REFLEXÕES SOBRE O PENSAMENTO SOCIAL ESPÍRITA
Em
época de polêmicas políticas nada melhor do que revisitarmos o pensamento
social espírita, a fim de que possamos colher algumas orientações com vistas a
nos posicionarmos da melhor forma ante os atuais problemas políticos, sociais e econômicos
brasileiros e também do mundo contemporâneo.O espiritismo nos traz três
princípios fundamentais para a orientação de nossa vida social .Segundo o
espiritismo o espírita deve prezar a ética, a liberdade e a justiça social.
Passaremos
a fazer uma breve reflexão sobre estes princípios espíritas fundamentais. No
que diz respeito à ética espírita podemos dizer que ela é rigorosa. O
espiritismo nos convida a viver sem prejudicar moral ou fisicamente qualquer pessoa.
Na verdade, o espiritismo vai além no sentido de ensinar que devemos querer
para os outros aquilo que queremos para nós, conforme os ensinamentos de Jesus
de Nazaré.
Kardec
explica de forma magistral este tema em seu comentário à questão 876 de O Livro
dos Espíritos: “ O critério da verdadeira
justiça é de fato o de se querer para outros aquilo que se quer para si mesmo,
e não de querer para si o que se deseja para os outros, o que não é a mesma
coisa. Como não é natural que se queira o próprio mal, se tomarmos o desejo
pessoal por norma ou ponto de partida, podemos estar certos de jamais desejar
para o próximo senão o bem. Desde todos os tempos e em todas crenças o homem procurou
sempre fazer prevalecer o seu direito pessoal. O sublime da religião cristã foi
tomar o direito pessoal por base do direito do próximo.”
Este
princípio nos convida à empatia, ou seja, à capacidade de nos colocarmos no
lugar do outro, de pensar e sentir a realidade do outro por um processo de abstração.
Na prática, é muito difícil a aplicação deste principio à vida, pois os homens,
em geral, pensam exclusivamente em seu interesse pessoal, para depois pensar,
quando pensam, no outro. Kant com seu imperativo categórico nos faz lembrar
esta máxima cristã quando diz: “Age de
tal forma que tua conduta tenha caráter de norma universal”.
O
espiritismo é uma doutrina da liberdade. Liberdade de pensamento, crença,
expressão e ação. São valores fundamentais defendidos pelo espiritismo. O
espiritismo estimula o livre-pensar e não procura violentar consciências. Cada
um de nós está em um grau de maturidade pessoal e isto deve ser respeitado. Portanto,
o espiritismo é democrático, pois busca respeitar cada individualidade. Certamente
que esta liberdade postulada pelo espiritismo vem acompanhada da ideia de
responsabilidade, pois o espiritismo não aprova que usemos a liberdade para
prejudicarmos o outro. O uso de nossa liberdade deve ser norteada pela ética
espírita.
E,
finalmente, a questão da justiça social. A questão da justiça social toca em
vários temas, entre eles o direito de propriedade. O direito de propriedade tem
sido discutido por vários pensadores ao longo da história da filosofia. Alguns
pensadores como Rousseau e Marx enxergam a propriedade privada de forma
negativa, como origem dos males e desigualdades sociais. Outros pensadores,
como Locke, possuem sua filosofia política assentada na garantia ao direito de
propriedade.
O
espiritismo é favorável ao direito de propriedade. Segundo Kardec na questão
882 de O livro dos Espíritos: “ Aquilo que
o homem ajunta por um trabalho honesto é uma propriedade legítima, que ele tem
o direito de defender, porque a propriedade que é fruto do trabalho constitui
um direito natural, tão sagrado como o de trabalhar e viver”.No entanto,
quanto a indagação de Kardec sobre o caráter da propriedade legítima os espíritos
respondem de forma radical na questão 884: “Só
há uma propriedade legítima, a que foi adquirida sem prejuízo para os outros”.Se por um
lado, o espiritismo afirma (questão 811) que a igualdade absoluta das riquezas “não é possível”, por outro (questão
808) afirma que as desigualdades das riquezas também podem ser produto da “astúcia e do roubo”.
Tais
considerações nos levam a pensar sobre o melhor sistema econômico- político
para um país. Muitas das discussões que estamos vivendo atualmente no Brasil e
no mundo passam por esta questão. Entendemos, nesta linha de raciocínio dos
princípios espíritas acima expostos, que o melhor sistema econômico-político
para nós espíritas é aquele que privilegia a liberdade com justiça social.
Pensamos que não é possível para nós espíritas, portanto, advogarmos um sistema
que apenas privilegiasse a democracia formal, meramente legal, da igualdade de
todos perante a lei, desconsiderando o problema das injustiças sociais.
Desta forma, pensamos que é inaceitável a
existência de espíritas que ignorem a fome, a miséria e o desamparo de milhões
de pessoas e que apenas se preocupem com as facetas da liberdade. Neste caso, tais
espíritas, desconhecedores das estruturas sociais injustas e dos mecanismos
históricos de dominação, poderiam ser chamados, com propriedade, de alienados
em termos ideológicos ou, na pior das hipóteses, reacionários.
Por
outro lado, entendemos igualmente inaceitável a existência de espíritas que desejam
a justiça social à custa da supressão da liberdade individual, seja a liberdade
de crença, expressão ou qualquer tipo. Como ensina a própria filosofia espírita,
o efeito da supressão da liberdade é tornar os homens hipócritas. Neste caso,
podemos conjecturar que tais espíritas seriam pessoas dotadas de uma vocação
autocrática, que se iludem com perigosos projetos de caráter ditatorial, em
razão de ignorarem ou desprezarem os males que o ataque a liberdade ocasionou e
ocasiona ao longo do processo histórico.
Ao
apreciar os sistemas políticos e econômicos na história entendemos, portanto,
que o socialismo real, tal qual existiu nos chamados países socialistas, mal
chamados de comunistas, não seria o ideal para nós espíritas, pois tais países
atingiram um certo grau de igualdade, porém com supressão da liberdade
individual em vários níveis.Ao mesmo tempo, somos de opinião que o sistema neoliberal, defensor do Estado mínimo, também
não seria a saída para um mundo melhor, pois este sistema privilegia a riqueza,
mas não leva em conta a exclusão de milhões de seres humanos do acesso aos bens
fundamentais da vida.
Imaginamos
como mais compatível com o ideário de liberdade e justiça social, sob o ponto
de vista das possibilidades concretas, um sistema muito próximo da chamada social-democracia
europeia da segunda metade do século XX e ainda vigente em alguns países na
atualidade. Neste sistema, um Estado forte compensa ativamente as desigualdades
sociais, sem inibir a liberdade do individuo e a iniciativa na produção de riquezas.A concepção social-democrata
nasceu de uma circunstância histórica bem específica, das discussões entre
marxistas ditos revolucionários e os
chamados revisionistas.
Alguns certamente dirão, em um espírito
neoliberal, que postula uma metafísica “mão invisível” do mercado que
pretensamente ou ficticiamente levaria a distribuição de riquezas a toda
sociedade, que tal Estado não se sustenta economicamente. Neste caso, podemos
responder que a outra opção é a barbárie. E que deveremos em um determinado
momento escolher entre o ser humano, na perspectiva de um projeto humanista de
sociedade e governo, de caráter inclusivo de todos os cidadãos aos benefícios
da saúde, educação, habitação e outros direitos individuais e sociais, e o lucro,
sem medida e responsabilidade social da maioria dos grandes grupos econômicos e
financeiros.
Finalmente,
para que exista um Estado deste tipo, quem tem mais condições financeiras, ou
seja, quem é mais rico, deve contribuir mais para a manutenção dos benefícios
sociais, sob o principio de uma justiça tributária que trata desigualmente os desiguais.
A este sistema ideal não deve faltar, obviamente, uma ética rigorosa na
condução dos negócios públicos e uma democratização progressiva dos processos decisórios
governamentais, os quais incluiriam, cada vez mais, a participação da sociedade
civil. Será isto uma utopia? Diz Kardec
na questão 793 de O Livro dos Espíritos, quando comenta sobre a verdadeira
civilização:
“ De dois povos que tenham chegado ao ápice da
escala social, só poderá dizer-se o mais
civilizado, na verdadeira acepção do termo, aquele em que se encontre menos
egoísmo, cupidez e orgulho; em que os costumes sejam mais intelectuais e
morais do que materiais; em que a inteligência possa desenvolver-se com mais
liberdade; em que existam
mais bondade, boa-fé, benevolência e generosidade recíproca; em que os preconceitos
de casta e de nascimento sejam menos enraizados, porque eles são incompatíveis
com o verdadeiro amor do próximo; em que
as leis não consagrem nenhum privilégio e sejam as mesmas para o último como para o primeiro; em que a justiça se exerça com o mínimo de
parcialidade; em que o fraco sempre
encontre apoio contra o forte ; em
que a vida do homem, suas crenças e suas opiniões sejam melhor respeitadas; em que haja menos desgraça e, por fim, em que todos os homens de boa vontade
estejam sempre seguros de não lhes faltar o necessário”. (negritos meus)
Se
acreditamos verdadeiramente na lei de evolução, devemos crer que é possível
chegar a esta nova sociedade. Não é fácil, mas é possível. É necessário lutar
no nível individual combatendo o egoísmo. Porém, é necessário lutar também no
nível coletivo e institucional, por meios pacíficos, na busca de uma sociedade
mais igualitária, democrática, fraterna e justa. O espírita fala muito no
advento do mundo de regeneração. Esta nova fase da humanidade deverá ser
conquistada pelos homens, não será obra dos espíritos. Os últimos
acontecimentos políticos em nosso país nos fazem refletir se avançamos ou não na
direção do projeto de uma sociedade melhor. Que cada um de nós reflita por si mesmo.
P.S.:
A presente análise busca um senso de realidade e possibilidade na aplicação dos
sistemas políticos e econômicos. Temos grande simpatia pela sociedade ideal
imaginada por Marx. No entanto, a compreendemos como utópica, pelo menos em
nosso atual estágio evolutivo, apesar de não desconhecermos a importante função
das “utopias concretas”, no dizer de
Ernst Bloch, como horizonte de dilatação das possibilidades humanas, como o
sonho ainda não realizado. Porém, o homem novo de Marx ainda é, para o mundo
contemporâneo, um super-homem com capacidade de guiar-se autonomamente na
sociedade em harmonia com os outros homens, em verdadeiro espírito de altruísmo
e solidariedade na produção da riqueza coletiva, da qual todos seriam
construtores e beneficiários. Este novo homem de Marx, portanto, é um ser
dotado de uma super consciência social. Infelizmente, não é esse o homem que
observamos no cotidiano. Costumamos brincar com os amigos dizendo: quer saber o
que é o homem? Seja síndico de seu prédio!
Ricardo
Nunes
Parabéns pela matéria de explicação, muito útil!
ResponderExcluirParabéns pela matéria de explicação, muito útil!
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