terça-feira, 5 de abril de 2022

O AI-5 e seu comparativo com o Espiritismo - por Roberto Rufo

 

O AI-5 e seu comparativo com o Espiritismo

 

"Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência" (Frase do Ministro do Trabalho Jarbas Passarinho em dezembro de 1968 ao presidente Costa e Silva.  Passarinho foi um dos 17 signatários do AI-5). 

 

"O ser humano é responsável pelo seu pensamento? Sim, é responsável diante de Deus. Só Deus, podendo conhecê-lo, o condena ou o absolve segundo a sua justiça". (Pergunta 834 do Livro dos Espíritos).

 

Em tempos de muita ideologia e pouco pensamento produtivo assiste-se no Brasil uma polarização irritante e desgastante produzindo uma insuportável avalanche de mensagens de fakenews nas redes sociais. Não adianta responder mostrando o contraditório do absurdo, pois a resposta feita e fabricada pelos líderes dessas redes logo se apresenta: "quem pesquisa se é fakenews pertence a grupos comunistas". Pronto de homem burguês conservador sou alçado à condição de comunista impatriota.

Muitos espíritas, dentro do seu inalienável direito de expressão e opinião, manifestam profundas simpatias pelo presidente Bolsonaro, a quem abomino por profundas discordâncias de consciência. Não só pelo seu inútil período de 28 anos como Deputado Federal, mas pelo seu histórico de impulsos desequilibrados e preconceitos ridículos.

No citado histórico o atual presidente, em 1987 confessou que elaborou um plano que previa a explosão de bombas em quartéis e outros locais estratégicos no Rio de Janeiro (Adutora de água do Guandu). Sua luta era pelo aumento do soldo dos militares. Note-se que ainda era Capitão da ativa. O plano foi descoberto.

Nesse artigo quero analisar em particular a ausência de autocrítica dos espíritas simpatizantes do presidente pelos apelos incessantes do grande grupo de apoio que clama por uma intervenção militar e pela volta do Ato Institucional nº 05. Ou para minha imensa tristeza talvez apoiem tais sandices.

Nas mega manifestações de apoio ao presidente em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo lá estavam dezenas de cartazes pedindo a volta do AI-5.

Os mais jovens talvez não conheçam o que foi esse famigerado artigo, mas os maiores de 65 anos têm a obrigação de saber. Pretendo com a minha experiência ajudar os mais jovens na compreensão desse hediondo artigo comparando alguns de seus itens com os conceitos espíritas, mesmo sabendo que "a luz que a experiência nos dá é de uma lanterna na popa, que ilumina apenas as ondas que deixamos para trás" nas sábias palavras do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge (1772-1834)

De início vamos esclarecer que o Ato Institucional Número Cinco (AI-5) foi o quinto de dezessete grandes decretos emitidos pela ditadura militar nos anos que se seguiram ao golpe de estado de 1964 no Brasil.O AI-5, o mais duro de todos os Atos Institucionais, foi emitido pelo presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968. 

 

Consequências imediatas do Ato Institucional Número Cinco foram:

1º) - O Presidente da República recebeu autoridade para fechar o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas dos estados; esse poder foi usado assim que o AI-5 foi assinado, resultando no fechamento do Congresso Nacional e de todas as Assembleias Legislativas dos estados brasileiros (com exceção de São Paulo) por quase um ano; o poder de fechar forçadamente o Congresso Nacional seria novamente usado em 1977, durante a implantação do Pacote de Abril;

Comparativo com o ideal espírita: Pergunta 837 do Livro dos Espíritos "qual o resultado dos entraves postos à liberdade de consciência"? Respondem os espíritos: "constranger os homens a agirem de modo contrário ao que pensam, torná-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso".

 

2º) - A permissão para o governo federal, sob pretexto de "segurança nacional", para intervir em estados e municípios, suspendendo as autoridades locais e nomeando interventores federais para dirigir os estados e os municípios;

Comparativo com o ideal espírita: Kardec em comentário à pergunta 872 diz que sem o livre-arbítrio o homem não tem demérito no mal, nem mérito no bem, e isso é igualmente reconhecido no mundo, onde proporciona a censura ou o elogio à intenção , quer dizer à vontade,. Ora, quem diz vontade diz liberdade. 

Em resumo, indicar interventores, como aconteceu nas cidades de Santos e Cubatão é vilipendiar a vontade popular. Durante muitos anos essas cidades foram impedidas de eleger seus representantes.

 

3º) - A censura prévia de música, cinema, teatro e televisão (uma obra poderia ser censurada se fosse entendida como uma subversão dos valores políticos e morais) e a censura da imprensa e de outros meios de comunicação; A ilegalidade das reuniões políticas não autorizadas pela polícia; houve também diversos toques de recolher em todo o país;

Comparativo com o ideal espírita: Pergunta 795 do Livro dos Espíritos : "qual é causa da instabilidade das leis humanas"? Respondem os espíritos: "Nos tempos de barbárie, são os mais fortes que fazem as leis e as fazem para eles". Aqui me permito contar um caso ocorrido com o meu estimado sogro, o pensador espírita Jaci Regis. Nessa triste época do AI-5 ele como jornalista possuía um pequeno jornal na cidade de Cubatão em sociedade com um amigo. O jornal era muito crítico ao interventor do momento em Cubatão. Este por sua vez fez uma denúncia ao DOPS (Departamento de Ordem Pública e Social). Neste local aconteciam prisões e torturas a quem ousasse criticar o regime militar. O jornalista Vladimir Herzog foi um trágico exemplo.

Denunciado, Jaci Régis foi "convidado" a comparecer à sede do DOPS em Santos. Algumas pessoas entravam e não saiam mais. Jaci informou apenas seu grande amigo José Rodrigues e sua esposa Palmyra. Felizmente foi apenas um susto, mas que tirou o sono do Jaci até o caso ser resolvido. Resultado: fecharam o jornal. 

 

4º) - A suspensão do habeas corpus (por crimes de motivação política): 

Explique-se: o habeas corpus é o mais básico dos processos porque ele protege o mais básico dos direitos: à liberdade pessoal;

Comparativo com o ideal espírita: Pergunta 880 do Livro dos Espíritos: "Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem"? "O de viver. Por isso ninguém tem o direito de atentar contra a vida de seu semelhante. Nem de fazer nada que possa comprometer a sua existência corporal". 

 

Espero ter esclarecido a total incompatibilidade do ideário espírita com o AI-5. Por isso espíritas simpatizantes do presidente Bolsonaro, solicito-lhes que pelo menos se recusem a aceitar essa aberração em suas vidas doutrinárias.

 

Roberto Rufo

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário