OS
ESPÍRITAS E O ESTADO LAICO por Ricardo de Morais Nunes
Uma
das maiores conquistas do mundo ocidental foi o surgimento do Estado laico.
Após um histórico de guerras religiosas sangrentas, as instituições políticas
ocidentais se formataram segundo o princípio ético-jurídico da neutralidade do Estado
em questões religiosas.
No
passado ocorreram uma quantidade enorme de guerras religiosas. Para não me
estender em demasia destaco aqui as cruzadas que colocaram em conflito cristãos
e muçulmanos, e as guerras religiosas no ocidente que colocaram em conflito
católicos e protestantes. O tristemente célebre massacre da noite de São
Bartolomeu, em 1572, na França, manchou a história religiosa do mundo cristão.
Hoje
em dia a ideia de “guerra santa” ainda persiste, misturando política,
nacionalismo e religião em um caldo de cultura verdadeiramente explosivo. No
mundo contemporâneo existem Estados teocráticos, nos quais o livro religioso e
a palavra do chefe religioso se sobrepõem às leis civis do Estado nacional.
É
fácil perceber que um Estado que se declara religioso acaba por tomar partido
entre os seus cidadãos e, como consequência, trata com menor interesse, para
dizer o mínimo, aqueles que não aderem ao credo oficial. Do ponto de vista das
liberdades democráticas traz para a arena política uma visão absolutista e dogmática
restringindo o espaço para o debate alteritário.
No
Brasil dos últimos anos, houve um crescimento da influência dos religiosos no
Estado. Fala-se, hoje, inclusive, em uma “bancada da bíblia” no legislativo
federal. Já foi falado por um presidente do passado recente sobre a necessidade
de ser nomeado, à instância máxima do
judiciário brasileiro, um ministro “terrivelmente evangélico”.
No
Brasil, ante o quadro político dos últimos anos, corremos o grave risco de
misturar, irremediavelmente, religião e Estado, o que seria realmente um risco
às liberdades democráticas de crença e manifestação da opinião.
Allan
Kardec enfrentou problemas com a religião quando por ocasião do auto de fé de
Barcelona. Nesse triste episódio, obscurantista, de caráter medieval, teve seus
livros espíritas queimados na Espanha
por ordem de um bispo intolerante que se achou no direito de intervir nas
questões alfandegárias do Estado Espanhol em sua relação com a França.
Penso
que nós, espíritas livre-pensadores, devemos estar alertas para esse problema.
Uma coisa são os adeptos de uma visão religiosa se manifestarem perante a
sociedade civil sobre os variados temas políticos que existem na sociedade,
exercendo, assim, seu legitimo direito à livre expressão, outra coisa é
integrar as instituições do Estado, tendo como requisito fundamental para o
exercício de um cargo público, não sua capacidade técnica, científica,
administrativa ou política, mas a característica de ser religioso, profitente
de uma determinada fé.
Isso
resultará em uma imposição de valores e crenças aos que não comungam com a
mesma visão, o que a longo prazo fará um estrago tremendo ao desenvolvimento
científico, ético e cultural da sociedade. O Estado deve ser apenas um
garantidor das múltiplas manifestações de crença e não crença, as quais
representam os diferentes estados de consciência de uma nação.
Não
há nenhuma conquista da humanidade que não pode ser perdida. O obscurantismo
medieval está sempre à espreita e, não tenhamos dúvidas, pode voltar em novas
roupagens. Dos espíritas, discípulos de Allan Kardec, um homem que acreditava
na ciência, na razão e no desenvolvimento para melhor da humanidade, se espera
que estejam atentos e que não embarquem nas canoas furadas do retrocesso.
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