sábado, 4 de maio de 2024

OS ESPÍRITAS E O ESTADO LAICO por Ricardo Nunes

 

OS ESPÍRITAS E O ESTADO LAICO por Ricardo de Morais Nunes

Uma das maiores conquistas do mundo ocidental foi o surgimento do Estado laico. Após um histórico de guerras religiosas sangrentas, as instituições políticas ocidentais se formataram segundo o princípio ético-jurídico da neutralidade do Estado em questões religiosas.

No passado ocorreram uma quantidade enorme de guerras religiosas. Para não me estender em demasia destaco aqui as cruzadas que colocaram em conflito cristãos e muçulmanos, e as guerras religiosas no ocidente que colocaram em conflito católicos e protestantes. O tristemente célebre massacre da noite de São Bartolomeu, em 1572, na França, manchou a história religiosa do mundo cristão.

Hoje em dia a ideia de “guerra santa” ainda persiste, misturando política, nacionalismo e religião em um caldo de cultura verdadeiramente explosivo. No mundo contemporâneo existem Estados teocráticos, nos quais o livro religioso e a palavra do chefe religioso se sobrepõem às leis civis do Estado nacional. 

É fácil perceber que um Estado que se declara religioso acaba por tomar partido entre os seus cidadãos e, como consequência, trata com menor interesse, para dizer o mínimo, aqueles que não aderem ao credo oficial. Do ponto de vista das liberdades democráticas traz para a arena política uma visão absolutista e dogmática restringindo o espaço para o debate alteritário.

No Brasil dos últimos anos, houve um crescimento da influência dos religiosos no Estado. Fala-se, hoje, inclusive, em uma “bancada da bíblia” no legislativo federal. Já foi falado por um presidente do passado recente sobre a necessidade de ser  nomeado, à instância máxima do judiciário brasileiro, um ministro “terrivelmente evangélico”.

No Brasil, ante o quadro político dos últimos anos, corremos o grave risco de misturar, irremediavelmente, religião e Estado, o que seria realmente um risco às liberdades democráticas de crença e manifestação da opinião.

Allan Kardec enfrentou problemas com a religião quando por ocasião do auto de fé de Barcelona. Nesse triste episódio, obscurantista, de caráter medieval, teve seus   livros espíritas queimados na Espanha por ordem de um bispo intolerante que se achou no direito de intervir nas questões alfandegárias do Estado Espanhol em sua relação com a França.

Penso que nós, espíritas livre-pensadores, devemos estar alertas para esse problema. Uma coisa são os adeptos de uma visão religiosa se manifestarem perante a sociedade civil sobre os variados temas políticos que existem na sociedade, exercendo, assim, seu legitimo direito à livre expressão, outra coisa é integrar as instituições do Estado, tendo como requisito fundamental para o exercício de um cargo público, não sua capacidade técnica, científica, administrativa ou política, mas a característica de ser religioso, profitente de uma determinada fé.

Isso resultará em uma imposição de valores e crenças aos que não comungam com a mesma visão, o que a longo prazo fará um estrago tremendo ao desenvolvimento científico, ético e cultural da sociedade. O Estado deve ser apenas um garantidor das múltiplas manifestações de crença e não crença, as quais representam os diferentes estados de consciência de uma nação.

Não há nenhuma conquista da humanidade que não pode ser perdida. O obscurantismo medieval está sempre à espreita e, não tenhamos dúvidas, pode voltar em novas roupagens. Dos espíritas, discípulos de Allan Kardec, um homem que acreditava na ciência, na razão e no desenvolvimento para melhor da humanidade, se espera que estejam atentos e que não embarquem nas canoas furadas do retrocesso.

Gostou do Artigo, ele foi publicado no jornal Abertura de abril de 2024, quer ler o jornal completo - baixe aqui:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/42-jornal-abertura-2024?download=300:jornal-abertura-abril-de-2024

 

 

 

 

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