quarta-feira, 20 de abril de 2022

A Tragégia da Boate Kiss por Milton Medran Moreira

 

Opinião em Tópicos

 

                A TRAGÉDIA DA BOATE KISS

                Nove anos após o acontecido, os responsáveis pela tragédia da Boate Kiss, de Santa Maria/RS, começam a ser julgados pelo Tribunal do Júri.

                No incêndio de janeiro de 2013, morreram 242 pessoas, a maioria delas jovens de 20 a 30 anos, restando com sequelas mais de 600 outras.

                Como sempre acontece, quando de tragédias coletivas, intérpretes de plantão da lei de causa e efeito, dando a ela uma exegese linear, vingativa e cruel, não hesitaram em atribuir às vítimas a condição de verdugos do passado. Todas elas, atraídas pela draconiana “justiça divina”, que com fogo fere quem com fogo feriu, teriam purgado, naquela noite, as culpas que lhe incendiavam a alma, agora vendo incendiados seus próprios corpos jovens, em plena flor de uma nova encarnação.

                A “JUSTIÇA DIVINA RETRIBUTIVA”

                Ora, se assim fosse, os empresários e músicos que agora sentam no banco dos réus, ao darem causa à terrível tragédia, já estariam, de igual forma, plasmando uma futura encarnação na qual, eles próprios, terão de resgatar, com idênticos sofrimentos, o que infligiram às suas vítimas. Que “justiça divina” é essa que pereniza, encarnação após encarnação, mecanismos de pena retributiva, num infindo círculo vicioso?

                Pior que isso: aquele incêndio não teria punido apenas suas vítimas diretas. Perder um filho em circunstâncias assim implica em sofrimento de tal intensidade aos pais que, presume-se, supera, inclusive, a dor de quem parte. No caso, uma cidade inteira sofreu intensamente. Santa Maria é um grande centro universitário para o qual acorrem jovens das mais diferentes regiões. Nosso Estado, particularmente, e o mundo inteiro, viram as cenas dantescas do incêndio e não houve quem não se comovesse com a tragédia. Todos os que sofremos com isso estaríamos, diante do raciocínio linear da “justiça divina retributiva”, pagando débitos do passado?

                DORES QUE NÃO SE PODE MEDIR

                O tempo decorrido já deve ter amenizado um pouco a dor dos familiares das vítimas. Estes formaram uma associação de apoio e assistência mútua. Correto! A dor sofrida solidariamente é mais facilmente administrável. Mesmo assim, à luz do pensamento espírita, um aspecto me preocupa: o papel, aparentemente central, assumido pelos familiares, qual seja o de agravar o mais possível a pena a ser aplicada aos acusados.

                Impressionou-me uma entrevista dada por um dos réus que, inclusive, já esteve temporariamente preso. Ele diz que, decorridos nove anos, a tragédia está permanentemente em seu pensamento. Dorme e acorda com as cenas daquela madrugada. Nunca mais conseguiu sequer trabalhar. Não há divertimento, lazer ou consolo capazes de afastar a dor que lhe ficou na alma. Poderá haver pena maior?

                JUSTIÇA E VINGANÇA

                Embora a mim pareça tratar-se de um crime de natureza culposa (quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia), a definição jurídica finalmente dada ao delito foi a de dolo eventual (quando o agente, mesmo não querendo o resultado, assume o risco de produzi-lo).

                Aceita a tese dolosa, os réus deverão ser condenados a longos anos de prisão. E aí a pergunta que me faço: que benefício esse encarceramento poderá trazer à sociedade, aos acusados, aos familiares das vítimas, a elas próprias (se estas, em outra dimensão, ainda se preocupem com isso)?

                Tantos anos envolvido com questões de direito conjugado com a reflexão espírita, penso que o cometimento de um erro, sejam quais forem suas consequências – e aqui elas foram particularmente trágicas -, gera proporcional sofrimento ao transgressor.

                Chego a esta fase amadurecida de minha encarnação com um convencimento acerca do complexo problema crime/castigo: a prisão, via de regra, é medida inócua. O encarceramento de alguém só se justifica como defesa social e não como instrumento de retribuição do mal com o mal. A vida tem mecanismos naturais de sofrimento, aprendizado e recuperação só alcançáveis pelo exercício do amor e do perdão.

 Justiça sempre. Vingança jamais!

Artigo publicado no Jornal Abertura -dezembro de 2021

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Em janeiro de 2017 este blog publicou um artigo de Roberto Rufo - Tragédia de Santa Maria e os nossos filhos. Você pode revisar aqui neste link:

https://www.blogger.com/blog/post/edit/8190435979242028935/7961016368892947702

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