Fui visitar meu velho companheiro Athanazildo, que no passado foi parceiro nos embates que travamos no meio espírita.
Desde há muito ele se afastou e poucas vezes nos encontramos. Mas soube que fora operado do intestino. Encontrei-o animado. Recebeu-me com carinho. Depois de falarmos sobre sua cirurgia e as perspectivas futuras de sua saúde, passamos a conversar, como persistentes analistas dos problemas humanos.
-Tenho acompanhando teu trabalho no Espiritismo. Leio sempre teus artigos e livros. Certamente concordo com tuas idéias. Mas confesso que te vejo numa batalha difícil, talvez sem vitória possível.
-Eu sempre penso que nos compete lançar as sementes. O tempo e as pessoas é que serão, no futuro, os frutos, os que te acompanharão ou não. Mas confesso que é sempre muito bom abrir novos caminhos. Sinto-me confortável em poder ver e pensa as coisas de outros ângulos.Caminho com cautela, mas decidido.
-Você sempre foi visionário, sorriu.
-Não se trata de ser visionário. Mas caminhar sem medo, rompendo com velhos conceitos e enfrentando, a principio, a própria incerteza e prosseguir. É saltar sobre obstáculos e sentir liberdade.
-E a nossa Mocidade, perguntou, lembrando o tempo em que éramos membros da juventude espírita.
-A Mocidade que nos moveu a adolescência e a juventude, meu amigo, está a passos lentos...
-Que pena. Éramos tão felizes....
-Ela reúne uma ou duas dezenas de jovens que não parecem aspirar a liderança. E quando se é jovem e não aspira a liderança estamos incapazes de enfrentar obstáculos e conflitos.
-Lamentável...
-Esses jovens, a maioria oriunda de famílias espíritas, estão mergulhados até o pescoço na cultura materialista deste tempo. Comportam-se, pensam e vivem como a maioria, incapazes de resistir, de trilhar um caminho próprio, diferente. Justamente porque não sentem necessidade disso.
-E os teus companheiros que formavam contigo uma brilhante brigada pelos ideais espíritas?
-Bem, como você sabe, quando eclodiu a crise e fomos literalmente expulsos do Espiritismo cristão, as coisas mudaram. Aquele pequeno grupo, José, Ciro, Miguel e eu se desfez.
-Ficastes só?
-A solidão é emblemática na vida. Todo o ser humano é, constitucionalmente, solitário. Por vezes, o amor rompe essa solidão na relação afetiva profunda. Também a amizade é canal de liberação dessa solidão. Meus amigos seguiram seus caminhos.
-Esse caldo materialista parece realmente dominar a sociedade. Todas as coisas seguem um caminho mais ou menos parecido. Vejo até as religiões se preocuparem não com a espiritualidade, mas com o sucesso, a felicidade aqui e agora.
Ele fez uma pausa e continuou.
-Não encontro a palavra certa para exprimir o que sinto. Não quero condenar o mundo, nem as pessoas. Vejo todos apressados em busca de um objetivo diluído no amanhã. E falar em espiritualidade parece deslocado do tempo. Porque quase sempre sugere uma divisão irremediável entre o real e a fantasia..
-Como assim, perguntei.
-É tradicional na nossa cultura, dar à espiritualidade um sentido místico, ter fé, uma certa negação da vida corpórea, uma aspiração de felicidade além. Por outro lado, gostar da vida corpórea, produzir bens, vencer profissional e economicamente, aproveitar o talento, parece perder a vida. .
-Talvez você tenha razão. A visão atual é de desencanto com a espiritualidade. Como você disse olhada com certo desinteresse para não dizer o pior. A conjuntura criada, imediata, consumista vê a morte como fim. E o Espírito, a alma ficam como remotas crenças que não ajudam a criar uma vida feliz. O sucesso econômico, sobretudo, parece ser o que mede a vitória ou o fracasso. Surgem os problemas existenciais, a depressão, o medo e o egoísmo parece ser a defesa correta nessa luta.. No afã de garantir a vida, a maioria literalmente se perde na impossibilidade de realizar seus sonhos, desejos.
. -É muito difícil falar sobre a espiritualidade sem suscitar a resposta de que os tempos são outros, que não é bem assim... A vida voltada para Deus, no passado, era exatamente o afastar-se do convívio, das emoções, dos desejos. Agora as pessoas querem ser feliz aqui mesmo enquanto vivas.
Despedimo-nos.
Na volta, ouvi no radio a canção do Gonzaguinha que diz
“Busquei a palavra mais certa,
Vê se entende meu grito de alerta” .
Ponderei que justamente o difícil é encontrar a palavra mais certa, para exprimir no delicado terreno das concepções, que espiritualidade não é fuga do real, mas positivamente abraçar o real, com a certeza que encontrar em nós as almas ou espíritos somos.
Procurar a palavra mais certa para explicar que as aspirações de um mundo melhor, de uma vida equilibrada e uma sociedade mais justa começam dentro de cada um de nós. Porque somos sempre o fruto de nós mesmos.
Eu gosto de dizer a frase “ que se leva da vida é a vida que a gente leva”, significando a importância de nosso estar no mundo, de nosso viver. Sem esconder emoções, sem aprisionar-se em medos. Mas abrir o coração e caminhar, com a naturalidade da vivência da inteligência e o afeto.
Vi na televisão um anúncio de um belo modelo de automóvel que era apresentado como o grande desejo e terminava com a frase ‘o que se leva da vida e a vida que você leva”..
Porque a vida é comprometimento.
Palavra certa muito pouco ouvida e sobretudo vivida.
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