A questão da nomenclatura – Reinaldo di Lucia
Publicado no Jornal Abertura de Santos em agosto de 1992
Esta perturbação deve-se, primeiramente, ao tema do
Congresso: o fato de ter sido exposta a um público acostumado a ouvir apenas
palestras de cunho evangélico a possibilidade de um contato com o "Piano Espiritual” através de aparelhagem
eletrônica, dispensando-se mesmo a
presença de um médium ostensivo na reunião, causou um verdadeiro pânico. Que, no entanto,
é facilmente explicável se considerarmos que a maioria absoluta das casas espiritas
de nosso país baseia sua existência em reuniões mediúnicas de aconselhamento
e/ou desobsessão, tendo os principais médiuns poderes quase ditatoriais, que as
vezes estendem-se à própria vida dos frequentadores.
Mas pode-se localizar
ainda uma fonte de perturbação: a apresentação de um novo termo - Transcomunicação Instrumental (TCI) - que mais
que uma simples sigla passou a significar quase uma ameaça à Doutrina Espírita.
Levantam-se então os defensores de uma suposta “pureza doutrinária” a proclamar
que a TCI, tal qual a TVP (Terapia de Vidas Passadas), a Parapsicologia, e
outras tantas descobertas modernas são doutrinas espúrias que tentam
incorporar-se ao Espiritismo.
Mais ainda, chegam ao ponto de supor que os Espíritos envolvidos
na pesquisa dessas paraciências são necessariamente de caráter inferior, já que
manifestam algumas posições que contrariam a Doutrina Espírita.
Esta postura, mais do que ama preocupação com a possibilidade
de descaracterização do Espiritismo, espelha um outro fator: o verdadeiro pavor
que o movimento espirita possui do novo, da possibilidade que novas concepções
venham a impor-se com a força da demonstração cientifica, subvertendo o status
que e colocando em xeque a posição dos "donos de centro”.
E é exatamente nessa posição que reside o perigo de ver a
Doutrina Espirita estagnar-se no tempo, estratificar-se em seus próprios
conceitos, dogmatizar itens que mesmo Kardec considerava com simples opiniões
sujeitas a verificação. Numa palavra, ver a Doutrina Espírita transformar-se numa seita de cunho religioso, perdendo suas
grandes forças, que são o poder de argumentação e a agilidade para acompanhar
as descobertas da ciência.
Obviamente, não são defende aqui a tese de que a Doutrina
Espírita deva acolher qualquer novidade mística, por mais estapafúrdia que
seja, apenas acompanhar modismos. Entretanto, é necessário recordar que ela possui,
ao lado de seu caráter filosófico (racional), uma estrutura cientifica
(experimental), e que, se àquela basta teorizar
sobre o universo, a esta última cabe o dever de demonstrar suas leis, estando,
portanto, sujeita à análise de fatos, por mais exaustivo que isso possa ser.
Esta análise de fato deve obrigatoriamente ser feita em
conjunto com as ciências de investigação do universo, para que a ciência
espirita não fique enclausurada em si mesma, desatualizando-se. Porém, para que
isto ocorra, a ciência espírita deve, antes de mais nada, utilizar um
vocabulário que permita o livre trânsito das informações. É por aí que deve
iniciar-se a modernização da Doutrina Espírita.
Analisando-se o Espiritismo em sus perspectiva histórica,
observa-se que Kardec, como homem de ciência que era, empregava termos que eram
utilizados pelos cientistas da época, como magnetismo, animismo, fluido, entre
outros. Entretanto, o meio científico evoluiu sensivelmente desde a metade do
século XIX, e a ciência espirita deve acompanhar esta evolução. Para isso,
sugere-se, a título de exemplo, algumas alterações necessárias.
1) FENOMENOS ANÍMICOS. O termo animismo deve ter sido
empregado pela primeira vez por Stahl, em seu sistema médico, considerando a
alma como o princípio vital. Atualmente
onde não há a interferência de um Espírito desencarnado.
Na verdade, praticamente todos os fenômenos mediúnicos
conhecidos podem ser produzidos por faculdades especiais de determinadas pessoas
(comumente conhecidas como sensitivos). Sugere-se então o emprego dos termos
FENÔMENO PARAPSIQUICO para aquele em que não há interferência de desencarnados,
e FENÔMENO MEDIÚNICO para aquele em que os
desencarnados ocupam o papel preponderante.
2) FLUÍDO: A época de Kardec, vigorava a necessidade de meios
materiais para a transmissão de energias.
Um exemplo disto é o conceito de éter,
um material sutil que preencheria o universo e serviria para a transmissão da luz. A eletricidade e o magnetismo e também
considerados fluídos, e Kardec estendeu o uso do termo a todos os elementos matérias sutis postulados pela Doutrina
Espírita.
Em nossos dias a palavra fluido é usada nas ciências físicas
para designar qualquer líquido ou gás. Percebe-se facilmente a mudança total de
sentido em relação à sua utilização por Kardec. O termo atual que mais se
aproxima do conceito original é ENERGIA.
3) MENTE: É muito comum,
tanto dentro como fora do meio espirita, empregar indistintamente mente e cérebro para indicar o elemento pensante
do ser humano. Entretanto, de ponto de vista conceitual, o Espiritismo
considera o Espirito como elemento inteligente, sendo o cérebro nada mais que
um instrumento material de transmissão das ideias e controle do corpo. Deve-se
tanto quanto possível, utilizar apenas termo ESPÍRITO para designar o princípio
inteligente.
4) ALMA: O próprio Kardec define alma como sendo o Espírito
encarnado. No entanto, nada difere um Espirito encarnado de um desencarnado, em
sua essência. O termo alma, porém, está bastante desgastado, sendo utilizado
para expressar os mais diversos conceitos, muitas vezes conflitantes entre si. É
aconselhável que se empregue apenas ESPÍRITO.
Os exemplos acima são apenas alguns que se pode citar,
dentre os muitos existentes. É importante lembrar que não se pode estabelecer
um conceito filosófico sem ter suficientemente claro o significado dos termos
usados para exprimir este conceito. É impossível fazer o Espiritismo acompanhar
a evolução cientifica sem antes atualizar sua nomenclatura.
Reinaldo Di Lucia é engenheiro e membro do GPCEB
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