O ser humano é bom ou ruim por
natureza ?
Na parede do salão abobadado da ONU há uma
tapeçaria com dois versos escritos pelo poeta persa Saadi – século XIII:
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Os seres humanos são partes de um todo
·
Na criação de uma só alma e essência.
Plagiando o historiador Leandro Karnal digo: querida leitora
e estimado leitor, caso esteja iniciando a leitura deste texto na intenção de
encontrar uma resposta para a pergunta do enunciado, não perca o seu tempo,
pois só tenho elocubrações....
Pensadores ao longo dos tempos se debruçaram sobre esta
questão a respeito do comportamento dual do homem: bom x ruim (no Brasil de
hoje, a discussão é se o homem é fascista ou comunista).
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A seguir, algumas posições de pessoas que alegam que o homem possui, por
natureza, um comportamento ruim:
Segundo o psicólogo francês Gustave leBom (1841-1931),
durante uma época de crises, o homem desce vários degraus da escada da
civilização; porém isso não foi confirmado por ocasião do bombardeio em
Londres, provocado pelos alemães durante a 2ª Guerra Mundial. A população
apesar do todo sofrimento continuou a vida normalmente. Numa das lojas
destruídas pelos bombardeios havia um cartaz: estamos mais abertos do que o
normal e num bar havia outro: nossas janelas foram destruídas, mas nossas bebidas
continuam ótimas.
As ideias do biólogo holandês Frans de Waal (1948) vão ao
encontro do que pensava le Bon, pois ele diz: a civilização não passa de uma
fina camada de verniz que pode descascar ante qualquer provocação.
Desde a origem, o cristianismo também foi permeado por uma
visão negativa acerca da natureza humana. Agostinho (354 – 430), o Pai da
Igreja, ajudou a popularizar a ideia de que os humanos nasceram em pecado:
“ninguém está livre do pecado e nem mesmo uma criança, cujo ciclo de vida na Terra
é de um único dia”. Bastou nascer para você estar...danado.
Não foi só Agostinho que difundiu o lado mal da humanidade.
João Calvino (1509-1564), que rompeu com o Catolicismo, disse: “nossa
natureza não só é destituída e vazia de bem, mas também tão fértil e frutífera
para todo o mal”.
O filósofo Thomas Hobbes (1558 – 1679) defendia que os seres
humanos são motivados pelo medo, o que geraria uma situação de anarquia (guerra
de todos contra todos), mas tal situação poderia ser aplacada se nos
entregarmos, de corpo e alma, às mãos de um único soberano (cubanos e
venezuelanos podem nos falar se isso é verdade...).
Temos que considerar que a visão de Hobbes a respeito da
humanidade estava “contaminada” pelos fatos que ele vivenciou (peste em 1628 e
a guerra civil de 1640).
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A seguir, algumas posições de pessoas que defendem uma visão positiva a
respeito do comportamento humano:
Para o filósofoJean-Jacques Rousseau (1712 – 1778)o homem é
naturalmente bom e que só com o advento da civilização que teve início a nossa
ruína. Ele considera que, a partir do momento em que o homem cercou um pedaço
de terra e declarou, “isto é meu”, tudo se desmoronou.
Em 2007 a psicóloga KileyHamlin desenvolveu uma pesquisa com
bebês de 6 a 10 meses no Centro de Cognição Infantil (Baby Lab) do Canadá, utilizando
um espetáculo com duas marionetes. Um boneco apresentava comportamento de forma
prestativa e o outro comportamentos maus. Após o espetáculo, os pesquisadores
ofereciam aos bebês os dois bonecos e aquele que era bom, praticamente todos os
bebês tentavam pegar.
Segundo o sociólogo e educador francês Pierre Bourdieu (1930
– 2002) o indivíduo é moldado desde o seu nascimento, passando por todas as
etapas de escolarização, convivência familiar e comunitária. Cada pessoa forma
inconscientemente o seu próprio capital cultural, aprendendo e incorporando o que
viu, traduzindo tudo isso para a sua vida na forma de ações práticas. Ninguém
pode dar aquilo que não tem.
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O que o espiritismo no diz a respeito da natureza do homem ?
Para nós, espíritas, além de toda essa formação na vida
presente, temos que considerar a “carga energética” trazida de vidas passadas.
Em suma, o ser humano é algo extremamente complexo e às vezes, fazer o
“simples” (agir em prol do próximo) se torna difícil.
Vejamos abaixo três passagens do Livro dos Espíritos que
tangenciam o tema em pauta:
Questão 365 diz: “O espírito progride em insensível marcha
ascendente, mas o progresso não se efetua simultaneamente em todos os sentidos.
Durante um período da sua existência ele se adianta em ciência; durante outro,
em moralidade”.
Na questão 768 (adendo) Kardec diz: “Homem nenhum possui
faculdades completas. Mediante a união social é que elas umas às outras se
completam, para lhe assegurarem o bem-estar e o progresso. Por isso, é que,
precisando uns dos outros, os homens foram feitos para viver em sociedade e não
insulados”.
A questão 779 vai ao encontro da questão 768, pois diz:
“dá-se então que os mais adiantados auxiliam o progresso dos outros, por meio
do contato social”.
Dentro da linha sustentada pelo Espiritismo, o egoísmo,
juntamente com o orgulho, são os grandes males da humanidade e, somente quando
nos despojarmos do egoísmo, viveremos como irmãos, nos auxiliando
reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da solidariedade. O egoísmo se
enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominando sobre a vida
matéria.
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Considerações gerais
O lado positivo da pandemia Covid, se assim podemos falar em
algo positivo, foram as inúmeras campanhas para arrecadação de alimentos e o
engajamento de milhares de pessoas, incluindo aí os empresários, pois são
membros da sociedade civil e não podem ser generalizados como exploradores dos
pobres, como costuma ser o discurso da esquerda.
Aqui em Santos, durante o inverno do ano passado, participei
como voluntário num programa social conduzido pela prefeitura local, que
distribuía roupas para os moradores em situação de rua (não são
moradores de rua, pois não nasceram na rua) e pude ver a quantidade de doações
de roupas feitas pelos santistas, que carregam no brasão da cidade o lema: À
Pátria ensinei a caridade e a liberdade.
Quando somos crianças estamos despojados de todos os
preconceitos formados pela nossa convivência. Percebemos isso com clareza na
resposta de uma criança para sua mãe, quando esta lhe pergunta se na sua classe
havia alguém diferente, já sabendo que havia uma criança com síndrome de Down:
“tem sim mamãepois se todas fossem iguais, os pais não saberiam achar os
seus filhos na hora de buscá-los”.
Após a 2ª Guerra Mundial, a Marinha dos Estados Unidos para
conquistar a boa vontade dos moradores do minúsculo atol chamado Ifallik no
Oceano Pacífico, exibiu alguns filmes de Hollywood e tais filmes continham
cenas de violência, o que provocou um estresse na população local, levando
alguns nativos a ficar vários dias doentes. Anos depois, quando uma antropóloga
chegou a Ifalik para um trabalho de campo, os nativos perguntaram se era
verdade que nos USA havia pessoas que matavam outras pessoas...
A empresa de pesquisas World ValueSurvey realiza anualmente
um levantamentoa respeito do nível de confiança das pessoas e faz aos cidadãos
a seguinte pergunta: “em média, você acredita que as pessoas são confiáveis”?
Na última pesquisa, o Brasil teve o percentual de 5%, contra 70% na Noruega, ou
seja, considerando esse baixo percentual é possível entender o descrédito,
principalmente, em relação à classe política. Nem tudo está perdido, pois a
pandemia mostrou que as pessoas aderiram à campanha de vacinação e ao uso de
máscaras, apesar de que alguns ignorantes (aquele que ignora) acharem que era
uma gripezinha...
Mudar sua visão sobre a natureza humana, olhar para os
humanos de uma forma radicalmente nova, implicará consequências para sua
própria vida.
No início do texto disse que não tinha respostas para o
enunciado, mas ao encerrar o mesmo, cheguei à mesma conclusão da Anne Frank,
uma adolescente judia, que escreveu um
diário, enquanto conseguiu sobreviver escondida dos alemães na Holanda:
“É espantoso que eu não tenha abandonado todos os meus
ideais, que parecem tão absurdos e impraticáveis. Mas eu me apego a eles porque
ainda acredito, apesar de tudo, que as pessoas são realmente boas de coração” -
Anne Frank (1929-1945).
Obs.: o texto acima foi calcado no livro Humanidade –
uma história otimista do homem – Rutger Bregman, e, em alguns momentos, cópias
literais foram utilizadas. No livro, o autor relata uma série de
experimentos que queriam provar a “natureza má” do homem; porém ao longo da
história, o autor vai em busca de vários desses experimentos e ao revisitá-los
encontra muitas falhas. Infelizmente, até hoje prevalece os dados iniciais dos
experimentos, que continuam a alimentar uma visão negativa a respeito do homem.
O autor relata as dificuldades encontradas para publicar a sua obra e
“demonstrar” a natureza boa do homem.
Marco Videira é administrador, Presidente do Conselho da Comunidade Assistencial Espírita Lar Veneranda e reside em Santos
Artigo publicado no Jornal Abertura de abril de 2022 - quer acessar o jornal completo:
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