sexta-feira, 17 de março de 2023

DESAPEGA - por Cláudia Régis Machado

 

DESAPEGA

A palavra desapegar é muito usada para expressar a ideia de desprender, desligar, distanciar e pode ser utilizada tanto para situações e bens materiais como para comportamentos, atitudes psicológicas, visão do mundo etc.

O desapego pode ser visto como deixar um problema, que atrapalha a dinâmica da vida, pois quanto mais o seguramos, de leve torna-se pesado. É pensar no que podemos simplificar naquilo que incomoda, no entanto neste artigo vamos explorar mais no campo do estilo de vida, o modo que conduzimos nossa existência.



 Uma expressão, talvez, se encaixe melhor nesta abordagem ‘Abrir mão do que não nos preenche mais” pois parece mais completa para o nosso enfoque.

Uma premissa para discutirmos este tema é ter consciência que viver é estar em constante transformação elegendo o que é mais relevante para uma jornada vivencial positiva. A essência da vida é o movimento, a evolução, o crescimento do ser, daí as mudanças estarão sempre presentes.

Olhando para os caminhos percorridos devemos levar em conta que é da natureza do comportamento humano nos sentirmos saudosos das coisas vividas, porque é a história de vida de cada um e porque trouxeram bons resultados deixando-nos adaptados. E na zona de conforto.  

Muitos ”chamados” da vida pedem para abrirmos mão de muitas coisas que não nos preenchem mais como: fim de um ciclo da vida, amadurecimento, maternidade, paternidade, aposentadoria entre outras coisas. Cenários que diversas vezes nos colocam face a face com a necessidade de transições para tornar a existência mais significativa e gratificante com maior qualidade.

” Todo fechamento de um ciclo é uma passagem para uma nova abertura”.

Neste caso, falamos em desapego de estilos de vida que contém comportamentos e atitudes que não tem mais o porquê de serem reproduzidos, pois não trazem felicidade, empatam a vida, não promovem alegria e fazem a vida sem graça.

Importante ressignificar nosso estilo de vida, olhá-lo sob novas luzes. Vislumbrar a vida com nova perspectiva porque a antiga não nos serve mais, não tem maior significado, só há perda de tempo e energia.

O ser humano tem padrões de comportamento que se repetem e geralmente nos viciamos nos caminhos automáticos quebrá-los não é fácil, entretanto alguns acontecimentos como os que foram citados anteriormente desencadeiam, provocam movimentos de renovação.

Em qualquer idade devemos nos enxergar como criadores de novos modos de ser e viver. Sair em busca de coisas que novas que correspondam às novas necessidades.

Acorde sua imaginação, interessante conversar com projetos novos com calma não se espantando com as crenças limitantes – “isto eu não consigo”. Abrir mão é uma escolha que deve estar alinhada a quem somos e queremos ser. Não é uma busca desenfreada e sim entender o que é necessário, o que importa.

Nesta nova busca é fundamental incluir sempre a perspectiva espiritual que amplia, aprofunda a dimensão da nossa realidade.

 Abrir mão pode ser visto como uma oportunidade de entender que “algo precisa terminar para a existência continuar a florir”.

Toda essa reflexão tem um paralelo com a Doutrina Espírita que vê o individuo como um espírito reencarnante com a chance de progredir, aprender para ser uma pessoa melhor sendo básico para isto ocorrer - mudanças - e com melhor entendimento podemos incentivar a procura, para estarmos melhores conosco mesmo e consequentemente com o mundo e com as outras pessoas.

Também podemos ver no desapego a lei de destruição que tem no fundo a mensagem: tirar algo para que outras coisas possam ser construídas e estruturadas.” É preciso que tudo se destrua para renascer e se regenerar o que é chamais de destruição não é senão uma transformação que tem como objetivo a renovação e o melhoramento dos seres vivos”.

Artigo publicado no jornal ABERTURA de novembro de 2022

Leia mais - Abertura novembro 2022: https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/22-jornal-abertura-2022?download=206:jornal-abertura-novembro-de-2022


segunda-feira, 6 de março de 2023

O MOVIMENTO DAS IDEIAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA - por Ricardo de Morais Nunes

 

O MOVIMENTO DAS IDEIAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA

Na atualidade muitos espíritas sentem que é necessário ou desejável um posicionamento de caráter político. No artigo do nosso estimado amigo Roberto Rufo no Abertura do mês de setembro ele indaga ao comentar sobre um evento do coletivo Espíritas à esquerda: “politicamente sou de centro-direita. Tenho salvação? ”   Alexandre Cardia, nosso querido editor, afirma na mesma edição “temos publicado artigos de nossos articulistas, alguns de centro, outros mais à direita ou mais à esquerda”. A referência à esquerda, à direita ou ao centro está na ordem do dia no movimento espírita brasileiro.

Ricardo de Morais Nunes -12° SBPE


O que quero ressaltar, no entanto, nesse artigo, não é propriamente o posicionamento político que cada um entende melhor para si, o que é legitimo dentro de uma perspectiva de livre pensamento. Por exemplo, eu mesmo me situo em uma perspectiva de crítica ao capitalismo, por entender que o capitalismo, enquanto sistema econômico, precisa ser superado ou, pelo menos, reformado profundamente, pois efetivamente tem gerado abismos de desigualdade intransponíveis entre os seres humanos, criando de um lado uma restrita classe de privilegiados que tudo possuem ao excesso e, do outro, a grande maioria, uma população marginalizada excluída dos bens fundamentais à vida.  Nesse sentido, me coloco à esquerda em termos de posicionamento político, sem a menor hesitação.

Mas meu objetivo hoje não é analisar as posições de esquerda, centro ou direita existentes no movimento espírita brasileiro. Meu objetivo é chamar atenção para o fato de como as circunstâncias históricas objetivas mudam independentemente de nossas vontades pessoais e nos colocam desafios inesperados para a reflexão.

 Há alguns anos, no Brasil, o assunto fundamental no movimento espírita, para um importante número de pensadores, era sobre a natureza religiosa ou não do espiritismo, sobre a natureza cristã ou não do espiritismo. Esse foi o grande debate no qual estiveram envolvidos grandes pensadores, uns defendendo a natureza cristã e religiosa do espiritismo, outros defendendo a natureza laica e universal da proposta filosófica espírita. O debate era tão intenso que se criou naquela época uma lenda urbana ou, como diríamos hoje, uma “fake News”, de que alguns espíritas, no caso os laicos, queriam “tirar Jesus do espiritismo”.

 Na atualidade, no entanto, esse debate não deixou de ser relevante. Pelo contrário, como espírita laico e livre pensador entendo que este tema é fundamental para a melhor compreensão da obra de Allan Kardec, porém, esse tema cedeu muito espaço às questões políticas e sociais.

 Tais questões surgiram a partir de uma demanda da sociedade brasileira para que os espíritas se posicionassem quanto a sua visão de sociedade e política, dadas as crises e ameaças à democracia liberal brasileira. Não foi por acaso que surgiram os chamados coletivos espíritas, nos quais a preocupação social é evidente já a partir da denominação desses grupos.

Interessante observar, neste novo horizonte de discussão, que tem havido diálogos interessantes e fraternos entre espíritas laicos progressistas e espíritas religiosos progressistas. Assim como os espíritas conservadores também dialogam entre si sejam eles laicos ou religiosos.  As demarcações rígidas que tínhamos entre espíritas religiosos e não religiosos se atenuaram em parte por força da temática política e social e houve um processo de interação em nosso movimento espírita.  Nesse sentido, o adjetivo “progressista”, pode pertencer a espíritas laicos ou religiosos o mesmo ocorrendo com o adjetivo “conservador”.

É necessário chamar atenção que essa agenda temática se impôs de fora ao movimento espirita brasileiro e convocou os espíritas a pensar sobre as questões políticas e sociais de seu tempo e, a partir dessa reflexão, se dividiram em visões de mundo distintas. Essa situação nos mostra claramente como somos reféns, em boa medida, de nosso tempo histórico. Na verdade, o “Espírito do tempo” é a moldura sobre a qual se realiza nosso fazer filosófico.

O espiritismo, enquanto filosofia espiritualista, pode ser apto a acompanhar o devir das ideias. Mas também pode não acompanhar e ficar estagnado passando a se constituir em mais uma cosmovisão dogmática no campo do espiritualismo.

 Mais uma vez é necessário lembrar o acerto da famosa frase de Léon Denis: “O espiritismo será o que dele fizerem os homens”. Ou, em boa linguagem atual:  O espiritismo será o que dele fizerem os homens, as mulheres, e os integrantes da comunidade LGBTQI+ de nosso tempo.

 Uma coisa é certa em meio a esses novos enfoques e prioridades temáticas que abalam, mas também redirecionam o tradicional movimento espírita brasileiro. Não será fácil para a maioria dos espíritas, principalmente os que já militam há muitos anos no movimento espírita, se acostumarem a essa mudança de agenda temática. Surgirão muitos espíritas que não se reconhecerão sintonizados com esse novo tempo de reflexão espírita.

 A nossa tendência, como ser humano, é nos cristalizarmos em nossas idiossincrasias, é nos acomodarmos em nossas “verdades” e em nossas “certezas”. Porém, o novo sempre vem, e nos assusta. A verdade é que desejamos, mesmo que de forma inconsciente, que o tempo pare, na exata conformidade dos nossos anseios pessoais e de nosso mundo muito particular. Mas, felizmente, o mundo é maior que nossos desejos, que nossos condicionamentos, enfim, o mundo nos supera.

Artigo originalmente publicado na página 8 do Jornal Abertura de outubro de 2022. Se quiseres ver o jornal todo baixe:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/22-jornal-abertura-2022?download=202:jornal-abertura-outubro-de-2022


sábado, 4 de março de 2023

Educação Espírita - por Cláudia Régis Machado

 

Educação Espírita

Pais, professores e educadores preocupam-se com a formação das crianças. Ocupam-se  com o desenvolvimento da saúde - nos hábitos higiênicos, cuidados pessoais, alimentação etc. Com o desenvolvimento motor - nas habilidades manuais, na orientação espaço e tempo, etc. Com o desenvolvimento do pensamento -cognitivo, a inteligência e com o desenvolvimento emocional e afetivo e outros elementos.

Enfim, pensando em Educação, na formação do ser, está incluso a dimensão moral. O desenvolvimento da moralidade, que pode levar à espiritualidade visto aqui com o olhar espírita que trata de colocar em seu cotidiano a ideia de imortalidade dinâmica, da dimensão espiritual, de transcender o material em busca de algo maior. É sobre este tema que vamos nos concentrar.  



Moral, regras de boa conduta, “um conjunto de deveres, ou seja, de ações consideradas obrigatórias”.Compreender o que é certo ou errado. O que é bom e o que é mau para nós e para os outros.  Metaforicamente falando, as regras equivalem a mapas, e os princípios, a bússolas. É com as bússolas que se fazem mapas e não ao contrário. Mas como para a demanda dos princípios morais há necessidade de  maior complexidade intelectual para serem compreendidos, inicia-se isto nas crianças com  a introdução das regras. E é através delas que a criança pequena entra em contato com a moral. Chegando a valores, princípios que nortearão uma filosofia de vida.”

Os espíritas sabem que os filhos são espíritos vividos e trazem experiências e tendências próprias, mas que reencarnam para criarem um nova estrutura de personalidade e caráter para ajudar na formação dessa estrutura cabe desenvolver todas as potencialidades assim como princípios morais, a espiritualidade possibilitando que o espírito progrida, melhore e suplante ou equilibre as tendências trazidas. 

O foco aqui a Filosofia Espírita que tem o espírito na perspectiva da imortalidade, da evolução e o progresso constante e a existência de Deus

Muitos pais educam os filhos através das regras de bem conviver, de bom relacionamento, da generosidade, dos direitos e deveres, o que é um excelente caminho sem dúvida, mas não aprofundam na busca de respostas e compreensão de outras questões como buscar propósitos maiores, ver o mundo não só pelo lado material e a busca de  valores morais mais sofisticados, deixam de lado da espiritualidade, muitas vezes  esquecido ou deixado para segundo plano. Acreditam que a vida lhes ensinará. Outros não se sentem preparados não  tem em si isto  desenvolvido ou até tem,  mas não são firmes em suas convicções. Pensam em deixar quando a criança for adulta, formada para buscarem por si mesmo. Dando liberdade de escolha e decisão. Acreditam ser este um ponto de livre arbítrio e que cada um mais tarde sozinho pode optar e definir suas preferências. É um modo de ver e agir.

Mas há responsabilidades, esta é a missão dos pais e educadores lançar as bases, semear, como fazem em outras áreas do bem viver. ”Oferecer estruturas confiáveis e úteis que facilitem a sua orientação”.

Lançar sementes para que mais tarde desabrochem ou não. As crianças necessitam de educação, orientação, estímulo e reforço e subsídios para que possam crescer e florescer positivamente.

Muitos podem perguntar quando devemos começar este aprendizado?

Piaget coloca que a criança só vai conseguir seguir regras de viver bem as relações sociais quando se estruturam em regras- a partir dos 6-7 anos. E quando de forma cristalina há interesse em participar e atividades coletivas e regradas e procedimentos que contem regras.

Atualmente existem estudos que mostram que as crianças de 5 anos não é só um ser obediente, mas sim dotada de sensibilidade moral mais ampla embora inacabada.  “ Por volta dos 4 e 5 anos de vida as crianças começam a perceber que ao lado das coisas que fazem há aquelas que devem ser feitas”. Ela vai observar, seguir exemplos das pessoas afetivamente conectadas, experimentar simpatia pelos sentimentos dos outros, mas sem explicações racionais. Havendo uma fusão de medo e amor, simpatia e confiança responsáveis pelas “primeiras vontades de penetrar o universo moral e ser penetrado por ele” .Mais tarde por volta de 8 a 9 anos os princípios morais que demandam maior sofisticação intelectual para serem entendidos entram em cena.

Agora que sementes lançar? Cada família vai cultivar a filosofia que norteia a sua vida, os valores que seguem, as posturas, atitudes éticas e morais. Ter isso como base.

Os pais espíritas irão viver, falar e colocar aos filhos os princípios da Doutrina Kardecista.

Reforçando ainda a  necessidade de se desenvolver a moralidade deste de cedo é por compreender que é na infância que o indivíduo é mais acessível, maleável a aprendizagem. A doutrina espírita corrobora com este ponto porque neste período de inocência e do esquecimento do passado que cria um campo fértil para melhor aprendizado.

Os pais que conseguem ver a profundidade e importância da educação moral, devem incentivar asa crianças na participação DAE ações generosas, estimulando a compreensão das virtudes e suas práticas. Este compromisso é positivo quando feito de forma tranquila e amorosa.

Parece uma carga pesada, mas existe auxílio nesta tarefa. Uma dela é a Infância Espírita outras são  os livros, as revistas, as publicações literárias especializadas.

A Infância Espírita tem como objetivo de ensinar o Espiritismo como um todo e não mais só a evangelização. Mostrando a doutrina em todos os seus aspectos  fazendo ligação com a realidade da vida, com o dia a dia da criança. Muitos Centros Espíritas tem em sua estrutura o departamento de Infância Espírita

Na Infância Espírita o Espiritismo é transmitido de forma sistematizada organizada e prazerosa. Adequado a cada faixa etária. Neste ambiente também é a oportunidade de se empregar o que se aprender, já que o ensino é feito em forma de grupos o que convida à convivência aplicando-se os princípios de respeito, solidariedade, olhar o outro nas suas peculiaridades etc.

Este trabalho deve ser feito com amor, criando  laços afetivos entre os participantes. As pessoas ficam aonde se criam vínculos afetivos. E o importante é que os orientadores mesmo sem formação acadêmica demonstrem atenção e conhecimentos pedagógicos e psicológicos e de Espiritismo.

Necessário também integrar neste trabalho as famílias e é importante que estas apresentem disposição em se integrarem ao trabalho e não só delegar. O lar é a unidade social educadora por excelência.

O projeto da Infância Espírita deve ser dinâmico, moderno, ter uma linguagem adequada ao publico infanto-juvenil. Onde há criança, há energia em movimento, inquietação e curiosidade.

A Infância Espírita não é uma tarefa simples requer responsabilidade e seriedade no na ocupação que vai ser desenvolvida.

Seria de grande proveito que a equipe de pessoas voltadas a este ofício apresente alguns pontos como serem:

1.       Estudiosos do Espiritismo

2.       Conectados com a modernidade para fazer ligação da doutrina com a realidade prática da vida .” Antenados” nas descobertas do mundo, nos conhecimentos alcançados.

3.       Atualizados para motivarem e estimularem as crianças e os jovens que lá frequentam para  aprenderem Espiritismo e terem laços afetivos.

 Os livros espíritas para esse público também devem ser feitos de uma maneira atraente, atual, que estimulem as crianças a procurarem a leitura espírita como algo gostoso de se ler e aprender. Com este intuito eu fiz o livro” Kadu e o Espírito Imortal”. Procurei levar técnica, brincadeiras e  tarefas para que o leitor buscasse com seu interesse conhecer o universo espírita. Este livro pode ser utilizado como programa para o orientador na Infância Espírita, já houve experiências neste sentido e se revelaram positivas.

Kadu e o Espírito Imortal é um livro dinâmico que estimula  as crianças e os jovens  a lerem e descobrirem como é prazeroso conhecer a Doutrina Kardecista, sua história, seus princípios e a partir daí pensar, analisar, discutir e praticar. E como a ideia do Espírito imortal, a  imortalidade muda toda a visão de si mesmo e do mundo que os rodeia.

Na linha da Educação Espírita há também a Pedagogia Espírita que é uma proposta mais ampla, que levaria os currículos e método escolar ao verdadeiro fim superior o da formação integral e não só a instrução, mas dando uma diretriz segura para o uso da inteligência e o desabrochar da qualidade dos sentimentos. A utilização da filosofia espírita no sistema educacional.

Artigo foi publicado no Jornal Abertura de dezembro de 2022.

Baixe aqui:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/22-jornal-abertura-2022?download=207:jornal-abertura-dezembro-de-2022


quinta-feira, 2 de março de 2023

Onde buscar a vontade de superação? por Roberto Rufo

 

 Onde buscar a vontade de superação? 

 

"Estou esperando o tempo passar rapidamente. Quem sabe assim chegam logo os dias melhores que tanto falam ``.(Pensador Desconhecido).

 

"Uma Igreja que se casa com o espírito de sua época, corre o risco dessa época passar e a Igreja tornar-se viúva dessa época" (Frase de Bento XVI ao Cardeal Bergoglio no filme Dois Papas).

 


 

 Em seu fantástico livro "Comportamento Espírita" , Editora Dicesp, 1981 (possuo um exemplar assinado pelo autor), capítulo 3 - O Espírita e o Mundo" o autor Jaci Regis aponta que "a visão global do espiritismo, abrangendo desde as causas primárias à harmonia do Universo, oferece elementos capazes de levar o homem a situar-se na vida". Essas palavras ditas a 41 anos atrás apostavam que a Doutrina Espírita seria condição necessária e suficiente para sabermos o que somos, o que estamos fazendo no mundo e qual o nosso destino. Infelizmente as coisas não caminharam dessa forma. O espiritismo passou a ser visto pela nova intelectualidade surgida na época como pouco aliado à realidade. Era preciso que novas teorias fossem acrescidas ao ideário espírita. Não falo das descobertas das ciências  que nos trazem aperfeiçoamentos na maneira de pensar. Falo da introdução de conceitos que mais não querem do que substituir a essência do conhecimento espírita por teorias sociais que prometem mudanças radicais no mundo. Especialmente contra as desigualdades sociais.

 Situação semelhante é relatada pelo escritor cristão, o americano  Ross Douthat ao alertar que os cristãos devem se tornar minoria nos EUA até 2040. Ele diz que 'heresias' como a teologia da prosperidade, a religião da autoajuda e o nacionalismo cristão chauvinista se mantêm fortes. A porcentagem de cristãos na população americana, que girava em torno de 90% nas décadas de 1970 e 1980, ficou abaixo de 50% para o próximo meio século. Surgiu na América uma igreja de amor-próprio, com profetas como Oprah Winfrey pregando um evangelho do eu divino, uma espiritualidade do "Deus Interior" que arrisca transformar o egoísmo em virtude, O reverendo Joel Osteen, em cerimônia de distribuição de alimentos em Nova York insiste que Deus não deseja mais para seus eleitores do que a prosperidade americana, o sucesso do capitalismo.

 A ascensão de Donald Trump foi um testemunho da força das principais heresias dentro da direita religiosa. Ele frequentava a igreja do pastor Norman Peale, o autor do livro O Poder do Pensamento Positivo. Do lado da esquerda alerta Ross Douthat surgem teorias identitárias que a pretexto de concessões às minorias ( Vidas Negras Importam, #Me Too ), a chamada era da diversidade-equidade-inclusão, na verdade como alerta o ex-deputado Aldo Rebelo, nada mais é do que uma concessão do sistema capitalista às minorias, desde que o próprio sistema não seja alterado. Tudo isso, segundo Ross Douthat, aumenta a distância das pessoas à influência do cristianismo. Principalmente da figura de Jesus Cristo , no caso do cristianismo. Na situação espírita, laica e kardecista,  é cada vez mais difícil ler-se algum artigo onde apareça a figura de Jesus de Nazaré.

Me parece haver uma certa vergonha intelectual nas citações sobre aquele que é considerado pela teoria espírita como o maior exemplo de moral a ser seguido.

Volto-me mais uma vez a Jaci Régis no livro e capítulo citado acima ao nos ensinar que " o espírita vê a sociedade composta de espíritos a exprimirem estados evolutivos próprios, nos atos do dia a dia, nas esquematizações sociais e percebe a ânsia desses mesmos espíritos em buscar, mesmo que no plano teórico, comportamentos mais satisfatórios individual e coletivamente. Por isso, o espírita nega os valores do mundo, enquanto permaneçam no nível do imediatismo e no desconhecimento dos valores espirituais da vida". Vi com muita tristeza nesses anos de turbulência ideológica um vídeo de espíritas bolsonaristas, com o hino nacional num arranjo de piano ao fundo, e de repente surge  a imagem de uma coroa de espinhos e a epígrafe: foi por amor, complementada por Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. Um grupo de quinze pessoas vestidas de branco dão mensagens de apoio à manifestação golpista convocada por Bolsonaro para o 07 de |setembro. E terminam cada um com a fala: eu sou espírita e apoio você , meu presidente. Eu te autorizo a fazer o que for necessário.

Assim como a Teologia da Libertação na década de 1960 trouxe a política partidária para dentro da Igreja Católica, o espiritismo também está trazendo a política partidária para dentro das suas hostes. O movimento Espíritas da Esquerda é um claro exemplo disso. Esquecem que a política é um dos campos onde as decisões e os caminhos sempre serão tomados com base nos desejos carnais. Vou além, e afirmo que hoje mais do que nunca os interesses econômicos ou de grupos de interesses é o que rege a política. O espiritismo corre esse risco se trouxer a política partidária para dentro dos seus domínios. 

Na verdade, não há novidade no que está acontecendo no mundo. Como afirma a Doutrina Espírita, o avanço moral não acompanha o progresso intelectual. Estamos bem atrasados moralmente. É inevitável que episódios de violência e transformações de todo tipo se apresentem como parte do processo de evolução dos espíritos. A Doutrina Espírita é uma luz na escuridão. Mas os espíritas são parte da humanidade, portanto sujeitos ao processo. O espiritismo foi sequestrado no Brasil pela FEB que o transformou numa religião desprezada pela sociedade. Essas novidades como esquerda ou direita dentro do movimento espírita fazem parte dessa inquietação que pretende levar o espiritismo para o que consideram a verdade a ser implantada. Mas tudo isso é inútil. O espiritismo não tem dono. Um ótimo 2023 a todos.

Artigo publicado no jornal ABERTURA de janeiro - fevereiro de 2023

Baixe aqui:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/31-jornal-abertura-2023?download=224:jornal-abertura-janeiro-de-2023


 

 

 

                                                                                                                Roberto Rufo.