BREVE REFLEXÃO SOBRE ESPIRITISMO, POLÍTICA
E SOCIEDADE NO ÂMBITO DA CEPA.
Em tempos de polêmicas políticas e sociais, tanto
na esfera nacional quanto internacional, vale a pena pensarmos sobre o papel
dos espíritas laicos e da CEPA (Associação Espírita Internacional) em relação a
estes temas. Trata-se de uma reflexão de grande importância no que diz respeito
as diretrizes fundamentais do movimento espírita laico e livre pensador, que
precisa delinear, com precisão de princípios, o que poderíamos chamar de um
pensamento social espírita, com vistas a compreensão e enfrentamento dos temas
sociais e políticos do mundo contemporâneo.
O intelectual espírita deve ter uma
abrangência global em seu olhar para a realidade. Deve ser alguém capaz de
pensar desde as questões metafísicas até as estruturas sociais. O intelectual
espírita, portanto, deve refletir sobre o além, sobre as condições existenciais
na esfera extrafísica; sobre o homem terreno, enquanto indivíduo encarnado; e
sobre o mundo, em seu aspecto de organização social. Devemos ser capazes de abrigar no âmbito da
CEPA e da CEPABrasil (Associação Brasileira dos delegados e amigos da CEPA)
espíritas que pensem e falem sobre todos os temas da filosofia espírita.
Neste sentido, temos que ser capazes de discutir
sobre o períspirito, mas também devemos refletir sobre as exclusões econômicas
e sociais proporcionadas pelo sistema capitalista de produção. Devemos ter a capacidade
de refletir sobre os efeitos benéficos do magnetismo, mas também sobre as
restrições à liberdade individual geradas pelas chamadas ditaduras do
proletariado. Devemos ser livres para discutir sobre “Nosso lar”, a colônia
espiritual revelada pelo espírito André Luiz, mas também devemos refletir sobre
a importância da defesa do laicismo ante a influência das religiões no Estado.
Por fim, devemos filosofar sobre a ideia de Deus, mas também devemos nos
dedicar a pensar nos processos de corrupção pública e privada que abalam os
orçamentos das nações e desviam recursos fundamentais que deveriam ser
aplicados no bem comum.
Devemos
discutir todos estes temas e outros de natureza política e social, à luz da
filosofia espírita e das ciências sociais, abertamente, dialeticamente, sem
sectarismo, e com pleno respeito a opinião do outro, em uma tentativa honesta,
verdadeira, de compreensão profunda de fenômenos políticos, sociais e econômicos
complexos, que não se prestam a simplificações através de frases feitas ou
sentenças definitivas.
No campo das ideias políticas e sociais, há alguns
companheiros que defendem que a CEPA e a CEPABrasil devem ser uma espécie de guarda-chuva,
com vistas a abrigar tanto os espíritas de direita, quanto os de esquerda, e os
que não tem posição política. Apesar de concordarmos com a necessidade de
abrigar a todos, em um espírito de alteridade e fraternidade, pensamos que
a CEPA e a CEPABrasil, enquanto instituições, não devem ser neutras no que
diz respeito a estes temas.
Em
conformidade com os princípios sociais humanistas da filosofia espírita, a CEPA
e a CEPABrasil devem se colocar expressamente, inequivocamente, a favor
das liberdades democráticas, da justiça social, do laicismo, dos direitos
humanos, da ética na condução dos negócios públicos e privados, e da
preservação ecológica do planeta. Na ordem
internacional, os espíritas laicos e livre pensadores devem ser defensores do
pacifismo, ou seja, da resolução não violenta dos conflitos entre as nações, e
devem ser contrários a quaisquer tipos de imperialismos ou neocolonialismos, em
pleno e absoluto respeito à soberania dos povos para decidir seus destinos.
Em especial,
estas instituições do movimento espírita laico e livre pensador devem se colocar
decisivamente a favor dos mais fracos economicamente na sociedade. Quanto
a preocupação com os mais carentes que alguns no Brasil de hoje em dia
lamentavelmente chamam de partidária ou esquerdista, e que preferimos chamar de
humanista, vale lembrar uma frase de O Livro dos Espíritos que sintetiza
esta preocupação na obra espírita: “Numa
sociedade organizada segundo a lei do cristo, ninguém deve morrer de fome”
(reposta a questão 930 LE). Esta frase deveria ser um antídoto contra
qualquer tendência a uma pretensa neutralidade dos espíritas nestes temas. Aliás, quanto a acusação de que pensar nas
estruturas injustas da sociedade e nos mais carentes é coisa apenas de
comunista, lembramos de uma célebre frase do cristão Dom Hélder Câmara: “Quando alimentei os pobres chamaram-me
santo, mas quando perguntei por que há gente pobre chamaram-me comunista”.
Os espíritas têm sido muito eficazes ao longo da
história do movimento espírita na criação de instituições de caridade, em
cuidar dos efeitos das sociedades desiguais, o que é muito bom e sempre deverá
ser incentivado. No entanto, o pensador espírita deve ir além com vistas a
pensar nas causas profundas das desigualdades sociais, a fim de construir um
pensamento social espírita maduro sobre tais temas.
A CEPA e a CEPABrasil não podem cair no erro de
pensar apenas no indivíduo, na reforma moral ou intima, ignorando as
estruturas econômicas, sociais e, principalmente, as ideológicas, uma vez
que estas últimas condicionam e atravessam o indivíduo, constituindo lhe a
subjetividade e sua maneira de ser e estar no mundo. A ideologia vigente,
de índole materialista, estimulada pelos interesses do capital, baseada na
mercantilização da vida, fundamentada na preferência do ter sobre o ser, na
ideia de concorrência de todos contra todos, na acumulação financeira, e na exaltação
do supérfluo sobre o necessário, concorre na deformação ética do indivíduo, daí
a necessidade do pensamento crítico com vistas ao aperfeiçoamento moral do
homem.
A ideia de um homem e de um mundo melhor, mais
fraterno e justo, está presente na filosofia espírita. Esta ideia
perpassa desde a mudança do indivíduo até a mudança das instituições. Portanto,
cabe ao espírita intelectualmente maduro pensar globalmente sobre todas as
questões, sobre todos os assuntos, a partir de todas as perspectivas do
conhecimento filosófico. O espiritismo deve permanentemente dialogar com todas
as ciências desde as ciências físicas, psicológicas, biológicas,
parapsicológicas, humanas, astronômicas, etc. Os espíritas e o espiritismo têm
muito a contribuir com estes ramos do conhecimento, mas também tem muito a
aprender e assimilar em um contexto de progressividade do pensamento espírita.
Entendemos
que o adjetivo “progressista” que adotamos na CEPA e CEPABrasil não deve ser
compreendido pela metade, apenas no que diz respeito a liberdade no campo dos
costumes, mas também no que diz respeito ao avanço dos processos sociais no
sentido do progresso, em direção a mais vida, mais igualdade, mais liberdade, para
todos que se encontram neste planeta, independentemente dos governos de plantão.
Alguns dirão
que existem as verdades eternas com as quais devemos particularmente nos preocupar.
E que não devemos nos preocupar com as questões terrenas e transitórias.
Certamente que não precisamos nos envolver com a pequena política partidária
dos interesses egoístas, bem como com as mesquinhas disputas pelo poder.
Certamente que não devemos fazer campanha política dentro do centro espírita, e
muitos menos querer formar uma bancada espírita no congresso. Não precisamos formar o partido espírita. No
entanto, podemos discutir nos centros, federações e eventos espíritas,
princípios filosóficos de caráter social e político, podemos elaborar debates,
produzir palestras, artigos, trabalhos e livros, em absoluto clima de livre
pensar, com vistas a estabelecermos uma concepção espírita humanista, democrática,
equitativa e ecológica de mundo e sociedade. E podemos até mesmo realizar
ações, enquanto membros da sociedade civil, com vistas a contribuir de alguma
forma para a melhoria da vida social.
Temos
condições de estabelecer no âmbito do movimento espírita laico e livre pensador
um pensamento social espírita crítico, isento de preconceitos filosóficos, que
se proponha a estudar e refletir desde o liberalismo até ao marxismo, o que
fará com que nos habilitemos a dialogar com o mundo contemporâneo no que diz
respeito aos temas políticos e sociais. Podemos compreender esta necessidade de
formação intelectual séria dos espíritas ante as inúmeras mensagens e
declarações pueris e alienadas que são enviadas por alguns espíritas pela
internet e redes sociais, as quais muitas delas passam a imagem que os
espíritas como um todo vivem em um mundo abstrato, de colorido fantasioso, e de
expectativas messiânicas e mágicas.
É preciso lembrar que o espiritismo considera a
presença do homem no mundo, encarnado, como um fator de evolução intelecto-
moral, não apenas do indivíduo, mas também das sociedades. Além do mais, os
problemas estruturais de nossa sociedade produzem extremo sofrimento em grande
parte da população, e conhecer as causas do sofrimento humano, para atenua-lo,
certamente é um dos interesses do espiritismo.
Outros dirão que o ambiente político e social
brasileiro e internacional está polarizado, e que tais reflexões perturbariam
nosso ambiente e não seriam fator de agregação e harmonia. Porém, é justamente
nos momentos de crise que temos a oportunidade de dizer ao mundo a que viemos.
É nos momentos de crise que revelamos integralmente quem somos. É nestes
momentos que devemos oferecer àqueles que se aproximam dos espíritas laicos e
livre pensadores uma reflexão séria do mundo e da sociedade, a partir de todo o
arcabouço filosófico produzido pelos pensadores espíritas de todos os tempos no
campo político e social, e também levando em consideração toda a produção das
ciências humanas produzidas até este momento histórico.
Existirão
aqueles que, ante as reflexões acima, dirão que o que importa mesmo é o
melhoramento intelecto-moral do indivíduo, e que o progresso social virá por
consequência. Porém, a filosofia espírita nos convida a um pensamento mais
amplo, não restritivo, no que diz respeito aos problemas do mundo. Vivemos em
sociedades extremamente individualistas, desiguais, ainda extremamente injustas
para a grande maioria das pessoas. Se não nos preocuparmos com isso estaremos
nos alienando. Por fim, a filosofia espírita nos convida a pensar e a crer em um
outro mundo terreno possível, mais justo, solidário, livre, e amoroso, quando
nos fala da lei de progresso. Se ignorarmos este aspecto do espiritismo,
estaremos compreendendo o espiritismo de forma incompleta.
RICARDO DE MORAIS NUNES: É presidente do CPDoc (Centro de Pesquisa e
documentação Espírita- Instituição filiada a CEPA – Associação Espírita
internacional)
Nota : Este artigo será publicado no Jornal Abertura nas edições de abril e maio de 2019
Gostei muito da convergência entre nossos pontos de vista.
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