DAS MESAS GIRANTES À FILOSOFIA
ESPÍRITA
É
curioso pensarmos nos dias de hoje que houve em plena Europa do tempo de Kardec,
meados do século XIX, o fenômeno das mesas girantes. Quando relatamos às
pessoas do século XXI que a chamada “dança das mesas” era uma verdadeira moda
nos salões parisienses, muitos duvidam. E com razão, pois é muito difícil acreditar
na possibilidade de brincadeiras de salão em torno de mesas que desafiam as
leis da gravidade.
No
entanto, as mesas giravam, o que pode ser constatado por vários jornais da
época que registraram a ocorrência do curioso fenômeno. É a partir das mesas
girantes que Allan Kardec se põe a pesquisar a causa de tais fenômenos
insólitos, os quais iniciaram mais intensamente já em 1848 com o caso das irmãs
Fox nos Estados Unidos. Arthur Conan Doyle descreve este momento histórico na
Europa e nos Estados Unidos como uma verdadeira “invasão organizada” por parte
dos espíritos que buscavam chamar a atenção para o outro lado da vida.
Diferentemente do espiritualismo dogmático das
religiões, que se baseavam na fé na revelação religiosa e no livro sagrado, e
mesmo das correntes filosóficas espiritualistas, fundamentadas apenas na
reflexão racional, o Espiritismo nasce apoiado em fatos, em fenômenos passíveis
de serem observados. Allan Kardec assim se refere ao fenômeno das mesas girantes
na introdução ao estudo da Doutrina Espírita em O Livro dos Espíritos:
“O primeiro fato observado foi o movimento de
objetos: designaram-no vulgarmente com o nome de mesas girantes ou dança das
mesas. Esse fenômeno, que parece ter sido observado primeiramente na América,
ou, melhor, que se teria repetido nesse país, porque a História prova que ele
remonta à mais alta Antiguidade, produziu-se acompanhado de circunstâncias
estranhas como ruídos insólitos e golpes desferidos sem uma causa ostensiva,
conhecida. Dali, propagou-se rapidamente pela Europa e por outras partes do
mundo: a princípio provocou muita incredulidade, mas a multiplicidade das
experiências em breve não permitiu que se duvidasse da sua realidade”
Estes
movimentos não eram meramente mecânicos ou fortuitos. Descobriu-se que os
movimentos dos objetos manifestavam inteligência. É o próprio Allan Kardec que
ainda nos fala:
“As primeiras
manifestações inteligentes verificaram-se por meio de mesas que se moviam e
davam determinados golpes, batendo um pé, e assim respondiam, segundo o que se
havia convencionado, por “sim” ou por “não” à questão proposta. Até aqui, nada
de seguramente convincente para os céticos, porque podia crer-se num efeito do
acaso. Em seguida, obtiveram-se respostas mais desenvolvidas por meios das
letras do alfabeto; dando ao móvel um número de ordem de cada letra, chegava-se
a se formar palavras e frases que
respondiam às questões propostas. A justeza das respostas e sua correspondência
com a pergunta provocaram a admiração. O ser misterioso que assim respondia,
interpelado sobre a sua natureza, declarou que era um Espírito ou Gênio, deu o
seu nome e forneceu diversas informações a seu respeito. Esta é uma
circunstância muito importante a notar. Ninguém havia então pensado nos
Espíritos como um meio de explicar o fenômeno; foi o próprio fenômeno que
revelou a palavra. Fazem-se hipóteses frequentemente nas ciências exatas para
se conseguir uma base ao raciocínio; mas neste caso não foi o que se deu.”
E
aqui tem início a descoberta revolucionária dos espíritos e do mundo dos
espíritos que nos cerca, que podem comunicar-se com o mundo terrestre através
de médiuns, pessoas aptas, por sua organização psicofísica, a favorecer este
intercambio. Da mesma forma que o telescópio possibilitou a investigação dos
astros, e o microscópio a pesquisa dos microrganismos, a mediunidade foi o
instrumento de pesquisa da realidade extrafísica que antes era apenas objeto de
fé, reflexão filosófica ou intuição.
Das
mesas que giravam saiu toda uma filosofia, uma cosmovisão de mundo, a partir do
diálogo racional entre Kardec e os Espíritos. A pesquisa desta base fenomênica
estava em conformidade com a época de Kardec de feitio positivista. O “espírito do tempo” valorizava a pesquisa
dos fatos e estava farto de teorias metafísicas indemonstráveis. O Espiritismo
pretendia demonstrar concretamente suas teses, fundamentando-se não apenas na razão,
mas também na observação.
Na
sequência de O Livro dos Espíritos, Kardec publica o Livro dos Médiuns, no qual
aborda uma vasta gama de fenômenos físicos e inteligentes ampliando assim a
base empírica do Espiritismo. O Espiritismo teve grande êxito em chamar a
atenção para estes fenômenos em sua época. A explicação espírita foi aceita por
muitas personalidades eminentes daquele período. Na esteira das pesquisas
espíritas surgiram a metapsíquica de Charles Richet, e a parapsicologia de Joseph
Banks Rhine, entre outras tentativas de abordar os chamados “fenômenos
espíritas”.
Mesmo
que a tese espírita da imortalidade da alma e sua possibilidade de comunicação
com este mundo terrestre através de médiuns não fosse verdadeira, Allan Kardec
já teria contribuído com o mundo da pesquisa cientifica ao chamar a atenção
para fenômenos da natureza antes atribuídos ao mágico, ao sobrenatural, à superstição
ou a fraude. Por ser pioneiro na pesquisa deste tipo de fenômenos, Allan Kardec
merece um lugar de destaque entre os grandes desbravadores do conhecimento.
Muitos
perguntam por que as mesas não giram mais como giravam nos salões parisienses.
Talvez a resposta seja que não é mais necessário este tipo de provocação
intencional e coletiva por parte dos espíritos. A hipótese da comunicação dos
espíritos através de médiuns já foi assimilada mesmo por aqueles que divergem
da explicação espírita. A comunicação dos “mortos”, no mínimo, já integra o
nosso horizonte cultural, fazendo parte da crença e da descrença de muitos,
sendo que o Espiritismo descortinou, inclusive, um novo campo de possibilidades
para a pesquisa cientifica e para a reflexão filosófica.
Nota: Artigo
originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.
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