quarta-feira, 20 de abril de 2022

O ser humano é bom ou ruim por natureza ? por Marco Videira

 

O ser humano é bom ou ruim por natureza ?

Na parede do salão abobadado da ONU há uma tapeçaria com dois versos escritos pelo poeta persa Saadi – século XIII:

·         Os seres humanos são partes de um todo

·         Na criação de uma só alma e essência.

Plagiando o historiador Leandro Karnal digo: querida leitora e estimado leitor, caso esteja iniciando a leitura deste texto na intenção de encontrar uma resposta para a pergunta do enunciado, não perca o seu tempo, pois só tenho elocubrações....

Pensadores ao longo dos tempos se debruçaram sobre esta questão a respeito do comportamento dual do homem: bom x ruim (no Brasil de hoje, a discussão é se o homem é fascista ou comunista).

·         A seguir, algumas posições de pessoas que alegam que o homem possui, por natureza, um comportamento ruim:

Segundo o psicólogo francês Gustave leBom (1841-1931), durante uma época de crises, o homem desce vários degraus da escada da civilização; porém isso não foi confirmado por ocasião do bombardeio em Londres, provocado pelos alemães durante a 2ª Guerra Mundial. A população apesar do todo sofrimento continuou a vida normalmente. Numa das lojas destruídas pelos bombardeios havia um cartaz: estamos mais abertos do que o normal e num bar havia outro: nossas janelas foram destruídas, mas nossas bebidas continuam ótimas.

As ideias do biólogo holandês Frans de Waal (1948) vão ao encontro do que pensava le Bon, pois ele diz: a civilização não passa de uma fina camada de verniz que pode descascar ante qualquer provocação.

Desde a origem, o cristianismo também foi permeado por uma visão negativa acerca da natureza humana. Agostinho (354 – 430), o Pai da Igreja, ajudou a popularizar a ideia de que os humanos nasceram em pecado: “ninguém está livre do pecado e nem mesmo uma criança, cujo ciclo de vida na Terra é de um único dia”. Bastou nascer para você estar...danado.

Não foi só Agostinho que difundiu o lado mal da humanidade. João Calvino (1509-1564), que rompeu com o Catolicismo, disse: “nossa natureza não só é destituída e vazia de bem, mas também tão fértil e frutífera para todo o mal”.

O filósofo Thomas Hobbes (1558 – 1679) defendia que os seres humanos são motivados pelo medo, o que geraria uma situação de anarquia (guerra de todos contra todos), mas tal situação poderia ser aplacada se nos entregarmos, de corpo e alma, às mãos de um único soberano (cubanos e venezuelanos podem nos falar se isso é verdade...).

Temos que considerar que a visão de Hobbes a respeito da humanidade estava “contaminada” pelos fatos que ele vivenciou (peste em 1628 e a guerra civil de 1640).

 

·         A seguir, algumas posições de pessoas que defendem uma visão positiva a respeito do comportamento humano:

Para o filósofoJean-Jacques Rousseau (1712 – 1778)o homem é naturalmente bom e que só com o advento da civilização que teve início a nossa ruína. Ele considera que, a partir do momento em que o homem cercou um pedaço de terra e declarou, “isto é meu”, tudo se desmoronou.

Em 2007 a psicóloga KileyHamlin desenvolveu uma pesquisa com bebês de 6 a 10 meses no Centro de Cognição Infantil (Baby Lab) do Canadá, utilizando um espetáculo com duas marionetes. Um boneco apresentava comportamento de forma prestativa e o outro comportamentos maus. Após o espetáculo, os pesquisadores ofereciam aos bebês os dois bonecos e aquele que era bom, praticamente todos os bebês tentavam pegar.

Segundo o sociólogo e educador francês Pierre Bourdieu (1930 – 2002) o indivíduo é moldado desde o seu nascimento, passando por todas as etapas de escolarização, convivência familiar e comunitária. Cada pessoa forma inconscientemente o seu próprio capital cultural, aprendendo e incorporando o que viu, traduzindo tudo isso para a sua vida na forma de ações práticas. Ninguém pode dar aquilo que não tem.

·         O que o espiritismo no diz a respeito da natureza do homem ?

Para nós, espíritas, além de toda essa formação na vida presente, temos que considerar a “carga energética” trazida de vidas passadas. Em suma, o ser humano é algo extremamente complexo e às vezes, fazer o “simples” (agir em prol do próximo) se torna difícil.

Vejamos abaixo três passagens do Livro dos Espíritos que tangenciam o tema em pauta:

Questão 365 diz: “O espírito progride em insensível marcha ascendente, mas o progresso não se efetua simultaneamente em todos os sentidos. Durante um período da sua existência ele se adianta em ciência; durante outro, em moralidade”.

Na questão 768 (adendo) Kardec diz: “Homem nenhum possui faculdades completas. Mediante a união social é que elas umas às outras se completam, para lhe assegurarem o bem-estar e o progresso. Por isso, é que, precisando uns dos outros, os homens foram feitos para viver em sociedade e não insulados”.

A questão 779 vai ao encontro da questão 768, pois diz: “dá-se então que os mais adiantados auxiliam o progresso dos outros, por meio do contato social”.

Dentro da linha sustentada pelo Espiritismo, o egoísmo, juntamente com o orgulho, são os grandes males da humanidade e, somente quando nos despojarmos do egoísmo, viveremos como irmãos, nos auxiliando reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da solidariedade. O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominando sobre a vida matéria.

 

 

·         Considerações gerais

O lado positivo da pandemia Covid, se assim podemos falar em algo positivo, foram as inúmeras campanhas para arrecadação de alimentos e o engajamento de milhares de pessoas, incluindo aí os empresários, pois são membros da sociedade civil e não podem ser generalizados como exploradores dos pobres, como costuma ser o discurso da esquerda.

Aqui em Santos, durante o inverno do ano passado, participei como voluntário num programa social conduzido pela prefeitura local, que distribuía roupas para os moradores em situação de rua (não são moradores de rua, pois não nasceram na rua) e pude ver a quantidade de doações de roupas feitas pelos santistas, que carregam no brasão da cidade o lema: À Pátria ensinei a caridade e a liberdade.

Quando somos crianças estamos despojados de todos os preconceitos formados pela nossa convivência. Percebemos isso com clareza na resposta de uma criança para sua mãe, quando esta lhe pergunta se na sua classe havia alguém diferente, já sabendo que havia uma criança com síndrome de Down: “tem sim mamãepois se todas fossem iguais, os pais não saberiam achar os seus filhos na hora de buscá-los”.

Após a 2ª Guerra Mundial, a Marinha dos Estados Unidos para conquistar a boa vontade dos moradores do minúsculo atol chamado Ifallik no Oceano Pacífico, exibiu alguns filmes de Hollywood e tais filmes continham cenas de violência, o que provocou um estresse na população local, levando alguns nativos a ficar vários dias doentes. Anos depois, quando uma antropóloga chegou a Ifalik para um trabalho de campo, os nativos perguntaram se era verdade que nos USA havia pessoas que matavam outras pessoas...

A empresa de pesquisas World ValueSurvey realiza anualmente um levantamentoa respeito do nível de confiança das pessoas e faz aos cidadãos a seguinte pergunta: “em média, você acredita que as pessoas são confiáveis”? Na última pesquisa, o Brasil teve o percentual de 5%, contra 70% na Noruega, ou seja, considerando esse baixo percentual é possível entender o descrédito, principalmente, em relação à classe política. Nem tudo está perdido, pois a pandemia mostrou que as pessoas aderiram à campanha de vacinação e ao uso de máscaras, apesar de que alguns ignorantes (aquele que ignora) acharem que era uma gripezinha...

Mudar sua visão sobre a natureza humana, olhar para os humanos de uma forma radicalmente nova, implicará consequências para sua própria vida.

No início do texto disse que não tinha respostas para o enunciado, mas ao encerrar o mesmo, cheguei à mesma conclusão da Anne Frank, uma adolescente judia,  que escreveu um diário, enquanto conseguiu sobreviver escondida dos alemães na Holanda:

“É espantoso que eu não tenha abandonado todos os meus ideais, que parecem tão absurdos e impraticáveis. Mas eu me apego a eles porque ainda acredito, apesar de tudo, que as pessoas são realmente boas de coração” - Anne Frank (1929-1945).

Obs.: o texto acima foi calcado no livro Humanidade – uma história otimista do homem – Rutger Bregman, e, em alguns momentos, cópias literais foram utilizadas. No livro, o autor relata uma série de experimentos que queriam provar a “natureza má” do homem; porém ao longo da história, o autor vai em busca de vários desses experimentos e ao revisitá-los encontra muitas falhas. Infelizmente, até hoje prevalece os dados iniciais dos experimentos, que continuam a alimentar uma visão negativa a respeito do homem. O autor relata as dificuldades encontradas para publicar a sua obra e “demonstrar” a natureza boa do homem.

 

Marco Videira é administrador, Presidente do Conselho da Comunidade Assistencial Espírita Lar Veneranda e reside em Santos

Artigo publicado no Jornal Abertura de abril de 2022 - quer acessar o jornal completo:

https://cepainternacional.org/site/pt/component/phocadownload/category/22-jornal-abertura-2022?download=147:jornal-abertura-abril-de-2022


A Tragégia da Boate Kiss por Milton Medran Moreira

 

Opinião em Tópicos

 

                A TRAGÉDIA DA BOATE KISS

                Nove anos após o acontecido, os responsáveis pela tragédia da Boate Kiss, de Santa Maria/RS, começam a ser julgados pelo Tribunal do Júri.

                No incêndio de janeiro de 2013, morreram 242 pessoas, a maioria delas jovens de 20 a 30 anos, restando com sequelas mais de 600 outras.

                Como sempre acontece, quando de tragédias coletivas, intérpretes de plantão da lei de causa e efeito, dando a ela uma exegese linear, vingativa e cruel, não hesitaram em atribuir às vítimas a condição de verdugos do passado. Todas elas, atraídas pela draconiana “justiça divina”, que com fogo fere quem com fogo feriu, teriam purgado, naquela noite, as culpas que lhe incendiavam a alma, agora vendo incendiados seus próprios corpos jovens, em plena flor de uma nova encarnação.

                A “JUSTIÇA DIVINA RETRIBUTIVA”

                Ora, se assim fosse, os empresários e músicos que agora sentam no banco dos réus, ao darem causa à terrível tragédia, já estariam, de igual forma, plasmando uma futura encarnação na qual, eles próprios, terão de resgatar, com idênticos sofrimentos, o que infligiram às suas vítimas. Que “justiça divina” é essa que pereniza, encarnação após encarnação, mecanismos de pena retributiva, num infindo círculo vicioso?

                Pior que isso: aquele incêndio não teria punido apenas suas vítimas diretas. Perder um filho em circunstâncias assim implica em sofrimento de tal intensidade aos pais que, presume-se, supera, inclusive, a dor de quem parte. No caso, uma cidade inteira sofreu intensamente. Santa Maria é um grande centro universitário para o qual acorrem jovens das mais diferentes regiões. Nosso Estado, particularmente, e o mundo inteiro, viram as cenas dantescas do incêndio e não houve quem não se comovesse com a tragédia. Todos os que sofremos com isso estaríamos, diante do raciocínio linear da “justiça divina retributiva”, pagando débitos do passado?

                DORES QUE NÃO SE PODE MEDIR

                O tempo decorrido já deve ter amenizado um pouco a dor dos familiares das vítimas. Estes formaram uma associação de apoio e assistência mútua. Correto! A dor sofrida solidariamente é mais facilmente administrável. Mesmo assim, à luz do pensamento espírita, um aspecto me preocupa: o papel, aparentemente central, assumido pelos familiares, qual seja o de agravar o mais possível a pena a ser aplicada aos acusados.

                Impressionou-me uma entrevista dada por um dos réus que, inclusive, já esteve temporariamente preso. Ele diz que, decorridos nove anos, a tragédia está permanentemente em seu pensamento. Dorme e acorda com as cenas daquela madrugada. Nunca mais conseguiu sequer trabalhar. Não há divertimento, lazer ou consolo capazes de afastar a dor que lhe ficou na alma. Poderá haver pena maior?

                JUSTIÇA E VINGANÇA

                Embora a mim pareça tratar-se de um crime de natureza culposa (quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia), a definição jurídica finalmente dada ao delito foi a de dolo eventual (quando o agente, mesmo não querendo o resultado, assume o risco de produzi-lo).

                Aceita a tese dolosa, os réus deverão ser condenados a longos anos de prisão. E aí a pergunta que me faço: que benefício esse encarceramento poderá trazer à sociedade, aos acusados, aos familiares das vítimas, a elas próprias (se estas, em outra dimensão, ainda se preocupem com isso)?

                Tantos anos envolvido com questões de direito conjugado com a reflexão espírita, penso que o cometimento de um erro, sejam quais forem suas consequências – e aqui elas foram particularmente trágicas -, gera proporcional sofrimento ao transgressor.

                Chego a esta fase amadurecida de minha encarnação com um convencimento acerca do complexo problema crime/castigo: a prisão, via de regra, é medida inócua. O encarceramento de alguém só se justifica como defesa social e não como instrumento de retribuição do mal com o mal. A vida tem mecanismos naturais de sofrimento, aprendizado e recuperação só alcançáveis pelo exercício do amor e do perdão.

 Justiça sempre. Vingança jamais!

Artigo publicado no Jornal Abertura -dezembro de 2021

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Em janeiro de 2017 este blog publicou um artigo de Roberto Rufo - Tragédia de Santa Maria e os nossos filhos. Você pode revisar aqui neste link:

https://www.blogger.com/blog/post/edit/8190435979242028935/7961016368892947702

quarta-feira, 6 de abril de 2022

O Novo - por Cláudia Régis Machado

 

O NOVO

Minha primeira proposta é “abra-se ao novo”. Aproveitando o dizer do poeta Zack Magiezi

“O novo todo dia nos procura / Todo dia nos convida / Nos chama para ir /

Conhecer o desconhecido”.

Viver é estar em constante transformação. O novo muitas vezes aparece de circunstâncias sociais, econômicas, de proposta de desenvolvimento, e bate à porta a todo momento.

Este cenário se dá tanto nas situações pontuais ou em várias áreas da vida tanto na profissional como no pessoal. Este nos coloca necessariamente face a face com a mudança.



Mudar é o que o novo pede, e isto é um mecanismo imprescindível para o progresso e o crescimento.

Atentos e com a percepção do que estava ocorrendo ao nosso redor e com o nosso jornal Abertura que pleiteava que entrássemos em uma situação nova, isto é, o processo digital na distribuição do ABERTURA. A era digital já está aí há algum tempo, mas até então não sentíamos a necessidade desta mudança, mas o momento urgiu e pediu uma posição.

Estamos neste momento, o de transformação, de passar o jornal da forma impressa para a digital. Entrar na era digital que não é algo novo, mas para o jornal ABERTURA é uma nova etapa depois de 34 anos de jornal impresso. Este passo foi pensando com cuidado e dedicação advindo de um processo econômico, da tendência mundial e da simplificação, que nos fez buscar uma solução para que a continuidade do jornal que tem a função de divulgar e pensar na doutrina kardecista fossem preservados. A transição foi lenta para que todo o ano de 2021 preparássemos o nosso público leitor e isto ocorresse de forma tranquila e coesa com os compromissos assumidos anteriormente. 

Voltamo-nos a encontrar um caminho onde a permanência do bom trabalho realizado fosse conservada e a enfrentar o progresso, e com isto conquistar maior divulgação e penetração das ideias que o jornal defende e que se propõe a aprimorar e difundir. Abre-se um novo empreendimento com a visão de expandir, com as mídias sociais, para uma interação maior com um público novo. Não há mais distância, o acesso é ilimitado.

A informação, os artigos e os conteúdos estarão sempre disponíveis, assim também como o campo de pesquisa juntos aos jornais antigos, com mais facilidade e praticidade, as diversas fontes de conhecimento que geramos durante todos estes anos.

Pretendemos atingir leitores que não tinham acesso ao nosso jornal e com essa ferramenta expandir para aqueles que tenham interesse em conhecer o Espiritismo com um novo pensar.

A era digital é um impulso que nos encoraja a criar trilhas, levando-nos a pensar que existem outros moldes e que outras oportunidades podem advir, já que temos amealhado experiência com o blog do ICKS e a experiências de outros veículos.

“Com reflexão, disciplina e bom senso podemos transformar os espaços virtuais numa extensão de nossa criatividade, da nossa sede de conhecimento e de nossa empatia”. (Alexandre Carvalho)

Quando falamos do jornal falamos também de nós mesmo, o progresso está no seu percurso, solicitando tomada de posição de nossa parte. Segui-lo ou não é uma escolha. Mas uma boa atitude é:” vamos receber o que nos pede passagem. Vamos olhar as mudanças sob novas luzes”.

É natural que junto com o novo venham anseios, receios e incertezas, O novo é quase sinônimo de desconhecido e traz inquietude; o que irá ocorrer? var dar certo? a escolha foi a melhor? É um processo que não deve ser irracional, é preciso pensar, refletir, pesquisar e planejar qual o melhor caminho a seguir. É um desafio, mas é possível.

Como é um desafio para nós que fazemos o jornal, também é para o usuário que muitas vezes tem dificuldade de manejar essas ferramentas. Esperamos que os leitores se atualizem, busquem ajuda ou que nos solicitem pelo nosso e-mail -ickardecista1@terra.com.br  para que possamos orientá-los.

O leitor aqui é convidado a se reciclar e ampliar os seus conhecimentos tecnológicos. Com essas novas informações e perspectivas, o repertório de possibilidade e habilidades são enriquecidas. Não é um processo difícil e sim de fácil adaptação. Aceitação das coisas como elas se apresentam não negando os fatos produz efeitos positivos e, maiores são as chances de nos movermos em direção ao desconhecido com mais curiosidade e menos temor. Vendo potenciais

É necessário um espírita ou uma pessoa comprometida e com disposição de aprender, estudar a Doutrina Kardecista Progressista e Livre Pensadora. Um espírita proativo.

O aprendizado contínuo é pauta maior da nossa evolução. Acreditarmos que estamos velhos para aprender algo novo, é uma grande limitação. Temos potencial e em qualquer idade devemos olhar-nos como autores de novas alternativas para um bom existir.

Evoluir sempre, mesmo que a pequenos passos.

Vamos renovar uma história.

“No ainda desconhecido, algumas histórias só estão esperando começar” (Raphaela Mello).

Experimente:https://cepainternacional.org/site/pt/component/phocadownload/category/20-jornal-abertura-2021 

Artigo publicado no Jornal Abertura de dezembro de 2021.



terça-feira, 5 de abril de 2022

O AI-5 e seu comparativo com o Espiritismo - por Roberto Rufo

 

O AI-5 e seu comparativo com o Espiritismo

 

"Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência" (Frase do Ministro do Trabalho Jarbas Passarinho em dezembro de 1968 ao presidente Costa e Silva.  Passarinho foi um dos 17 signatários do AI-5). 

 

"O ser humano é responsável pelo seu pensamento? Sim, é responsável diante de Deus. Só Deus, podendo conhecê-lo, o condena ou o absolve segundo a sua justiça". (Pergunta 834 do Livro dos Espíritos).

 

Em tempos de muita ideologia e pouco pensamento produtivo assiste-se no Brasil uma polarização irritante e desgastante produzindo uma insuportável avalanche de mensagens de fakenews nas redes sociais. Não adianta responder mostrando o contraditório do absurdo, pois a resposta feita e fabricada pelos líderes dessas redes logo se apresenta: "quem pesquisa se é fakenews pertence a grupos comunistas". Pronto de homem burguês conservador sou alçado à condição de comunista impatriota.

Muitos espíritas, dentro do seu inalienável direito de expressão e opinião, manifestam profundas simpatias pelo presidente Bolsonaro, a quem abomino por profundas discordâncias de consciência. Não só pelo seu inútil período de 28 anos como Deputado Federal, mas pelo seu histórico de impulsos desequilibrados e preconceitos ridículos.

No citado histórico o atual presidente, em 1987 confessou que elaborou um plano que previa a explosão de bombas em quartéis e outros locais estratégicos no Rio de Janeiro (Adutora de água do Guandu). Sua luta era pelo aumento do soldo dos militares. Note-se que ainda era Capitão da ativa. O plano foi descoberto.

Nesse artigo quero analisar em particular a ausência de autocrítica dos espíritas simpatizantes do presidente pelos apelos incessantes do grande grupo de apoio que clama por uma intervenção militar e pela volta do Ato Institucional nº 05. Ou para minha imensa tristeza talvez apoiem tais sandices.

Nas mega manifestações de apoio ao presidente em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo lá estavam dezenas de cartazes pedindo a volta do AI-5.

Os mais jovens talvez não conheçam o que foi esse famigerado artigo, mas os maiores de 65 anos têm a obrigação de saber. Pretendo com a minha experiência ajudar os mais jovens na compreensão desse hediondo artigo comparando alguns de seus itens com os conceitos espíritas, mesmo sabendo que "a luz que a experiência nos dá é de uma lanterna na popa, que ilumina apenas as ondas que deixamos para trás" nas sábias palavras do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge (1772-1834)

De início vamos esclarecer que o Ato Institucional Número Cinco (AI-5) foi o quinto de dezessete grandes decretos emitidos pela ditadura militar nos anos que se seguiram ao golpe de estado de 1964 no Brasil.O AI-5, o mais duro de todos os Atos Institucionais, foi emitido pelo presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968. 

 

Consequências imediatas do Ato Institucional Número Cinco foram:

1º) - O Presidente da República recebeu autoridade para fechar o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas dos estados; esse poder foi usado assim que o AI-5 foi assinado, resultando no fechamento do Congresso Nacional e de todas as Assembleias Legislativas dos estados brasileiros (com exceção de São Paulo) por quase um ano; o poder de fechar forçadamente o Congresso Nacional seria novamente usado em 1977, durante a implantação do Pacote de Abril;

Comparativo com o ideal espírita: Pergunta 837 do Livro dos Espíritos "qual o resultado dos entraves postos à liberdade de consciência"? Respondem os espíritos: "constranger os homens a agirem de modo contrário ao que pensam, torná-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso".

 

2º) - A permissão para o governo federal, sob pretexto de "segurança nacional", para intervir em estados e municípios, suspendendo as autoridades locais e nomeando interventores federais para dirigir os estados e os municípios;

Comparativo com o ideal espírita: Kardec em comentário à pergunta 872 diz que sem o livre-arbítrio o homem não tem demérito no mal, nem mérito no bem, e isso é igualmente reconhecido no mundo, onde proporciona a censura ou o elogio à intenção , quer dizer à vontade,. Ora, quem diz vontade diz liberdade. 

Em resumo, indicar interventores, como aconteceu nas cidades de Santos e Cubatão é vilipendiar a vontade popular. Durante muitos anos essas cidades foram impedidas de eleger seus representantes.

 

3º) - A censura prévia de música, cinema, teatro e televisão (uma obra poderia ser censurada se fosse entendida como uma subversão dos valores políticos e morais) e a censura da imprensa e de outros meios de comunicação; A ilegalidade das reuniões políticas não autorizadas pela polícia; houve também diversos toques de recolher em todo o país;

Comparativo com o ideal espírita: Pergunta 795 do Livro dos Espíritos : "qual é causa da instabilidade das leis humanas"? Respondem os espíritos: "Nos tempos de barbárie, são os mais fortes que fazem as leis e as fazem para eles". Aqui me permito contar um caso ocorrido com o meu estimado sogro, o pensador espírita Jaci Regis. Nessa triste época do AI-5 ele como jornalista possuía um pequeno jornal na cidade de Cubatão em sociedade com um amigo. O jornal era muito crítico ao interventor do momento em Cubatão. Este por sua vez fez uma denúncia ao DOPS (Departamento de Ordem Pública e Social). Neste local aconteciam prisões e torturas a quem ousasse criticar o regime militar. O jornalista Vladimir Herzog foi um trágico exemplo.

Denunciado, Jaci Régis foi "convidado" a comparecer à sede do DOPS em Santos. Algumas pessoas entravam e não saiam mais. Jaci informou apenas seu grande amigo José Rodrigues e sua esposa Palmyra. Felizmente foi apenas um susto, mas que tirou o sono do Jaci até o caso ser resolvido. Resultado: fecharam o jornal. 

 

4º) - A suspensão do habeas corpus (por crimes de motivação política): 

Explique-se: o habeas corpus é o mais básico dos processos porque ele protege o mais básico dos direitos: à liberdade pessoal;

Comparativo com o ideal espírita: Pergunta 880 do Livro dos Espíritos: "Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem"? "O de viver. Por isso ninguém tem o direito de atentar contra a vida de seu semelhante. Nem de fazer nada que possa comprometer a sua existência corporal". 

 

Espero ter esclarecido a total incompatibilidade do ideário espírita com o AI-5. Por isso espíritas simpatizantes do presidente Bolsonaro, solicito-lhes que pelo menos se recusem a aceitar essa aberração em suas vidas doutrinárias.

 

Roberto Rufo