terça-feira, 22 de dezembro de 2020

DAS MESAS GIRANTES À FILOSOFIA ESPÍRITA - por Ricardo de Morais Nunes

 

DAS MESAS GIRANTES À FILOSOFIA ESPÍRITA

É curioso pensarmos nos dias de hoje que houve em plena Europa do tempo de Kardec, meados do século XIX, o fenômeno das mesas girantes. Quando relatamos às pessoas do século XXI que a chamada “dança das mesas” era uma verdadeira moda nos salões parisienses, muitos duvidam. E com razão, pois é muito difícil acreditar na possibilidade de brincadeiras de salão em torno de mesas que desafiam as leis da gravidade.

No entanto, as mesas giravam, o que pode ser constatado por vários jornais da época que registraram a ocorrência do curioso fenômeno. É a partir das mesas girantes que Allan Kardec se põe a pesquisar a causa de tais fenômenos insólitos, os quais iniciaram mais intensamente já em 1848 com o caso das irmãs Fox nos Estados Unidos. Arthur Conan Doyle descreve este momento histórico na Europa e nos Estados Unidos como uma verdadeira “invasão organizada” por parte dos espíritos que buscavam chamar a atenção para o outro lado da vida.

 Diferentemente do espiritualismo dogmático das religiões, que se baseavam na fé na revelação religiosa e no livro sagrado, e mesmo das correntes filosóficas espiritualistas, fundamentadas apenas na reflexão racional, o Espiritismo nasce apoiado em fatos, em fenômenos passíveis de serem observados. Allan Kardec assim se refere ao fenômeno das mesas girantes na introdução ao estudo da Doutrina Espírita em O Livro dos Espíritos:

 “O primeiro fato observado foi o movimento de objetos: designaram-no vulgarmente com o nome de mesas girantes ou dança das mesas. Esse fenômeno, que parece ter sido observado primeiramente na América, ou, melhor, que se teria repetido nesse país, porque a História prova que ele remonta à mais alta Antiguidade, produziu-se acompanhado de circunstâncias estranhas como ruídos insólitos e golpes desferidos sem uma causa ostensiva, conhecida. Dali, propagou-se rapidamente pela Europa e por outras partes do mundo: a princípio provocou muita incredulidade, mas a multiplicidade das experiências em breve não permitiu que se duvidasse da sua realidade”

Estes movimentos não eram meramente mecânicos ou fortuitos. Descobriu-se que os movimentos dos objetos manifestavam inteligência. É o próprio Allan Kardec que ainda nos fala:

“As primeiras manifestações inteligentes verificaram-se por meio de mesas que se moviam e davam determinados golpes, batendo um pé, e assim respondiam, segundo o que se havia convencionado, por “sim” ou por “não” à questão proposta. Até aqui, nada de seguramente convincente para os céticos, porque podia crer-se num efeito do acaso. Em seguida, obtiveram-se respostas mais desenvolvidas por meios das letras do alfabeto; dando ao móvel um número de ordem de cada letra, chegava-se a se   formar palavras e frases que respondiam às questões propostas. A justeza das respostas e sua correspondência com a pergunta provocaram a admiração. O ser misterioso que assim respondia, interpelado sobre a sua natureza, declarou que era um Espírito ou Gênio, deu o seu nome e forneceu diversas informações a seu respeito. Esta é uma circunstância muito importante a notar. Ninguém havia então pensado nos Espíritos como um meio de explicar o fenômeno; foi o próprio fenômeno que revelou a palavra. Fazem-se hipóteses frequentemente nas ciências exatas para se conseguir uma base ao raciocínio; mas neste caso não foi o que se deu.”

E aqui tem início a descoberta revolucionária dos espíritos e do mundo dos espíritos que nos cerca, que podem comunicar-se com o mundo terrestre através de médiuns, pessoas aptas, por sua organização psicofísica, a favorecer este intercambio. Da mesma forma que o telescópio possibilitou a investigação dos astros, e o microscópio a pesquisa dos microrganismos, a mediunidade foi o instrumento de pesquisa da realidade extrafísica que antes era apenas objeto de fé, reflexão filosófica ou intuição.

Das mesas que giravam saiu toda uma filosofia, uma cosmovisão de mundo, a partir do diálogo racional entre Kardec e os Espíritos. A pesquisa desta base fenomênica estava em conformidade com a época de Kardec de feitio positivista.  O “espírito do tempo” valorizava a pesquisa dos fatos e estava farto de teorias metafísicas indemonstráveis. O Espiritismo pretendia demonstrar concretamente suas teses, fundamentando-se não apenas na razão, mas também na observação.

Na sequência de O Livro dos Espíritos, Kardec publica o Livro dos Médiuns, no qual aborda uma vasta gama de fenômenos físicos e inteligentes ampliando assim a base empírica do Espiritismo. O Espiritismo teve grande êxito em chamar a atenção para estes fenômenos em sua época. A explicação espírita foi aceita por muitas personalidades eminentes daquele período. Na esteira das pesquisas espíritas surgiram a metapsíquica de Charles Richet, e a parapsicologia de Joseph Banks Rhine, entre outras tentativas de abordar os chamados “fenômenos espíritas”.

Mesmo que a tese espírita da imortalidade da alma e sua possibilidade de comunicação com este mundo terrestre através de médiuns não fosse verdadeira, Allan Kardec já teria contribuído com o mundo da pesquisa cientifica ao chamar a atenção para fenômenos da natureza antes atribuídos ao mágico, ao sobrenatural, à superstição ou a fraude. Por ser pioneiro na pesquisa deste tipo de fenômenos, Allan Kardec merece um lugar de destaque entre os grandes desbravadores do conhecimento.

Muitos perguntam por que as mesas não giram mais como giravam nos salões parisienses. Talvez a resposta seja que não é mais necessário este tipo de provocação intencional e coletiva por parte dos espíritos. A hipótese da comunicação dos espíritos através de médiuns já foi assimilada mesmo por aqueles que divergem da explicação espírita. A comunicação dos “mortos”, no mínimo, já integra o nosso horizonte cultural, fazendo parte da crença e da descrença de muitos, sendo que o Espiritismo descortinou, inclusive, um novo campo de possibilidades para a pesquisa cientifica e para a reflexão filosófica.

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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