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quarta-feira, 10 de abril de 2019

O Espiritismo que queremos? por Alexandre Cardia Machado



Allan Kardec certamente queria algumas coisas como: antepor-se ao materialismo que começava a tomar conta do pensamento moderno; queria demonstrar que a vida no Universo tinha dois componentes o físico e o espiritual; queria demonstrar que existia uma lógica moral regendo este Universo, determinada por Deus; queria que compreendêssemos e espíritismo de uma maneira mais uniforme possível. Para isso manteve o monopólio do que era ou não espiritismo sob sua batuta até o sua desencarnação.

No livro Obras Póstumas, no capítulo Constituição do Espiritismo, os passos para a sua atualização estão ali escritos, vale salientar que este livro, feito sobre manuscritos do Professor Rivail, não foi publicado por ele, caso o fosse o nome do mesmo não seria este, foi publicada somente em 1890, 21 anos após a desencarnação de Kardec.

Mas o que queremos mesmo do espiritismo hoje, passados 150 anos da desencarnação do professor Hipollyte Léon Denizard Rivail que se completará este mês, no dia 31 de março?
Como somos livres-pensadores, unanimidade não é o nosso forte, não conseguimos, ainda que tenhamos tentado, criar mecanismos de atualização, não gostamos de comitês e acreditamos que grupos de especialistas tendem mais a afastar ideias novoas do que aceitá-las. Mas existiram iniciativas de consolidação do pensamento livre-pensador da CEPA, dois livros publicados e os congressos que periodicamente revisitam temas importantes.

Desta forma, e através dos jornais como o nosso Abertura e o Opinião do CCEPA, grupos como o CPDOc e editoras como as do ICKS, do CCEPA que com seus livros fomos consolidando um novo vocabulário, mas atual, ainda que longe de representar um pensamento organizado. No entanto trás o convívio de ideias novas aos velhor livros da codificação. Nos ajudaram a nos livrar das amarras do entendimento errado das reencarnações punitivas e permitiu um transitat num frescor de um novo pensar espírita.

Este caminhar nos afastou do movimento religioso e se formos bastante críticos, dos próprios textos básicos espíritas, não que não reconheçamos seu valor, são importantíssimos como caminho necessário ao conhecimento, mas estão muito ultrapassados em forma e conteúdo, especialmente em pontos que se aproximam da ciência, ou de algumas questões humanas como racismo, papel da mulher entre outros.

Relatando aqui uma experiência do ICKS de sete anos seguidos, ministrando um curso chamado – Estudo Dirigido do Livro dos Espíritos – enfocado a pessoas comuns, por onde mais de 200 pessoas, espíritas ou não, passaram por nós. Nos vimos na situação de selecionarmos as questões que iríamos apresentar, pois cerca de 30% das respostas de questões do Livro dos Espíritos estão obsoletas, ou então não apresentam Deus como Inteligência Suprema e sim como o deus de Abraão, raivoso e punitivo, algo que pode ter passado despecebido por Kardec, talvez  por que ao seu tempo este questionamento não estivesse maduro suficiente ainda.

Somos, verdadeiramente um grupo pós Kardec e quanto mais rápido aceitarmos isso, melhor será para nosso grupo. Não entendam o pós-Kardec como anti Kardec, pois isso não somos. Mas buscamos ver além de Kardec do século XIX tentando nos colacar na posição dele hoje, pensando como pensaria Kardec se hoje estivesse encarnado.

Talvez não haja consenso no que escrevo aqui, mas acredito que vale o exercício, aberto naturalmente à crítica construtiva.

O que queremos do espiritismo:

- um espiritismo livre, atual, capaz de enfrentar as questões do nosso tempo, de nosso cotidiano;

- que tenha uma linguagem moderna, capaz de atrair a juventude;

- que entenda e que ensine a imortalidade dinâmica, como instrumento de aperfeiçoamento do espírito;

- que seja uma ciência da alma, pois nosso objeto muda do espírito desencarnado, para o espírito imortal, com enfase na sua atuação enquanto encarnado, pois é sobre ele que o espiritismo pode fazer a diferença como um instrumento de entendimento do mundo;

- que seja tolerante, fraterno e humanista;

- que incorpore a Declaração Universal dos Direitos do Homem como um de seus fundamentos;
- que seja legitimamente democrática;

- que não seja oportunista, nem tudo que vem dos espíritos pela mediunidade é espiritismo;

- que as casas espíritas incentivem o estudo, o diálogo e a produção de trabalhos espíritas;

- que as relações entre seus membros sejam ditadas pelo respeito;

- que possa ser político, mas não partidário.

Poderíamos seguir listando ideias, mas mais importante do que escrever é fazer, esta sempre foi a característica de um espírita a ação que corresponde às palavras.

Gostou, quer ler o jornal abertura de março de 2019 onde foi publicado?





terça-feira, 26 de março de 2019

A Tão Complexa Lei do Progresso - por Alexandre Cardia Machado


A Tão Complexa Lei do Progresso

Gostaríamos de discutir um pouco esta importante Lei Natural que é a lei do progresso onde muito bem, nos explicam os Espíritos tem como maiores obstáculos ao seu desenvolvimento natural no orgulho e o egoísmo.

Da Questão 793 do Livro dos Espíritos quero extrair uma frase importantíssima “ À medida que a civilização se aperfeiçoa, faz cessar alguns dos males que gerou, males que desaparecerão todos com o progresso moral.” Vejam a pergunta e uma parte da resposta abaixo:

“793. Por que indícios se pode reconhecer uma civilização completa?
“Reconhecê-la-eis pelo desenvolvimento moral. Credes que estais muito adiantados, porque tendes feito grandes descobertas e obtido maravilhosas invenções; porque vos alojais e vestis melhor do que os selvagens. Todavia, não tereis verdadeiramente o direito de dizer-vos civilizados, senão quando de vossa sociedade houverdes banido os vícios que a desonram e quando viverdes como irmãos, praticando a caridade cristã. Até então, sereis apenas povos esclarecidos, que hão percorrido a primeira fase da civilização.” A civilização, como todas as coisas, apresenta gradações diversas. Uma civilização incompleta é um estado transitório, que gera males especiais, desconhecidos do homem no estado primitivo. Nem por isso, entretanto, constitui menos um progresso natural, necessário, que traz consigo o remédio para o mal que causa. À medida que a civilização se aperfeiçoa, faz cessar alguns dos males que gerou, males que desaparecerão todos com o progresso moral...”

Não há dúvida alguma que em todas as áreas do conhecimento, existe uma curva de aprendizado, onde algo novo é tentado, e funciona por algum tempo até que alguma coisa diferente das condições de projeto original ocorrem e o equipamento ou a construção vem a falhar. Em pouco mais de 3 anos vivemos no Brasil, duas catástrofes ambientais e humanas, ambas em Minas Gerais e em processos de mineração.

A mineração existe na face da Terra, desde a era do bronze há cerca de 3000 anos a.C. – ou seja mineramos, os mais diversos materiais há mais de 5000 anos, são incontáveis os acidentes. Quase todo mês há uma notícia aqui ou ali de algum acidente. Os mais comuns são em minas de cobre, ouro e carvão, que normalmente são feitos em minas subterrâneas. O incomum são acidentes de grandes proporções em minas a céu aberto.

77% das jazidas de minério de ferro estão concentradas em 5 países: China, Brasil, Austrália, EUA, Índia e Canadá. O Brasil é o maior exportador mundial, sacudido pelos desastres de Mariana em 2015 e Brumadinho em 2019, muita coisa neste campo de produção deverá mudar. Não vamos aqui aprofundar a discussão técnica sobre os acidentes, pois para isso a imprensa geral está trazendo a público a todo o momento, nos cabe entender o processo social sob a ópica espírita.

Com na resposta à questão 793 do LE, “À medida que a civilização se aperfeiçoa, faz cessar alguns dos males que gerou” é nisto que esperamos que nossos legisladores atuem, é inegável a importância da mineração de minério de ferro, para o Brasil e para Minas Gerais, são milhares de pessoas que vivem e dependem disso, trabalhando diretamente na Vale , ou em outras empresas prestadoras de serviço. Todos querem voltar em segurança para casa, no fim do seu turno de trabalho.
Como exemplos de acidentes que mudaram de certa forma as diversas industrias cito os acidentes na geração de energia nuclear, após Tree Miles Island (EUA-1979) e Chernobyl (Ucrânia- 1986) por falta de controle de processo e recentemente Fukushima (Japão-2011) – atingida por um Tsunami fizeram com que este setor mudasse completamente, hoje em dia poucas Usinas Nucleares estão sendo construídas, devido ao risco ambiental e humano que ele acarreta. A Alemanha tomou a decisão histórica de parar todas as suas usinas até 2022. Há grandes empresas que desapareceram como a Union Carbine, após o vazamento de gás – isocianado de metila em 1984 em Bhopal na Índia. A nuvem de gás, mais pesada que o ar se espalhou pelo vale e mais de 5000 pessoas morreram em uma noite.

Dizer que a engenharia não aprendeu nada com estes acidentes, seria um absurdo, hoje existem técnicas de análise de riscos que são aplicadas a todos os projetos e alterações de instalações em operação e que não eram utilizadas nos anos 70’s ou 80’s, Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA) são exigidos pelas autoridades antes que qualquer nova instalação. Todas estas medidas existem hoje. Constatamos sim, muito pouca fiscalização nos casos recentes no Brasil.

Mas acidentes ainda ocorrem por algumas razões externas que não foram consideradas no projeto ou que se alteraram sem que se percebesse. Ou causas internas como falta de manutenção, falha de equipamento, erro operacional. Além disto podem haver três causas criminais, são elas: negligência, imprudência ou omissão. Estas três causas  acarretam a chamada responsabilidade civil – para sua caracterização é preciso provar e determinar que há culpa, nexo causal e dano. Sempre que há dano ambiental considerável ou morte cabe à polícia investigar e a justiça julgar.

Na trajédia de Mariana-2015, 21 altos executivos foram arrolados em processos diversos de responsabilidade civil e criminal, o de Brumadinho deverá seguir pelo mesmo caminho, quem sabe com agravo, por estar a mesma empresa envolvida nos dois casos, pessoas que atestaram a segurança da barragem foram submetidas a prisão.

Mas o que os engenheiros aprenderam com isto, o que os legisladores farão com o conhecimento e o que o poder público vier a fazer é o que pode realmente evitar um terceiro caso, uma terceira tragédia. Somente isso é que ... “faz cessar alguns dos males que gerou ...”, conforme a resposta do LE.

A engenharia, costuma agir rápido, pois as empresas, gerenciam os riscos, neste caso os reservatórios e ao contrário que que a opinião pública costuma pensar, elas são as maiores interessadas em que acidentes não ocorram, pois sua ações caem no mercado, seus executivos e engenheiros são afetados, seus empregados expostos em primeiro grau, suas atividades econômicas são paralisadas. Em Brumadinho mais de 200 empregados da Vale estão desaparecidos ou mortos, gerenciar isto numa empresa é extremamente difícil. No entanto só ter interesse em resolver não é o suficiente, há que haver normas rígidas a seguir e nisto está evidente temos falhado.

... “males que desaparecerão todos com o progresso moral...” é o que desejamos mas para isso todos devemos elevar o nosso senso crítico, não nos acomodarmos com pequenos desvios de procedimentos, atentarmos para as pequenas mudanças em equipamentos, não achar que são coisas normais, estarmos atentos, fazermos corretamente e com responsabilidade o nosso trabalho é a única forma de evitar que pequenos e grandes brumadinhos ocorram.

Artigo publicado no ABERTURA de janeiro de 2019 - quer rever todo o jornal?




sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A reencarnação na História da Humanidade - por Jaci Régis


A reencarnação na História da Humanidade


A idéia da reencarnação é conhecida desde a mais remota antiguidade. Mas perdeu-se no emaranhado das superstições e do misticismo, refletindo as dificuldades da cultura em desvencilhar-se das pressões atávicas a respeito da relação da criatura e o Criador.

A vivência dos problemas cotidianos, a fragilidade do ser humano diante da natureza, fomentou uma relação casual entre os humores dos deuses e os sofrimentos baseada no medo, na condição de culpa, castigo, desobediência e punição.

Dentro desse quadro confuso, criaram-se seitas fundamentadas em crendices e superstições, seitas baseadas em crendices e superstições acerca da reencarnação. Por isso, a metempsicose foi aceita largamente por simbolizar o castigo mais cruel imposto ao pecador, fazendo com que, sendo uma pessoa humana, reencarnasse num animal. Até um filósofo como Pitágoras a aceitou e difundiu.

            A reencarnação é muito aceita na cultura asiática, mas não teve uma ação social redentora, revolucionária. Ao contrário, propiciou uma atitude contemplativa, conformista e acomodatícia. Em culturas como a indiana, a reencarnação não evitou, ao contrário, deu certa consistência à separação em castas sociais, mantendo um estado de flagelo para os mais pobres e desafortunados.

            A cultura ocidental sofreu sucessivas transformações até cristalizar-se, de uma maneira geral, sob a égide da Igreja, com a visão judaico-cristã. A predominância da religião como centro de conhecimento e comportamento, criou uma forma não racional de ver e compreender o ser e o mundo.
            Embora espiritualista, a Igreja não aceitou a reencarnação e fixou-se na unicidade da existência. Com isso estabeleceu o princípio de finitude e concretude para o ser humano. Ele é produto biológico ao qual se adiciona uma alma. Vive um certo tempo e morre e aí finda seu período produtivo. A imortalidade da alma é reflexo da existência terrena e não apresenta qualquer oportunidade de reciclagem, uma vez que após o período da encarnação da alma está definitivamente catalogada como boa ou má.

            Logo, a pessoa humana é um ser com trajetória fixada entre o berço e o túmulo. Na cultura isso significa que ele é concreto, definido e mortal.

            Toda a estrutura doutrinária da Igreja se funda no pecado original. A moralidade e a culpa se inserem na cultura como instrumentos de como preparatória para a vida eterna.

            Certamente a idéia de punição pela desobediência e até pelos humores dos deuses e de Deus não é exclusiva do judaico-cristianismo. Mas a adoção do deus Jeová dos judeus, manteve a relação criatura-Criador dentro dos limites do medo, terror e insegurança.


A Reencarnação no Espiritismo

A reencarnação, todavia, não é um princípio solitário e autônomo no pensamento kardecista. Faz parte de um corolário de leis que se encadeiam e dá um novo sentido, uma nova visão de vida e da pessoa.

            O projeto espírita é abrangente e inovador. Ele aproveita velhos conceitos sobre a natureza do ser humano, o progresso, sobre Deus e os redefine, atualiza, dando-lhes novas dimensões e refugando superstições e crendices.

            A Doutrina Kardecista procura escoimar seus princípios das concepções místicas procurando dar-lhes uma base científica, caminho que Kardec definiu para dar validade à proposta doutrinária.

            A doutrina kardecista reformula o entendimento sobre a Justiça Divina, que tem sido vista como uma forma policial, punitiva, exigindo pagamento. Para isso apresenta uma nova compreensão da lei de causa e efeito, geralmente tomada no seu aspecto negativo, de expiação. Para a doutrina kardecista, a Justiça Divina, ao contrário, só tem por objetivos dar oportunidade de crescimento e ampliação das qualidades do ser espiritual.

A reencarnação, como foi dito, é um elo no processo evolutivo a Lei da Evolução, uma concepção revolucionária do Espiritismo que ajuda a entender o ser humano e o mundo.

Texto extraído do livro Novas Ideias de Jaci Régis

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Politica e Fé não se misturam - Carolina Regis di Lucia e Reinaldo di Lucia


Politica e Fé não se misturam

Há duas décadas, também em período eleitoral, um grande companheiro de Espiritismo lançava-se no cenário politico local. Eu estava na Mocidade e acompanhava o apoio de todos à sua empreitada, certos de que era uma opção acertada e ética a votar. Até que comecei a ver santinhos do candidato no mural do centro e uma discussão sobre trazê-lo para falar aos jovens em uma de nossas reuniões... Aquilo me pareceu estranho, de certo modo até errado, mas, com a maturidade em formação na época, não sabia elaborar perfeitamente o que sentia. Lembro que havia recém convidado duas amigas não espiritas para frequentar o grupo e receava o que elas iriam pensar, vendo uma casa para estudo da Doutrina, estar claramente apoiando, divulgando e incentivando o voto em um candidato interno. Quando da votação sobre trazê-lo ou não para o grupo, fui a única contrária, expondo que não achava correto propaganda politica dentro do centro, de quem quer que fosse. Algumas pessoas ficaram chocadas com meu posicionamento, afinal, era diretor da casa, de moral inquestionável, que faria a diferença na política da região. Outros não entendiam o porquê da casa não poder apoiar um candidato conhecido. Porém, apesar de ser minoria, meus questionamentos foram incômodos o suficiente para que os santinhos saíssem dos murais e o evento não acontecesse. Em tempo, o candidato não alcançou os votos necessários e jurou que nunca mais se meteria com política – desgostoso do que encontrou nos bastidores eleitorais.

Vinte anos após esse episódio, já tenho alguma bagagem a mais para poder afirmar que política e fé não devem se misturar oficialmente. Haja vista o caos social desta eleição: nas redes sociais, mesas de bar, nos almoços e encontros de trabalho e nas manifestações populares são observadas toda a imaturidade do brasileiro em, não apenas discutir política – assunto que absolutamente não dominamos - , mas no direito básico e intrínseco do outro em pensar diferente. Parentes, amigos antigos, colegas e completos desconhecidos, com a tradicional paixão latino americana, se agridem, se humilham, cortam relações pelo simples fato de não aceitarem a escolha eleitoral do outro.
Aceitemos: o brasileiro ainda é analfabeto politico. Sequer entende o próprio sistema de governo, escolhe o candidato por frases e ideias soltas, como se fossem personagens de vídeo game com poderes ilimitados para salvar um país afundado por anos e anos de.... analfabestimo político. A mistura deste campo, ao campo da fé é uma combinação inevitavelmente explosiva e nociva. Exemplos claros são as bancadas já constituídas parlamentares-religiosas, exemplos fanáticos e opressores de voto vicioso de seus fiéis, impedidos de poderem exercer a livre escolha dos candidatos oprimidas pelo argumento religioso.

E as maiores decepções desta eleição, repleta de episódios desagradáveis, foram os manifestos Espíritas e, pasmem, auto intituladas Livre Pensadores, contrários a este ou aquele determinado partido. Chegou-se ao auge da alucinação em afirmar que Espíritas, principalmente os Livre Pensadores, não deveriam votar em X candidato, por motivos Espíritas. Que contraditória a afirmação que um livre pensador de Kardec, por ser livre pensador de Kardec, não deveria votar em X candidato... A que ponto paradoxal a cegueira causada pela imaturidade Espirito-Politica chegou?

Em nossas ultimas filosofias, batemos na mesma tecla de que o Espírita deve vivenciar a Doutrina, não apenas a estudar. Os atos diários, a pratica, o lidar com o outro nas questões sociais são os fatores determinantes da Espiritualidade de alguém, não apenas o que ele lê, o que prega nas palestras, o cargo que ocupa nas casas. E esta eleição expos claramente o hiato existente entre o Filósofo Espirita (profundo conhecedor da doutrina) e o Praticante Espírita (que transpira seus valores éticos em suas ações). O Espírita, assim como qualquer cidadão, tem o direito de votar em quem ele acredita ser o melhor representante de suas ideias para governar a sociedade em que ele está inserido. Se, avaliando as argumentações do candidato, ele como eleitor acredita que se aproximem do que a Ética Espírita propõe, que vote em quem escolher.

Minha maior preocupação é que, talvez, o despreparo histórico para a política impeça esse eleitor Espirita de fazer essa ponte avaliatória entre a ética Espírita e a ética Politica proposta por esse ou aquele partido/candidato. Em geral, as avaliações são feitas isoladamente, olhando em separado, o cenário político, do cenário Espirita. Não há o cruzamento da Ética Espírita com as propostas dos futuros governantes a ponto de realmente embasar a escolha com um arcabouço de valores daquele individuo, escolhendo os políticos que irão governar a todos ao seu redor.
E essa escolha final deve ser particular, individual, fora dos bancos das casas Espiritas. Pelo simples fato de que não temos maturidade para lidar com ambas as questões ao mesmo tempo. E, ainda que tivéssemos, teríamos que ter, sobretudo, alteridade o suficiente, responsabilidade o suficiente e discernimento o suficiente para sair do centro sabendo que, ainda que a maioria julgue tal candidato ou partido melhor, eu posso escolher qualquer outro, sem prejuízo das amizades, sem julgamento moral, sem perder o vinculo com o grupo. Jovens políticos que somos não temos essa capacidade ainda.

 publicado no jornal ABERTURA em outubro de 2018

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Maioridade Penal, uma reflexão espirita por Marcelo Regis

Maioridade Penal, uma reflexão espirita Marcelo Regis  Rio de Janeiro, 14°  SBPE setembro de 2015 


 I - Introdução 

Esse trabalho tem como objetivo refletir, sempre através das lentes da doutrina espírita, sobre esse tema atual e pulsante que é a redução ou não da maioridade penal no Brasil. Não temos a pretensão de esgotar o tema, nem mesmo analisar todas as facetas do problema. Nesse trabalho vamos nos ater a refletir sobe o tema usando como guia os conceitos morais espiritas, conforme ditados pela codificação kardequiana. Estão fora do escopo dessa reflexão questões jurídicopenais, bem como debater o sistema penal brasileiro e sua adequação para receber menores ou mesmo reintegrá-los a sociedade. O titulo do trabalho é propositadamente UMA reflexão espírita, pois sabemos que sendo a Doutrina Espirita uma doutrina de livres-pensadores, sem dogmas ou direção central ela permite muitas interpretações sobre esse tema, principalmente por se tratar de um tópico temporal, específico do momento atual em que vivemos e particularmente importante no contexto brasileiro onde a violência ocupa um lugar central nas preocupações da sociedade.  A reflexão que ora propomos, estará centrada nos conceitos de justiça divina e lei natural. É preciso esclarecer que a codificação espírita não contempla nenhuma questão especifica sobre esse assunto, provavelmente porque tal tema não era relevante quando da codificação kardequiana há mais de 170 anos atrás.  No Brasil o tema tomou suma importância, frente à escalada constante da violência e o debate sobre o efeito na mesma das resoluções estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), publicado em 1990. Atualmente encontram-se no congresso nacional inúmeras propostas de mudança tanto da constituição como do ECA, no sentido de alterar e na maioria das vezes endurecer as penalidades aplicadas a adolescentes infratores. Na maioria das vezes e como típico de nossa cultura, o debate é apaixonado e contaminado por preconceitos ideológicos e religiosos, sem muito espaço para aprofundamento sério, nem mesmo para entender experiências bem sucedidas em outros países.

II - Entendendo a Situação 

Para que possamos fazer a reflexão proposta, precisamos primeiramente entender a situação corrente no Brasil e no mundo sobre o tema. O tópico gera discussões apaixonadas, irracionais e na maioria das vezes sem nenhum embasamento teórico ou jurídico. Graças à difusão das redes sociais muitos conceitos errôneos, apresentados sem o devido contexto ou sem suporte estatístico são utilizados para defender ambas as teses. A briga nas redes sociais é quente e quase sem nenhum debate sério – na maioria das vezes posições são colocadas mas sem nenhuma chance do contraditório ou mesmo de se considerar os argumentos do “outro” lado.

Cabe aqui definir alguns conceitos importantes para o restante desse trabalho:

Maioridade Penal: o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define “maioridade penal” como “condição de maioridade para efeitos criminais”. É a idade a partir da qual o indivíduo responde pela violação da lei penal na condição de adulto, sem qualquer garantia diferenciada reservada para indivíduos jovens.

Imputabilidade Penal: significa a possibilidade de se atribuir a responsabilidade pela violação de lei penal, ou seja, pela prática de um crime nos termos das leis penais. A inimputabilidade penal significa o oposto: a impossibilidade, de acordo com a lei, de se atribuir a responsabilidade pela violação de lei penal. A inimputabilidade penal tem várias hipóteses. Uma delas é a inimputabilidade por idade. Indivíduos podem ser considerados penalmente inimputáveis por estar abaixo de certa idade. A idade de imputabilidade penal não coincide, necessariamente, com a idade de maioridade penal. Os ordenamentos jurídicos podem reconhecer imputabilidade penal diferenciada para aqueles abaixo da idade de maioridade penal.

Existe uma confusão conceitual entre imputabilidade penal e maioridade penal. Imputabilidade penal significa à possibilidade de atribuir a responsabilidade pela violação de lei penal, ou seja, pela prática de um crime, entendida como ação ou omissão típica, antijurídica e culpável. Maioridade penal, por usa vez, refere-se à idade a partir da qual o indivíduo responde pela violação da lei penal na condição de adulto, sem qualquer garantia diferenciada reservada para indivíduos jovens. A lei pode reconhecer a imputabilidade penal de indivíduos com idade abaixo da maioridade penal, acarretando uma responsabilização de natureza penal diferenciada, sob a luz do chamado Direito Penal Juvenil.

II.1 - Brasil 

Atualmente, a maioridade penal é alcançada quando o indivíduo completa 18 (dezoito) anos – mesma idade em que se torna também maior no âmbito civil – conforme prevê a Constituição Federal em seu artigo 228, vejamos: Art. 228. “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Como vimos acima inimputável significa aquele a quem não pode ser imputado um crime, e, por consequência, uma sanção criminal, como disposto no código penal, que tipifica aquelas condutas a serem rechaçadas do convívio social e estipula os limites de pena a serem aplicados em cada caso concreto. No Brasil, uma das causas dessa confusão conceitual é o fato de que o ordenamento jurídico não faz distinção entre imputabilidade penal e maioridade penal - definindo a idade para ambos como sendo dezoito anos - mas ao mesmo tempo os adolescentes são responsabilizados à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pela prática de ato infracional. Em consonância com a norma constitucional, o regime de infrações do Estatuto da Criança e do Adolescente não segue a sistemática típica do Direito Penal, baseada em tipos penais e penas mínimas e máximas para cada delito. O ECA não faz referência a penas ou crimes
praticados por adolescentes, mencionando apenas infrações e medidas socioeducativas, que não são individualizadas pelo estatuto para cada conduta específica. 

Os crimes praticados por menores de dezoito anos são legalmente chamados de “atos infracionais” e seus praticantes de “adolescentes em conflito com a lei” ou de "menores infratores". Aos praticantes são aplicadas “medidas socioeducativas” e se restringem apenas a adolescentes (pessoas com idade compreendida entre doze anos de idade completos e dezoito anos de idade incompletos. Todavia, a medida socioeducativa de internação poderá ser excepcionalmente aplicada ao jovem de até 21 anos, caso tenha cometido o ato aos quatorze anos). O ECA estabelece, em seu artigo 121, § 3º, quanto ao adolescente em conflito com a lei, que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”, por cada ato infracional grave. Após esse período, ele passará ao sistema de liberdade assistida ou semiliberdade, podendo retornar ao regime fechado no caso de mau-comportamento.

II.2 - Pelo Mundo 

A responsabilidade criminal varia imensamente entre os diferentes países, conforme a cultura jurídica e social de cada um, indicando uma falta de consenso mundial sobre o assunto. Segundo informação fornecida pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a  maioridade penal é a seguinte, nos países abaixo listados:

II.3 - Canadá: Para ilustrar melhor as diferenças vamos nos aprofundar na análise do tema no Canadá. Escolhemos o Canadá por sua tradição de respeito aos direitos humanos, tolerância com minorias e imigrantes.

No Canadá crianças com menos de 12 anos são inimputáveis, enquanto jovens entre 12 e 18 anos estão sujeitos a regime jurídico especial regido pela lei federal Youth Criminal Justice Act (YCJA), publicada em 2003. O objetivo dessa lei é proteger o público através de:  responsabilizar os jovens infratores, através de medidas e penas proporcionais a gravidade das faltas e o nível de responsabilidade dos mesmos  reabilitar os jovens infratores e auxiliar sua reintegração na sociedade, para que os mesmos se tornem cidadãos respeitadores das leis e membros ativos da comunidade  Atuar na prevenção de crimes, indicando jovens e adolescentes para programas e serviços que ataquem as causas e circunstâncias que levam a prática de ofensas a lei

Para aplicar essa lei existe o Youth Justice, ramo da justiça canadense separada do sistema adulto, onde os jovens são julgados em tribunais especiais. No caso das penas, o sistema canadense estabelece que o Juiz pode decidir entre as seguintes penas, de acordo com a gravidade da infração:  advertência;  multa, compensação ou restituição das vitimas pelas perdas materiais e financeiras  serviço comunitário ou prestação de serviços diretamente às vitima do crime  liberdade assistida/ regime aberto com supervisão  prisão em centros de custodia juvenis, podendo ser seguido de liberdade condicional. No caso de crimes mais graves, se aplicam programas de reabilitação intensiva dentro dos centro de custodia

As penas juvenis estão limitadas da seguinte forma:  Homicídio Qualificado: 10 anos, com máximo de 6 anos de reclusão e restante em liberdade assistida  Homicídio doloso: 7 anos, com máximo de 4 anos de reclusão e restante em liberdade assistida para 
 Outros crimes: máximo de 2 anos

No caso de jovens acima de 14 anos, culpados de crimes sérios – definidos como qualquer crime em que um adulto poder receber penas de mais de 2 anos de reclusão - o juiz pode determinar uma sentença conforme o código aplicado aos adultos, e nesse caso os limites acima não se aplicam. Por exemplo, um jovem de 14 a 17 anos pode ser sentenciado à prisão perpetua no caso de homicídio qualificado.

Notamos assim um balanço entre promover a reabilitação e reintegração dos jovens, mas também em responsabilizar os mesmos pelos atos cometidos. Apesar de emitir parâmetros claros e compreender medidas protetivas, o ordenamento canadense permite ao sistema judiciário certa autonomia em ajustar as penas de acordo com cada caso, principalmente os mais graves como exposto acima.

III - Considerações Espiritas 

III.1 - Posicionamento do Movimento Espirita Brasileiro: Uma pesquisa rápida na internet nos mostra que todas as manifestações de instituições e entidades espiritas são contra qualquer mudança na lei de maioridade penal brasileira. Transcrevemos o enunciado da Associação Jurídico Espirita, pois a mesma sumariza bem o pensamento presente no movimento espirita:

AJE-BRASIL (Associação Jurídico-Espírita do Brasil), por ocasião do 1º Fórum de Reflexões, ocorrido na Federação Espírita Brasileira (FEB), em Brasília, deliberou ser contrária à PEC 171/93, que pretende reduzir a maioridade penal no Brasil, fixando-a a partir de 16 anos, pelos seguintes motivos:

1. O Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança de 1989, da ONU, que reconhece que a criança – indivíduo menor de 18 anos – é merecedora de cuidados especiais e de proteção, por conta de sua falta de maturidade física e mental; 2. O adolescente – indivíduo de 12 a 18 anos incompletos segundo a legislação brasileira – é um ser cuja personalidade está em desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual, devendo lhe ser garantido o sistema de maior proteção aos direitos fundamentais; 3. Para a hipótese de condutas definidas como crime, o sistema jurídico brasileiro, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, já prevê medidas socioeducativas para a adequada responsabilização do adolescente, não havendo que se falar em impunidade; 4. Ao invés de se adotar o sistema punitivo de natureza penal a adolescentes de 16 a 18 anos, cumpre ampliar medidas concretas nas áreas de assistência social, moradia, esporte, lazer, saúde, educação, entre outras; 5. A inserção de adolescentes no sistema carcerário – que se apresenta superlotado, em condições subumanas, portanto, sem estrutura mínima para cumprir o fim de ressocialização da pena e para atender à dignidade da pessoa
humana implica aumentar os efeitos deletérios desta realidade, com prejuízo para o cidadão e para sociedade em geral; 6. Dados estatísticos comprovam que a maior incidência da lei penal dá-se em relação a adolescentes pobres, negros e com baixo grau de alfabetização, o que revela a seletividade do sistema punitivo. De outro lado, o número de crimes praticados por adolescentes é baixo, em torno de 0,1425% (IBGE); 7. As políticas públicas devem buscar a emancipação do ser – em especial do adolescente que se encontra em desenvolvimento – em detrimento do aumento de medidas repressivas, o que se faz por meio da educação, que proporciona o aperfeiçoamento moral e intelectual do espírito imortal; 8. A lei humana deve privilegiar a ampliação e não a restrição dos direitos fundamentais, visando à construção de uma sociedade justa e fraterna; 9. A educação deve ser vista como prioritária e permanente opção para a evolução humana. Logo, a proposta em debate – de aumento de medida repressiva em prejuízo da adoção de medida de natureza educativa – se aprovada, representa retrocesso social e espiritual para os destinos da sociedade brasileira. AJE – Associação Jurídico Espírita Brasília, abril de 2015.

III.2 - Lei Natural e Lei Humana  Em "O Livro dos Espíritos", a justiça a qual um encarnado está sujeito é regulada pela "lei natural" e pela "lei humana" (ver subquestão (a) da questão # 875).  Os questionamentos feitos por Kardec dizem respeito, majoritariamente, à lei natural, já que a lei humana é específica conforme o tempo, a cultura e a sociedade. Apesar de tocar em vários pontos específicos acerca das leis humanas, não encontramos referencia direta em O Livro dos Espíritos sobre maioridade penal e/ou crimes cometidos por menores de idade. Isso posto, em vários pontos Kardec e os Espíritos provém diretrizes e guias que podem ajudar nossa reflexão.

A diretriz máxima da Lei Natural está exposta na questão #876 "Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo".  A questão # 877 complementa a anterior com relação ao primeiro dever que é "respeitar os direitos de seus semelhantes". Ainda segundo a lei natural, explicam os Espíritos na questão # 880, o primeiro de todos os direitos naturais do homem: “O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”

Quanto a ação da sociedade no encaminhamento da criança e do adolescente (segundo a lei natural) está toda sob a tutela da paternidade. Aqui encontramos o campo de maior efeito sobre os atos das crianças.  Por causa disso, a questão 582 qualifica a paternidade como uma missão:

582. Pode-se considerar como missão a paternidade?   “É, sem contradita possível, uma verdadeira missão. Constitui, ao mesmo tempo grandíssimo dever, que empenha, mais do que o pensa o homem, a sua
responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização física débil e delicada, que o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de endireitar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de endireitar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse na estrada do bem.”

portanto, segundo a lei natural, a educação dos filhos é de responsabilidade dos pais. É pela falta ou ausência desses, porém, que a criminalidade infantil pode se tornar um problema da sociedade (como condição necessária, mas não suficiente, para manifestação dessa criminalidade). 

583. São responsáveis os pais pelo transviamento de um filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos cuidados que lhe dispensaram?  “Não; porém, quanto piores forem as propensões do filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho.”

Sabendo-se que os espíritos reencarnados tem toda uma bagagem de varias existências passadas, sabemos que as crianças e adolescentes trazem consigo qualidades, defeitos e experiências anteriores muitas vezes com tendência a pratica do mal que pode aflorar através de ações delinquentes se educação e limites não forem estabelecidos a partir do lar.

Finalmente, não deixa de ser elucidativa a questão # 796 que aparece na III Parte do Capítulo VIII do "Livro dos Espíritos": 796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais não constitui uma necessidade?

“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”

III.3 - Livre-arbítrio e Responsabilidade Individual Em vários pontos da Doutrina Espirita os espíritos deixam claro que no limite, cada individuo é o artificie e responsável por sua existência, seus atos e por sua própria evolução. Kardec expõe esse tópico magistralmente na questão 872, que apesar de extensa transcrevemos aqui por sua importância: 

872. A questão do livre-arbítrio se pode resumir assim: O homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, por prova e por expiação, escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado, quer pelas circunstâncias que
sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe para ele, quando no estado de Espírito, ao fazer a escolha da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamente submetido. Cabe à educação combater essas más tendências. Fá-lo-á utilmente, quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene. Desprendido da matéria e no estado de erraticidade, o Espírito procede à escolha de suas futuras existências corporais, de acordo com o grau de perfeição a que haja chegado e é nisto, como temos dito, que consiste sobretudo o seu livrearbítrio. Esta liberdade, a encarnação não a anula. Se ele cede à influência da matéria, é que sucumbe nas provas que por si mesmo escolheu. Para ter quem o ajude a vencê-las, concedido lhe é invocar a assistência de Deus e dos bons Espíritos.  Sem o livre-arbítrio, o homem não teria nem culpa por praticar o mal, nem mérito em praticar o bem. E isto a tal ponto está reconhecido que, no mundo, a censura ou o elogio são feitos à intenção, isto é, à vontade. Ora, quem diz vontade diz liberdade. Nenhuma desculpa poderá, portanto, o homem buscar, para os seus delitos, na sua organização física, sem abdicar da razão e da sua condição de ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora assim quanto ao mal, assim não poderia deixar de ser relativamente ao bem. Mas, quando o homem pratica o bem, tem grande cuidado de averbar o fato à sua conta, como mérito, e não cogita de por ele gratificar os seus órgãos, o que prova que, por instinto, não renuncia, malgrado à opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua espécie: a liberdade de pensar. A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável de todos os sucessos da vida, qualquer que seja a importância deles. Se tal fosse a ordem das coisas, o homem seria qual máquina sem vontade. De que lhe serviria a inteligência, desde que houvesse de estar invariavelmente dominado, em todos os seus atos, pela força do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira, conteria a destruição de toda liberdade moral; já não haveria para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem, nem mal, crimes ou virtudes. Não seria possível que Deus, soberanamente justo, castigasse suas criaturas por faltas cujo cometimento não dependera delas, nem que as recompensasse por virtudes de que nenhum mérito teriam.

Demais, tal lei seria a negação da do progresso, porquanto o homem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para melhorar a sua posição, visto que não conseguiria ser mais nem menos. Contudo, a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha, em consequência do gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova , expiação  ou missão . Ele sofre fatalmente todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências  boas ou más, que lhe são inerentes. Aí, porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade depende ceder ou não a essas tendências. Os pormenores dos acontecimentos, esses ficam subordinados às circunstâncias que ele próprio cria pelos seus atos ,
sendo que nessas circunstâncias podem os Espíritos influir pelos pensamentos que sugiram. Há fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se apresentam, por serem estes consequência da escolha que o Espírito fez da sua existência de homem. Pode deixar de haver fatalidade no resultado de tais acontecimentos, visto ser possível ao homem, pela sua prudência, modificar-lhes o curso. Nunca há fatalidade nos atos da vida moral. No que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto, à inexorável lei da fatalidade, por isso que não pode escapar à sentença que lhe marca o termo da existência, nem ao gênero de morte que haja de cortar a esta o fio. Segundo a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos os seus instintos, que, então, proviriam, ou da sua organização física, pela qual nenhuma responsabilidade lhe toca, ou da sua própria natureza, caso em que lícito lhe fora procurar desculpar-se consigo mesmo, dizendo não lhe pertencer a culpa de ser feito como é. Muito mais moral se mostra, indiscutivelmente, a Doutrina Espírita. Ela admite no homem o livre-arbítrio em toda a sua plenitude e, se lhe diz que, praticando o mal, ele cede a uma sugestão estranha e má, em nada lhe diminui a responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de resistir, o que evidentemente lhe é muito mais fácil do que lutar contra a sua própria natureza. Assim, de acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindoo ao mal, como pode cerrá-los à voz material daquele que lhe fale ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a assistência dos bons Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a Oração dominical , quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir à tentação, mas livra-nos do mal.” Essa teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência de todo o ensino que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de moralidade, mas também, acrescentaremos, eleva o homem aos seus próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo obsessor, como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser simples máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da sua vontade, para ser um ente racional, que ouve, julga e escolhe livremente de dois conselhos um. Aditemos que, apesar disto, o homem não se acha privado de iniciativa, não deixa de agir por impulso próprio, pois que, em definitivo, ele é apenas um Espírito encarnado que conserva, sob o envoltório corporal, as qualidades e os defeitos que tinha como Espírito. Conseguintemente, as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do nosso próprio Espírito, que ainda não conquistou a superioridade moral que um dia alcançará, mas que, nem por isso, carece de livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para se expungir de suas imperfeições, mediante as provas por que passa, imperfeições que, precisamente, o tornam mais fraco e mais acessível às sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se aproveitam para tentar fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa luta sai vencedor, ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor. Será uma prova que lhe cumpre recomeçar, podendo suceder que longo tempo gaste nessa alternativa. Quanto mais se depura, tanto mais diminuem os seus pontos fracos e tanto menos acesso oferece aos que procurem
atraí-lo para o mal. Na razão de sua elevação, cresce-lhe a força moral, fazendo que dele se afastem os maus Espíritos. Todos os Espíritos, mais ou menos bons, quando encarnados, constituem a espécie humana e, como o nosso mundo é um dos menos adiantados, nele se conta maior número de Espíritos maus do que de bons. Tal a razão por que aí vemos tanta perversidade. Façamos, pois, todos os esforços para a este planeta não voltarmos, após a presente estada, e para merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses mundos privilegiados, onde não nos lembraremos da nossa passagem por aqui, senão como de um exílio temporário.

Os espíritos corroboram tal argumento ao tratarem do Bem e do Mal e da influencia do meio nas ações individuais nas questões 637, 638, 639, 644 e 645 que transcrevemos a seguir:

637. Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de carne humana? “Eu disse que o mal depende da vontade. Pois bem! Tanto mais culpado é o homem, quanto melhor sabe o que faz.” As circunstâncias dão relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas vezes, comete o homem faltas, que, nem por serem consequência da posição em que a sociedade o colocou, se tornam menos repreensíveis. Mas, a sua responsabilidade é proporcional aos meios de que ele dispõe para compreender o bem e o mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de Deus, o homem instruído que prati- ca uma simples injustiça, do que o selvagem ignorante que se entrega aos seus instintos.

638. Parece, às vezes, que o mal é uma consequência da força das coisas. Tal, por exemplo, a necessidade em que o homem se vê, nalguns casos, de destruir, até mesmo o seu semelhante. Poder-se-á dizer que há, então, infração da lei de Deus?  “Embora necessário, o mal não deixa de ser o mal. Essa necessidade desaparece, entretanto, à medida que a alma se depura, passando de uma a outra existência. Então, mais culpado é o homem, qua quando o pratica, porque melhor o compreende.”

639. Não sucede freqüentemente resultar o mal, que o homem pratica, da posição em que os outros homens o colocam? Quais, nesse caso, os culpados?  “O mal recai sobre quem lhe foi o causador. Nessas condições, aquele que é levado a praticar o mal pela posição em que seus semelhantes o colocam tem menos culpa do que os que, assim procedendo, o ocasionaram. Porque, cada um será punido, não só pelo mal que haja feito, mas
também pelo mal a que tenha dado lugar.”

644. Para certos homens, o meio onde se acham colocados não representa a causa primária de muitos vícios e crimes? “Sim, mas ainda aí há uma prova que o Espírito escolheu, quando em liberdade, levado pelo desejo de expor-se à tentação para ter o mérito da resistência.”

645. Quando o homem se acha, de certo modo, mergulhado na atmosfera do vício, o mal não se lhe torna um arrastamento quase irresistível? “Arrastamento, sim; irresistível, não; porquanto, mesmo dentro da atmosfera do vício, com grandes virtudes às vezes deparas. São Espíritos que tiveram a força de resistir e que, ao mesmo tempo, receberam a missão de exercer boa influência sobre os seus semelhantes.”

IV - Considerações Finais 

O espiritismo claramente define o individuo como responsável por seus atos e ações. Mesmo inserido em seu meio, e sujeito as influencias externas, o espirito tem sempre o livre-arbítrio e o poder de escolher entre praticar o bem ou o mal. Assim também são aplicadas suas penas e gozos futuros – ou seja individualizadas. Isso dito, fica claro que atenuantes devem ser considerados e que as penas são proporcionais as faltas e que não somente as ações são levadas em conta, mas também o contexto, as intenções e situações.  Dessa forma me parece obvio que qualquer posicionamento espirita sobre aprimoramento das leis humanas, aproximando-as da Lei Natural, deve incluir responsabilização individualizada, contextualizada nas condições dos fatos. Portanto, na questão da maioridade penal fica claro que necessitamos de aperfeiçoamentos aqui no Brasil, principalmente para adequar as penas e reparações a gravidade dos fatos. O ECA ao não permitir que a responsabilização seja proporcional ao delito, individualizada e ao aplicar soluções genéricas, restringe e limita uma melhor analise do fatos, contexto e consequências. Privilegiando somente um lado da equação, ou seja, considerando o menor infrator apenas como vitima maior da sociedade, as ações previstas no ECA são ajustadas sob essa perspectiva. O espiritismo, ao elevar o individuo como artífice máximo de sua própria existência, entende que um melhor balanço precisa ser atingido. Para tanto uma possível solução seria incluir no ordenamento jurídico nacional uma adequação que permitisse que o jovem infrator fosse também responsabilizado por seus atos, proporcionalmente a gravidade, consequência e contexto da mesma. Esse vetor, aliado aos vetores de reabilitação e prevenção estariam mais em consonância com os preceitos e moral definidos pelo espiritismo. Nesse debate, não precisaríamos necessariamente de nenhuma redução da idade da maioridade penal, hoje estabelecida aos 18 anos. Porém necessitaríamos
retirar da constituição a inimputabilidade de menores de 18 anos para que os mesmos possam ter reconhecidas sua responsabilidade perante a sociedade. Temos também que redefinir o ECA para que o mesmo permita a sociedade, através do poder judiciário e de suas varas especializadas na criança e na juventude possa melhor definir e aplicar penas reparatórias e proporcionais aos jovens infratores. O exemplo canadense parece bem equilibrado e algo que pode servir de parâmetro a sociedade brasileira. Um ordenamento jurídico baseado no tripé: - Responsabilizar individualmente o jovem por seus atos e que o mesmo possa, no possível, reparar os danos causados as vitimas; - Suporte da sociedade para que o jovem infrator possa ser reabilitado e reinserido na sociedade; - Foco em prevenção, através da valorização da família e educação;

Parece bem em consonância com o ensinado pela doutrina espirita e a meu ver seria um grande avanço na legislação brasileira, permitindo que nossa sociedade continue progredindo e avançando suas leis rumo a lei divina e natural.


Bibliografia/ Websites Consultados:

 Kardec, Allan – O Livro dos Espíritos; Ed. FEB
 American Juvenile Justice System (https://en.wikipedia.org/wiki/American_juvenile_justice_system)
 Canada, British Columbia - Youth Justice Section of JusticeBC (http://www.justicebc.ca/en/cjis/youth/)
 Maioridade penal   (https://pt.wikipedia.org/wiki/Maioridade_penal#cite_note-71)
 Xavier, Ademir - Redução da Maioridade Penal e Espiritismo em Blog Era do Espírito  http://eradoespirito.blogspot.com.br/2015/04/reducao-da-maioridade-penale.html
 ONU, Comitê sobre os Direitos da Criança (25/4/2007). Children’s rights in juvenile justice. GENERAL COMMENT No. 10 (2007) http://www2.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/CRC.C.GC.10.pdf
 Children in the US Justice System Amnesty International USA). (http://www.amnestyusa.org/news?id=D94FCE82406321E18025690000692 DCA&lang=e)
 Estatuto da Criança e do Adolescente; http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm
 A maioridade penal na visão da AJE – Associação Jurídico-Espírita do Brasil; Publicado por Rádio Boa Nova  http://radioboanova.com.br/jornal-nova-era/maioridade-penal-na-visao-daaje-associacao-juridico-espirita-brasil/

 

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O que nos contaram os Espíritos em relação a Marte e o que sabemos hoje - por Alexandre Cardia Machado


O que nos contaram os Espíritos em relação a Marte e o que sabemos hoje

       Na revista espírita em Outubro de 1960, Kardec publicou uma comunicação dada através da médium Sra Costel, sobre as características do planeta Marte e de seus habitantes. É evidente que esta comunicação se domnstrou, nos dias atuais totalmente falsa, ou foi uma mistificação ou uma comunicação de um espírito leviano.

      Convido o nosso leitor para ver o texto original completo que disponibilizamos o link aqui, já que nem todos tem a coleção da Revista Espírita:


A realidade de Marte nos é passada diariamente, mantemos algumas missões de observação, sendo a de maior destaque a protagonizada pelo robo Curiosity, que está em Marte a mais de 2000 dias marcianos.

Sobre isto, só para correborar a falta de conhecimento do espírito que se comunicou em 1860,
o dia marciano  corresponde a  24 horas e 37 minutos. Assim, ressaltamos a importância da dúvida  e do critério de falseabilidade. Se não podemos comprovar o que dizemos, tratamos apenas de apresentar  uma hipótese, uma teoria a ser comprovado.

Para abrir mais a sua mente: para saber mais sobre a realidade do planeta Marte, vá até o site da NASA: https://mars.nasa.gov/msl/


Alexandre Cardia Machado

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Revisão sistemática da literatura e sua aplicação em pesquisas com temática espírita Mauro de Mesquita Spinola

Revisão sistemática da literatura e sua aplicação em pesquisas com temática espírita
Mauro de Mesquita Spinola


Resumo
Este estudo apresenta a revisão sistemática da literatura como instrumento de pesquisa com temática espírita. Crescentemente utilizado nas várias áreas da ciência, a revisão sistemática contribui para compreender o estado da arte de uma área ou um tópico de conhecimento, com base em pesquisas qualificadas já realizadas e publicadas.
Inicialmente, é a apresentada a discutido o método de revisão sistemática. Em seguida, é discutida a sua aplicação em pesquisa espírita. Um exemplo é apresentado, visando a compreender o processo e os seus potenciais resultados.
O estudo é inicial e deixa várias questões em aberto, em especial as relacionadas com a aplicação prática do método, mas contribui para que se possa avaliar o potencial desse método para o conhecimento espírita.
Mauro de Mesquita Spinola

Sumário


1      Pesquisa com temática espírita

A ciência está em continua evolução, tanto do ponto de vista de suas descobertas – que abrangem cada vez mais diversificadas áreas da natureza, do ser humano e da sociedade – como no que tange a metodologias de pesquisa.
Em estudos anteriores apresentados em Simpósios e Congressos espíritas, foi discutida a importância do desenvolvimento metodológico das pesquisas com temática espírita e apresentadas alguns métodos e ferramentas disponíveis, que podem ser aplicados nessa área, como tem sido em várias outras [8, 9]. Os citados trabalhos trataram do problema do método, que foi abordado por Kardec [3] e por outros estudiosos, entre eles Herculano Pires [4].
Recentemente, com o advento de ferramentas que exploram o grande desenvolvimento e a ampla disponibilização tanto da internet quanto das técnicas de pesquisa em bancos de dados de publicações científicas, uma metodologia tem ganhado destaque pela sua capacidade de permitir, com muito maior rapidez e eficácia que antes, o mapeamento das pesquisas desenvolvidas em determinadas área ou mesmo sobre tópicos específicos. Essa facilidade agora disponível para os pesquisadores é uma chave essencial para o desenvolvimento de novos estudos de forma mais sistemática e com maior consistência. Essa metodologia é chamada de revisão sistemática da literatura.

2      A revisão sistemática da literatura

A revisão sistemática desenvolveu-se inicialmente em pesquisas da área de saúde, e hoje se constitui em instrumento essencial em todas as áreas da ciência.

2.1     O que é a revisão sistemática?

A definição proposta pelo consórcio Cochrane[1], que visa a reunir e sumarizar as melhores evidências de pesquisas da área de saúde para ajudar os pesquisadores, profissionais de saúde e as pessoas a se informar sobre tratamento, é muito utilizada:
“Uma revisão sistemática tenta reunir todas as evidências empíricas que se enquadram nos critérios de elegibilidade pré-especificados para responder a uma pergunta de pesquisa específica. Ele usa métodos explícitos e sistemáticos que são selecionados com o objetivo de minimizar o viés, fornecendo resultados mais confiáveis a partir dos quais as conclusões podem ser elaboradas e as decisões tomadas.” [13, 12]
A pesquisadora Barbara Kitchenham, de uma área de pesquisa bem diferente (Engenharia de Software), tem visão bastante alinhada com a apresentada acima:
“Uma revisão sistemática da literatura (muitas vezes referida como uma revisão sistemática) é um meio para identificar, avaliar e interpretar todas as pesquisas disponíveis relevantes para uma determinada questão de pesquisa, tópico ou fenômeno de interesse. Estudos individuais que contribuem para uma revisão sistemática são chamados de estudos primários; uma revisão sistemática é uma forma de estudo secundário.” [4]

O Quadro 1 reúne as principais características da uma revisão sistemática. Uma das características citadas é a reprodutibilidade, ou seja, a capacidade de estabelecer e documentar as fontes utilizadas, os critérios estabelecidos, os métodos utilizados e os resultados obtidos de forma que qualquer pesquisador ou interessado no tema (como por exemplo um profissional que deseja aplicar os achados) possa reproduzir a mesma revisão.

Quadro 1 – Características de uma revisão sistemática [1]
Revisão sistemática da literatura (RSL):
Principais características
um conjunto claramente definido de objetivos com critérios de elegibilidade pré-definidos para estudos
uma metodologia explícita e reprodutível
uma busca sistemática que tenta identificar todos os estudos que atendam aos critérios de elegibilidade
uma avaliação da validade dos achados dos estudos incluídos (p. ex., através da avaliação do risco de viés)
uma apresentação sistemática e síntese das características e achados dos estudos incluídos

Mais do que uma abordagem metodológica, a revisão sistemática é cada vez mais um requisito das pesquisas. Os pesquisadores têm a necessidade de sumarizar todas as informações sobre algum fenômeno de forma profunda e não enviesada. A revisão sistemática pode servir para desenvolver conclusões gerais sobre um determinado tópico ou para dar uma base inicial para novas pesquisas [1].
Uma das bases da revisão sistemática utilizada na medicina é a abordagem denominada Medicina baseada em evidência (EBM - Evidence-based medicine) [7], uma prática médica que pretende otimizar a tomada de decisão enfatizando o uso de evidências com base em pesquisas bem desenhadas e executadas.

2.2     Etapas para a revisão

O Quadro 2 apresenta as etapas típicas de uma revisão sistemática.
Quadro 2 – Etapas para a revisão sistemática da literatura (baseado em [4] e [11])
REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA
Passo
Descrição
Etapa 1: Formular perguntas para revisão
Os problemas a serem abordados pela revisão devem ser especificados na forma de questões claras, inequívocas e estruturadas, antes de começar o trabalho de revisão. Definidas as questões, elas se tornam base de referência para todas as atividades.
Esta etapa envolve:
·         Definir o problema ou questão
·         Definir o objetivo do estudo
Etapa 2: Identificar publicações relevantes
A busca por publicações deve ser extensiva. Múltiplos recursos (tanto informatizados quanto impressos) devem ser pesquisados sem restrições de idioma. Os critérios de seleção dos estudos devem fluir diretamente das questões de revisão e especificados a priori. Os motivos de inclusão e exclusão devem ser registrados.
Esta etapa envolve:
·         Definir critérios de inclusão e exclusão
·         Definir o processo de busca
·         Localizar os estudos
·         Selecionar os estudos
Etapa 3: Avaliar a qualidade do estudo
A avaliação da qualidade do estudo é relevante para cada etapa de uma revisão. A formulação de perguntas (Etapa 1) e os critérios de seleção de estudos (Etapa 2) devem descrever o nível mínimo aceitável de design. Os estudos selecionados devem ser submetidos a uma avaliação de qualidade mais refinada, por meio de guias gerais de avaliação crítica e listas de verificação de qualidade baseadas em design (Etapa 3). Essas avaliações de qualidade detalhadas serão usadas para explorar a heterogeneidade e informar decisões sobre a adequação de meta-análise (Passo 4). Além disso, elas ajudam a avaliar a força de inferências e recomendações para futuras pesquisas (Passo 5).
Esta etapa envolve:
·         Avaliar pergunta
·         Avaliar critérios de seleção
·         Avaliar estudos selecionados
·         Avaliar análises e meta-análise
·         Avaliar evidências obtidas e recomendações
Etapa 4: Resumir a evidência
A síntese de dados consiste na tabulação das características, qualidade e efeitos dos estudos, bem como no uso de métodos estatísticos para explorar diferenças entre estudos e combinar seus efeitos (meta-análise).
Esta etapa envolve:
·         Extrair os dados
·         Sintetizar a evidência
·         Analisar e interpretar os resultados
·         Realizar meta-análise
Etapa 5:
Interpretar os achados
Os cuidados destacados em cada um dos quatro passos acima devem ser atendidos. Devem ser explorados o risco de viés de publicação e os vieses relacionados.
Esta etapa envolve:
·         Explicitar conclusões
·         Desenvolver relatório
·         Disseminar os achados

Este estudo focaliza apenas as duas primeiras etapas. Nos tópicos a seguir é discutida a aplicação dessas etapas em pesquisa espírita.

3      Aplicação em pesquisa com temática espírita: considerações e propostas

A aplicação de revisões em pesquisa com temática espírita tende a ter as mesmas características gerais das revisões realizadas em outras áreas, podendo herdar, desta forma, o conhecimento e as práticas já acumulados sobre essa metodologia. No entanto, da mesma forma que toma formas diferenciadas nos diversos setores, também no âmbito das pesquisas com temática espírita isso possivelmente deverá ocorrer. As etapas e os conceitos apresentados são os mesmos, no entanto, as práticas e critérios adotados nas várias atividades pode variar sensivelmente.
Há ainda um grande caminho para essa construção, que exigirá estudos e iniciativas concretas de aplicação. Este estudo apenas se limita a propor um esboço de propostas para análise e desenvolvimento dos pesquisadores.
O objetivo de sua apresentação é o de que seja discutido pela comunidade e, desta forma, criem-se condições para uma análise crítica que leve ao efetivo desenvolvimento dessas pesquisas.
Segue uma lista de propostas para as duas primeiras etapas, que são as mais sensíveis do ponto de vista de encaminhamento das pesquisas.

3.1     Etapa 1 – Formular perguntas para a revisão

A identificação da questão de pesquisa (que pode ser desdobrada em várias questões) ou seu problema, é uma etapa decisiva, pois permite estabelecer os objetivos da pesquisa. Algumas considerações e propostas:
·         Relacionamento com outras áreas. As pesquisas com temática espírita estão, em geral, fortemente relacionadas com pesquisas realizadas em outras áreas, entre elas as ciências sociais e a saúde. A questão a ser estudada tocará portanto em outras áreas, o que constitui, por um lado, oportunidade para abarcar pesquisas (possivelmente algumas muito recentes) já realizadas e traz, por outro, vieses já estabelecidos que polarizam por vezes a tradição dessas pesquisas. Apesar das dificuldades, o claro diálogo entre as pesquisas é o caminho que se apresenta como mais adequado.
·         Terminologia. Como consequência do relacionamento acima exposto, vários termos utilizados em várias áreas necessitam ser visitados e fazer parte do levantamento, tomando sempre o cuidado de compreender e explicitar os significados que possuem em cada contexto. A palavra doença, por exemplo, possui diferentes conceituações e tratamentos na literatura científica. A literatura espírita também trata do assunto, com um significado e viés próprio. Assim, se vai ser elaborada uma questão sobre certo tema, é necessário deixar claro qual o significado que se atribui para cada termo utilizado.

3.2     Etapa 2 – Identificar publicações relevantes

Esta etapa exige muito trabalho, pois deverá buscar todo o manancial de interesse (possivelmente uma parte pode não estar disponível na internet) e avaliar a sua relevância para a pesquisa em foco. Seguem as considerações:
·         Acesso a pesquisas já realizadas - 1. É obrigatório o acesso a publicações recentes e antigas necessárias à compreensão do conhecimento já construído sobre a questão em foco. Para isso, a utilização de ferramentas de busca que permitam o acesso a material digital é essencial. Destacam-se as seguintes bases a ser utilizadas, entre outras: Webofscience (webofknowledge.com), Scopus, Scielo (scielo.br), Google acadêmico (scholar.google.com). Dependendo da área de pesquisa, outras bases são também adicionadas a esta lista, com PubMed para Medicina.
·         Acesso a pesquisas já realizadas - 2. Alguns tópicos típicos do conhecimento espírita possuem uma tradição de pesquisa não abarcado pelas bases de publicações científicas. Entre eles podem ser incluídos a mediunidade e a reencarnação, por exemplo. Para uma consistente pesquisa nessas áreas, devem ser consideradas as produções já realizadas por pesquisadores desses temas, buscando acesso a elas por todos os meios possíveis. É fundamental, no entanto, mapear devidamente os vários estudos, analisando sua validade e os vários vieses e riscos que possuem.
·         Diferenciação e qualificação das publicações. As publicações de revistas científicas com identificação clara de seu fator de impacto ou outra medida equivalente (https://en.wikipedia.org/wiki/Journal_ranking#Measures) oferecem maior confiança aos pesquisadores. São revistas para qual os editores submetem os artigos, antes de aprovação e publicação, a revisores ocultos, que analisam e criticam os artigos submetidos. Apenas uma parte dos artigos é aprovada e publicada. Esse mesmo critério não existe para os livros, por exemplo, e para muitos portais e revistas, em que as publicações não são rigorosamente avaliadas.
 A título de clarificação do método e suas peculiaridades, é apresentado a seguir um exemplo que abarca as duas primeiras etapas.

4      Um exemplo

Para ilustrar o processo de realização de revisão sistemática sobre tema relacionado ao espiritismo, foi escolhido o tema experiência de quase morte (EQM). O motivo principal é que o assunto tem sido estudado em outras áreas, tais como medicina e enfermagem, permitindo refletir sobre como podem ser feitas revisões que envolvem temas multidisciplinares. As pesquisas ainda são ativas nos dias atuais, o que leva à percepção de que se constitui tema relevante para a sociedade e a ciência. É inegável, por outro lado, o interesse e o potencial de contribuição da hipótese espírita, que tem sido pouco presente nessas pesquisas.
Estão apresentados aqui apenas os primeiros passos, que compõem a Etapa 1.

4.1     Definição de termos

O seguinte termo exige clara definição para realização da pesquisa: morte e experiência de quase morte EQM. Se necessário e útil, várias outros termos podem ser definidos.
·         Experiência de quase morte (EQM) / Near-death experience (NDE):
o   uma forma de consciência transcendental ou um estado alternativo de consciência que acomete o indivíduo que se encontra em um estado fisiológico extremo (Raymond Mood Jr., v. http://www.boavontade.com/pt/saude/o-que-e-uma-eqm-psiquiatra-explica-experiencias-de-quase-morte).
o   uma percepção consciente da extinção da vida próxima  (a conscious awareness of the forthcoming termination of life) (Suzanne Simpson [9])
o   um alterado estado de consciência comumente ocorrendo durante um episódio de inconsciência, como um resultado de uma condição potencialmente fatal (an altered state of consciousness commonly occurring during an episode of unconsciousness, as a result of a life-threatening condition) (Christian Agrillo [1])

Para efeito deste estudo, será utilizada a definição de Christrian Agrillo, que se baseia em estudos anteriores relevantes.
Experiência de quase morte: um alterado estado de consciência comumente ocorrendo durante um episódio de inconsciência, como um resultado de uma condição potencialmente fatal.

4.2     Questão de pesquisa

A questão de pesquisa proposta é:
Quais são as categorias de pesquisas realizadas sobre experiências de quase morte e que resultados foram já obtidos?
Esta pesquisa pode ser realizada com o uso das palavras chave:
·         Em inglês: “near-death experience”,
·         Em português: “experiência de quase morte”,
·         Em espanhol: “experiencia cercana a la muerte” e “experiencia de casi muerte”.
Todas as pesquisas que utilizem pelo menos uma dessas expressões têm interesse. As aspas são usadas para capturar estritamente os estudos que utilizam essas expressões (não apenas as palavras isoladas. Os próprios artigos pesquisados podem auxiliar na descoberta de sinônimos que podem ser utilizados em novas buscas, de maneira que o processo progrida para os resultados desejados.
A string (chave de busca) utilizado para essa pesquisa é:
near-death experience” OR “experiência de quase morte” OR “experiencia cercana a la muerte” OR “experiencia de casi muerte

Alternativamente, pode ser proposta a seguinte questão, mais restritiva, que busca identificar os estudos que relacionam experiência de quase morte com espiritualidade:
Qual a relação entre experiência de quase morte com espiritualidade?
Para essa busca, a string passa a ser:
(“near-death experience” OR “experiência de quase morte” OR “experiencia cercana a la muerte” OR “experiencia de casi muerte”) AND (“spiritual*” OR “espiritual*”)
O “*” é usado para incluir todas as palavras que se iniciem com “spiritual” ou “espiritual” (spiritual, espiritual, spirituality, espiritualidade etc.)

4.3     As bases utilizadas

As bases seguintes foram escolhidas (algumas são justificadas):
·         PubMed (ncbi.nlm.nih.gov/pubmed)
·         Google Acadêmico (scholar.google.com)
·         Scielo (scielo.br)
Numa primeira busca, só essas bases foram utilizadas, podendo depois ser incluídas outras tais como Web of Science, Scopus, livros espíritas, revistas espíritas, trabalhos apresentados em congressos e outras. Nesta busca, há já a expectativa de compreender o desenvolvimento desses estudos no tempo, levantando principais contribuições e autores. Há também a expectativa de obter material suficiente para responder à questão proposta.

4.4     Primeiros resultados

Seguem alguns resultados obtidos nas bases utilizadas.
A base PubMed, mais restrita (menos publicações, todas em inglês), mas de grande importância na captura de publicações de alto impacto científico, apresenta 146 (Figura 1). Uma pesquisa mais estrita na mesma base, apenas com artigos completos disponíveis, reduz-se para 115. São artigos que representam significativamente as pesquisas avançadas realizadas por pesquisadores da área e devem ser estudados para elaboração da revisão.

Figura 1 – Tela com os resultados da busca completa no PubMed

A busca na base Google Acadêmico apresenta 4210 publicações (Figura 2). É uma quantidade expressiva, que requer pesquisa mais refinada para encontrar os artigos de maior relevância e focalizar neles a revisão. Uma avaliação a ser feita é a de origem das publicações.

Figura 2 – Tela com os resultados da busca completa no Google Acadêmico

A busca realizada na base Scielo (Figura 3), que compreende muitas publicações em português e espanhol, tanto quanto em inglês, apresenta apenas 3 artigos. Chama a atenção a presença de um artigo em português escrito por Bruce Greyson, pesquisador da Universidade de Virginia que publicou vários trabalhos com Ian Stevenson nos anos 1980.

Figura 3 – Tela com os resultados da busca completa no Scielo

Refinadas as buscas e identificadas publicações relevantes para o estudo, é hora de estudar seu conteúdo e iniciar o desenho das categorias de pesquisas sobre EQM, problema/questão proposto neste exemplo. Não foi possível desenvolver todo o estudo até a finalização desta apresentação.

5      Continuidade do estudo

Os resultados obtidos até aqui permitem afirmar que a pesquisa com temática espírita tem plena condição de se utilizar de revisões sistemáticas, seja para sumarizar o conhecimento sobre determinado tema, seja para preparar novos estudos, estabelecendo o estado da arte.
A continuidade da pesquisa será proposta como um projeto coletivo para o CPDoc – Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (www.cpdocespirita.com.br) e todos os interessados estão convidados a participar.

Referências bibliográficas

2.    HIGGINS, Julian P. T.; GREEN, Sally, ed. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions. Version 5.1.0. The Cochrane Collaboration, 2017. Disponível em: www.cochrane-handbook.org. Acesso em 01/10/2017.
4.    KHAN, Khalid S.; KUNZ, Regina; KLEIJNEN, Jos Kleijnen; ANTES, Gerd. Five steps to conducting a systematic review. Journal of the Royal Society of Medicine, 96(3), 118-121, 2003.
5.    KITCHENHAM, Barbara A.  Reviews in Software Engineering Technical Report EBSE-2007-01, 2007. Disponível em: https://www.elsevier.com/__data/promis_misc/525444systematicreviewsguide.pdf. Acesso em: 01/10/2017.
6.    PIRES, José Herculano Pires. Introdução à filosofia espírita. São Paulo: Paidéia.
10.  SPINOLA, Mauro de Mesquita. O método de estudo de caso e sua aplicação em pesquisa espírita: novos estudos. Anais. Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita. Santos. 2005. Disponível em: http://www.cpdocespirita.com.br/Trabalhos/Estudo_Caso_Mauro_Jacira.pdf. Acesso em: 01/10/2017.
13.  US National Library Medicine. What is a systematic review? 2017. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmedhealth/what-is-a-systematic-review/. Acesso em: 01/10/2017.

Mauro de Mesquita Spinola é Engenheiro e Doutor em Engenharia, Professor da Escola Politécnica da USP (São Paulo), Conselheiro da Fundação Vanzolini e da Fundação Porta Aberta, Autor do livro Introdução à automação (Elsevier). Diretor Administrativo da CEPA (gestão 2016-2020), Participante do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CPDoc/Santos), Diretor do Centro de Estudos Espíritas José Herculano Pires (São Paulo). Participante do programa radiofônico Momento Espírita, da Rádio Boa Nova, Autor do livro Centro espírita: uma revisão estrutural (CPDoc)



[1] cochrane.org.