segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Revisitando o Caderno Cultural Espírita - Outubro 2002

O PERISPIRITO

UMA ABORDAGEM DO SECULO XX

Reinaldo Di Lucia

                       
                         O propósito deste trabalho é, a partir de um histórico sobre as idéias que levaram ao desenvolvimento do conceito perispírito e da avaliação da evolução do pensamento científico desde  o início do século XX, analisar criticamente os postulados de diversos autores espíritas sobre o tema (encarnados ou desencarnados)e propor um novo modelo teórico, a título de hipótese, para a natureza, formação, propriedades e funções do perispírito.
                         A intenção mais ampla é que uma melhor compreensão sobre este assunto possa clarear alguns outros temas polemicos da doutrina espírita, tais como as emissões energéticas, as curas espirituais e paranormais, as relações entre espíritos encarnados e desencarnados, o problema da obsessão e os diversos generos de comunicações mediúnicas. Propõe-se que inicie-se um debate em todos os setores da comunidadeespírita sobre o tema, visando o fortalecimento dos novos conceitos.
                         O conceito de perispírito foi introduzido por Allan Kardec ao formular a filosofia espírita a partir da observação experimental (fenomenos físicos tais como a materialização) e da afirmação dos espíritos que possuíam um corpo, que lhe permitia identificarem-se como seres individuais que sobreviveram à morte do corpo físico.
                         Essa idéia foi rapidamente assimilada pelos pensadores da época, principalmente por aqueles que assumiram a doutrina espírita, uma vez que respondiam a inúmeras questões que a própria ciência ainda deixava em aberto. Em função disso, muitas funções que deveriam ser atribuídas ao espírito, por serem referentes à inteligencia do ser, o foram ao perispírito.
                         Isto acabou criando um movimento espírita um conjunto de idéias a respeito do tema que, com o avanço do conhecimento científico em campos como os da física, da biologia e da genética, apresentam-se hoje ultrapassados. Ao mesmo tempo, tal conjunto de idéias é usado como suporte para a manutenção de conceitos errôneos sobre as bases filosóficas do espiritismo.

Novos Conceitos da física 

                         É de fundamental importancia que conceitos do campo da física, alguns deles trazidos à luz pela chamada física moderna (desenvolvida após a morte de Kardec) sejam, ainda que superficialmente, compreendidos. Isto porque, de acordo com a teoria que se pretende apresentar neste trabalho, algumas das idéias de Kardec sobre o perispírito podem sofrer sensíveis modificações a partir do desenvolvimento destes conceitos.

                         O primeiro deles é o de energia. No século XX, tornou-se muito difícil prover uma única definição de energia, que seja abrangente e independa do campo de estudo. A definição tradicional, de energia como a capacidade de realizar trabalho, é restrita à parte da física conhecida como Mecânica. Como diz o prof. Alberto Ricardo Präss, "usando apenas a experiência do nosso cotidiano, poderíamos conceituar energia como algo que é capaz de originar mudanças no mundo".

                         Esse conceito é de importância capital para este estudo do perispírito. É importante frisar que, desde que Einstein popularizou a célebre fórmula da inter-relação entre matéria e energia (E = m.c2), o termo energia tornou-se cada vez mais conhecido e empregado, muitas vezes sem a devida atenção à idéia que é expressa por essa palavra.

                         No movimento espírita, o termo energia muitas vezes é empregado para designar uma quantidade qualquer de força que pode, de algum modo, atuar sobre o corpo, o perispírito ou o espírito, para a cura de doenças e outros fenômenos semelhantes.

                         É bastante comum o uso da expressão energias espirituais, que deve ser acompanhado de um grande cuidado: lembrar-se que energia é matéria. Se com essa expressão se quiser denominar um grupo de energias distintas daquelas que são características da matéria mais densa (como, p.ex., o corpo físico), seu uso é possível. Mas, apesar destas energias serem acionadas pela vontade do espírito, que as pode manipular a seu critério, elas não são parte do espírito, não participam de sua essência; enfim, são partes constituintes do princípio material.

                         Para efeito deste trabalho, adotar-se-à a definição descrita acima: energia é alguma coisa capaz de provocar transformações no mundo, seja este o mundo corpóreo ou incorpóreo.

                         Outro conceito físico importante é o de campo. Campo pode ser definido como uma área ao redor do objeto, na qual uma interação eletromagnética ou gravitacional é exercida sobre outros objetos; é o que se poderia chamar de um lugar geométrico. Apesar de o conceito de campo ter sido usado pela primeira vez por Isaac Newton em sua teoria da Gravitação Universal, e já ser empregado por Faraday em meados do século XIX para explicar forças eletromagnéticas, foi com Maxwell, um físico escocês do mesmo século, que o conceito de campo tornou-se fundamental na teoria eletromagnética (com o lançamento do Tratado sobre a eletricidade e o magnetismo, em 1873), tendo sido empregado de modo amplo na física moderna do século XX.

                         A força de um campo, ou seja, a quantidade física medida no espaço ao redor do objeto que lhe dá origem depende fundamentalmente de dois parametros: o valor da quantidade física do objeto e a sua distancia do ponto de medição. No caso de um campo eletromagnético, p.ex., o objeto que origina o campo é uma carga eletromagnética pontual, e a força é tanto maior quanto maior for o valor da carga e tanto menor quanto maior for a distancia dela.



                        Com a comprovação experimental da teoria dos campos, a física percebeu que o termo força, até então usado para definir a ação exercida por um corpo sobre outro era inadequada, uma vez que dá a idéia de um objeto agente (ou seja, aquele que efetivamente exerce a ação, ativo) e um que, inerte, limitar-se-ia a receber esta influencia. O que ocorre na verdade é uma ação recíproca de um corpo sobre o outro. O termo mais empregado hodiernamente é interação, que exprime melhor o conceito físico.

                         Importantes, também, são os conceitos ligados à mecânica ondulatória Um dos modelos pelos quais a energia e a informação são transmitidas de um dado ponto a outro no Universo são as ondas, as quais podem ser representadas no quadro Figura A.


     Figura A


                         O ponto mais alto de uma onda chamada-se crista, e o mais baixo, vale. A distância entre duas cristas consecutivas é chamada de comprimento de onda (Figura 1), e é uma das caracteristicas fundamentais a ondulatória.

                         Juntamente com a frequência, ou seja, o número de cristas por unidade de tempo, e a amplitude, a distância entre uma crista e um vale consecutivos, caracterizam qualquer onda.
                         Matematicamente, a relação entre a frequencia e o comprimento de onda é inversamente proporcional.



                         Os conceitos de frequencia, comprimento de onda e amplitude, aliados aos de energia e campo, serão fundamentais para o entendimento do perispírito em bases científicas atuais.

Histórico de um envoltório da alma

   
                         A crença em uma alma imortal é tão antiga quanto as civilizações humanas. Talvez porque o homem via seus mortos em sonhos, ou porque aparições destes mesmos mortos, mesmo em vigília, acontecessem. O fato é que as idéias absolutamente materialistas da morte como fim de toda a individualidade são bastante recentes, tendo-se firmado apenas na Idade Contemporânea.

                          Este fato é corroborado pelas pesquisas arqueológicas que mostram que, desde o período megalítico (a chamada Idade da Pedra Polida), o homem tinha o costume de sepultar seus mortos com armas e pertences. Posteriormente, as civilizações que deixaram algo escrito confirmam, todas elas, esta conclusão.

                         Tão antiga quanto a crença na alma imortal é a crença na alma imortal é a crença de que esta possui um envoltório, um tipo de "segundo corpo" que, de alguma forma, acompanha-a em sua permanência no além. Em muitas civilizações antigas esta idéia permanece. Entretanto, em algumas delas, este conceito difere frontalmente daquilo que entendemos hoje, por um mero envoltório.

                         Na India, p.ex., o bramanismo fala de um "corpo sutil" chamado suksmasarira. Este corpo, porém, não é um mero envoltório, como se fosse uma "roupa" que seria usada por uma alma. Nesta filosofia, o verdadeiro Eu, que constitui a individualidade, a essência de tudo o que somos ou sabemos, chama-se  atman ou brahma. Este Eu fica envolto pelo corpo sutil (suksmasarira) que é composto pelos elementos pertencentes à esfera mutável da psique,ou seja, os pensamentos, emoções, sentimentos e percepções. Finalmente, há o corpo denso - "nervos e órgãos tangíveis que são os receptáculos e veículos do processo vital manifestado".

                         Como se pode perceber, o conceito de corpo sutil do bramanismo difere essencialmente daquele de perispírito adotado tradicionalmente pela doutrina espírita. Tais conceitos orientais são, via de regra, de muito difícil compreensão pelas mentes ocidentais, razão pela qual, são normalmente deturpados.

                         Também no Egito há registros desse envoltório: O corpo, dizia o egipcio, era habitado por um duplo de nome Ka, e também por uma alma que pousava no corpo como um passarinho na árvore. Todos três - corpo, Ka e alma - sobreviviam à morte, enquanto o cadáver não desaparecesse na dissolução".

                         Segundo Dellane, tais crenças num envoltório da alma permeiam todo o mundo antigo. Na China antiga, Confúcio dizia que "(...) a essência dos Koûci-Chin (espíritos diversos) não pode deixar de manifestar-se sob uma forma qualquer". O Zoroastrismo persa fala dos ferúers que sem serem propriamente um envoltório, posto que possuíam uma certa inteligência independente, estavam, cada um, destinados a um ser humano. A cabala judaica chama de Nephesh o corpo fluídico do princípio pensante. 

                         Na Grécia também disseminava-se a idíea de um envoltório da alma: "O claro gênio dos gregos percebeu a necessidade de um intermediário entre a alma e o corpo. Para explicar a união da alma imaterial com do corpo terrestre, os filósofos da Hélade reconheceram a existencia de uma substância mista, denominada Ochema, que lhe servia de envoltório e que os orácuos denominavam o veículo leve, o corpo luminoso, o carro sutil. Falando daquilo que move a matéria, diz Hipócrates que o movimento é devido a uma força imortal, ignis, a que dá o nome de enormon, ou corpo fluídico".

                         Na mais conhecida Tradição do misticismo que se disseminou no Ocidente, a Teosofia, o homem possui sete corpos: o físico, o astral, o mental, o búdico, o nirvanico, o paranirvânico, e a mahaparanirvânico, cada um com suas atribuições específicas. Alguns ainda descrevem um corpo etérico, que seria o campo vital associado ao corpo físico, e que poderia ser visto pelos clarividentes como uma espécie de aura.
continua.......


                         

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