outros não são, suas bases não encontram, na ciência atual, nenhum indício. Na verdade, as observações experimentais apontam para a noção que a vida é um desenvolvimento natural da evolução da matéria. Parece uma tese mais apropriada, posto que mais fácil de entender, com a vantagem de não estar em desacordo com os princípios da doutrina espírita.

Este é um campo onde os biólogos e astrônomos de formação espírita têm bastante a contribuir.

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NOTAS
1 The logic of scientific discovery, New York: Harper & Row, 1985, p. 278, citado por ALVES, Rubem, Filosofia da Ciência.
2 A Gênese, 28ª ed. Brasília: FEB, 1985, p. 45.
 3 Hipparcos (sigla de High Precision Parallax Collecting Satellite - Satélite de Coleta de Paralaxe de Alta Precisão) é um telescópio orbital astrométrico (isto é, que serve para determinar a posição e o movimento de astros) em órbita geoestacionária a 36 000 km acima do equador terrestre.
4 Ronaldo R. F. MOURÃO, Da Terra às galáxias, p. 293.
5 Pinharanda GOMES, Filosofia grega pré-socrática, p. 30.
6 O postular a Terra como uma esfera "lisa e igual, e eqüidistante do centro em todos os lugares, um corpo completo e perfeito" tinha por detrás a idéia de que o círculo e a esfera seriam as formas mais perfeitas do Universo. É um sinal da influência do pensamento pitagórico sobre os filósofos clássicos.
7 Um Universo isotrópico é aquele que parece o mesmo em diferentes direções, quando visto a partir da Terra.
 8 Graus Kelvin (símbolo K) é uma unidade de medida de temperatura. Zero K equivale a - 2730 C e é chamada de zero absoluto. É a temperatura em que todo o movimento cessa, mesmo no nível subatômico.
9 Como, em escala micro, o Universo é regido pelas equações da mecânica quântica, segue-se que uma teoria que buscasse explicá-lo precisaria promover a união dessas duas, resultando naquilo que se convencionou chamar de Teoria grã-unificada, ou Teoria do campo unificado. Este é um grande sonho, que os físicos teóricos vêm perseguindo há décadas.
10 Existem outros modelos de cosmogonias que prevêem não só Universos eternos, mas também Universos em que a matéria está sendo continuamente criada. Neste último caso, a geometria poderia até mesmo ser euclidiana (e o tempo ser infinito), e ainda assim estaria explicada a expansão do Universo. O maior problema desta teoria é que, se não for admitido um criador (por exemplo, Deus) para esta matéria, deve-se admitir que ela veio do nada.
11 Da Terra às galáxias; uma introdução à astrofísica, p. 33.
 12 Revista Espírita, fevereiro de 1858.
13 Idem, ibidem.
14 Idem, ibidem.
15 Idem, Ibidem.
16 Revista Espírita, agosto de 1862.
17 Idem, ibidem.
18 Na edição da Gênese da LAKE (com notas de Herculano Pires), este já faz esta advertência, especificamente na questão sobre a Teoria da Lua (por quê a Lua apresenta sempre a mesma face voltada para a Terra? ) - p. 117.
19 Freeman DYSON, Infinito em todas as direções, p. 70.
20 Idem, ibidem, p. 71.
21 Svante Arrhenius (1859 -1927), físico químico sueco, prêmio Nobel de química de 1903, criador da teoria da dissociação eletrolítica. Trabalhou também nas áreas de fisiologia (imunoquímica), e física cósmica.
22 Scientific American, outubro de 1994, p. 47.
23 Opus citatus, ano 1868, p. 205.
24 Idem, ibidem, p. 205.
25 Ademar A. CHIORO DOS REIS, Magnetismo, Vitalismo e o pensamento de Kardec, p. 63.
26 Um artigo da revista Nature de 1980 relacionou 90 moléculas interestelares até então identificadas. 27 Opus citatus, p.25.
28 Revista Espírita, março de 1858, p. 65.

Nota do blog - artigo publicado no V SBPE relaizado em Cajamar - SP em 1997

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