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terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A Fé Raciocinada - por Alexandre Cardia Machado

 

A Fé Raciocinada uma visão Livre-pensadora

 

“Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.

Allan Kardec”




Nunca antes a expressão acima do mestre lionês se mostrou tão sábia, em tempos de corona-vírus o que mais nos ajuda a enfrentar o problema é a razão, representada pela ciência.

Contudo o mundo se depara frente a um dilema, parar tudo o que for possível para estancar a proliferação rápida do vírus pagando com isto a conta com uma recessão mundial, ou seguir a vida normalmente e sacrificar uma parcela mais vulnerável da população, sem a menor capacidade de antever até onde isto poderia chegar.

O mundo inteiro, apesar das diversas reclamações de vários setores, optou pela saída mais humanista, por salvar mais vidas e com isto vamos colocar o planeta em quarentena, esta é a opção mais sensata. Mesmo no Brasil onde nosso presidente insiste em falar contra o isolamento horizontal, ele tem ficado na retórica a prática do governo é sim pelo isolamento.

Claro, que não são todos os que estão, ou ficarão em quarentena, mas todos devem se proteger, a área de saúde, de segurança, toda a cadeia de alimentação, transporte e logística e geração de energias, não pode parar.

Para que parte da população possa ficar em casa, alguns serviços precisam funcionar. Há que prover energia para fábricas, hospitais e residências, combustível e alimentos a todos, bem como necessitamos de uma capacidade de produzir remédios, e aparelhos médicos, entre muitas outras coisas. Com isto o vírus continuará se propagando, mas a uma velocidade menor e compatível com a nossa capacidade de lidar com a doença.

O momento é de união pela vida, de exercermos a paciência e a resiliência. A crise será superada, como sempre se supera e o mundo voltará a crescer. Governos de todos os matizes ideológicos estão tomando ações para superar a crise de falta de dinheiro que pode implicar na incapacidade de comprar mantimentos da população. Porém, acreditar que a barbárie tomará conta do mundo é um salto muito grande, estamos seguros de que a generosidade se fará presente como sempre aconteceu na história da humanidade em situações como estas.

A medicina encontrará remédios, já existem alguns tratamentos que estão sendo testados todos os governos estão trabalhando para aumentar a capacidade de leitos hospitalares de UTI, se tivermos paciência e aguentarmos ficar em casa o máximo de tempo possível, vamos superar.

Temos que enfrentar os problemas um a um, primeiro o vírus e a seguir o problema de fome, se este problema de fato chegar a ocorrer, as medidas de apoio podem minimizar o impacto da fome, outras se seguirão de acordo com o desenrolar dos acontecimentos.

É hora, quem sabe de olharmos para dentro de nós e vermos o que podemos fazer pelo outro? Moro em um bairro com muitos edifícios altos, hoje fomos surpreendidos por um show de teatro para crianças feito na sacada do prédio ao lado, com autofalantes e transmissão pela internet, assim como este evento que relato, tantos outros ocorreram na Itália e em outras partes do mundo, alguns só para quebrar a rotina do “Dia da Marmota” (nome de um filme onde a cada manhã o protagonista voltava ao dia anterior – tudo era igual, só ele quem mudava) em que estamos vivendo em nossos momentos de confinamento forçado. Outros eventos online estão sendo feitos com o objetivo de arrecadar fundos para ajudar a resolver o problema.

Alguns podem simplesmente contribuir com dinheiro para as diversas organizações de acolhimento que existem, por que não?

- Bah! Mas alguns dirão, - não sei como fazer? Quem for de Santos, basta olhar no carnê do IPTU onde temos várias opções de organizações que fazem trabalho voluntário que podemos doar, são só sugestões, sabemos que todos já estão fazendo algo.

No momento em que escrevo, observo que a Fundação Porta Aberta, já apresentada anteriormente neste jornal, na coluna - Gente que Faz - dirigida por Mauro Spinola e nossa presidente da CEPA Internacional, Jacira Silva e outros amigos, está viabilizando a fabricação de máscaras de proteção, informações podem ser obtidas pelo WhatsApp – conforme quadro abaixo. Quem quiser pode ajudar através deles também. Trata-se de uma parceria com o Rotary Club de São Paulo.

Artigo publicado no jornal Abertura abril 2020

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

Gostou? Você pode encontrar muito mais no Jornal Abertura – digital, totalmente gratuito.

Acesse: CEPA Internacional


sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Revolucionário, eu? Seria a reencarnação obrigatória? por Reinaldo di Lucia


Durante o XXI Congresso Espírita Panamericano, realizado em Santos, o trabalho que escrevi, propondo a possibilidade da reencarnação não ser obrigatória, provocou alguma polêmica. Muitos vieram dizer-me: “Quer dizer que agora, depois de tirarmos Jesus e questionarmos o Perispírito, estamos também eliminando a Reencarnação do Espiritismo?”




Penso que o medo da mudança é tão constante no homem que chega a ser natural este tipo de questionamento. Afinal, desde crianças, quando frequentávamos a infância espírita – naquela época ainda chamada de “escolinha”, um provável diminutivo de “escola de evangelização” – a reencarnação é encarada quase como um dogma. Aliás, em perfeita consonância com Kardec: “Em que se funda o dogma da reencarnação? Na justiça de Deus e na revelação (...)” (Livro dos Espíritos, pergunta 171).

Talvez eu seja mesmo um espírito, digamos, inquieto. Penso que o comodismo do pensamento, o congelamento das ideias leva a uma cristalização que é fatal para a sobrevivência de uma doutrina tão dinâmica quanto o Espiritismo. E assim, desde muito, as perguntas “e se ...” e “ou não” fazem parte integrante da minha visão espírita. Considero necessária e fundamental a revisão periódica dos princípios espíritas, ainda mais se considerarmos o quão rapidamente o conhecimento humano vem evoluindo.

Eis porque considero que a proposta de um trabalho consistente de atualização do Espiritismo, feita há mais de 10 anos pela CEPA, é o que há de mais importante neste século XXI. Não há outras formas de mantermo-nos vivos e atuantes a não ser construindo pontes com as demais formas de conhecimento humano e, se necessário, revendo conceitos que já não mais se sustentam.

Mas, para que isso se efetive, é essencial que nós, espíritas laicos, livres-pensadores e progressistas, tenhamos a mente aberta para a possibilidade da mudança. E, para isso, não pode haver tabus, temas proibidos, impossibilidades a priori. A discussão, o questionamento é obrigatório; a conclusão será feita a partir desse questionamento.

Vamos tirar a reencarnação do corpo doutrinário espírita? Não, não é essa a proposta. Mas temos que analisar com calma até que ponto o livre arbítrio de cada ser pode possibilitar a ele a escolha da não reencarnação. E essa avaliação passa por uma série de outros questionamentos, como fica o edifício conceitual espírita se isso for assim? Qual a extensão do nosso livre-arbítrio? Que outras formas de aprendizado seriam possíveis? Como se dá a evolução? Enfim, há um desdobramento significativo que, de modo amplo, só contribuirá para que o Espiritismo seja mais firme – e que cada um de nós, espíritas, compreendamo-lo ainda melhor.

Que tal, despretensiosamente, despertar o livre-arbítrio revolucionário que vive em você? A reflexão te dará embasamento para mudar seus conceitos, ou mantê-los (seja da mesma forma de antes, seja com novos pilares). Modernizar é isso: pensar, repensar, reciclar, redescobrir, reinventar. Afirmar o mesmo de sempre em uma realidade absolutamente diferente, sem nem ousar uma dúvida sobre o posto, é contextualizar às avessas. Necessário, em algumas situações, mas já exaustivamente explorado, há pelo menos 100 anos, no que tange a filosofia Espírita.  

NR: Este artigo foi publicado no jornal Abertura em novembro de 2012

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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segunda-feira, 15 de abril de 2019

BREVE REFLEXÃO SOBRE ESPIRITISMO, POLÍTICA E SOCIEDADE NO ÂMBITO DA CEPA - por Ricardo de Morais Nunes


BREVE REFLEXÃO SOBRE ESPIRITISMO, POLÍTICA E SOCIEDADE NO ÂMBITO DA CEPA.

Em tempos de polêmicas políticas e sociais, tanto na esfera nacional quanto internacional, vale a pena pensarmos sobre o papel dos espíritas laicos e da CEPA (Associação Espírita Internacional) em relação a estes temas. Trata-se de uma reflexão de grande importância no que diz respeito as diretrizes fundamentais do movimento espírita laico e livre pensador, que precisa delinear, com precisão de princípios, o que poderíamos chamar de um pensamento social espírita, com vistas a compreensão e enfrentamento dos temas sociais e políticos do mundo contemporâneo.

  O intelectual espírita deve ter uma abrangência global em seu olhar para a realidade. Deve ser alguém capaz de pensar desde as questões metafísicas até as estruturas sociais. O intelectual espírita, portanto, deve refletir sobre o além, sobre as condições existenciais na esfera extrafísica; sobre o homem terreno, enquanto indivíduo encarnado; e sobre o mundo, em seu aspecto de organização social.  Devemos ser capazes de abrigar no âmbito da CEPA e da CEPABrasil (Associação Brasileira dos delegados e amigos da CEPA) espíritas que pensem e falem sobre todos os temas da filosofia espírita.

Neste sentido, temos que ser capazes de discutir sobre o períspirito, mas também devemos refletir sobre as exclusões econômicas e sociais proporcionadas pelo sistema capitalista de produção. Devemos ter a capacidade de refletir sobre os efeitos benéficos do magnetismo, mas também sobre as restrições à liberdade individual geradas pelas chamadas ditaduras do proletariado. Devemos ser livres para discutir sobre “Nosso lar”, a colônia espiritual revelada pelo espírito André Luiz, mas também devemos refletir sobre a importância da defesa do laicismo ante a influência das religiões no Estado. Por fim, devemos filosofar sobre a ideia de Deus, mas também devemos nos dedicar a pensar nos processos de corrupção pública e privada que abalam os orçamentos das nações e desviam recursos fundamentais que deveriam ser aplicados no bem comum.

 Devemos discutir todos estes temas e outros de natureza política e social, à luz da filosofia espírita e das ciências sociais, abertamente, dialeticamente, sem sectarismo, e com pleno respeito a opinião do outro, em uma tentativa honesta, verdadeira, de compreensão profunda de fenômenos políticos, sociais e econômicos complexos, que não se prestam a simplificações através de frases feitas ou sentenças definitivas.

No campo das ideias políticas e sociais, há alguns companheiros que defendem que a CEPA e a CEPABrasil devem ser uma espécie de guarda-chuva, com vistas a abrigar tanto os espíritas de direita, quanto os de esquerda, e os que não tem posição política. Apesar de concordarmos com a necessidade de abrigar a todos, em um espírito de alteridade e fraternidade, pensamos que a CEPA e a CEPABrasil, enquanto instituições, não devem ser neutras no que diz respeito a estes temas.

 Em conformidade com os princípios sociais humanistas da filosofia espírita, a CEPA e a CEPABrasil devem se colocar expressamente, inequivocamente, a favor das liberdades democráticas, da justiça social, do laicismo, dos direitos humanos, da ética na condução dos negócios públicos e privados, e da preservação ecológica do planeta.  Na ordem internacional, os espíritas laicos e livre pensadores devem ser defensores do pacifismo, ou seja, da resolução não violenta dos conflitos entre as nações, e devem ser contrários a quaisquer tipos de imperialismos ou neocolonialismos, em pleno e absoluto respeito à soberania dos povos para decidir seus destinos.

 Em especial, estas instituições do movimento espírita laico e livre pensador devem se colocar decisivamente a favor dos mais fracos economicamente na sociedade.  Quanto a preocupação com os mais carentes que alguns no Brasil de hoje em dia lamentavelmente chamam de partidária ou esquerdista, e que preferimos chamar de humanista, vale lembrar uma frase de O Livro dos Espíritos que sintetiza esta preocupação na obra espírita: “Numa sociedade organizada segundo a lei do cristo, ninguém deve morrer de fome” (reposta a questão 930 LE). Esta frase deveria ser um antídoto contra qualquer tendência a uma pretensa neutralidade dos espíritas nestes temas.  Aliás, quanto a acusação de que pensar nas estruturas injustas da sociedade e nos mais carentes é coisa apenas de comunista, lembramos de uma célebre frase do cristão Dom Hélder Câmara: “Quando alimentei os pobres chamaram-me santo, mas quando perguntei por que há gente pobre chamaram-me comunista”.

Os espíritas têm sido muito eficazes ao longo da história do movimento espírita na criação de instituições de caridade, em cuidar dos efeitos das sociedades desiguais, o que é muito bom e sempre deverá ser incentivado. No entanto, o pensador espírita deve ir além com vistas a pensar nas causas profundas das desigualdades sociais, a fim de construir um pensamento social espírita maduro sobre tais temas.

A CEPA e a CEPABrasil não podem cair no erro de pensar apenas no indivíduo, na reforma moral ou intima, ignorando as estruturas econômicas, sociais e, principalmente, as ideológicas, uma vez que estas últimas condicionam e atravessam o indivíduo, constituindo lhe a subjetividade e sua maneira de ser e estar no mundo. A ideologia vigente, de índole materialista, estimulada pelos interesses do capital, baseada na mercantilização da vida, fundamentada na preferência do ter sobre o ser, na ideia de concorrência de todos contra todos, na acumulação financeira, e na exaltação do supérfluo sobre o necessário, concorre na deformação ética do indivíduo, daí a necessidade do pensamento crítico com vistas ao aperfeiçoamento moral do homem.

A ideia de um homem e de um mundo melhor, mais fraterno e justo, está presente na filosofia espírita. Esta ideia perpassa desde a mudança do indivíduo até a mudança das instituições. Portanto, cabe ao espírita intelectualmente maduro pensar globalmente sobre todas as questões, sobre todos os assuntos, a partir de todas as perspectivas do conhecimento filosófico. O espiritismo deve permanentemente dialogar com todas as ciências desde as ciências físicas, psicológicas, biológicas, parapsicológicas, humanas, astronômicas, etc. Os espíritas e o espiritismo têm muito a contribuir com estes ramos do conhecimento, mas também tem muito a aprender e assimilar em um contexto de progressividade do pensamento espírita.

 Entendemos que o adjetivo “progressista” que adotamos na CEPA e CEPABrasil não deve ser compreendido pela metade, apenas no que diz respeito a liberdade no campo dos costumes, mas também no que diz respeito ao avanço dos processos sociais no sentido do progresso, em direção a mais vida, mais igualdade, mais liberdade, para todos que se encontram neste planeta, independentemente dos governos de plantão.

 Alguns dirão que existem as verdades eternas com as quais devemos particularmente nos preocupar. E que não devemos nos preocupar com as questões terrenas e transitórias. Certamente que não precisamos nos envolver com a pequena política partidária dos interesses egoístas, bem como com as mesquinhas disputas pelo poder. Certamente que não devemos fazer campanha política dentro do centro espírita, e muitos menos querer formar uma bancada espírita no congresso.  Não precisamos formar o partido espírita. No entanto, podemos discutir nos centros, federações e eventos espíritas, princípios filosóficos de caráter social e político, podemos elaborar debates, produzir palestras, artigos, trabalhos e livros, em absoluto clima de livre pensar, com vistas a estabelecermos uma concepção espírita humanista, democrática, equitativa e ecológica de mundo e sociedade. E podemos até mesmo realizar ações, enquanto membros da sociedade civil, com vistas a contribuir de alguma forma para a melhoria da vida social.

   Temos condições de estabelecer no âmbito do movimento espírita laico e livre pensador um pensamento social espírita crítico, isento de preconceitos filosóficos, que se proponha a estudar e refletir desde o liberalismo até ao marxismo, o que fará com que nos habilitemos a dialogar com o mundo contemporâneo no que diz respeito aos temas políticos e sociais. Podemos compreender esta necessidade de formação intelectual séria dos espíritas ante as inúmeras mensagens e declarações pueris e alienadas que são enviadas por alguns espíritas pela internet e redes sociais, as quais muitas delas passam a imagem que os espíritas como um todo vivem em um mundo abstrato, de colorido fantasioso, e de expectativas messiânicas e mágicas.

É preciso lembrar que o espiritismo considera a presença do homem no mundo, encarnado, como um fator de evolução intelecto- moral, não apenas do indivíduo, mas também das sociedades. Além do mais, os problemas estruturais de nossa sociedade produzem extremo sofrimento em grande parte da população, e conhecer as causas do sofrimento humano, para atenua-lo, certamente é um dos interesses do espiritismo.

Outros dirão que o ambiente político e social brasileiro e internacional está polarizado, e que tais reflexões perturbariam nosso ambiente e não seriam fator de agregação e harmonia. Porém, é justamente nos momentos de crise que temos a oportunidade de dizer ao mundo a que viemos. É nos momentos de crise que revelamos integralmente quem somos. É nestes momentos que devemos oferecer àqueles que se aproximam dos espíritas laicos e livre pensadores uma reflexão séria do mundo e da sociedade, a partir de todo o arcabouço filosófico produzido pelos pensadores espíritas de todos os tempos no campo político e social, e também levando em consideração toda a produção das ciências humanas produzidas até este momento histórico.

 Existirão aqueles que, ante as reflexões acima, dirão que o que importa mesmo é o melhoramento intelecto-moral do indivíduo, e que o progresso social virá por consequência. Porém, a filosofia espírita nos convida a um pensamento mais amplo, não restritivo, no que diz respeito aos problemas do mundo. Vivemos em sociedades extremamente individualistas, desiguais, ainda extremamente injustas para a grande maioria das pessoas. Se não nos preocuparmos com isso estaremos nos alienando. Por fim, a filosofia espírita nos convida a pensar e a crer   em um outro mundo terreno possível, mais justo, solidário, livre, e amoroso, quando nos fala da lei de progresso. Se ignorarmos este aspecto do espiritismo, estaremos compreendendo o espiritismo de forma incompleta.


RICARDO DE MORAIS NUNES: É presidente do CPDoc (Centro de Pesquisa e documentação Espírita- Instituição filiada a CEPA – Associação Espírita internacional)

Nota : Este artigo será publicado no Jornal Abertura nas edições de abril e maio de 2019








segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Politica e Fé não se misturam - Carolina Regis di Lucia e Reinaldo di Lucia


Politica e Fé não se misturam

Há duas décadas, também em período eleitoral, um grande companheiro de Espiritismo lançava-se no cenário politico local. Eu estava na Mocidade e acompanhava o apoio de todos à sua empreitada, certos de que era uma opção acertada e ética a votar. Até que comecei a ver santinhos do candidato no mural do centro e uma discussão sobre trazê-lo para falar aos jovens em uma de nossas reuniões... Aquilo me pareceu estranho, de certo modo até errado, mas, com a maturidade em formação na época, não sabia elaborar perfeitamente o que sentia. Lembro que havia recém convidado duas amigas não espiritas para frequentar o grupo e receava o que elas iriam pensar, vendo uma casa para estudo da Doutrina, estar claramente apoiando, divulgando e incentivando o voto em um candidato interno. Quando da votação sobre trazê-lo ou não para o grupo, fui a única contrária, expondo que não achava correto propaganda politica dentro do centro, de quem quer que fosse. Algumas pessoas ficaram chocadas com meu posicionamento, afinal, era diretor da casa, de moral inquestionável, que faria a diferença na política da região. Outros não entendiam o porquê da casa não poder apoiar um candidato conhecido. Porém, apesar de ser minoria, meus questionamentos foram incômodos o suficiente para que os santinhos saíssem dos murais e o evento não acontecesse. Em tempo, o candidato não alcançou os votos necessários e jurou que nunca mais se meteria com política – desgostoso do que encontrou nos bastidores eleitorais.

Vinte anos após esse episódio, já tenho alguma bagagem a mais para poder afirmar que política e fé não devem se misturar oficialmente. Haja vista o caos social desta eleição: nas redes sociais, mesas de bar, nos almoços e encontros de trabalho e nas manifestações populares são observadas toda a imaturidade do brasileiro em, não apenas discutir política – assunto que absolutamente não dominamos - , mas no direito básico e intrínseco do outro em pensar diferente. Parentes, amigos antigos, colegas e completos desconhecidos, com a tradicional paixão latino americana, se agridem, se humilham, cortam relações pelo simples fato de não aceitarem a escolha eleitoral do outro.
Aceitemos: o brasileiro ainda é analfabeto politico. Sequer entende o próprio sistema de governo, escolhe o candidato por frases e ideias soltas, como se fossem personagens de vídeo game com poderes ilimitados para salvar um país afundado por anos e anos de.... analfabestimo político. A mistura deste campo, ao campo da fé é uma combinação inevitavelmente explosiva e nociva. Exemplos claros são as bancadas já constituídas parlamentares-religiosas, exemplos fanáticos e opressores de voto vicioso de seus fiéis, impedidos de poderem exercer a livre escolha dos candidatos oprimidas pelo argumento religioso.

E as maiores decepções desta eleição, repleta de episódios desagradáveis, foram os manifestos Espíritas e, pasmem, auto intituladas Livre Pensadores, contrários a este ou aquele determinado partido. Chegou-se ao auge da alucinação em afirmar que Espíritas, principalmente os Livre Pensadores, não deveriam votar em X candidato, por motivos Espíritas. Que contraditória a afirmação que um livre pensador de Kardec, por ser livre pensador de Kardec, não deveria votar em X candidato... A que ponto paradoxal a cegueira causada pela imaturidade Espirito-Politica chegou?

Em nossas ultimas filosofias, batemos na mesma tecla de que o Espírita deve vivenciar a Doutrina, não apenas a estudar. Os atos diários, a pratica, o lidar com o outro nas questões sociais são os fatores determinantes da Espiritualidade de alguém, não apenas o que ele lê, o que prega nas palestras, o cargo que ocupa nas casas. E esta eleição expos claramente o hiato existente entre o Filósofo Espirita (profundo conhecedor da doutrina) e o Praticante Espírita (que transpira seus valores éticos em suas ações). O Espírita, assim como qualquer cidadão, tem o direito de votar em quem ele acredita ser o melhor representante de suas ideias para governar a sociedade em que ele está inserido. Se, avaliando as argumentações do candidato, ele como eleitor acredita que se aproximem do que a Ética Espírita propõe, que vote em quem escolher.

Minha maior preocupação é que, talvez, o despreparo histórico para a política impeça esse eleitor Espirita de fazer essa ponte avaliatória entre a ética Espírita e a ética Politica proposta por esse ou aquele partido/candidato. Em geral, as avaliações são feitas isoladamente, olhando em separado, o cenário político, do cenário Espirita. Não há o cruzamento da Ética Espírita com as propostas dos futuros governantes a ponto de realmente embasar a escolha com um arcabouço de valores daquele individuo, escolhendo os políticos que irão governar a todos ao seu redor.
E essa escolha final deve ser particular, individual, fora dos bancos das casas Espiritas. Pelo simples fato de que não temos maturidade para lidar com ambas as questões ao mesmo tempo. E, ainda que tivéssemos, teríamos que ter, sobretudo, alteridade o suficiente, responsabilidade o suficiente e discernimento o suficiente para sair do centro sabendo que, ainda que a maioria julgue tal candidato ou partido melhor, eu posso escolher qualquer outro, sem prejuízo das amizades, sem julgamento moral, sem perder o vinculo com o grupo. Jovens políticos que somos não temos essa capacidade ainda.

 publicado no jornal ABERTURA em outubro de 2018

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Maioridade Penal, uma reflexão espirita por Marcelo Regis

Maioridade Penal, uma reflexão espirita Marcelo Regis  Rio de Janeiro, 14°  SBPE setembro de 2015 


 I - Introdução 

Esse trabalho tem como objetivo refletir, sempre através das lentes da doutrina espírita, sobre esse tema atual e pulsante que é a redução ou não da maioridade penal no Brasil. Não temos a pretensão de esgotar o tema, nem mesmo analisar todas as facetas do problema. Nesse trabalho vamos nos ater a refletir sobe o tema usando como guia os conceitos morais espiritas, conforme ditados pela codificação kardequiana. Estão fora do escopo dessa reflexão questões jurídicopenais, bem como debater o sistema penal brasileiro e sua adequação para receber menores ou mesmo reintegrá-los a sociedade. O titulo do trabalho é propositadamente UMA reflexão espírita, pois sabemos que sendo a Doutrina Espirita uma doutrina de livres-pensadores, sem dogmas ou direção central ela permite muitas interpretações sobre esse tema, principalmente por se tratar de um tópico temporal, específico do momento atual em que vivemos e particularmente importante no contexto brasileiro onde a violência ocupa um lugar central nas preocupações da sociedade.  A reflexão que ora propomos, estará centrada nos conceitos de justiça divina e lei natural. É preciso esclarecer que a codificação espírita não contempla nenhuma questão especifica sobre esse assunto, provavelmente porque tal tema não era relevante quando da codificação kardequiana há mais de 170 anos atrás.  No Brasil o tema tomou suma importância, frente à escalada constante da violência e o debate sobre o efeito na mesma das resoluções estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), publicado em 1990. Atualmente encontram-se no congresso nacional inúmeras propostas de mudança tanto da constituição como do ECA, no sentido de alterar e na maioria das vezes endurecer as penalidades aplicadas a adolescentes infratores. Na maioria das vezes e como típico de nossa cultura, o debate é apaixonado e contaminado por preconceitos ideológicos e religiosos, sem muito espaço para aprofundamento sério, nem mesmo para entender experiências bem sucedidas em outros países.

II - Entendendo a Situação 

Para que possamos fazer a reflexão proposta, precisamos primeiramente entender a situação corrente no Brasil e no mundo sobre o tema. O tópico gera discussões apaixonadas, irracionais e na maioria das vezes sem nenhum embasamento teórico ou jurídico. Graças à difusão das redes sociais muitos conceitos errôneos, apresentados sem o devido contexto ou sem suporte estatístico são utilizados para defender ambas as teses. A briga nas redes sociais é quente e quase sem nenhum debate sério – na maioria das vezes posições são colocadas mas sem nenhuma chance do contraditório ou mesmo de se considerar os argumentos do “outro” lado.

Cabe aqui definir alguns conceitos importantes para o restante desse trabalho:

Maioridade Penal: o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define “maioridade penal” como “condição de maioridade para efeitos criminais”. É a idade a partir da qual o indivíduo responde pela violação da lei penal na condição de adulto, sem qualquer garantia diferenciada reservada para indivíduos jovens.

Imputabilidade Penal: significa a possibilidade de se atribuir a responsabilidade pela violação de lei penal, ou seja, pela prática de um crime nos termos das leis penais. A inimputabilidade penal significa o oposto: a impossibilidade, de acordo com a lei, de se atribuir a responsabilidade pela violação de lei penal. A inimputabilidade penal tem várias hipóteses. Uma delas é a inimputabilidade por idade. Indivíduos podem ser considerados penalmente inimputáveis por estar abaixo de certa idade. A idade de imputabilidade penal não coincide, necessariamente, com a idade de maioridade penal. Os ordenamentos jurídicos podem reconhecer imputabilidade penal diferenciada para aqueles abaixo da idade de maioridade penal.

Existe uma confusão conceitual entre imputabilidade penal e maioridade penal. Imputabilidade penal significa à possibilidade de atribuir a responsabilidade pela violação de lei penal, ou seja, pela prática de um crime, entendida como ação ou omissão típica, antijurídica e culpável. Maioridade penal, por usa vez, refere-se à idade a partir da qual o indivíduo responde pela violação da lei penal na condição de adulto, sem qualquer garantia diferenciada reservada para indivíduos jovens. A lei pode reconhecer a imputabilidade penal de indivíduos com idade abaixo da maioridade penal, acarretando uma responsabilização de natureza penal diferenciada, sob a luz do chamado Direito Penal Juvenil.

II.1 - Brasil 

Atualmente, a maioridade penal é alcançada quando o indivíduo completa 18 (dezoito) anos – mesma idade em que se torna também maior no âmbito civil – conforme prevê a Constituição Federal em seu artigo 228, vejamos: Art. 228. “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Como vimos acima inimputável significa aquele a quem não pode ser imputado um crime, e, por consequência, uma sanção criminal, como disposto no código penal, que tipifica aquelas condutas a serem rechaçadas do convívio social e estipula os limites de pena a serem aplicados em cada caso concreto. No Brasil, uma das causas dessa confusão conceitual é o fato de que o ordenamento jurídico não faz distinção entre imputabilidade penal e maioridade penal - definindo a idade para ambos como sendo dezoito anos - mas ao mesmo tempo os adolescentes são responsabilizados à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pela prática de ato infracional. Em consonância com a norma constitucional, o regime de infrações do Estatuto da Criança e do Adolescente não segue a sistemática típica do Direito Penal, baseada em tipos penais e penas mínimas e máximas para cada delito. O ECA não faz referência a penas ou crimes
praticados por adolescentes, mencionando apenas infrações e medidas socioeducativas, que não são individualizadas pelo estatuto para cada conduta específica. 

Os crimes praticados por menores de dezoito anos são legalmente chamados de “atos infracionais” e seus praticantes de “adolescentes em conflito com a lei” ou de "menores infratores". Aos praticantes são aplicadas “medidas socioeducativas” e se restringem apenas a adolescentes (pessoas com idade compreendida entre doze anos de idade completos e dezoito anos de idade incompletos. Todavia, a medida socioeducativa de internação poderá ser excepcionalmente aplicada ao jovem de até 21 anos, caso tenha cometido o ato aos quatorze anos). O ECA estabelece, em seu artigo 121, § 3º, quanto ao adolescente em conflito com a lei, que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”, por cada ato infracional grave. Após esse período, ele passará ao sistema de liberdade assistida ou semiliberdade, podendo retornar ao regime fechado no caso de mau-comportamento.

II.2 - Pelo Mundo 

A responsabilidade criminal varia imensamente entre os diferentes países, conforme a cultura jurídica e social de cada um, indicando uma falta de consenso mundial sobre o assunto. Segundo informação fornecida pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a  maioridade penal é a seguinte, nos países abaixo listados:

II.3 - Canadá: Para ilustrar melhor as diferenças vamos nos aprofundar na análise do tema no Canadá. Escolhemos o Canadá por sua tradição de respeito aos direitos humanos, tolerância com minorias e imigrantes.

No Canadá crianças com menos de 12 anos são inimputáveis, enquanto jovens entre 12 e 18 anos estão sujeitos a regime jurídico especial regido pela lei federal Youth Criminal Justice Act (YCJA), publicada em 2003. O objetivo dessa lei é proteger o público através de:  responsabilizar os jovens infratores, através de medidas e penas proporcionais a gravidade das faltas e o nível de responsabilidade dos mesmos  reabilitar os jovens infratores e auxiliar sua reintegração na sociedade, para que os mesmos se tornem cidadãos respeitadores das leis e membros ativos da comunidade  Atuar na prevenção de crimes, indicando jovens e adolescentes para programas e serviços que ataquem as causas e circunstâncias que levam a prática de ofensas a lei

Para aplicar essa lei existe o Youth Justice, ramo da justiça canadense separada do sistema adulto, onde os jovens são julgados em tribunais especiais. No caso das penas, o sistema canadense estabelece que o Juiz pode decidir entre as seguintes penas, de acordo com a gravidade da infração:  advertência;  multa, compensação ou restituição das vitimas pelas perdas materiais e financeiras  serviço comunitário ou prestação de serviços diretamente às vitima do crime  liberdade assistida/ regime aberto com supervisão  prisão em centros de custodia juvenis, podendo ser seguido de liberdade condicional. No caso de crimes mais graves, se aplicam programas de reabilitação intensiva dentro dos centro de custodia

As penas juvenis estão limitadas da seguinte forma:  Homicídio Qualificado: 10 anos, com máximo de 6 anos de reclusão e restante em liberdade assistida  Homicídio doloso: 7 anos, com máximo de 4 anos de reclusão e restante em liberdade assistida para 
 Outros crimes: máximo de 2 anos

No caso de jovens acima de 14 anos, culpados de crimes sérios – definidos como qualquer crime em que um adulto poder receber penas de mais de 2 anos de reclusão - o juiz pode determinar uma sentença conforme o código aplicado aos adultos, e nesse caso os limites acima não se aplicam. Por exemplo, um jovem de 14 a 17 anos pode ser sentenciado à prisão perpetua no caso de homicídio qualificado.

Notamos assim um balanço entre promover a reabilitação e reintegração dos jovens, mas também em responsabilizar os mesmos pelos atos cometidos. Apesar de emitir parâmetros claros e compreender medidas protetivas, o ordenamento canadense permite ao sistema judiciário certa autonomia em ajustar as penas de acordo com cada caso, principalmente os mais graves como exposto acima.

III - Considerações Espiritas 

III.1 - Posicionamento do Movimento Espirita Brasileiro: Uma pesquisa rápida na internet nos mostra que todas as manifestações de instituições e entidades espiritas são contra qualquer mudança na lei de maioridade penal brasileira. Transcrevemos o enunciado da Associação Jurídico Espirita, pois a mesma sumariza bem o pensamento presente no movimento espirita:

AJE-BRASIL (Associação Jurídico-Espírita do Brasil), por ocasião do 1º Fórum de Reflexões, ocorrido na Federação Espírita Brasileira (FEB), em Brasília, deliberou ser contrária à PEC 171/93, que pretende reduzir a maioridade penal no Brasil, fixando-a a partir de 16 anos, pelos seguintes motivos:

1. O Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança de 1989, da ONU, que reconhece que a criança – indivíduo menor de 18 anos – é merecedora de cuidados especiais e de proteção, por conta de sua falta de maturidade física e mental; 2. O adolescente – indivíduo de 12 a 18 anos incompletos segundo a legislação brasileira – é um ser cuja personalidade está em desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual, devendo lhe ser garantido o sistema de maior proteção aos direitos fundamentais; 3. Para a hipótese de condutas definidas como crime, o sistema jurídico brasileiro, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, já prevê medidas socioeducativas para a adequada responsabilização do adolescente, não havendo que se falar em impunidade; 4. Ao invés de se adotar o sistema punitivo de natureza penal a adolescentes de 16 a 18 anos, cumpre ampliar medidas concretas nas áreas de assistência social, moradia, esporte, lazer, saúde, educação, entre outras; 5. A inserção de adolescentes no sistema carcerário – que se apresenta superlotado, em condições subumanas, portanto, sem estrutura mínima para cumprir o fim de ressocialização da pena e para atender à dignidade da pessoa
humana implica aumentar os efeitos deletérios desta realidade, com prejuízo para o cidadão e para sociedade em geral; 6. Dados estatísticos comprovam que a maior incidência da lei penal dá-se em relação a adolescentes pobres, negros e com baixo grau de alfabetização, o que revela a seletividade do sistema punitivo. De outro lado, o número de crimes praticados por adolescentes é baixo, em torno de 0,1425% (IBGE); 7. As políticas públicas devem buscar a emancipação do ser – em especial do adolescente que se encontra em desenvolvimento – em detrimento do aumento de medidas repressivas, o que se faz por meio da educação, que proporciona o aperfeiçoamento moral e intelectual do espírito imortal; 8. A lei humana deve privilegiar a ampliação e não a restrição dos direitos fundamentais, visando à construção de uma sociedade justa e fraterna; 9. A educação deve ser vista como prioritária e permanente opção para a evolução humana. Logo, a proposta em debate – de aumento de medida repressiva em prejuízo da adoção de medida de natureza educativa – se aprovada, representa retrocesso social e espiritual para os destinos da sociedade brasileira. AJE – Associação Jurídico Espírita Brasília, abril de 2015.

III.2 - Lei Natural e Lei Humana  Em "O Livro dos Espíritos", a justiça a qual um encarnado está sujeito é regulada pela "lei natural" e pela "lei humana" (ver subquestão (a) da questão # 875).  Os questionamentos feitos por Kardec dizem respeito, majoritariamente, à lei natural, já que a lei humana é específica conforme o tempo, a cultura e a sociedade. Apesar de tocar em vários pontos específicos acerca das leis humanas, não encontramos referencia direta em O Livro dos Espíritos sobre maioridade penal e/ou crimes cometidos por menores de idade. Isso posto, em vários pontos Kardec e os Espíritos provém diretrizes e guias que podem ajudar nossa reflexão.

A diretriz máxima da Lei Natural está exposta na questão #876 "Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo".  A questão # 877 complementa a anterior com relação ao primeiro dever que é "respeitar os direitos de seus semelhantes". Ainda segundo a lei natural, explicam os Espíritos na questão # 880, o primeiro de todos os direitos naturais do homem: “O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”

Quanto a ação da sociedade no encaminhamento da criança e do adolescente (segundo a lei natural) está toda sob a tutela da paternidade. Aqui encontramos o campo de maior efeito sobre os atos das crianças.  Por causa disso, a questão 582 qualifica a paternidade como uma missão:

582. Pode-se considerar como missão a paternidade?   “É, sem contradita possível, uma verdadeira missão. Constitui, ao mesmo tempo grandíssimo dever, que empenha, mais do que o pensa o homem, a sua
responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização física débil e delicada, que o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de endireitar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de endireitar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse na estrada do bem.”

portanto, segundo a lei natural, a educação dos filhos é de responsabilidade dos pais. É pela falta ou ausência desses, porém, que a criminalidade infantil pode se tornar um problema da sociedade (como condição necessária, mas não suficiente, para manifestação dessa criminalidade). 

583. São responsáveis os pais pelo transviamento de um filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos cuidados que lhe dispensaram?  “Não; porém, quanto piores forem as propensões do filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho.”

Sabendo-se que os espíritos reencarnados tem toda uma bagagem de varias existências passadas, sabemos que as crianças e adolescentes trazem consigo qualidades, defeitos e experiências anteriores muitas vezes com tendência a pratica do mal que pode aflorar através de ações delinquentes se educação e limites não forem estabelecidos a partir do lar.

Finalmente, não deixa de ser elucidativa a questão # 796 que aparece na III Parte do Capítulo VIII do "Livro dos Espíritos": 796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais não constitui uma necessidade?

“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”

III.3 - Livre-arbítrio e Responsabilidade Individual Em vários pontos da Doutrina Espirita os espíritos deixam claro que no limite, cada individuo é o artificie e responsável por sua existência, seus atos e por sua própria evolução. Kardec expõe esse tópico magistralmente na questão 872, que apesar de extensa transcrevemos aqui por sua importância: 

872. A questão do livre-arbítrio se pode resumir assim: O homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, por prova e por expiação, escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado, quer pelas circunstâncias que
sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe para ele, quando no estado de Espírito, ao fazer a escolha da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamente submetido. Cabe à educação combater essas más tendências. Fá-lo-á utilmente, quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene. Desprendido da matéria e no estado de erraticidade, o Espírito procede à escolha de suas futuras existências corporais, de acordo com o grau de perfeição a que haja chegado e é nisto, como temos dito, que consiste sobretudo o seu livrearbítrio. Esta liberdade, a encarnação não a anula. Se ele cede à influência da matéria, é que sucumbe nas provas que por si mesmo escolheu. Para ter quem o ajude a vencê-las, concedido lhe é invocar a assistência de Deus e dos bons Espíritos.  Sem o livre-arbítrio, o homem não teria nem culpa por praticar o mal, nem mérito em praticar o bem. E isto a tal ponto está reconhecido que, no mundo, a censura ou o elogio são feitos à intenção, isto é, à vontade. Ora, quem diz vontade diz liberdade. Nenhuma desculpa poderá, portanto, o homem buscar, para os seus delitos, na sua organização física, sem abdicar da razão e da sua condição de ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora assim quanto ao mal, assim não poderia deixar de ser relativamente ao bem. Mas, quando o homem pratica o bem, tem grande cuidado de averbar o fato à sua conta, como mérito, e não cogita de por ele gratificar os seus órgãos, o que prova que, por instinto, não renuncia, malgrado à opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua espécie: a liberdade de pensar. A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável de todos os sucessos da vida, qualquer que seja a importância deles. Se tal fosse a ordem das coisas, o homem seria qual máquina sem vontade. De que lhe serviria a inteligência, desde que houvesse de estar invariavelmente dominado, em todos os seus atos, pela força do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira, conteria a destruição de toda liberdade moral; já não haveria para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem, nem mal, crimes ou virtudes. Não seria possível que Deus, soberanamente justo, castigasse suas criaturas por faltas cujo cometimento não dependera delas, nem que as recompensasse por virtudes de que nenhum mérito teriam.

Demais, tal lei seria a negação da do progresso, porquanto o homem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para melhorar a sua posição, visto que não conseguiria ser mais nem menos. Contudo, a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha, em consequência do gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova , expiação  ou missão . Ele sofre fatalmente todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências  boas ou más, que lhe são inerentes. Aí, porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade depende ceder ou não a essas tendências. Os pormenores dos acontecimentos, esses ficam subordinados às circunstâncias que ele próprio cria pelos seus atos ,
sendo que nessas circunstâncias podem os Espíritos influir pelos pensamentos que sugiram. Há fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se apresentam, por serem estes consequência da escolha que o Espírito fez da sua existência de homem. Pode deixar de haver fatalidade no resultado de tais acontecimentos, visto ser possível ao homem, pela sua prudência, modificar-lhes o curso. Nunca há fatalidade nos atos da vida moral. No que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto, à inexorável lei da fatalidade, por isso que não pode escapar à sentença que lhe marca o termo da existência, nem ao gênero de morte que haja de cortar a esta o fio. Segundo a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos os seus instintos, que, então, proviriam, ou da sua organização física, pela qual nenhuma responsabilidade lhe toca, ou da sua própria natureza, caso em que lícito lhe fora procurar desculpar-se consigo mesmo, dizendo não lhe pertencer a culpa de ser feito como é. Muito mais moral se mostra, indiscutivelmente, a Doutrina Espírita. Ela admite no homem o livre-arbítrio em toda a sua plenitude e, se lhe diz que, praticando o mal, ele cede a uma sugestão estranha e má, em nada lhe diminui a responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de resistir, o que evidentemente lhe é muito mais fácil do que lutar contra a sua própria natureza. Assim, de acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindoo ao mal, como pode cerrá-los à voz material daquele que lhe fale ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a assistência dos bons Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a Oração dominical , quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir à tentação, mas livra-nos do mal.” Essa teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência de todo o ensino que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de moralidade, mas também, acrescentaremos, eleva o homem aos seus próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo obsessor, como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser simples máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da sua vontade, para ser um ente racional, que ouve, julga e escolhe livremente de dois conselhos um. Aditemos que, apesar disto, o homem não se acha privado de iniciativa, não deixa de agir por impulso próprio, pois que, em definitivo, ele é apenas um Espírito encarnado que conserva, sob o envoltório corporal, as qualidades e os defeitos que tinha como Espírito. Conseguintemente, as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do nosso próprio Espírito, que ainda não conquistou a superioridade moral que um dia alcançará, mas que, nem por isso, carece de livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para se expungir de suas imperfeições, mediante as provas por que passa, imperfeições que, precisamente, o tornam mais fraco e mais acessível às sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se aproveitam para tentar fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa luta sai vencedor, ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor. Será uma prova que lhe cumpre recomeçar, podendo suceder que longo tempo gaste nessa alternativa. Quanto mais se depura, tanto mais diminuem os seus pontos fracos e tanto menos acesso oferece aos que procurem
atraí-lo para o mal. Na razão de sua elevação, cresce-lhe a força moral, fazendo que dele se afastem os maus Espíritos. Todos os Espíritos, mais ou menos bons, quando encarnados, constituem a espécie humana e, como o nosso mundo é um dos menos adiantados, nele se conta maior número de Espíritos maus do que de bons. Tal a razão por que aí vemos tanta perversidade. Façamos, pois, todos os esforços para a este planeta não voltarmos, após a presente estada, e para merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses mundos privilegiados, onde não nos lembraremos da nossa passagem por aqui, senão como de um exílio temporário.

Os espíritos corroboram tal argumento ao tratarem do Bem e do Mal e da influencia do meio nas ações individuais nas questões 637, 638, 639, 644 e 645 que transcrevemos a seguir:

637. Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de carne humana? “Eu disse que o mal depende da vontade. Pois bem! Tanto mais culpado é o homem, quanto melhor sabe o que faz.” As circunstâncias dão relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas vezes, comete o homem faltas, que, nem por serem consequência da posição em que a sociedade o colocou, se tornam menos repreensíveis. Mas, a sua responsabilidade é proporcional aos meios de que ele dispõe para compreender o bem e o mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de Deus, o homem instruído que prati- ca uma simples injustiça, do que o selvagem ignorante que se entrega aos seus instintos.

638. Parece, às vezes, que o mal é uma consequência da força das coisas. Tal, por exemplo, a necessidade em que o homem se vê, nalguns casos, de destruir, até mesmo o seu semelhante. Poder-se-á dizer que há, então, infração da lei de Deus?  “Embora necessário, o mal não deixa de ser o mal. Essa necessidade desaparece, entretanto, à medida que a alma se depura, passando de uma a outra existência. Então, mais culpado é o homem, qua quando o pratica, porque melhor o compreende.”

639. Não sucede freqüentemente resultar o mal, que o homem pratica, da posição em que os outros homens o colocam? Quais, nesse caso, os culpados?  “O mal recai sobre quem lhe foi o causador. Nessas condições, aquele que é levado a praticar o mal pela posição em que seus semelhantes o colocam tem menos culpa do que os que, assim procedendo, o ocasionaram. Porque, cada um será punido, não só pelo mal que haja feito, mas
também pelo mal a que tenha dado lugar.”

644. Para certos homens, o meio onde se acham colocados não representa a causa primária de muitos vícios e crimes? “Sim, mas ainda aí há uma prova que o Espírito escolheu, quando em liberdade, levado pelo desejo de expor-se à tentação para ter o mérito da resistência.”

645. Quando o homem se acha, de certo modo, mergulhado na atmosfera do vício, o mal não se lhe torna um arrastamento quase irresistível? “Arrastamento, sim; irresistível, não; porquanto, mesmo dentro da atmosfera do vício, com grandes virtudes às vezes deparas. São Espíritos que tiveram a força de resistir e que, ao mesmo tempo, receberam a missão de exercer boa influência sobre os seus semelhantes.”

IV - Considerações Finais 

O espiritismo claramente define o individuo como responsável por seus atos e ações. Mesmo inserido em seu meio, e sujeito as influencias externas, o espirito tem sempre o livre-arbítrio e o poder de escolher entre praticar o bem ou o mal. Assim também são aplicadas suas penas e gozos futuros – ou seja individualizadas. Isso dito, fica claro que atenuantes devem ser considerados e que as penas são proporcionais as faltas e que não somente as ações são levadas em conta, mas também o contexto, as intenções e situações.  Dessa forma me parece obvio que qualquer posicionamento espirita sobre aprimoramento das leis humanas, aproximando-as da Lei Natural, deve incluir responsabilização individualizada, contextualizada nas condições dos fatos. Portanto, na questão da maioridade penal fica claro que necessitamos de aperfeiçoamentos aqui no Brasil, principalmente para adequar as penas e reparações a gravidade dos fatos. O ECA ao não permitir que a responsabilização seja proporcional ao delito, individualizada e ao aplicar soluções genéricas, restringe e limita uma melhor analise do fatos, contexto e consequências. Privilegiando somente um lado da equação, ou seja, considerando o menor infrator apenas como vitima maior da sociedade, as ações previstas no ECA são ajustadas sob essa perspectiva. O espiritismo, ao elevar o individuo como artífice máximo de sua própria existência, entende que um melhor balanço precisa ser atingido. Para tanto uma possível solução seria incluir no ordenamento jurídico nacional uma adequação que permitisse que o jovem infrator fosse também responsabilizado por seus atos, proporcionalmente a gravidade, consequência e contexto da mesma. Esse vetor, aliado aos vetores de reabilitação e prevenção estariam mais em consonância com os preceitos e moral definidos pelo espiritismo. Nesse debate, não precisaríamos necessariamente de nenhuma redução da idade da maioridade penal, hoje estabelecida aos 18 anos. Porém necessitaríamos
retirar da constituição a inimputabilidade de menores de 18 anos para que os mesmos possam ter reconhecidas sua responsabilidade perante a sociedade. Temos também que redefinir o ECA para que o mesmo permita a sociedade, através do poder judiciário e de suas varas especializadas na criança e na juventude possa melhor definir e aplicar penas reparatórias e proporcionais aos jovens infratores. O exemplo canadense parece bem equilibrado e algo que pode servir de parâmetro a sociedade brasileira. Um ordenamento jurídico baseado no tripé: - Responsabilizar individualmente o jovem por seus atos e que o mesmo possa, no possível, reparar os danos causados as vitimas; - Suporte da sociedade para que o jovem infrator possa ser reabilitado e reinserido na sociedade; - Foco em prevenção, através da valorização da família e educação;

Parece bem em consonância com o ensinado pela doutrina espirita e a meu ver seria um grande avanço na legislação brasileira, permitindo que nossa sociedade continue progredindo e avançando suas leis rumo a lei divina e natural.


Bibliografia/ Websites Consultados:

 Kardec, Allan – O Livro dos Espíritos; Ed. FEB
 American Juvenile Justice System (https://en.wikipedia.org/wiki/American_juvenile_justice_system)
 Canada, British Columbia - Youth Justice Section of JusticeBC (http://www.justicebc.ca/en/cjis/youth/)
 Maioridade penal   (https://pt.wikipedia.org/wiki/Maioridade_penal#cite_note-71)
 Xavier, Ademir - Redução da Maioridade Penal e Espiritismo em Blog Era do Espírito  http://eradoespirito.blogspot.com.br/2015/04/reducao-da-maioridade-penale.html
 ONU, Comitê sobre os Direitos da Criança (25/4/2007). Children’s rights in juvenile justice. GENERAL COMMENT No. 10 (2007) http://www2.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/CRC.C.GC.10.pdf
 Children in the US Justice System Amnesty International USA). (http://www.amnestyusa.org/news?id=D94FCE82406321E18025690000692 DCA&lang=e)
 Estatuto da Criança e do Adolescente; http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm
 A maioridade penal na visão da AJE – Associação Jurídico-Espírita do Brasil; Publicado por Rádio Boa Nova  http://radioboanova.com.br/jornal-nova-era/maioridade-penal-na-visao-daaje-associacao-juridico-espirita-brasil/

 

terça-feira, 9 de outubro de 2018

A importância do Jornal Espírita Abertura – 31 anos influenciando o desenvolvimento do Espiritismo por Alexandre Cardia Machado


A importância do Abertura – 31 anos influenciando o desenvolvimento do Espiritismo


Se voltarmos no tempo, há 31 anos atrás, no mês de abril de 1987,  este jornal foi fundado com o objetivo de abrir um canal de comunicação para ideias espíritas não conservadoras, que tivessem como base o entendimento do Espiritismo como ciência, filosofia com consequências morias e não religioso.


Dedicou-se a criação e divulgação de eventos, coberturas jornalísiticas enfim uma série de ações que  hoje foram quase totalmente substituídas pelas midias eletrônicas, mas rápidas e que permitem a transmissão ao vivo e em cores.  Fotos videos ou transmissões ao vivo estão muito baratas, ou até mesmo sem custo algum.

Qual o nosso papel então nos dias atuais?

O que nos cabe é tratarmos os problemas socias, políticos e espirituais sob a ótica espírita, como se fossemos uma revista, com a reflexão que só o afastamento do fato diário permite.

Este tem sido o nosso foco. Contamos com articulistas que tem em comum o amor pelo Espiritismo moderno. Cada qual trás consigo visões de mundo um pouco distintas, o que permite uma pluralidade maior ao vaículo de comunicação.

Estamos na direção deste jornal há 8 anos, já produzimos 88 edições, após a desencarnação de Jaci Régis, ou 25% do total de edições do Abertura. Buscamos nos reinventar o tempo todo, a razão disto é que quase nada funciona do mesmo jeito que era em 1987.

Para dar uma ideia de como eram as coisas naquele tempo, eu, gaúcho e torcedor do Inter, para acompanhar o campeonato gaúcho, preciava subir no alto da Ilha Porchat, em São Vicente, para sintonizar a Rádio Gaúcha em ondas curtas, algo que parece, ao olharmos para trás, coisa do cinema em preto e branco.

Cláudia e eu casamos em 1985 e somente em 1989 conseguimos uma linha telefônica, isto porque antes mesmo de casarmos Cláudia já havia se inscrito na Telesp, para comprar uma linha, alguém hoje esperaria 4 anos por uma linha de telefone?

A comunicação entre amigos e colaboradores deste jornal que não viviam em Santos, era feita via carta. Estávamos vivendo o momento das diretas já. Na Europa a Alemanha estava dividida, desde o fim da segunda Guerra Mundial em Alemanha Ocidental e Oriental. Não havia ainda caído o muro de Berlim, cidade que estava dividida por um muro de 110 km de comprimento, acessada somente por via aérea, pois estava, o seu lado ocidental encrustrado em meio a Alemanha Oriental comunista. O mundo seguia em meio à Guerra Fria.

No campo da ciência espírita apostávamos nos avanços da psicobiofísica, por trás da cortina de Ferro, o que se demanstrou uma total ilusão. Os soviéticos faziam muita propaganda, mas de fato não estavam encontrando as respostas que buscavam, ou lhes interessavam.Quase 30 anos depois da queda a União Soviética, nada de prático surgiu, ou se apresentou neste campo do conhecimento.
Em 1988 tivemos a nossa atual constituição promulgada e agora, 30 anos passados, alguns de seus princípios ainda não foram regulamentados, mas muitos sim, temos o SUS – Sitema Único de Saúde, FGTS para empregados domésticos, estado laico, liberdade de crença e da imprensa, dentre muitos outros avanços.

O ICKS em 2017 apresentou um trabalho no 15° SBPE – Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita: Somos Progressistas? Que já divulgamos neste jornal, demonstrou como a visão espírita, ao menos em nosso grupo de ideal avançou, juntamente com o conjunto da sociedade emcampos de interesse como os direitos das mulheres, homossexuais, liberdade de gênero e muitos outros.

A sociedade está em constante mudanças, sempre haverão vanguardistas, excessos, reações, mas é o conjunto deste movimento que altera a legislação e por consequência, novos entendimentos socias são alcançados.

Como cada indivíduo tem uma história de vida, um trajeto familiar, cultural e também reencarnatório, teremos portanto pensamentos e ações distintas. Esta é a beleza da imortalidade dinâmica, conflitiva, litigante mas também transformadora.


terça-feira, 19 de junho de 2018

Quem sabe faz a hora - por Roberto Rufo


Quem sabe faz a hora .

" A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar ". (Martin Luther King) .

  " A desigualdade das condições sociais é uma lei natural? pergunta 806 do Livro dos Espíritos .
Resposta dos Espíritos - Não ; é obra do homem e não de Deus " .


                                          No dia 04 de Abril de 1.968 em Memphis , estado do Tennessee , EUA,  era assassinado o Pastor Martin Luther King, líder da campanha pelos diretos civis dos negros nos EUA. Está fazendo portanto 50 anos do seu trágico desaparecimento . A situação dos negros nos EUA melhorou desde então , ou a luta do Pastor King foi infrutífera ? É óbvio que o quadro de desigualdade permanece , mas seria leviano afirmar que tudo continua igual desde então . Bastam três  exemplos : 

 - A 20 de Janeiro de 2001, Colin Powell ( negro ) torna-se Secretário de Estado dos Estados Unidos e um elemento chave no governo de George W. Bush na luta contra o terrorismo, especialmente após os atentados de 11 de Setembro de 2001 .

 - Condoleezza Rice ( negra ) ,  cientista política e diplomata estadunidense foi a 66ª Secretária de Estado dos EUA, servindo na administração do presidente George W. Bush entre 2005 e 2009 .

3 º  - Barack Hussein Obama II ,  advogado e político norte-americano que serviu como o 44.º presidente dos Estados Unidos de 2009 a 2017, sendo o primeiro afro-americano a ocupar o cargo.

No Brasil nem passamos perto de ofertar cargos tão importantes ao nosso povo negro, e não foi por falta de quadro capacitado , bastando citar o ilustre Professor Milton Almeida dos Santos ,  geógrafo brasileiro premiado internacionalmente. Graduado em Direito, Milton Santos destacou-se por seus trabalhos em diversas áreas da geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo.  Outro destaque  , o premiado professor Abdias do Nascimento que foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras.

Infelizmente ainda existem espíritos que talvez por serem oriundos de mundos primitivos estão pregando doutrinas como a supremacia dos brancos nos EUA . Uma reportagem da jornalista Cláudia Trevisan a respeito dos extremistas nos diz que Percy tem pouco mais de 20 anos mas sonha com a criação de um Estado de brancos que professem os ideais da " alt-right " , termo que tenta dar uma nova roupagem a extremistas de direita americanos.

Andrew Murphy , 33 anos , participou da " marcha da unidade " , realizada no dia 12 de agosto de 2017 por supremacistas brancos em Charlottesville , Estado da Virginia , EUA . São jovens com ideias muito ultrapassadas . Sucede-se que hoje em dia , felizmente , a sociedade está muito mais preparada para enfrentar questões que envolvem preconceitos de toda ordem . Foram conquistas sociais que se transformaram em seguida em conquistas morais .

No seu comentário à pergunta 793 ( Lei do Progresso ) o Mestre Allan Kardec nos ensina que a " civilização tem seus graus, como todas as coisas . Uma civilização incompleta é um estado de transição que engendra males especiais " . O maior cuidado que devemos ter quanto à nossa imperfeição refere-se ao comportamento que por ventura possamos assumir em detrimento ao que professávamos como ideal . Nunca me esqueço que tempos depois da conquista do poder na África do Sul , líderes negros  mudaram-se para os excelentes bairros e ótimas casas onde viviam os brancos e seus filhos passaram a frequentar escolas particulares . O bairro pobre de Soweto passou a ser apenas um quadro na parede . Nesse particular a polêmica e recém falecida Winnie Mandela soube manter as aparências .

O mesmo fenômeno ocorreu nos EUA depois da conquista dos direitos civis pelos negros nos estados do sul americanos . Inconformados com a proibição da segregação nas escolas públicas , muitos brancos transferiram seus filhos para escolas particulares . Afinal as crianças negras não possuíam os mesmos " valores " dos seus filhos . Continua o Mestre Kardec que " civilizado ,  na verdadeira acepção do termo , é somente aquele povo onde se encontra menos egoísmo e menos orgulho ; onde os hábitos sejam mais intelectuais e morais que materiais e onde os preconceitos de casta e de nascimento estejam menos enraizados " . 

Finalizo com um presente a todos - em nosso blog - . Para quem não nunca leu, homenageio o grande Martin Luther King nesses 50 anos da sua desencarnação , reproduzindo o seu famoso discurso " Eu tenho um sonho " . É de arrepiar!

I have a dream:
                                                                                  
“Estou feliz por estar hoje com vocês num evento que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nosso país.

Há cem anos, um grande americano, sob cuja simbólica sombra nos encontramos, assinou a Proclamação da Emancipação. Esse decreto fundamental foi como um grande raio de luz de esperança para milhões de escravos negros que tinham sido marcados a ferro nas chamas de uma vergonhosa injustiça. Veio como uma aurora feliz para pôr fim à longa noite de cativeiro.

Mas, cem anos mais tarde, devemos encarar a trágica realidade de que o negro ainda não é livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro está ainda infelizmente dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação.

Cem anos mais tarde, o negro ainda vive numa ilha isolada de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o negro ainda definha nas margens da sociedade americana estando exilado em sua própria terra. Por isso, encontramo-nos aqui hoje para dramatizar essa terrível condição.

De certo modo, viemos à capital do nosso país para descontar um cheque. Quando os arquitetos da nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, eles estavam a assinar uma nota promissória da qual todo americano seria herdeiro. Essa nota foi uma promessa de que todos os homens teriam garantia aos direitos inalienáveis de “vida, liberdade e à procura de felicidade”.

É óbvio que a América de hoje ainda não pagou essa nota promissória no que concerne aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar esse compromisso sagrado, a América entregou ao povo negro um cheque inválido devolvido com a seguinte inscrição: “Saldo insuficiente”.

Porém recusamo-nos a acreditar que o banco da justiça abriu falência. Recusamo-nos a acreditar que não haja dinheiro suficiente nos grandes cofres de oportunidade desse país. Então viemos para descontar esse cheque, um cheque que nos dará à vista as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.

Viemos também para este lugar sagrado para lembrar à América da clara urgência do agora. Não é hora de se dar ao luxo de procrastinar ou de tomar o remédio tranquilizante do gradualismo. Agora é tempo de tornar reais as promessas da democracia.

Agora é hora de sair do vale escuro e desolado da segregação para o caminho iluminado da justiça racial. Agora é hora [aplausos] de retirar a nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a sólida rocha da fraternidade. Agora é hora de transformar a justiça em realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação não levar a sério a urgência desse momento. Esse verão sufocante da insatisfação legítima do negro não passará até que chegue o revigorante outono da liberdade e igualdade. Mil novecentos e sessenta e três não é um fim, mas um começo. E aqueles que creem que o negro só precisava desabafar e que agora ficará sossegado, acordarão sobressaltados se o país voltar ao ritmo normal.


Não haverá nem descanso nem tranquilidade na América até o negro adquirir seus direitos como cidadão. Os turbilhões da revolta continuarão a sacudir os alicerces do nosso país até que o resplandecente dia da justiça desponte.

Há algo, porém, que devo dizer a meu povo, que se encontra no caloroso limiar que conduz ao palácio da justiça: no processo de ganhar o nosso legítimo lugar não devemos ser culpados de atos errados. Não tentemos satisfazer a sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio. Devemos sempre conduzir nossa luta no nível elevado da dignidade e disciplina.

Não devemos deixar que o nosso protesto criativo se degenere na violência física. Repetidas vezes, teremos que nos erguer às alturas majestosas para encontrar a força física com a força da alma.

Esta nova militância maravilhosa que engolfou a comunidade negra não nos deve levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos dos irmãos brancos, como se vê pela presença deles aqui, hoje, estão conscientes de que seus destinos estão ligados ao nosso destino.

E estão conscientes de que sua liberdade está intrinsicamente ligada à nossa liberdade. Não podemos caminhar sozinhos. À medida que caminhamos, devemos assumir o compromisso de marcharmos em frente. Não podemos retroceder.

Há quem pergunte aos defensores dos direitos civis: “Quando é que ficarão satisfeitos?” Não estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos indescritíveis horrores da brutalidade policial. Jamais poderemos estar satisfeitos enquanto os nossos corpos, cansados com as fadigas da viagem, não conseguirem ter acesso aos hotéis de beira de estrada e das cidades.

Não poderemos estar satisfeitos enquanto a mobilidade básica do negro for passar de um gueto pequeno para um maior. Não podemos estar satisfeitos enquanto nossas crianças forem destituídas de sua individualidade e privadas de sua dignidade por placas onde se lê “somente para brancos”.

Não poderemos estar satisfeitos enquanto um negro no Mississippi não puder votar e um negro em Nova Iorque achar que não há nada pelo qual valha a pena votar. Não, não, não estamos satisfeitos e só estaremos satisfeitos quando “a justiça correr como a água e a retidão como uma poderosa corrente”.

Eu sei muito bem que alguns de vocês chegaram aqui após muitas dificuldades e tribulações. Alguns de vocês acabaram de sair de pequenas celas de prisão. Alguns de vocês vieram de áreas onde a sua procura de liberdade lhes deixou marcas provocadas pelas tempestades de perseguição e pelos ventos da brutalidade policial.

Vocês são veteranos do sofrimento criativo. Continuem a trabalhar com a fé de que um sofrimento injusto é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Luisiana, voltem para as favelas e guetos das nossas modernas cidades, sabendo que, de alguma forma, essa situação pode e será alterada. Não nos embrenhemos no vale do desespero.

Digo-lhes hoje, meus amigos, que, apesar das dificuldades e frustrações do momento, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho que um dia essa nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença: “Consideramos essas verdades como auto-evidentes que todos os homens são criados iguais.”

Eu tenho um sonho que um dia, nas montanhas rubras da Geórgia, os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia mesmo o estado do Mississippi, um estado desértico sufocado pelo calor da injustiça, e sufocado pelo calor da opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje.

Eu tenho um sonho que um dia o estado do Alabama, com seus racistas cruéis, cujo governador cospe palavras de “interposição” e “anulação”, um dia bem lá no Alabama meninos negros e meninas negras possam dar-se as mãos com meninos brancos e meninas brancas, como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje.

Eu tenho um sonho que um dia “todos os vales serão elevados, todas as montanhas e encostas serão niveladas; os lugares mais acidentados se tornarão planícies e os lugares tortuosos se tornarão retos e a glória do Senhor será revelada e todos os seres a verão conjuntamente”.

Essa é a nossa esperança. Essa é a fé com a qual eu regresso ao Sul. Com essa fé nós poderemos esculpir na montanha do desespero uma pedra de esperança. Com essa fé poderemos transformar as dissonantes discórdias do nosso país em uma linda sinfonia de fraternidade.

Com essa fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ser presos juntos, defender a liberdade juntos, sabendo que um dia haveremos de ser livres. Esse será o dia, esse será o dia quando todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo significado:

Meu país é teu, doce terra da liberdade, de ti eu canto.
Terra onde morreram meus pais, terra do orgulho dos peregrinos, que de cada lado das montanhas ressoe a liberdade!

E se a América quiser ser uma grande nação, isso tem que se tornar realidade.

E que a liberdade ressoe então do topo das montanhas mais prodigiosas de Nova Hampshire.

Que a liberdade ressoe das poderosas montanhas de Nova Iorque.

Que a liberdade ressoe das elevadas montanhas Allegheny da Pensilvânia.

Que a liberdade ressoe dos cumes cobertos de neve das montanhas Rochosas do Colorado.

Que a liberdade ressoe dos picos curvos da Califórnia.

Mas não só isso; que a liberdade ressoe da montanha Stone da Geórgia.

Que a liberdade ressoe da montanha Lookout do Tennessee.

Que a liberdade ressoe de cada montanha e de cada pequena elevação do Mississippi. Que de cada encosta a liberdade ressoe.

E quando isso acontecer, quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos ressoar de cada vila e cada lugar, de cada estado e cada cidade, seremos capazes de fazer chegar mais rápido o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar as palavras da antiga canção espiritual negra:

Finalmente livres! Finalmente livres!

Graças a Deus Todo Poderoso, somos livres, finalmente."

 Martin Luther King