segunda-feira, 15 de abril de 2019

BREVE REFLEXÃO SOBRE ESPIRITISMO, POLÍTICA E SOCIEDADE NO ÂMBITO DA CEPA - por Ricardo de Morais Nunes


BREVE REFLEXÃO SOBRE ESPIRITISMO, POLÍTICA E SOCIEDADE NO ÂMBITO DA CEPA.

Em tempos de polêmicas políticas e sociais, tanto na esfera nacional quanto internacional, vale a pena pensarmos sobre o papel dos espíritas laicos e da CEPA (Associação Espírita Internacional) em relação a estes temas. Trata-se de uma reflexão de grande importância no que diz respeito as diretrizes fundamentais do movimento espírita laico e livre pensador, que precisa delinear, com precisão de princípios, o que poderíamos chamar de um pensamento social espírita, com vistas a compreensão e enfrentamento dos temas sociais e políticos do mundo contemporâneo.

  O intelectual espírita deve ter uma abrangência global em seu olhar para a realidade. Deve ser alguém capaz de pensar desde as questões metafísicas até as estruturas sociais. O intelectual espírita, portanto, deve refletir sobre o além, sobre as condições existenciais na esfera extrafísica; sobre o homem terreno, enquanto indivíduo encarnado; e sobre o mundo, em seu aspecto de organização social.  Devemos ser capazes de abrigar no âmbito da CEPA e da CEPABrasil (Associação Brasileira dos delegados e amigos da CEPA) espíritas que pensem e falem sobre todos os temas da filosofia espírita.

Neste sentido, temos que ser capazes de discutir sobre o períspirito, mas também devemos refletir sobre as exclusões econômicas e sociais proporcionadas pelo sistema capitalista de produção. Devemos ter a capacidade de refletir sobre os efeitos benéficos do magnetismo, mas também sobre as restrições à liberdade individual geradas pelas chamadas ditaduras do proletariado. Devemos ser livres para discutir sobre “Nosso lar”, a colônia espiritual revelada pelo espírito André Luiz, mas também devemos refletir sobre a importância da defesa do laicismo ante a influência das religiões no Estado. Por fim, devemos filosofar sobre a ideia de Deus, mas também devemos nos dedicar a pensar nos processos de corrupção pública e privada que abalam os orçamentos das nações e desviam recursos fundamentais que deveriam ser aplicados no bem comum.

 Devemos discutir todos estes temas e outros de natureza política e social, à luz da filosofia espírita e das ciências sociais, abertamente, dialeticamente, sem sectarismo, e com pleno respeito a opinião do outro, em uma tentativa honesta, verdadeira, de compreensão profunda de fenômenos políticos, sociais e econômicos complexos, que não se prestam a simplificações através de frases feitas ou sentenças definitivas.

No campo das ideias políticas e sociais, há alguns companheiros que defendem que a CEPA e a CEPABrasil devem ser uma espécie de guarda-chuva, com vistas a abrigar tanto os espíritas de direita, quanto os de esquerda, e os que não tem posição política. Apesar de concordarmos com a necessidade de abrigar a todos, em um espírito de alteridade e fraternidade, pensamos que a CEPA e a CEPABrasil, enquanto instituições, não devem ser neutras no que diz respeito a estes temas.

 Em conformidade com os princípios sociais humanistas da filosofia espírita, a CEPA e a CEPABrasil devem se colocar expressamente, inequivocamente, a favor das liberdades democráticas, da justiça social, do laicismo, dos direitos humanos, da ética na condução dos negócios públicos e privados, e da preservação ecológica do planeta.  Na ordem internacional, os espíritas laicos e livre pensadores devem ser defensores do pacifismo, ou seja, da resolução não violenta dos conflitos entre as nações, e devem ser contrários a quaisquer tipos de imperialismos ou neocolonialismos, em pleno e absoluto respeito à soberania dos povos para decidir seus destinos.

 Em especial, estas instituições do movimento espírita laico e livre pensador devem se colocar decisivamente a favor dos mais fracos economicamente na sociedade.  Quanto a preocupação com os mais carentes que alguns no Brasil de hoje em dia lamentavelmente chamam de partidária ou esquerdista, e que preferimos chamar de humanista, vale lembrar uma frase de O Livro dos Espíritos que sintetiza esta preocupação na obra espírita: “Numa sociedade organizada segundo a lei do cristo, ninguém deve morrer de fome” (reposta a questão 930 LE). Esta frase deveria ser um antídoto contra qualquer tendência a uma pretensa neutralidade dos espíritas nestes temas.  Aliás, quanto a acusação de que pensar nas estruturas injustas da sociedade e nos mais carentes é coisa apenas de comunista, lembramos de uma célebre frase do cristão Dom Hélder Câmara: “Quando alimentei os pobres chamaram-me santo, mas quando perguntei por que há gente pobre chamaram-me comunista”.

Os espíritas têm sido muito eficazes ao longo da história do movimento espírita na criação de instituições de caridade, em cuidar dos efeitos das sociedades desiguais, o que é muito bom e sempre deverá ser incentivado. No entanto, o pensador espírita deve ir além com vistas a pensar nas causas profundas das desigualdades sociais, a fim de construir um pensamento social espírita maduro sobre tais temas.

A CEPA e a CEPABrasil não podem cair no erro de pensar apenas no indivíduo, na reforma moral ou intima, ignorando as estruturas econômicas, sociais e, principalmente, as ideológicas, uma vez que estas últimas condicionam e atravessam o indivíduo, constituindo lhe a subjetividade e sua maneira de ser e estar no mundo. A ideologia vigente, de índole materialista, estimulada pelos interesses do capital, baseada na mercantilização da vida, fundamentada na preferência do ter sobre o ser, na ideia de concorrência de todos contra todos, na acumulação financeira, e na exaltação do supérfluo sobre o necessário, concorre na deformação ética do indivíduo, daí a necessidade do pensamento crítico com vistas ao aperfeiçoamento moral do homem.

A ideia de um homem e de um mundo melhor, mais fraterno e justo, está presente na filosofia espírita. Esta ideia perpassa desde a mudança do indivíduo até a mudança das instituições. Portanto, cabe ao espírita intelectualmente maduro pensar globalmente sobre todas as questões, sobre todos os assuntos, a partir de todas as perspectivas do conhecimento filosófico. O espiritismo deve permanentemente dialogar com todas as ciências desde as ciências físicas, psicológicas, biológicas, parapsicológicas, humanas, astronômicas, etc. Os espíritas e o espiritismo têm muito a contribuir com estes ramos do conhecimento, mas também tem muito a aprender e assimilar em um contexto de progressividade do pensamento espírita.

 Entendemos que o adjetivo “progressista” que adotamos na CEPA e CEPABrasil não deve ser compreendido pela metade, apenas no que diz respeito a liberdade no campo dos costumes, mas também no que diz respeito ao avanço dos processos sociais no sentido do progresso, em direção a mais vida, mais igualdade, mais liberdade, para todos que se encontram neste planeta, independentemente dos governos de plantão.

 Alguns dirão que existem as verdades eternas com as quais devemos particularmente nos preocupar. E que não devemos nos preocupar com as questões terrenas e transitórias. Certamente que não precisamos nos envolver com a pequena política partidária dos interesses egoístas, bem como com as mesquinhas disputas pelo poder. Certamente que não devemos fazer campanha política dentro do centro espírita, e muitos menos querer formar uma bancada espírita no congresso.  Não precisamos formar o partido espírita. No entanto, podemos discutir nos centros, federações e eventos espíritas, princípios filosóficos de caráter social e político, podemos elaborar debates, produzir palestras, artigos, trabalhos e livros, em absoluto clima de livre pensar, com vistas a estabelecermos uma concepção espírita humanista, democrática, equitativa e ecológica de mundo e sociedade. E podemos até mesmo realizar ações, enquanto membros da sociedade civil, com vistas a contribuir de alguma forma para a melhoria da vida social.

   Temos condições de estabelecer no âmbito do movimento espírita laico e livre pensador um pensamento social espírita crítico, isento de preconceitos filosóficos, que se proponha a estudar e refletir desde o liberalismo até ao marxismo, o que fará com que nos habilitemos a dialogar com o mundo contemporâneo no que diz respeito aos temas políticos e sociais. Podemos compreender esta necessidade de formação intelectual séria dos espíritas ante as inúmeras mensagens e declarações pueris e alienadas que são enviadas por alguns espíritas pela internet e redes sociais, as quais muitas delas passam a imagem que os espíritas como um todo vivem em um mundo abstrato, de colorido fantasioso, e de expectativas messiânicas e mágicas.

É preciso lembrar que o espiritismo considera a presença do homem no mundo, encarnado, como um fator de evolução intelecto- moral, não apenas do indivíduo, mas também das sociedades. Além do mais, os problemas estruturais de nossa sociedade produzem extremo sofrimento em grande parte da população, e conhecer as causas do sofrimento humano, para atenua-lo, certamente é um dos interesses do espiritismo.

Outros dirão que o ambiente político e social brasileiro e internacional está polarizado, e que tais reflexões perturbariam nosso ambiente e não seriam fator de agregação e harmonia. Porém, é justamente nos momentos de crise que temos a oportunidade de dizer ao mundo a que viemos. É nos momentos de crise que revelamos integralmente quem somos. É nestes momentos que devemos oferecer àqueles que se aproximam dos espíritas laicos e livre pensadores uma reflexão séria do mundo e da sociedade, a partir de todo o arcabouço filosófico produzido pelos pensadores espíritas de todos os tempos no campo político e social, e também levando em consideração toda a produção das ciências humanas produzidas até este momento histórico.

 Existirão aqueles que, ante as reflexões acima, dirão que o que importa mesmo é o melhoramento intelecto-moral do indivíduo, e que o progresso social virá por consequência. Porém, a filosofia espírita nos convida a um pensamento mais amplo, não restritivo, no que diz respeito aos problemas do mundo. Vivemos em sociedades extremamente individualistas, desiguais, ainda extremamente injustas para a grande maioria das pessoas. Se não nos preocuparmos com isso estaremos nos alienando. Por fim, a filosofia espírita nos convida a pensar e a crer   em um outro mundo terreno possível, mais justo, solidário, livre, e amoroso, quando nos fala da lei de progresso. Se ignorarmos este aspecto do espiritismo, estaremos compreendendo o espiritismo de forma incompleta.


RICARDO DE MORAIS NUNES: É presidente do CPDoc (Centro de Pesquisa e documentação Espírita- Instituição filiada a CEPA – Associação Espírita internacional)

Nota : Este artigo será publicado no Jornal Abertura nas edições de abril e maio de 2019








quarta-feira, 10 de abril de 2019

O Espiritismo que queremos? por Alexandre Cardia Machado



Allan Kardec certamente queria algumas coisas como: antepor-se ao materialismo que começava a tomar conta do pensamento moderno; queria demonstrar que a vida no Universo tinha dois componentes o físico e o espiritual; queria demonstrar que existia uma lógica moral regendo este Universo, determinada por Deus; queria que compreendêssemos e espíritismo de uma maneira mais uniforme possível. Para isso manteve o monopólio do que era ou não espiritismo sob sua batuta até o sua desencarnação.

No livro Obras Póstumas, no capítulo Constituição do Espiritismo, os passos para a sua atualização estão ali escritos, vale salientar que este livro, feito sobre manuscritos do Professor Rivail, não foi publicado por ele, caso o fosse o nome do mesmo não seria este, foi publicada somente em 1890, 21 anos após a desencarnação de Kardec.

Mas o que queremos mesmo do espiritismo hoje, passados 150 anos da desencarnação do professor Hipollyte Léon Denizard Rivail que se completará este mês, no dia 31 de março?
Como somos livres-pensadores, unanimidade não é o nosso forte, não conseguimos, ainda que tenhamos tentado, criar mecanismos de atualização, não gostamos de comitês e acreditamos que grupos de especialistas tendem mais a afastar ideias novoas do que aceitá-las. Mas existiram iniciativas de consolidação do pensamento livre-pensador da CEPA, dois livros publicados e os congressos que periodicamente revisitam temas importantes.

Desta forma, e através dos jornais como o nosso Abertura e o Opinião do CCEPA, grupos como o CPDOc e editoras como as do ICKS, do CCEPA que com seus livros fomos consolidando um novo vocabulário, mas atual, ainda que longe de representar um pensamento organizado. No entanto trás o convívio de ideias novas aos velhor livros da codificação. Nos ajudaram a nos livrar das amarras do entendimento errado das reencarnações punitivas e permitiu um transitat num frescor de um novo pensar espírita.

Este caminhar nos afastou do movimento religioso e se formos bastante críticos, dos próprios textos básicos espíritas, não que não reconheçamos seu valor, são importantíssimos como caminho necessário ao conhecimento, mas estão muito ultrapassados em forma e conteúdo, especialmente em pontos que se aproximam da ciência, ou de algumas questões humanas como racismo, papel da mulher entre outros.

Relatando aqui uma experiência do ICKS de sete anos seguidos, ministrando um curso chamado – Estudo Dirigido do Livro dos Espíritos – enfocado a pessoas comuns, por onde mais de 200 pessoas, espíritas ou não, passaram por nós. Nos vimos na situação de selecionarmos as questões que iríamos apresentar, pois cerca de 30% das respostas de questões do Livro dos Espíritos estão obsoletas, ou então não apresentam Deus como Inteligência Suprema e sim como o deus de Abraão, raivoso e punitivo, algo que pode ter passado despecebido por Kardec, talvez  por que ao seu tempo este questionamento não estivesse maduro suficiente ainda.

Somos, verdadeiramente um grupo pós Kardec e quanto mais rápido aceitarmos isso, melhor será para nosso grupo. Não entendam o pós-Kardec como anti Kardec, pois isso não somos. Mas buscamos ver além de Kardec do século XIX tentando nos colacar na posição dele hoje, pensando como pensaria Kardec se hoje estivesse encarnado.

Talvez não haja consenso no que escrevo aqui, mas acredito que vale o exercício, aberto naturalmente à crítica construtiva.

O que queremos do espiritismo:

- um espiritismo livre, atual, capaz de enfrentar as questões do nosso tempo, de nosso cotidiano;

- que tenha uma linguagem moderna, capaz de atrair a juventude;

- que entenda e que ensine a imortalidade dinâmica, como instrumento de aperfeiçoamento do espírito;

- que seja uma ciência da alma, pois nosso objeto muda do espírito desencarnado, para o espírito imortal, com enfase na sua atuação enquanto encarnado, pois é sobre ele que o espiritismo pode fazer a diferença como um instrumento de entendimento do mundo;

- que seja tolerante, fraterno e humanista;

- que incorpore a Declaração Universal dos Direitos do Homem como um de seus fundamentos;
- que seja legitimamente democrática;

- que não seja oportunista, nem tudo que vem dos espíritos pela mediunidade é espiritismo;

- que as casas espíritas incentivem o estudo, o diálogo e a produção de trabalhos espíritas;

- que as relações entre seus membros sejam ditadas pelo respeito;

- que possa ser político, mas não partidário.

Poderíamos seguir listando ideias, mas mais importante do que escrever é fazer, esta sempre foi a característica de um espírita a ação que corresponde às palavras.

Gostou, quer ler o jornal abertura de março de 2019 onde foi publicado?