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terça-feira, 21 de outubro de 2025

A Questão da Nomenclatura - Reinaldo Di Lucia

 

A questão da nomenclatura – Reinaldo di Lucia

 

Publicado no Jornal Abertura de Santos em agosto de 1992

 

 O II Congresso Internacional de Transcomunicação Instrumental, realizado em São Paulo em maio último acabou sendo um elemento profundamente perturbador na ordem algo monótona do movimento espírita, mesmo sem ter esta intenção.

Esta perturbação deve-se, primeiramente, ao tema do Congresso: o fato de ter sido exposta a um público acostumado a ouvir apenas palestras de cunho evangélico a possibilidade de um contato com o  "Piano Espiritual” através de aparelhagem eletrônica, dispensando-se mesmo  a presença de um médium ostensivo na reunião,  causou um verdadeiro pânico. Que, no entanto, é facilmente explicável se considerarmos que a maioria absoluta das casas espiritas de nosso país baseia sua existência em reuniões mediúnicas de aconselhamento e/ou desobsessão, tendo os principais médiuns poderes quase ditatoriais, que as vezes estendem-se à própria vida dos frequentadores.

 Mas pode-se localizar ainda uma fonte de perturbação: a apresentação de um novo termo -  Transcomunicação Instrumental (TCI) - que mais que uma simples sigla passou a significar quase uma ameaça à Doutrina Espírita. Levantam-se então os defensores de uma suposta “pureza doutrinária” a proclamar que a TCI, tal qual a TVP (Terapia de Vidas Passadas), a Parapsicologia, e outras tantas descobertas modernas são doutrinas espúrias que tentam incorporar-se ao Espiritismo.

Mais ainda, chegam ao ponto de supor que os Espíritos envolvidos na pesquisa dessas paraciências são necessariamente de caráter inferior, já que manifestam algumas posições que contrariam a Doutrina Espírita.

Esta postura, mais do que ama preocupação com a possibilidade de descaracterização do Espiritismo, espelha um outro fator: o verdadeiro pavor que o movimento espirita possui do novo, da possibilidade que novas concepções venham a impor-se com a força da demonstração cientifica, subvertendo o status que e colocando em xeque a posição dos "donos de centro”.

 

E é exatamente nessa posição que reside o perigo de ver a Doutrina Espirita estagnar-se no tempo, estratificar-se em seus próprios conceitos, dogmatizar itens que mesmo Kardec considerava com simples opiniões sujeitas a verificação. Numa palavra, ver a Doutrina Espírita transformar-se  numa seita de cunho religioso, perdendo suas grandes forças, que são o poder de argumentação e a agilidade para acompanhar as descobertas da ciência.

Obviamente, não são defende aqui a tese de que a Doutrina Espírita deva acolher qualquer novidade mística, por mais estapafúrdia que seja, apenas acompanhar modismos. Entretanto, é necessário recordar que ela possui, ao lado de seu caráter filosófico (racional), uma estrutura cientifica (experimental), e  que, se àquela basta teorizar sobre o universo, a esta última cabe o dever de demonstrar suas leis, estando, portanto, sujeita à análise de fatos, por mais exaustivo que isso possa ser.

Esta análise de fato deve obrigatoriamente ser feita em conjunto com as ciências de investigação do universo, para que a ciência espirita não fique enclausurada em si mesma, desatualizando-se. Porém, para que isto ocorra, a ciência espírita deve, antes de mais nada, utilizar um vocabulário que permita o livre trânsito das informações. É por aí que deve iniciar-se a modernização da Doutrina Espírita.  

Analisando-se o Espiritismo em sus perspectiva histórica, observa-se que Kardec, como homem de ciência que era, empregava termos que eram utilizados pelos cientistas da época, como magnetismo, animismo, fluido, entre outros. Entretanto, o meio científico evoluiu sensivelmente desde a metade do século XIX, e a ciência espirita deve acompanhar esta evolução. Para isso, sugere-se, a título de exemplo, algumas alterações necessárias.

 

1) FENOMENOS ANÍMICOS. O termo animismo deve ter sido empregado pela primeira vez por Stahl, em seu sistema médico, considerando a alma como o princípio vital.  Atualmente onde não há a interferência de um Espírito desencarnado.

Na verdade, praticamente todos os fenômenos mediúnicos conhecidos podem ser produzidos por faculdades especiais de determinadas pessoas (comumente conhecidas como sensitivos). Sugere-se então o emprego dos termos FENÔMENO PARAPSIQUICO para aquele em que não há interferência de desencarnados, e  FENÔMENO MEDIÚNICO para aquele em que os desencarnados ocupam o papel preponderante.

2) FLUÍDO: A época de Kardec, vigorava a necessidade de meios materiais para a  transmissão de energias. Um exemplo disto é o conceito  de éter, um material sutil que preencheria o universo e serviria para a transmissão  da luz. A eletricidade e o magnetismo e também considerados fluídos, e Kardec estendeu o uso do termo a todos  os elementos matérias sutis postulados pela Doutrina Espírita.

 

Em nossos dias a palavra fluido é usada nas ciências físicas para designar qualquer líquido ou gás. Percebe-se facilmente a mudança total de sentido em relação à sua utilização por Kardec. O termo atual que mais se aproxima do conceito original é ENERGIA.

 

3) MENTE:  É muito comum, tanto dentro como fora do meio espirita, empregar indistintamente  mente e cérebro para indicar o elemento pensante do ser humano. Entretanto, de ponto de vista conceitual, o Espiritismo considera o Espirito como elemento inteligente, sendo o cérebro nada mais que um instrumento material de transmissão das ideias e controle do corpo. Deve-se tanto quanto possível, utilizar apenas termo ESPÍRITO para designar o princípio inteligente.

4) ALMA: O próprio Kardec define alma como sendo o Espírito encarnado. No entanto, nada difere um Espirito encarnado de um desencarnado, em sua essência. O termo alma, porém, está bastante desgastado, sendo utilizado para expressar os mais diversos conceitos, muitas vezes conflitantes entre si. É aconselhável que se empregue apenas ESPÍRITO.

Os exemplos acima são apenas alguns que se pode citar, dentre os muitos existentes. É importante lembrar que não se pode estabelecer um conceito filosófico sem ter suficientemente claro o significado dos termos usados para exprimir este conceito. É impossível fazer o Espiritismo acompanhar a evolução cientifica sem antes atualizar sua nomenclatura.

Reinaldo Di Lucia é engenheiro e membro do GPCEB