Eu e a Bruna no século XXI – Jaci Régis
Texto publicado no jornal Abertura em fevereiro de 1989.
Após a publicação do e-mail de Jaci Régis a Bruna quando de
seus 15 anos de idade, isto no ano de 2003, no jornal Abertura de junho de
2022, muita gente perguntou sobre o referido artigo - Eu e a Bruna no século
XXI – desta forma Cláudia e eu fizemos um mergulho no tempo, não tínhamos
certeza de quando havia sido publicado, revisamos os jornais Abertura que temos
encadernados e finalmente o encontramos. Bruna estava com apenas 7 meses de
vida, nesta encarnação. Hoje tem 33 anos e no próximo mês dará à luz a Helena,
sua primeira filha.
Interessante é que Jaci diz que: quem sabe ele não
reencarnaria como seu neto no fim do século XXI, claro que é uma previsão
poética, mas quem saberá a verdade?
Fiquem com Jaci Régis:
“Este fim de século e de milênio apresenta-se com todos os
sinais característicos de fim de ciclo e transição para nova era. Usos e
costumes sociais apresentam-se contundentes, no seu existencialismo sufocante,
onde objeto e o fim da existência são resumidos no gozo, no prazer e no
bem-estar dos sentidos. Uma constância materialista invade os domínios das
religiões neutralizando seus esforços no sentido de impor os seus ensinos
morais. (...) Até onde chegará esta imensa chaga que alcança todas as
coletividades, essa imoralidade crescente envolvendo as próprias crianças e
adolescentes como protagonistas e vítimas?”
Lia essas linhas tão
pessimistas e preparatórias para dizer, afinal, que “somente uma doutrina
abrangente e generosa como a Doutrina dos Espíritos revivendo o Cristianismo
(...) será capaz de dar ao homem sofredor, renovado pela esperança, a visão de
um mundo novo de justiça e equidade, de amor e compreensão ...” com minha
neta Bruna, de apenas 6 meses, brincando no meu colo, rasgando papeis. Ela
viverá plenamente no século vinte e um. Ela é o futuro.
Recordei a peça “Cerimônia do Adeus” que havia assistido na
véspera. Trata-se do jogo entre o radicalismo teórico do existencialismo
sartreano, bebidos nos livros de Jean Paul Sartre e sua companheira Simone de
Beauvoir, vividos na fantasia de um jovem leitor e as colocações de um
espírita, radicalmente centrada no além, na fé nos Espíritos.
A personagem não é caricata, mas a lídima impressão da
maioria dos espíritas, as voltas com operações espirituais, pensando que fora
Cleópatra ou tentando enquadrar-se num passado qualquer. Era a imagem do
espírita comum, que acredita que Victor Hugo tivesse se comunicado em seu
centro e que estivesse arrependido. Mesmo quando o personagem Simone de
Beauvoir cita tudo o que ele fez e realizou no campo político, literário etc.,
a espírita afirma que para “Deus isso não vale nada”. O que parece ser aceito
por quase a totalidade dos adeptos que não se admiram quando um grande
escritor, poeta, inventor, se apresenta como um pobre diabo, sem talento,
ditando coisas medíocres, como a dizer que “no lado de lá” se perde o
entusiasmo, a criatividade. As intervenções do personagem espírita, faziam a
plateia rir muito.
Esse tipo de espírita vai mudar o quê?
Ainda há quem procure sinais no céu. Tenho pensado que Deus
é muito mais inteligente do que seus pretensos porta-vozes querem fazer nos
crer. O século vinte e um vai acontecer como os demais vinte séculos atrás e
todos os que vieram antes deles. Sem maiores traumas do que os traumas da vida.
O tão malsinado materialismo, foi a única saída honrosa para
o pensamento humano, preso ao catecismo católico, sufocado pelo evangelismo
protestante que estavam a pretexto de salvar o homem, conduzindo-o para o
abismo. O malsinado materialismo foi a libertação.
Agora esse materialismo está apto a se “espiritualizar” sem
submeter-se, todavia, aos modismos de um Espiritismo medíocre, igrejeiro, sem
vibração timbre para ser ouvido. Se quisermos que ele seja ouvido, tenha vez,
antes de ser sepultado por outras correntes mais abrangentes e ousadas, tem que
libertar-se desses enfadonhos discursos sobre catástrofes, vingança divina.
Precisa encarar a evolução como fruto do conflito, do gozo, do prazer, da
sublimação, da reparação e continuidade.
O Espiritismo já poderia sim, se não tivesse sido abortado,
ter exercido uma influência muito grande, porque abre uma compreensão maior da
natureza humana. Talvez ainda reste uma esperança de fazê-lo. Não, porém,
enquanto entre nós houver quem se considere entre os “observadores perplexos”,
do momento que vivemos. Porque jovens e crianças, envolvidos nessa transição
libertadora, são Espíritos que precisam superar lutas tremendas, parte
inclusive por culpa dessa mentalidade medieval, que julga que o homem precisa
ser salvo, que necessita de um Salvador e de Anjos, para guiá-los.
Minha neta, olhos castanhos muito vivos, sorri para mim. E
eu para ela. Eu partirei deste mundo e ela ficará. Vivenciará seus anseios e
temores e terá que optar num mundo cheio de percalços, por uma via de vida.
Como eu enfrentei, quando vim para cá, há 56 anos atrás, nas vésperas da II
Guerra Mundial e submetido ao explodir da parafernália eletrônica, ao
desvendamento do cosmos, aos horrores do nazismo, das ditaduras de direita e da
esquerda, ao surgimento dos hippies, o repúdio ao racismo, a personalidades
como Hitler e Gorbatchev.
Se fosse diferente, eu teria o direito de pedir contas a
Deus, porque com o seu poder de dizer “faça-se a luz” e a luz se fez, porque
não coíbe “tanta insensibilidade, movida pelo egoísmo humano exacerbado” que na
ótica do autor das linhas que lia, move o fim de século, que ele talvez espere
cheio de morte e sangue.
Minha neta é um Espírito que volta ao mundo num momento
privilegiado. Será informada e talvez formada em princípios espíritas. Eu
espero que descubra a si mesma e que caminhe, entre lágrimas e sorrisos,
construindo seu destino, eficiente e satisfatoriamente. E quem sabe, me afague
no seu regaço, como um neto que volta, na continuidade da vida, lá pelo fim do
século vinte e um.
Texto publicado no jornal Abertura de julho de 2022. veja o jornal na sua integra no link abaixo.
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