terça-feira, 22 de novembro de 2016

Revisitando o Caderno Cultural Espírita - Outubro 2002

O Perispírito
Uma abordagem do século XX

Reinaldo Di Lucia


 Crítica as idéias espíritas


                         Muitas das idéias anteriormente expostas são passíveis de contestação e constituem, minimamente, uma desatualização em relação aos avanços do conhecimento humano. Faz-se, portanto, necessária uma análise crítica delas e o desenvolvimento de uma nova hipótese que seja mais adequada aos problemas e observações atuais.
                         A afirmação que o perispírito é um envoltório para o espírito é tirada diretamente da observação que os espíritos desencarnados tem de si mesmos. Kardec, ao querer informar-se sobre a vida no mundo espírita, pergunta se esses espíritos possuem um envoltório ou vivem "a descoberto" (O Livro dos Espíritos, perg. 93), ao que os espíritos respondem ter um envoltório. A denominação períspirito, como já dissemos anteriormente, é fruto de analogia que Kardec (e não os espíritos) fazem com elementos da ciência.
                         Também não causa dúvida a afirmação que o perispírito pertence ao elemento material do Universo. No dizer de Kardec, é composto da quintessência da matéria. Entretanto, o conceito de matéria sofreu modificações profundas desde a época em que o espiritismo veio ao mundo. É assentado nestas modificações que se propõe neste trabalho um novo modelo (ou, ao menos, um novo entendimento) do perispírito.
                         Também da experiência direta obtém-se a informação que o perispírito pode ser modificado em forma de acordo com a vontade do espírito. Muitos médiuns videntes têm relatado essas modificações, assim como pesquisadores em experimentos de materialização. Entretanto, esta observação leva uma conclusão interessante: a de que o espírito pode atuar sobre o elemento material diretamente. É preciso, então, rever a idéia, fortemente disseminada em todo o movimento espírita, de que o espírito e matéria não interagem por serem de essências distintas.
                         Esta última idéia leva um número grande de espíritas a interpretar o termo semimaterial, empregado por Kardec para referir-se ao perispírito, como sendo um terceiro elemento universal, que participaria de ambas naturezas (espírito e matéria) e, assim, permitiria a ligação entre ambas. Não há respaldo nenhum para essa interpretação. Kardec foi claro quando postulou um sistema dualista completivo para a filosofia espírita, isto é, formado de duas substâncias essenciais em mútua e incessante interação.
                         Nesta mesma linha de raciocínio, parece estranha a afirmação que o perispírito deve ser elo de ligação, ou laço que prende o espírito a matéria. Se assim fosse, porque os desencarnados, dotados de perispírito, nao conseguem mover objetos sem o concurso de um médium?
                         O problema está no modo de pensar da ciência do século XIX. Essa ciência é discreta, ou seja, pensa o Universo macroscopicamente, em elementos distintos e estanques, ligados entre si por algum tipo de meio físico. Assim, o perispírito seria um ente particular, perfeitamente definido em si mesmo, que serviria de meio entre dois elementos, o espírito inteligente e a matéria bruta.
                         A ciência do século XX quebrou esses dois conceitos: mostrou que, apesar de no ambito das partículas subatomicas as energias serem trocadas em quantidades determinadas, ou "pacotes" fechados, e existirem "saltos quânticos" que afetam drasticamente as partículas, no mundo macro há um desenvolvimento contínuo da matéria no que tange, p.e., as frequências envolvidas, nos níveis em que é possível a detecção pelos equipamentos disponíveis. E mostrou também que não são necessários quaisquer meios para transmissão de energia ou informações a distância no espaço-tempo (a luz, p.e., transmite-se no vácuo). Parece então mais lógico postular o perispírito como uma continuação energética da matéria, como sera descrito adiante.
                         Não é muito claro também o papel do perispírito nas comunicações mediúnicas. Claro que, estando indissoluvelmente ligado ao espírito e sendo responsável por dar-lhe uma forma, o perispírito atua nas manifestações físicas. Entretanto, se a comunicação mediúnica classificada como manifestação inteligente (a psicofonia ou a psicografia, p.e.) é uma transmissão mente a mente (equivale dizer, de espírito a espírito), que nao precisa de intermediários, essa função de perispírito precisa ser revista.
                         As três últimas idéias apresentadas pelos pensadores descritos parecem as mais problemáticas, ainda que se possa dar uma explicação viável do porque elas apareceram.
                         A primeira é a do perispírito como molde do corpo fisico. As principais tentativas neste sentido foram feitas para resolver um problema sério que a ciência já enfrentava desde a antiguidade, qual seja, o de como é possível a formação de um ser tão complexo, a partir, aparentemente, da união fortuita de elementos materiais, sem que existisse algum organizador para estes elementos.
                         Ocorre que a última metade do século XX trouxe significativos avanços no entendimento do modo como a matéria orgânica estrutura-se e transmite as informações necessárias para a manutenção. Os avanços da genética, iniciados com o descobrimento dos ácidos nucleicos e de sua estrutura, e que atingiram o auge com o Projeto Genoma (estudo de mapeamento dos genes humanos) forneceram e continuam fornecendo explicações cada vez mais precisas sobre a organização corporal. Criou-se uma nova disciplina, a Engenharia Genética, especializada em estudar técnicas de modificação destas caracteristicas, alterando as funções, propriedades e aparências de órgãos, vegetais, etc.
                         Ao mesmo tempo, estudos de biologia celular e aplicações médicas destes avanços, como no caso das intervenções diretas sobre órgãos doentes, através de terapias químicas o de transplantes, mostraram definitivamente que a própria matéria tem sim condições de auto gerenciamento, sem a necessidade de um organizador extrínseco a ela.
                         A questão dos estudos termodinâmicos da vida ainda nao está perfeitamente equacionada, mas uma série de grandes cientistas, e não só da área biologica, como o físico austríaco Erwin Schrodinger (Premio Nobel de Física de 1933) tem feito sérias restrições às dificuldades da vida em relação a entropia. Este é um campo ainda aberto, com muitas possibilidades a serem estudadas. 
                         Mais difícil ainda é sustentar o perispírito como sede de faculdades racionais ou emocionais, como a memória, as sensações ou a inteligência. Tais funções intelectivas são, consoante a filosofia espírita, de competência exclusiva do espírito, uma vez que só ele possui inteligência. Sendo o perispírito matéria, ele nao poderia participar destes processos.
                         A argumentação de Delanne, neste aspecto, perdeu muito da força quando se demonstrou que as células do cérebro não se modificam com o passar dos anos, sendo as únicas no organismo incapazes de regenerar -  uma vez destruídas, perdem-se para sempre.
                         Claro está que os estudos das relações hegemônicas no cérebro e da permanência das lembranças após o fim da vida corporal encontram-se longe de estarem completos. As relações entre o espírito e o cérebro é um dos temas mais fascinantes da ciência espírita, e um dos menos estudados.
                         Finalmente, a idéia da existência de órgãos no perispírito também parece estranha já que eles sao estruturas  organizadas que servem apenas para a manutenção da vida física. Provavelmente, esta idéia surgiu como suporte a função do perispírito de organizador biológico. Em não se admitindo esta, aquela deixa de ter importância.

          

    

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