O MOVIMENTO DAS IDEIAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA
Na atualidade muitos espíritas sentem
que é necessário ou desejável um posicionamento de caráter político. No artigo
do nosso estimado amigo Roberto Rufo no Abertura do mês de setembro ele indaga
ao comentar sobre um evento do coletivo Espíritas à esquerda: “politicamente sou de centro-direita. Tenho
salvação? ” Alexandre Cardia, nosso
querido editor, afirma na mesma edição “temos
publicado artigos de nossos articulistas, alguns de centro, outros mais à
direita ou mais à esquerda”. A referência à esquerda, à direita ou ao
centro está na ordem do dia no movimento espírita brasileiro.
O que quero ressaltar, no entanto,
nesse artigo, não é propriamente o posicionamento político que cada um entende
melhor para si, o que é legitimo dentro de uma perspectiva de livre pensamento.
Por exemplo, eu mesmo me situo em uma perspectiva de crítica ao capitalismo,
por entender que o capitalismo, enquanto sistema econômico, precisa ser
superado ou, pelo menos, reformado profundamente, pois efetivamente tem gerado
abismos de desigualdade intransponíveis entre os seres humanos, criando de um
lado uma restrita classe de privilegiados que tudo possuem ao excesso e, do
outro, a grande maioria, uma população marginalizada excluída dos bens
fundamentais à vida. Nesse sentido, me
coloco à esquerda em termos de posicionamento político, sem a menor hesitação.
Mas meu objetivo hoje não é analisar
as posições de esquerda, centro ou direita existentes no movimento espírita
brasileiro. Meu objetivo é chamar atenção para o fato de como as circunstâncias
históricas objetivas mudam independentemente de nossas vontades pessoais e nos
colocam desafios inesperados para a reflexão.
Há alguns anos, no Brasil, o assunto
fundamental no movimento espírita, para um importante número de pensadores, era
sobre a natureza religiosa ou não do espiritismo, sobre a natureza cristã ou
não do espiritismo. Esse foi o grande debate no qual estiveram envolvidos
grandes pensadores, uns defendendo a natureza cristã e religiosa do
espiritismo, outros defendendo a natureza laica e universal da proposta
filosófica espírita. O debate era tão intenso que se criou naquela época uma
lenda urbana ou, como diríamos hoje, uma “fake News”, de que alguns espíritas,
no caso os laicos, queriam “tirar Jesus do espiritismo”.
Na atualidade, no entanto, esse debate não
deixou de ser relevante. Pelo contrário, como espírita laico e livre pensador
entendo que este tema é fundamental para a melhor compreensão da obra de Allan
Kardec, porém, esse tema cedeu muito espaço às questões políticas e sociais.
Tais questões surgiram a partir de uma demanda
da sociedade brasileira para que os espíritas se posicionassem quanto a sua
visão de sociedade e política, dadas as crises e ameaças à democracia liberal
brasileira. Não foi por acaso que surgiram os chamados coletivos espíritas, nos
quais a preocupação social é evidente já a partir da denominação desses grupos.
Interessante observar, neste novo
horizonte de discussão, que tem havido diálogos interessantes e fraternos entre
espíritas laicos progressistas e espíritas religiosos progressistas. Assim como
os espíritas conservadores também dialogam entre si sejam eles laicos ou
religiosos. As demarcações rígidas que
tínhamos entre espíritas religiosos e não religiosos se atenuaram em parte por
força da temática política e social e houve um processo de interação em nosso
movimento espírita. Nesse sentido, o
adjetivo “progressista”, pode pertencer a espíritas laicos ou religiosos o
mesmo ocorrendo com o adjetivo “conservador”.
É necessário chamar atenção que essa
agenda temática se impôs de fora ao movimento espirita brasileiro e convocou os
espíritas a pensar sobre as questões políticas e sociais de seu tempo e, a
partir dessa reflexão, se dividiram em visões de mundo distintas. Essa situação
nos mostra claramente como somos reféns, em boa medida, de nosso tempo histórico.
Na verdade, o “Espírito do tempo” é a moldura sobre a qual se realiza nosso
fazer filosófico.
O espiritismo, enquanto filosofia
espiritualista, pode ser apto a acompanhar o devir das ideias. Mas também pode
não acompanhar e ficar estagnado passando a se constituir em mais uma
cosmovisão dogmática no campo do espiritualismo.
Mais uma vez é necessário lembrar o acerto da
famosa frase de Léon Denis: “O
espiritismo será o que dele fizerem os homens”. Ou, em boa linguagem
atual: O espiritismo será o que dele
fizerem os homens, as mulheres, e os integrantes da comunidade LGBTQI+ de nosso
tempo.
Uma coisa é certa em meio a esses novos
enfoques e prioridades temáticas que abalam, mas também redirecionam o
tradicional movimento espírita brasileiro. Não será fácil para a maioria dos
espíritas, principalmente os que já militam há muitos anos no movimento
espírita, se acostumarem a essa mudança de agenda temática. Surgirão muitos
espíritas que não se reconhecerão sintonizados com esse novo tempo de reflexão
espírita.
A nossa tendência, como ser humano, é nos
cristalizarmos em nossas idiossincrasias, é nos acomodarmos em nossas “verdades”
e em nossas “certezas”. Porém, o novo sempre vem, e nos assusta. A verdade é
que desejamos, mesmo que de forma inconsciente, que o tempo pare, na exata
conformidade dos nossos anseios pessoais e de nosso mundo muito particular.
Mas, felizmente, o mundo é maior que nossos desejos, que nossos condicionamentos,
enfim, o mundo nos supera.
Artigo originalmente publicado na página 8 do Jornal Abertura de outubro de 2022. Se quiseres ver o jornal todo baixe:
Entre um espiritismo do foro de são paulo e o cristão...mesmo não concordando com o segundo exemplo, progressismo de esquerda e atrelado a ditadores do fsp...tenho que optar pelo cristão...o espiritismo laico foi traido por esta vertente politica de esquerda...lamentável...
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