“Para
que César possa ter o Espiritismo que eu sempre quis: uma luz guia nos momentos
de dor; uma fé nem sempre inabalável, mas uma fé que norteie eticamente sua
jornada”
O Espiritismo Que Queremos – Carol Régis –
XV SBPE
ü
Inquietação: Estado de inquieto, do que se acha em agitação. Estado de preocupação;
desassossego que impede o repouso, a paz, a tranquilidade; nervosismo.
Foi uma constante inquietação que norteou as bases para o surgimento
deste trabalho. Um sentimento não recente, fruto de vivências, observações,
diálogos, leituras, alimentado por um olhar sobre o Espiritismo pratico diário,
as casas, os Espíritas, as relações, as instituições. Uma observação filosófica
sobre o caminho que estamos trilhando, com um amedrontado vislumbre do
caminho que temos pela frente. Qual o foco do Espiritismo atual? E,
principalmente, qual foco ele deveria ter daqui pra frente?
As respostas a esses questionamentos passam por inúmeros pontos: a
Doutrina em si, sua tão necessária atualização, seus pontos imutáveis (ou não),
a comunicação usada para transmiti-la, o comportamento – em grupo e individual
– daqueles que escolheram o Espiritismo como filosofia a ser seguida, o
planejamento para as próximas décadas e o trabalho com as próximas gerações. Mas
passa, principalmente, por um ajustar de lentes, uma definição de foco sobre um
tema imediato, urgente e aparentemente generalizada: a retomada da humanização
do Espiritismo, colocar o Espírito encarnado como personagem principal da prática
doutrinaria.
Este artigo foi publicado no Jornal Abertura de março de 2018: baixe aqui!
Obviamente, um trabalho hercúleo, não passível de ser esgotado em um
trabalho, por um único pensador e, mesmo se possível fosse, não seria o ideal.
Desta forma, o presente trabalho vem mais como um compartilhar de
inquietações, uma transmissão de sentimentos aos colegas de ideal, para que
possamos, caso haja interesse, refletir em conjunto sobre o que está
acontecendo na prática em nosso dia a dia como espíritas, que direcionamentos
temos dado em nossas casas, como dirigentes ou não, vislumbrando o bem estar e
a felicidade daqueles que nos procuram para algum fim. Qual o grau de
importância real temos dado à pessoa que ali está sentada em busca de algo?
Uma movimentação que deve ser feita em duas frentes: a particular,
solitária, do individuo com ele mesmo e sua percepção honesta de falhas e
oportunidades de melhora. Mas principalmente coletiva, realinhando o que alguns
indivíduos, intencionalmente ou não, possam ter desviado por motivos diversos
ou pelo simples abandonar do exercício frequente de autorreavaliação, e que
acabaram, por influência, desviando o foco da casa em que frequentam.
O trabalho é, portanto, um convite à sincera reflexão sobre o objeto
central do Espiritismo: o Espírito. Não um olhar distante e filosófico sobre a
teoria do Ser. Mas um olhar para o lado, com genuíno interesse ao companheiro
de jornada que frequenta a mesma casa ha tantos anos. Qual seu sobrenome, que
situações o trouxe à casa, quantos filhos tem, de que precisa realmente? Que
Espíritas somos e que Espíritas queremos ser? Estamos, na prática, vivenciando
aquilo que estudamos há tantos anos? Quando uma situação surge, quando um
companheiro necessita realmente, quando a vida nos põe à prova, embasamos nossa
decisão na ética espírita de verdade? Fica a singela pretensão da contribuição
compartilhada, no sentido de instigar assuntos que todos já sabemos e temos
dentro de nós, como um falar sobre o óbvio que precisa ser dito. Propor uma
retomada, uma revisita a aspectos do passado, algo vintage, sobre posturas,
práticas e objetivos, nostalgicamente apontados como minguantes no Espiritismo
moderno. E esses apontamentos precisam ser ouvidos, levados em conta, porque
são verbalizações de sentimentos, vindos daqueles que mais importam: Os
Espíritas.
ü
Atualizar: tornar(-se) atual, adequar(-se) aos dias de hoje;
modernizar(-se)."a. o ensino de línguas". Promover a atualização
cultural, pedagógica etc. (de alguém ou de si próprio).
Impossível imaginar o Espiritismo do
futuro sem pensar em adequá-lo aos dias de hoje. O tema Atualização já vem
sendo discutido ha décadas e ele mesmo já precisa ser modernizado. Com exceção
de alguns trabalhos filosóficos apresentados em encontros, ou medidas práticas
alteradas nos centros espíritas (emissão energética, não obrigatoriedade de
água fluídica e preces, mudanças de nomenclaturas e adequações de alguns temas
e grades de palestras), pouco se produziu e incorporou efetivamente da agenda
elaborada para atualizar o Espiritismo nos meios laicos e livre pensadores.
A começar pela atualização da linguagem. Não houve nenhuma movimentação
relevante no sentido mais básico de atualização da linguagem, do escopo teórico
do Espiritismo, dos escritos de Kardec e contemporâneos do fundador. Ainda são
as mesmas traduções, a mesma literatura que passa de gerações em gerações, com
palavras incompreensíveis ao jovem de hoje. As traduções, por assim dizer, são
tentativas individuais, oralmente transmitidas para um melhor entendimento do
grupo. Nada formal, nada por escrito. E os poucos exemplares literários
existentes não alcançaram expressão na divulgação a ponto de fazerem alguma
diferença pratica nas bibliotecas dos centros, mesmo porque, são adaptações de
forma muito mais do que de linguagem.
Faz-se necessário traduzir, no sentido literal da palavra, o que Kardec
escreveu. Não é viável esperar de um adolescente de 14 anos, em 2017, a leitura
prazerosa e compreensível do Livro dos Espíritos, 1857, de qualquer uma das
editoras, esperando que ele adote aquilo como sua base ética. Não sozinho, não
sem alguém para nortear, para transformar aquele conhecimento em algo
compatível com a realidade deste jovem. E aqui não cabe mais a visão ultraconservadora
de não mexer no que Kardec fez; não reescrever as obras básicas. Obviamente,
ninguém irá reescrever com linguagem atual O Livro dos Espíritos e colocar
Allan Kardec como autor da obra. Mas podemos escrever um Livro dos Espíritos
Revisitado e deixar bem claro o exercício de transcrever, com linguagem moderna
o que foi dito por Kardec, há dois séculos.
Postergar ou minimizar essa atualização de linguagem das obras é
cimentar o legado de Kardec, imortalizando-o enclausurado em uma bibliografia
incompreensível dentro de muito pouco tempo. Porque, em breve, os dirigentes e
tutores de reuniões, já serão todos de uma nova geração e terão que transmitir
a novos freqüentadores – nascidos na era digital – que “a causa primária é, conseguintemente, uma inteligência superior à
Humanidade” e que “Quaisquer que
sejam os prodígios que a inteligência humana tenha operado, ela própria tem uma
causa e, quanto maior for o que opere, tanto maior há de ser a causa primária.
Aquela inteligência superior é que é a causa primária de todas as coisas, seja
qual for o nome que lhe dêem.”
Saberão passar isso aos novos freqüentadores como: “Não importa o nome
que se dê a quem criou todas as coisas, ele sempre será a inteligência
superior. Tudo o que for feito pela Humanidade, por mais brilhante que seja,
teve seu inicio naquela inteligência inicial, criadora de tudo”? Tradução
também pode ser feita de uma língua para a mesma língua, dado que a linguagem é
perecível, orgânica, acompanha as mudanças sociais.
Uma vez encaminhada a questão da linguagem e a verdadeira compreensão do
conteúdo doutrinário pelas as próximas gerações, podemos avançar para o temário
contemporâneo. Questões pertinentes à sexualidade, alteridade, novas filosofias
e religiões, genética e tantas outras que ainda irão surgir, precisam ser
incorporadas como parte do conhecimento Espírita. Seja sob a forma de livros,
PDFs, vídeos, perfis em redes sociais, o que for. Não há mais como fugir ou
tratar apenas como um tema extraordinário em reuniões especiais. Porque vidas,
Espiritos encarnados, dependem do posicionamento dos demais para poder seguir
sua jornada com menos sofrimento. Isso irá desenvolver a produção de
conhecimento novo nos centros, a participação efetiva de novos colaboradores
que irão fortalecer o futuro das casas, criando vínculos afetivos e ideológicos
com a comunidade, irá gerar a real atualização de conteúdo renovado e, principalmente,
solidificará a postura esperada do estudioso da filosofia Espírita, como ser
humano social.
Na prática, podem ser criados temários anuais seguidos pelas casas
filiadas às mesmas Instituições, não como grades obrigatórias de estudos, mas
como norte e incentivo à produção renovada de conteúdos, em diferentes
círculos, podendo ser unificada e compilada posteriormente como um
posicionamento oficial, ainda que transitório e momentâneo, sobre determinado
assunto. E isso, não para veicular em imprensa, gerar status em rankings
sociais; mas para darmos uma base moral e filosófica orientadora daqueles que seguem
a mesma linha pensadora do Espiritismo. A falta de um guia orientador mínimo de
temas a estudar ou atualizar, gera um sentimento de não pertencimento pratico,
insegurança quanto ao que estudar e sob quais argumentos, quais formas agir e
vivenciar a doutrina no dia a dia.
Atualizar, antes de tudo, é buscar a compreensão geral, para que todos
estejam lado a lado, enfrentando os desafios diários das casas Espíritas,
balizando comportamentos práticos de cada um e da coletividade, de acordo com
os fundamentos comuns às organizações escolhidas por afinidade teórica.
ü Instituição: estrutura
material e humana que serve à realização de ações de interesse social ou
coletivo; organização. Cada um dos
costumes ou estruturas sociais estabelecidas por lei ou consuetudinariamente
que vigoram num determinado Estado ou povo.
É totalmente esperado que as pessoas busquem frequentar círculos onde
encontrem afinidades morais, políticas, espirituais, filosóficas e, por sua
vez, que essa comunidade também sinta a necessidade de unir-se a outras, que
tenham pensamentos semelhantes, interesses coletivos. E assim começam a
institucionalizarem-se. Até aí, seria ótimo, não fosse a premissa de que,
invariavelmente, o comportamento coletivo distingue-se do comportamento de cada
individuo isoladamente. E com a Institucionalização, vêm os cargos, as
políticas internas e externas, as responsabilidades, a figura pública e toda
uma gama de situações que põe a prova a prática genuína das teorias Espíritas,
como uma filosofia de amor e respeito ao próximo, coletiva.
Há muito vem sido debatida a necessidade da complexidade de determinadas
Instituições, que se impõem organogramas e cronogramas tão rígidos, comparáveis
a uma verdadeira corporação multinacional. São eventos, planilhas, metas,
cronogramas a cumprir, folhas de pagamento, orçamentos, diretores e secretários
e tantos outros cargos que, muitas vezes, a comunidade em si vê-se quase toda
ocupando algum titulo, com mais mandachuvas do que seguidores. Sem contar as
contas a pagar: do lanche, da reforma, da rifa, do livro do autor da casa a ser
publicado, das taxas municipais... tudo isso em um cenário de crise econômica e
desemprego.
Mas, de tudo, o que vem mais pesando sobre a questão da
Institucionalização é que, por muitas vezes, ela tomou o lugar principal nos
objetivos das casas e associações. E nesse cenário, pululam brigas por poder,
conchavos para derrubar esse ou aquele diretor, imposições a determinados frequentadores,
vetos de assuntos e participações, presenças obrigatórias em eventos e tantas
outras ingerências costumeiras. E o reflexo disso, é a alteração da percepção
do público quanto à relevância das casas Espíritas e, consequentemente, uma
evasão por motivos que, antes, não eram os que estávamos acostumados a lidar,
como falta de tempo ou afinidade com o pensamento da casa.
Recentemente, a morte de um frequentador nas dependências da FEESP (ver
anexo 01) causou comoção não pelo fato em si, mas pela forma supostamente fria
e negligente dos gestores da casa para com os familiares, que levaram dois dias
para encontrar e liberar o corpo. Foi relatado todo tipo de empecilho: os
familiares não puderam entrar, negaram acesso as câmeras de vigilância, não
permitiram o resgate imediato do corpo devido a um evento que estava ocorrendo
na casa. A FEESP, em nota, disse que todo auxilio foi prestado à família, que a
policia irá investigar a morte e que o nome de Claudio já estava no grupo de
orações da casa (ver anexo 05).
A jornalista Dora Incontri, escreveu dois textos
abordando o assunto no blog da Associação Brasileira de Pedagogia Espirita, e
foi recorde de leitura, compartilhamento e comentários (ver anexos 02, 03 e 04).
Sentiu na pele a austeridade de muitos, mas também testemunhou relatos
inimagináveis de situações ocorridas dentro das casas: desrespeito, boicote, menosprezo,
por motivos diversos. “Esse episódio não me surpreende porque há muito
que a FEESP é uma instituição onde a briga por cargos e poder já levou até a
polícia lá para dentro, onde a impessoalidade é a tônica da uma instituição que
cresceu tanto que perdeu o caráter de
acolhimento humano – o que se revela no extremo de uma situação como essa, que
aqui comentamos. O problema é que a
desumanização de instituições espíritas tem sido um sintoma muito grave de
parte do movimento”, relata
Dora.
E Dora completa: “(...) movimentos
religiosos e novas formas de moralidade, quando nascem, brotam da fonte
espiritual legítima, com seus iniciadores, animados do élan evolutivo. Mas
depois, com o tempo, se cristalizam, se institucionalizam e portanto, vão
perdendo vida e impulso, vivência e amor.(...) Então, já dá para concluir que
nós, espíritas, estamos no mesmo caminho: institucionalização (quando falo esse
termo, estou me referindo à uma situação em que regras, burocracias, cargos,
dinheiro, poder, valem mais do que o ser humano), perda de fraternidade real,
esfriamento das relações humanas”.
À época do ocorrido, a publicação Crítica Espírita (edição 31/2017)
veiculou uma matéria de capa com o psicólogo Franklin Félix sobre a questão da evasão
dos centros espíritas por motivos sociais diversos. O editorial também tratou,
sem amarras, do assunto (ver anexo 06): “Para
quem costuma assumir tarefas ou se envolver em atividades no Centro Espírita, é
muito comum tomar conhecimento de, ou mesmo vivenciar, processos de
intolerância, de perseguição, de expulsão e de maus-tratos causados por outros
trabalhadores no Centro Espírita. (...) De qualquer modo, se um Grupo Espírita
é uma proposta de sociabilidade espiritualizada, regenerada, um local para
desenvolvermos comportamentos e valores de honestidade , tolerância, empatia,
de superar o “ser velho” em busca do “ser novo”, de vencer preconceitos e
imperfeições arraigadas, então parece que alguma coisa está muito errada diante
do fato de ser tão comum esses casos (...)”.
Diante da discussão, que já possui caráter aberto e nacional, faz-se
necessário repensar na real necessidade da Institucionalização, nos moldes
conhecidos, das entidades Espíritas. Por questões legais, enquanto uma casa é
um local público, para recepção de pessoas, com um CNPJ válido, é necessário
manter uma estrutura mínima de gestão para garantir o cumprimento das
exigências formais. E, mais, para garantir o mínimo funcionamento de gestão de
patrimônio, pessoas, atividades. Mas o foco deve ser o “mínimo”, não a
“estrutura”. E, ainda mais importante, as pessoas que ocupam tais cargos devem
ter a certeza, e serem sempre lembradas disso caso suas posturas demonstrem
algo oposto, de que o cargo é meramente funcional, que deve ser visto como um
trabalho apenas, separadamente do foco principal do centro: atender aos
freqüentadores e realizar suas obras – assistenciais ou de estudo.
ü Desumanização: Ato
de desumanizar, perda de
determinadas qualidades morais do ser humano, tornar ou torna-se desumano,
tirar ou perder o caráter humano. Tratar o outro como objeto, não levando em
conta suas emoções é uma atitude de desumanização.
A necessidade de trazer volta o objetivo essencial das casas Espíritas –
o frequentador – ganha notoriedade ainda maior frente à questão da demasiada institucionalização,
porque leva a uma postura fria e desumana no dia a dia das atividades. Pessoas
são tratadas como parte das atividades, uma rotina a ser seguida, encaminhada,
curada ou o que for. E isso não é crítica apenas ao movimento laico, ou ao
religioso tradicional, mas uma percepção ampla, a todos que foram engolidos por
essa roda viva contemporânea.
Em seu artigo, Dora cita um depoimento que recebeu sobre
o tema: ““Em 1994, dezembro,
estava com minha filha num hospital de SP. Ela havia feito uma cirurgia
cardíaca e estava em coma. Depois da entrevista com médicos que a desenganaram,
saí sem rumo; triste e sozinha. Havia levado o endereço de um centro espírita
de uma médium famosa por seus romances. Entrei, sentei e comecei a chorar. Umas
mulheres estavam arrumando o centro. Nem me olharam. Depois de um tempinho, sem
se aproximarem, disseram o dia do passe. Enxuguei as lágrimas e fui embora.
Precisava de apoio, aconchego, como sempre encontrei no centro que frequentava.
As paredes do tal centro cobertas de reportagens de revistas com fotos da
médium.”
A caminhada do movimento ao qual pertencemos, com foco na
Filosofia e no ser Laico, parece ter distanciado o lado mais Humano do Espiritismo,
subjetivo, atencioso aos aspectos mais cotidianos e fraternos, devido às nossas
metas, agendas e congressos a cumprir. Encontros esses, cada vez mais distantes
do público de interesse, seja por barreiras geográficas, econômicas ou
temáticas, refletindo diretamente na quantidade cada vez mais escassa de
trabalhadores realmente comprometidos e engajados, causando a incerteza sobre a
perenidade Doutrinária.
E esse tornar humano, por mais redundante que seja, dado o caráter da
própria doutrina, é algo que vem sendo repensado, solicitado e buscado em
inúmeros grupos. Uma espécie de onda nostálgica e necessária em diferentes
núcleos Espíritas, buscando atividades e atitudes de um passado recente como
promoções sociais, reuniões de integrações, resgates de frequentadores e
gerações passadas gerando a interação com os frequentadores atuais.Há um certo
vazio, uma falta de algo que não se sabe explicar, mas que se expressa pela
saudade de ter mais contato, maior interação social, mais calor humano. Talvez
o longo tempo buscando distanciar-se da religião, embrenhando na busca
filosófica da Doutrina, tenha custado algum afastamento do olhar ao próximo, no
sentido de acolhimento.
E,
percebendo isso a tempo, é possível traçar, ou retraçar, os caminhos pelos
quais iremos percorrer o Espiritismo do futuro. E nesse caminho não deve ser
permitido preconceito de qualquer tipo, indiferença, embates pessoais acerca de
assuntos filosóficos (Espíritas, políticos ou quaisquer outros). A fraternidade
deve nortear os rumos do Espiritismo que queremos para nossos filhos e netos.
E esse legado passa, necessariamente,
pela postura esperada do novo Espírita, ainda que ele já seja Espírita há
décadas. Uma reforma íntima genuína, sem a pieguice geralmente empregada nesse
termo. Um olhar para dentro de forma a mudar aquilo que reconhecemos não estar
bom, passível de aprimoramento, buscando a felicidade no sentido de estar bem
consigo, mas também nas relações interpessoais. Ninguém é feliz sozinho, então
estar no mundo de forma consciente é a maneira mais plena de caminhar na
evolução. E isso exige desapegar de velhos hábitos, comportamentos, padrões
mentais. Romper o tradicional em busca de agregar o novo para ser feliz, livre
de culpa, de julgamentos.
O olhar caridoso tanto para quem frequenta a casa, buscando o genuíno
interesse em seus assuntos e dilemas, quanto para a comunidade ao redor e os
tantos problemas sociais enfrentados é uma boa maneira de começar. E que os
esforços sejam não apenas concentrados nas casas assistenciais ligadas
diretamente ao centro frequentado, mas que haja integração e cooperação entre
as diversas casas e suas necessidades sazonais, gerando um auxílio mútuo, uma
rede de ajuda entre os frequentadores de diferentes casas, sem protecionismo ou
preferência a esta ou aquela casa por estar ligada a este ou aquele centro.
E a partir dessa mudança interna, começar a exteriorizar, praticar,
trazer pra vida real o tanto que se estuda na doutrina. Deixar de ser apenas
uma teoria filosófica, para ser uma atividade diária, em cada atitude, cada
decisão, cada diálogo. Vivenciar os princípios da doutrina a cada chamamento da
vida, praticando a ética que escolhemos embasar nossa encarnação.
ü
Prática: ato ou efeito de praticar. O que é
real, não é teórico; realidade.
Uma vez, uma querida colega de uma
das casas da região, questionou-me durante uma palestra, porque não seguíamos
um cronograma unificado de plano de estudo, sugerido pela Instituição a que
pertencíamos. Alguns ouvintes, discordaram de imediato, talvez ranço de uma
época onde os assuntos eram pautados e obrigatórios. Mas, ouvindo os argumentos
da colega, percebi que poderia ser um bom ponto de partida para as mudanças
práticas nas grades de estudo. Para ela, fazia falta algo norteador, em comum a
todas as casas, uma produção de conhecimento que pudesse ser feita em conjunto,
de forma organizada. Obviamente, não seria algo mandatório, mas sugerido para
ser incluso dentro da grade de estudos das casas e, quem sabe, após um ano de
estudo, produzir um documento unificando os pontos de vista, trazendo
conclusões.
Outro ponto que precisa ser ponderado
nas decisões estratégicas das casas é o alinhamento da transmissão do conteúdo gerado
à nova realidade e às novas tecnologias. Não é mais compatível que continuemos
utilizando somente o formato palestra tradicional para difundir nossas ideias,
nem apenas seminários presenciais para produzir novos conteúdos. Existem tantas
outras formas de divulgação de conteúdo de forma dinâmica, on line, à distância.
E essas precisam ser incorporadas para termos um mínimo de horizonte a
vislumbrar num futuro próximo.
Alguns cases de sucesso podem ser
apresentados para ilustrar como a nova geração de espíritas já está se
adaptando aos novos meios de produção de conteúdo. O videoblog/canal no Youtube
Meninas Espíritas é um exemplo e já conta com mais de 13.000 inscritos. Feito por
jovens e tendo Carol Oliveira como principal apresentadora dos temas, os vídeos
abordam diversos assuntos da atualidade ou basilares do corpo Doutrinário de
forma divertida, com linguagem jovem e embasamento moderno. Suicidio,
reencarnação, homossexualidade, mediunidade e tantos outros já contam com mais
de 385.800 visualizações desde a sua criação, em 2016. O perfil no Facebook,
conta com mais de 38.000 seguidores.
O WebCurso de Espiritismo, lançado pelo CPDoc, também é uma tentativa
feliz em inovar nos meios de produção de conteúdo. À exemplo dos cursos à distância
(EADs) que já são amplamente difundidos nos meios acadêmicos, os WebCursos
Espiritas visam reunir pessoas de diferentes locais, com flexibilidade de
horário de estudo. Os módulos abordam os princípios básicos: Deus, Espírito e
Matéria; Reencarnação; Mediunidade; Ética e Moral; O que é Espiritismo. Em suas
8 edições, já contou com mais de 700 inscritos.
Aproveitando a familiaridade com o ambiente on line, é urgente que as
organizações de encontros presenciais incluam a transmissão ao vivo como parte
da programação. A diversidade de ferramentas, inclusive gratuitas,
disponibilizadas na Internet é enorme e precisamos incorporar como parte de
congressos, simpósios, reuniões e festas das casas. Para promover a inclusão
daqueles que, por algum motivo, não puderam comparecer presencialmente:
dinheiro, distância, falta de tempo, interesse em parte dos temas apresentados
etc. Isso oferece, no mínimo, a certeza
de que a presença – seja pessoalmente ou on line – de cada um dos participantes
é fundamental e importante, valiosa como uma possibilidade de contribuição.
Atualizando os modelos de geração de conteúdo, cria-se maior chance de
atrair e reter a participação de
jovens para o Espiritismo, questão urgente para a continuação da obra
Kardecista. Os centros estão envelhecendo: os dirigentes invariavelmente são
fundadores ou filhos dos fundadores das casas e os jovens, quando estão na casa,
ficam restritos a reuniões especificas para este público, com pouca ou nenhuma
participação efetiva nas diretrizes, estratégias e produção e divulgação de
conteúdo relevante. O resultado é um cenário ameaçador para um futuro próximo
já que a retenção de novos pensadores não é uma questão prioritária no
planejamento dos centros. E a origem do problema pode ser justamente a não
formação de laços afetivos e significativos desse jovem desde a infância para
com o centro, as pessoas, a Doutrina em si. Se, há décadas atrás, as reuniões contavam
com 50 ou 60 jovens nas mocidades, a realidade hoje é bem diferente.
Desta
forma, é responsabilidade dos pais e avôs que percebem a relevância da presença
e participação nos ciclos de estudo, buscarem alternativas, atrativos e,
principalmente, incentivos para fazerem com que o Espiritismo seja parte
fundamental da educação e formação dos jovens, incluindo na rotina da família o
espaço para o estudo, assim como o Inglês, a Natação, o Escotismo e tantas
outras atividades já “obrigatórias” na infância. Mas, principalmente,
abrirem-se ao novo: internet, blog, vlog, canais de vídeos, projeções, projetos
interdisciplinares. Enfim, todas as novas ferramentas, velocidades e pontos de
vista que vêm com essas novas gerações.
De
tudo, o mais importante, urgente e necessário é a revisão da postura Espírita
em relação aos próprios Espíritas. É valorizar o conhecimento humano que cada
freqüentador traz em si e que pode ser fonte de muito aprendizado, colaboração,
crescimento. É preciso que haja um esforço consciente de todos, encabeçados
pelos dirigentes das casas, para se prestar atenção aos que lá estão sentados
aguardando uma oportunidade de resolver questões internas e partir para o
trabalho. Retomar sorrisos, historias, interesse genuíno, com afeto, respeito,
importância.
Falar
de Humanização do Espiritismo nem deveria estar na pauta de trabalhos,
palestras, artigos. É uma redundância que corrói, machuca os companheiros de
jornada que buscaram nos centros um pedido de socorro, de crescimento, de liberdade.
E, infelizmente, muito se tem errado ao tapar olhos e ouvidos a essas
solicitações. Perde não apenas a pessoa em si, como perdem as casas, a
Doutrina. E se a vigília for constante, atenta, notar-se-á tantos e tantos
episódios que acontecem todos os dias ao nosso lado: um olhar desatento, um
comentário maldoso, uma conversa desnecessária, uma decisão unilateral, uma
perseguição política. E a troco de que? Certa vez, um dirigente espiritual
disse irônico: “não entendo certas
coisas, afinal, o salário de presidente do Centro é altíssimo não é mesmo?”
Que
a inquietação possa gerar atualização das instituições para humanizar a prática
de uma filosofia de vida cuja ética não permite o contrario. Que sejamos
Espíritas de alma, correndo no sangue, diariamente a cada decisão, a cada trato
com o outro. Que os livros não morram dentro dos Espíritas como um pesado fardo
de conhecimento não aplicado porque a correria da era moderna tomou espaço da
fé, da espiritualização, da moral. Que tenhamos humildade de rever conceitos,
coragem de cobrar de si e dos outros uma postura fiel ao que oramos à platéias
lotadas. E que tenhamos amor ao próximo, a si mesmos, à Doutrina que
escolhemos.
“O caráter e a inteligência podem
impressionar as pessoas, mas é o amor que damos a alguém, que nos fazem
brilhantes e inesquecíveis em sua vida. Porque o amor, torna as pessoas
indispensáveis. Assim, se você quiser ascender um sorriso, iluminar um coração
ou acordar a esperança em alguém, precisa se lembrar de uma coisa: as pessoas
se alegram com sua inteligência, apreciam o seu caráter, mas precisam mesmo é
do seu amor” – autor desconhecido.
Anexo 1
Matéria
publicada no site globo.com em 11/08/2017
Mal súbito é a principal hipótese investigada pela
Polícia Civil para explicar a morte do engenheiro
desaparecido que foi encontrado morto no banheiro da Federação Espírita do
Estado de São Paulo (Feesp), centro da capital paulista. Claudio Arouca
tinha sumido no dia 13 de julho e só acabou achado dois dias depois por um
funcionário da limpeza do prédio.
Além de morte natural, são investigadas outras hipóteses
para esclarecer o caso: suicídio ou homicídio. Mas essas duas últimas são mais
remotas porque o G1 apurou
que a investigação obteve informações preliminares da perícia de que a vítima
não tinha marcas de violência pelo corpo.
Além disso, o homem de 49 anos estava com sobrepeso e
teria histórico familiar de problemas cardíacos. Seria mais plausível,
portanto, que pudesse ter tido um infarto, por exemplo. Mas somente o laudo
necroscópico do Instituto Médico Legal (IML) poderá confirmar essa
possibilidade. O documento ainda não ficou pronto. O resultado deve sair em até
dois meses.
Porém, para Claudio ser enterrado no cemitério de Embus
das Artes, na Grande São Paulo, o atestado de óbito foi expedido à família com
a informação ‘causa da morte a esclarecer’.
Por conta disso, quase o um mês depois o 1º Distrito
Policial (DP), na Sé, ainda investiga o caso como ‘morte suspeita’. Os policiais
dependem do laudo com a causa da morte para poder encerrar a investigação e
arquivá-la.
Enquanto isso, a polícia analisa imagens de câmeras de
segurança que mostram o momento que Claudio chegou de carro ao estacionamento
da Federação Espírita. Também teriam filmagens gravadas com a entrada dele na
sede da entidade.
Críticas
O veículo usado pelo engenheiro seria da namorada
dele, uma mulher que frequentaria a Feesp. Claudio teria se convertido
recentemente ao espiritismo e iria ao local fazer tratamento espiritual. A
reportagem não conseguiu localizar a namorada do engenheiro para comentar o
assunto nesta sexta-feira (11). Por telefone, a ex-mulher de Claudio falou
ao G1 que a família está apreensiva sem saber o que aconteceu.
"Os exames que foram feitos na hora no IML [Instituto Médico Legal] não
foram conclusivos", disse a dentista Adriana Colombo, de 50 anos. A
dentista também criticou a Federação Espírita porque, segundo ela, a entidade
dificultou o acesso da família a informações sobre o caso. "A postura da
federação aumentou nosso sofrimento e dor", disse Adriana.
Funcionários da Federação disseram à
reportagem que não têm suspeitas do que pode ter acontecido com Claudio.
O G1 ainda procurou a Feesp para comentar o assunto. Até a
última atualização desta matéria, os responsáveis não haviam retornado o
contato. Mas em
nota publicada em seu site, a entidade informa que tomou "todas as
providências possíveis junto às autoridades e também para localizar os
familiares, que foram acolhidos e apoiados no 8º andar da FEESP. Adriana
teve três filhos com Claudio, de quem se separou. A dentista falou ainda que o
ex-marido se dividia entre São Paulo, onde administrava os imóveis da família,
e Eunápolis, na Bahia, onde morava.
"A gente não sabe de nada, mas quero que tenha
sido natural [a morte], porque nos daria mais conforto", afirmou a
ex-mulher de Claudio. "Disseram que os exames que irão apontar a causa da
morte demoram dois meses para ficarem prontos."
Federação Espírita
Em um comunicado postado em seu site, a Federação
informa que "a Polícia Civil continua realizando investigações sobre o
ocorrido e o Instituto Médico Legal da Superintendência da Polícia Científica
está periciando o material colhido, para fornecer o laudo médico legal."
A Feesp diz ainda que "assim que recebermos
esses laudos comunicaremos a todos os resultados e os esclarecimentos."
ANEXO 2
Desumanização no movimento espírita
https://blogabpe.org
O assunto é pesado, mas não
podemos nos omitir em tecer algumas reflexões em torno de um episódio ocorrido
dias atrás na Federação Espírita do Estado de São Paulo. Chequei a informação
em diversas fontes, antes escrever esse texto. Resumindo, para quem não soube
ou não leu nas redes sociais, um companheiro espírita, Claudio Arouca, ficou
desaparecido mais de 48 horas e a última notícia que se tinha dele era de que
ele estava na FEESP. A família, depois de algumas horas do desaparecimento,
desesperada, procurou a instituição e, pelo que narraram, não foi acolhida, não
lhe foram fornecidas as gravações das câmeras e ninguém procurou pelo
desaparecido. Apenas 48 horas depois, receberam da própria FEESP um telefonema
dizendo que o corpo tinha sido encontrado no banheiro. Mas nem assim, foram
melhor tratados. Não puderam ter acesso imediato ao familiar que havia morrido
de um enfarte, porque estava havendo uma festa na Federação.
Só depois de muitas horas, o
corpo já em putrefação, de que não puderam fazer nem velório, foi retirado.
Além de todo surrealismo da situação, ainda foram destratados pela diretoria.
Esse episódio não me surpreende
porque há muito que a FEESP é uma instituição onde a briga por cargos e poder
já levou até a polícia lá para dentro, onde a impessoalidade é a tônica da uma
instituição que cresceu tanto que perdeu
o caráter de acolhimento humano – o que se revela no extremo de uma
situação como essa, que aqui comentamos.
O problema é que a desumanização de instituições espíritas tem sido um
sintoma muito grave de parte do movimento.
Sem dúvida que esse movimento
reflete um cenário do mundo pós-moderno, hipercapitalista, em que o ser humano
está cada vez mais perdendo as referências de ser humano.
Justamente na semana desse acontecido, havia lido uma reportagem pavorosa no El
País, em que se conta de pessoas que têm sido encontradas mortas há 3, 4, 5
anos na Espanha, mumificadas pelo clima seco e de que ninguém deu pela falta
delas. Nenhum contato na vizinhança, pessoas sem familiares, sozinhas,
solitárias, abandonadas.
Há algo mais estarrecedoramente
desumano e triste do que essa morte sem nenhum afeto, sem nenhuma presença, sem
nenhum cuidado? E, de repente, vemos um fato como esse do companheiro Claudio
Arouca (que os Espíritos bons cuidem dele como devem estar cuidando!), ocorrer
dentro de uma instituição que se diz espírita!
Cabe-nos, portanto,
questionarmos o que estamos fazendo enquanto movimento para nos diferenciarmos
e resistirmos a essas tendências do mundo pós-moderno, em que o ser humano nada
vale e não é notado olhos nos olhos e respeitado enquanto pessoa?
Kardec achava que os melhores
centros espíritas (e isso está no Livro dos Médiuns) são centros pequenos,
familiares, onde todos se conhecem e se gostam, pensam de forma afinada, estejam
em sintonia afetiva e espiritual. Ora, no Brasil, há centros que viraram
Igrejas, frequentados por multidões, impessoais – tem até alguns com catraca
eletrônica – onde não há nenhum aconchego, nenhum olho no olho e se alguém que,
mesmo frequentando a instituição há anos, tiver um comportamento fora da regra,
é reenviado ao atendimento fraterno e se reincidente, expulso sem compaixão.
Claro que nada disso tem a ver
com princípios como fraternidade, amor ao próximo, caridade ou o que se queira
evocar. São centros em que a burocracia tomou o lugar da relação humana e
afetiva. Ora, é evidente que num contexto desses, os Espíritos superiores não
podem atuar.
É que se observa nesse caso da
FEESP. Das pessoas que foram contactadas pela família (não sei quantas foram),
por que não houve nenhuma que sentiu qualquer inspiração que o desaparecido
estivesse ali na casa? Os Espíritos amigos do desencarnado e da família não
tiveram a mínima brecha positiva para inspirar alguém. A desumanidade leva ao
endurecimento e ao empedramento da mediunidade.
Tudo muito triste. Mas é
necessária uma reação enérgica e vital. Saibamos de novo nos reunir em grupos
pequenos, saibamos de novo cultivar amizades sólidas em grupos afins, em que
cuidemos uns dos outros, com preocupação e empatia, sintonia e abertura para a
inspiração do Alto.
Ainda é tempo de retomarmos o
Espiritismo caseiro, onde os Espíritos bons se comunicam, em que todos estudam
e participam espontaneamente, sem hierarquias e disputa por cargos. Que o amor
despojado seja a tônica das relações entre encarnados e entre encarnados e
desencarnados!
ANEXO
3
Mais
algumas reflexões sobre a Desumanização no Movimento Espírita
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Não costumo dar sequência a
artigos publicados no blog e muito menos em resposta aos comentários feitos.
Mas a postagem da semana passada Desumanização
no movimento espírita rendeu centenas de
comentários e mais de 33 mil visualizações. Parece que mexemos numa ferida
aberta e é preciso falar mais para pensarmos em soluções, remédios e melhoras.
Primeiro, a resposta
aos que me criticaram por não ter ouvido o outro lado. Sou jornalista
profissional e sei muito bem o que faço em termos de fontes. Chequei com várias
pessoas (claro que não posso citar as fontes) e o ocorrido foi exatamente o que
relatei, no caso da desencarnação de Claudio Arouca na Feesp. Felizmente, a
família se sentiu confortada com o meu artigo e com o apoio que recebeu de
muita gente por causa dessa publicação. Então isso já basta.
O fato, porém,
extremo e lamentável, serviu como um exemplo de uma tendência no movimento
espírita em geral. Nossa crítica não é pessoal à Feesp, quisemos fazer uma
reflexão mais ampla. Tanto é verdade que não foram poucas as mensagens e
comentários que recebemos, contanto casos, apoiando a reflexão proposta e
dizendo muitos que não frequentam mais centros espíritas (aliás nem pequenos,
nem grandes), porque se depararam com autoritarismo, burocratização, descaso,
luta por cargos, falta de acolhimento, exclusões, etc. Cito esse caso abaixo,
só para exemplificar:
“Em 1994, dezembro, estava com minha filha num hospital de SP. Ela
havia feito uma cirurgia cardíaca e estava em coma. Depois da entrevista com
médicos que a desenganaram, saí sem rumo; triste e sozinha. Havia levado o
endereço de um centro espírita de uma médium famosa por seus romances. Entrei,
sentei e comecei a chorar. Umas mulheres estavam arrumando o centro. Nem me
olharam. Depois de um tempinho, sem se aproximarem, disseram o dia do passe.
Enxuguei as lágrimas e fui embora. Precisava de apoio, aconchego, como sempre
encontrei no centro que frequentava. As paredes do tal centro cobertas de
reportagens de revistas com fotos da médium.”
Nessa mesma linha de
denúncia, neste mês, o Jornal Crítica Espírita, publicou uma matéria de Franklin Felix, com muitos
relatos de perseguição política e partidarização em centros espíritas. Então, o
que acontece? Vamos ficar calados, de braços cruzados, colocar panos quentes?
Fingir que somos um movimento fraterno, amoroso e caridoso? É óbvio que há
muita gente boa no movimento. Viajo Brasil afora e conheço instituições e
pessoas que ainda guardam o espírito acolhedor e amoroso que faz parte da ética
espírita-cristã. Mas ouço também inúmeros relatos de expulsões, discriminações,
brigas internas… Enfim… dirão: seres humanos são assim. É verdade. Mas seria de
se supor que pessoas que adotam uma filosofia de vida como a espírita
estivessem ensaiando um comportamento melhor.
Quero levantar aqui
duas hipóteses explicativas para esse problema. Primeira, lembro do filósofo
francês Henri Bergson, que escreveu uma obra-prima, sempre muito citada por
Herculano Pires: As duas fontes
da moral e da religião. Nesse livro, ele expõe uma tese de que
movimentos religiosos e novas formas de moralidade, quando nascem, brotam da
fonte espiritual legítima, com seus iniciadores, animados do élan evolutivo.
Mas depois, com o tempo, se cristalizam, se institucionalizam e portanto, vão
perdendo vida e impulso, vivência e amor.
Não foi o que aconteceu com o
Cristianismo? Em seu livro História do Cristianismo, Paul Johnson
tem a sua primeira parte intitulada: De mártires a Inquisidores. Impressionante
relato de como aquele primeiro movimento lançado por Jesus, no seio de
apóstolos (que aliás, já começaram a se desentender entre si – veja-se o
conflito entre Paulo e Tiago), foi se tornando a Igreja poderosa e
inquisitorial. Mas no seio dela, sempre ressurgiram aqueles que tentaram voltar
à simplicidade e à fraternidade primitivas. Francisco de Assis, por exemplo, e
tantos outros. O próprio movimento da Reforma protestante se deu também na
tentativa de voltar às bases do Evangelho. E novamente, houve um esfriamento,
uma institucionalização. 150 anos depois da morte de Lutero, o movimento
pietista, dentro do próprio protestantismo, tentava revigorar o espírito de
simplicidade e acolhimento e recomendava o culto do Evangelho no lar, a
reaproximação aos ensinos de Jesus… Pestalozzi teve essa influência.
Então, já dá para
concluir que nós, espíritas, estamos no mesmo caminho: institucionalização
(quando falo esse termo, estou me referindo à uma situação em que regras,
burocracias, cargos, dinheiro, poder, valem mais do que o ser humano), perda de
fraternidade real, esfriamento das relações humanas. Por que acontece isso?
Agora vamos à nossa segunda hipótese explicativa.
A adesão dos seres
humanos à moral proposta pelas diversas tradições espirituais da humanidade se
dá muitas vezes de maneira exterior. Adota-se uma postura artificial, de
bondade, de fala mansa, de pseudocaridade, mas não houve de fato uma revolução
interna profunda – coisa aliás que só se dá num processo de autoeducação e de
terapia simultaneamente, com a coragem de nos olharmos como somos, nossas
feridas, procurando curá-las, sem dissimulação. Esse fenômeno, Jesus já
combateu: é o farisaísmo. A pessoa se traveste de santa, mas de santa não tem
nada. E infelizmente ocorre entre católicos, budistas, protestantes, espíritas…
Se alguém discorda,
é fraternalmente enviado
para a desobsessão; se alguém migra de um centro para outro, de uma cidade para
outra, de um Estado para outro, é obrigado fraternalmente a recomeçar o Espiritismo do zero, porque
não se aceita o que a pessoa traz de bagagem de aprendizado e de anos de
serviço prestado; se alguém se opõe a alguma regra ou conduta (muitas vezes com
razão e mesmo que não fosse com razão) é convidado fraternalmente a sair do grupo…
Quando se limita o
debate, quando não se sabe discutir ideias, porque só há melindres e vaidades,
estamos entrando no campo do farisaísmo, da falta de autocrítica, da
cristalização, que leva à intolerância e que mais dia menos dia nos pode levar
a atitudes inquisitoriais. Quais os caminhos para remediar essa situação:
- Façamos grupos pequenos, em
casa ou no centro, com pessoas reconhecidamente afins, sinceramente
interessadas em estudar, praticar a mediunidade e devotar-se ao bem;
- Estudemos Kardec em
profundidade;
- Desierarquizemos as
relações: todos devem ser ouvidos, as lideranças devem deixar de lado
vaidades e vontade de poder (para isso uma boa terapia ajuda);
- Façamos todos uma
autoanálise diária, constante, de nossas atitudes e sentimentos (sobretudo
de sentimentos, porque deve haver uma coerência entre eles e nossas
ações);
- Não forcemos a barra de uma
santidade prematura, somos pessoas normais, em aprendizado constante;
- Não idolatremos ninguém e
nem nos deixemos idolatrar; sejamos enérgicos quanto a isso;
- Não tenhamos mestres no
espiritismo, somos todos aprendizes;
- E se participamos de alguma
instituição já rendida a essas práticas burocráticas e desumanizadas, com
lideranças inquestionáveis, se depois de tentarmos melhorar as coisas, nos
sintamos ainda incomodados ou indignados, retiremo-nos sem medo, fundemos
outras casas ou façamos o espiritismo doméstico – mas não deixemos nunca
essa doutrina libertadora, por causa daqueles que não se libertaram a si
mesmos!
ANEXO 4
Desumanização do Espiritismo
Carol
Régis e Reinaldo Di Lucia – publicado no Jornal Abertura (ago 17)/
http://icksantos.blogspot.com.br
Desumanização do Espiritismo?
Uma pessoa desencarna dentro das dependências da Federação
Espírita do Estado de São Paulo e a família busca por informações com os
dirigentes da casa. Segundo noticias, os responsáveis pela FEESP limitaram
informações, dificultaram buscas e trataram friamente o caso, até encontrar, no
banheiro, dois dias depois, o corpo do desaparecido, sendo obrigados a
notificar os parentes para as devidas providências. Alguns traços
apontados como frieza no tratamento ao fato em si e à família, levaram a
Jornalista Dora Incontri a escrever um pertinente relato sobre a “desumanização
do espiritismo” (www.blogabpe.org).
Foi massacrada e ovacionada nas redes sociais, com recorde de leitura,
reposts, compartilhamentos e comentários sobre o assunto, como não devia deixar
de ser. Diante da repercussão, Dora escreveu novo texto, tão brilhante
quanto o primeiro, trazendo relatos semelhantes de falta de trato entre os
Espiritas e, como não poderia deixar de ser, propostas de solução à questão.
Apontando as brigas por poder e a Institucionalização demasiada no
movimento Espirita moderno – e não apenas na FEESP – como possíveis
responsáveis pela postura observada em tantas casas, Dora expôs uma ferida
velada, mas sentida por muitos. A mecanização no funcionamento das reuniões, as
grades a cumprir, os trabalhos a entregar, os números a aumentar, as parcerias
a fazer, os convidados obrigatórios a palestrar e tantas outras atividades
“fordianas” que tomaram conta das rotinas nos centros, ocupou o lugar antes
reservado à caridade, ao assistencialismo, ao abraço fraterno, ao conhecer os
nomes e as famílias e as dores de cada freqüentador.
Discutir a “Desumanização do Espiritismo” deveria ser tão absurdamente
redundante quanto ainda termos que falar em preconceito racial, em diferença
entre sexos no mercado de trabalho, em aceitar ou não as opções sexuais – por
nós há muito tempo defendido como assunto que já nem mereceria mais espaço,
dada a obviedade humanística. É ultrajante saber que o Espiritismo está
Desumano, uma vez que o objeto principal da doutrina Espírita é o Ser Humano,
sua essência, encarnada ou desencarnada.
É percebida, em diferentes cidades e diferentes casas, uma
necessidade geral da retomada de um Espiritismo próximo, pessoal, caridoso, que
foi se distanciando há tempos, com a chegada de agendas lotadas de atualizações
filosóficas – necessárias também – que, na verdade mesmo, resultaram em pouca
mudança prática no Espiritismo. A era da atualização foi necessária, era
preciso romper, foi preciso estabelecer novos horizontes. Mas pecamos em deixar
em segundo plano o lado mais precioso da Doutrina: os Espíritas. Aqueles que
sentam nos bancos em busca de algo: consolo, passe (chame como quiser), estudo,
conversa, ouvir, ser ouvido, fazer parte, sentir-se integrante. E que estão a
mercê de diretorias com metas a cumprir, prazos, planejamentos nem sempre
alinhados aos interesses dos principais interessados: eles mesmos, os
próprios frequentadores.
Quantos de nós sabe os nomes dos novos freqüentadores, quantos
filhos possuem, seus dramas pessoais, seus interesses a curto e médio prazo no
centro? Quantos se preocuparam em ajudar, com pouco que seja, uma instituição
assistencial necessitada – mas não aquela, que ajudamos sempre? Quanta ajuda,
genuína, oferecemos àquele companheiro de casa que está desempregado, que
perdeu um ente querido, que está doente? Estamos sabendo aproveitar o talento
humano que passa pelos bancos espíritas, ou estamos apenas os direcionando para
a reunião X, Y, Z de atendimento? A desumanização ou humanização
Espirita, não é lá, longe, na FEESP. É uma postura diária, no nosso centro, no
nosso Eu. É o olhar o outro, mas, sobretudo, a si mesmo e perguntar onde foi
parar aquele Espírita, de ideal, que fazia campanha assistencial, que era
famoso por palestras cheias de compaixão e que abraçava, um a um, os
companheiros de jornada.
Anexo 5 – Comunicado Oficial FEESP sobre a morte de Claudio Arouca (ago17)
“Como é do conhecimento geral, ocorreu o óbito
do jovem senhor CLAUDIO AROUCA nas dependências da FEESP. Comunicamos que a
Polícia Cívil continua realizando investigações sobre o ocorrido e o Instituto
Médico Legal da Superintendência da Polícia Científica está periciando o
material colhido, para fornecer o laudo médico legal. Assim que recebermos
esses laudos comunicaremos a todos os resultados e os esclarecimentos.
Aproveitamos para esclarecer que, assim que fomos informados do fato,
imediatamente tomamos todas as providências possíveis junto às autoridades e
também para localizar os familiares, que foram acolhidos e apoiados no 8º andar
da FEESP, pela Presidência e membros da Diretoria da Federação Espírita do
Estado de São Paulo, durante todo tempo que aqui permaneceram, até a saída do
corpo, que foi enviado ao Instituto Médico Legal no final da tarde.
Simultaneamente a essas providências encaminhamos o nome do Sr. Claudio Arouca
para ser assistido em nossa Assistência Espiritual, P3C – CONSOLO (sábado –
14:00 horas), juntamente com nossos pedidos de amparo e sustentação a todos os
seus familiares. Continuamos em prece pedindo a Jesus que ampare a todos os
envolvidos neste triste episódio.”
Anexo 6 –
Editorial publicado na Revista Crítica Espírita – ano III – Jun/17
Caras
leitoras e caros leitores, para quem costuma assumir tarefas ou se
envolver em atividades no Centro Espírita, é muito comum tomar conhecimento de,
ou mesmo vivenciar, processos de intolerância, de perseguição, de expulsão e de
maus-tratos causados por outros trabalhadores no Centro Espírita.
Isso se dá
pelas mais variadas razões e é de uma complexidade que dificilmente podemos, se
for o caso, ficar tomando partido tão rapidamente, sob pena de agirmos
injustamente com os envolvidos, cada um com suas versões e justificativas.
Algumas vezes, isso se dá por simples falta de afinidade. Porém, não são poucos
os casos em que pequenas questões tomam uma proporção tal que vira caso
pessoal, que gera um ódio entre pessoas que, da boca para fora, afirmam que devemos
amar o próximo.
De
qualquer modo, se um Grupo Espírita é uma proposta de sociabilidade
espiritualizada, regenerada, um local para desenvolvermos comportamentos e
valores de honestidade, tolerância, empatia, de superar o “ser velho” em busca
do “ser novo”, de vencer preconceitos e imperfeições arraigadas, então parece
que alguma coisa está muito errada diante do fato de ser tão comum esses casos
de intolerância, perseguição, expulsão e maus-tratos entre espíritas.
Por isso,
a edição desse mês, que se propõe a discutir esse tema publicamente, está um
pouco diferente. Na forma, claro, onde teremos a Matéria de Capa e a Opinião do
Editor. Na matéria de capa, o psicólogo
Franklin Félix atendeu ao desafio de colher relatos de pessoas que sofreram
esses tristes processo. E, com muita competência, o autor apresenta uma base
sólida não só para compreendermos onde estamos, em termos de movimento espírita
brasileiro, mas também como podemos (e devemos) melhorar.
O texto
conta com depoimentos de pessoas que enfrentaram essa situação, a maioria
motivada por questões políticas, apesar de ser bem variável o repertório de
exclusões. Por óbvio, como foi dito, esses processos são complexos. Cada
situação é particular e cada um lida de uma forma. Como nunca tivemos a pretensão
de sermos os donos da verdade e respeitamos sua inteligência para elaborar as
suas próprias convicções, deixamos que você tire suas conclusões e aproveite
para se autointerpretar a partir dos casos que foram compartilhados, sempre com
o desejo de que essa abordagem possa provocar reflexões e melhorias, mudanças
de postura e renovação. Na Opinião do Editor, abordamos sobre a “Reforma
Trabalhista”, um atentado legislativo à dignidade do trabalhador. Em
meio a mudanças
políticos lacaios e lambe-botas do capital jogaram, mais uma
vez e covardemente, todo o peso da situação socioeconômica brasileira nas
costas dos mais vulneráveis.
Desse
modo, renovando nosso propósito de fazer espiritismo dialético, que dialogue
com o seu tempo, trazendo temas importantes e permitindo que você formule seu
próprio sistema de pensamento, desejamos uma excelente leitura!
Os
editores - Em tempo: tomamos conhecimento (via redes sociais), especialmente
por familiares, sobre uma suposta negligência da Federação Espírita de São
Paulo (FEESP) quanto ao desaparecimento de um frequentador, o Sr. Cláudio
Arouca. Como o último local onde o Sr. Cláudio se comunicou foi na FEESP,
inclusive, seu carro estaria no estacionamento, os familiares foram ao local
para acessar os registros das câmeras de segurança, o que, além de ter sido
negado, também não receberam qualquer informação.
No dia
14.07, após diversas ligações para IML, hospitais, delegacias, e depois de
verificarem nas câmeras de segurança de imóveis próximos e nada encontrarem, os
familiares retornaram à FEESP. Ali, novamente foi negado o aces- so às câmeras
de segurança e nenhum apoio foi dado.
Em 15.07,
foram mais uma vez à FEESP, onde foram informados de que um corpo havia sido
encontrado num dos banheiros do prédio. Porém, não bastasse a negligência na
busca do desaparecido, a Federativa ainda teria dificultado os familiares em
reconhecer o corpo (que estava no banheiro!) por causa de um evento que estava
sendo realizado naquele momento.
Sem
qualquer intenção de sensacionalismo, que definitiva- mente não é nosso
objetivo, inclusive, sentido certo mal-estar em ter que veicular esse tipo de
informação, o caso relatado, se verdadeiro, é de uma gravidade absurda, não
apenas de ordem moral, mas também criminal. Por isso, buscando fidelidade aos
princípios que esposamos, em primeiro lugar, manifestamos nossos mais sinceros
sentimentos de paz e reconforto ao espírito que desencarnou e aos familiares,
especialmente após vivenciarem toda essa situação dramática. Em segundo,
esperamos uma posição da FEESP e a responsabilização civil e penal dos envolvi-
dos. Em terceiro, diante de tamanha indiferença diante do sofrimento alheio,
esse caso mostra, como temos reiteradamente abordado, que precisamos
urgentemente repensar o espiritismo e o movimento espírita no Brasil.
Parabenizo a Carol Régis por levantar este véu, realmente é triste perceber-se fariseus dentro de Centros Espíritas, associados ou não a Federação Espírita. Mas somos espíritos humanos, portanto falhos e em aprendizagem, como nada acontece por acaso, quero crer sinceramente que após o lúcido artigo da jornalista cada irmão espírita tenha refletido sobre o assunto, sem culpar a ninguém, mas procurando em si a forma de modificar tal quadro. Gostei muito de estar aqui. abraços
ResponderExcluirPrezado Luconi, obrigada pelas palavras. Que sejamos nós o exemplo do que queremos à nossa Doutrina nos próximos anos. Que nossa mudança, comece dentro de cada um de nós. Grande abraço, Carol Régis
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