O
Espiritismo é de direita, de esquerda ou ...?
A
igreja Católica possui uma diretriz clara, de 1994, que diz: “um padre deve se
abster de se envolver ativamente na política”. Como o Espiritismo não possui um
porta voz oficial, apesar de que de fato, alguns se intitulam “donos”, quero
dizer que os espíritas devem sim se posicionar de forma explícita a favor de
correntes políticas, que julguem válidas, mas não devem levantar a bandeira de
alguma corrente política, como se fosse uma posição formal do Espiritismo, ou
seja, cada um assuma a sua posição política, mas não o faça dizendo que é uma
posição oficial do Espiritismo.
Similar
ao que o Papa Francisco prega “a igreja é chamada a formar consciências, não a
pretender substituí-las”, entendo que o papel do Espiritismo deva ser o mesmo,
ou seja, formar consciências a respeito da necessidade de entendermos as
complexas relações interpessoais advindas de vidas pretéritas. Só o Espiritismo
possui essa visão e por isso, os espíritas têm o dever de se posicionarem longe
de contendas que nada contribuem para o nosso aperfeiçoamento moral.
Atualmente
no Brasil enfrentamos todas as formas de polarização, o que reduz o debate a um
ponto simplista: comunistas ou fascistas. Infelizmente essa situação não é uma
exclusividade do Brasil. Vemos ao redor do mundo o crescimento de uma
polarização virulenta e violenta, haja vista o ocorrido recentemente nos USA,
por ocasião da derrota do Donald Trump na recente eleição presidencial.
Segundo
o jurista Ives Gandra da Silva Martins: “a ideologia é a corrupção de ideias,
que não respeita a opinião alheia”.
Uma
vez que a Terra não é plana e Noé não
pode ter ficado 370 dias numa arca carregando perto de 2.000 animais!,
sempre é bom recorrermos aos cientistas, para podermos entender melhor como se
processa o nosso cérebro, no tocante à absorção de conceitos, que vão de
encontro aos conceitos previamente estabelecidos.
Segundo
Paulo Boggio, psicólogo do Laboratório e Neurociência Cognitiva e Social da
Universidade Mackenzie, a característica fundamental do ser humano é a
aproximação com aqueles que pensam de maneira parecida. Com o passar do tempo,
as convicções semelhantes são reforçadas e se tornam difíceis de serem mudadas.
Essa
lógica ajuda a entender os motivos para a polarização radical nas discussões
sobre política, que não cede espaço a visões mais moderadas, mesmo se houver
provas contundentes: desvio do dinheiro público, flertes com o autoritarismo
etc.
Tal
situação (dificuldades na absorção de novos conceitos) é confirmada por Max Rollwage
– psicólogo e neurocientista: “com a avalição dos mecanismos neurais,
mostramos que, em determinado ponto de confiança sobre uma crença, o cérebro simplesmente
não processa as novas informações”. Tal confirmação foi possível utilizando
um scanner de magneto-encefalografia, onde os pesquisadores acompanharam a
atividade cerebral durante o processo de tomada de decisões. A explicação para
o comportamento se tornou química: o cérebro apresentou “pontos cegos” quando
recebeu informações contraditórias, mas continuou sensível àquelas que
confirmavam a escolha inicial. Em resumo, os conceitos preestabelecidos estão
tão arraigados no cérebro que o indivíduo resiste a absorver percepções
diferentes.
Citando,
outra vez, o jurista Ives Gandra: “conciliar a natureza humana com os ideais de
uma política de debate elevado parece inconcebível”.
Particularmente,
vejo que o avanço da idade vai ao encontro do acima exposto e contribui
enormemente para que não ocorram mudanças em nossos conceitos.
Retomando
ao tema se o Espiritismo deve ter uma posição política, reforço que logo no
início deste texto, deixei o meu posicionamento: o Espiritismo não deve ter
posicionamento sobre tal tema, mas sim os espíritas. Não podemos ou devemos
levantar uma corrente partidária, querendo envolver o nome do Espiritismo, pois
ao aderirmos a uma ou a outra corrente política, estaremos nas mãos de pessoas
que dirigem os partidos, ou seja, seres humanos falíveis, pois como disse
Kardec: o egoísmo e o orgulho são os grandes males da humanidade, ou seja, a
adesão a uma corrente política pode colocar o Espiritismo num “buraco”.
Por
volta do ano de 1960 houve uma tentativa do movimento espírita em fundar um
partido político espírita! Ora, o Brasil possui hoje 33 partidos, sem contar as
centenas que aguardam análise para ingressarem na divisão do cobiçado Fundo
Partidário (em 2020, por ter sido um ano eleitoral, o Fundo Partidário foi
acrescido do Fundo Eleitoral e perto de 3 bilhões de reais foram entregues aos
partidos). Quantas vacinas compraríamos com tal valor? Quantos auxílios
emergenciais poderíamos dedicar aos necessitados? O total de partidos (33) é bem superior a
qualquer possiblidade de existências de linhas ideológicas distintas. Desse
total, segundo levantamentos feitos pela imprensa, 15 são de direita, 11 de
esquerda e 7 do centro (isso sem entrar nos detalhes se são da extrema direta, extrema
esquerda etc.).
No
livro dos Espíritos encontramos várias perguntas elaboradoras por Kardec à
plêiade de espíritos, que o auxiliaram na elaboração de tal livro e as
respostas podem nos levar ao direcionamento de uma ou outra corrente política,
pois vejamos as respostas às questões abaixo:
·
795 – Quanto mais se
aproximam da vera justiça, tanto menos instáveis são as leis humanas e tanto
mais estáveis se vão tornando, conforme vão sendo feitas para todos e se
identificam com a lei natural.
·
806 - As desigualdades
desaparecerão quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Quando isto
ocorrer, restará apenas a desigualdade do merecimento.
·
811 – Não é possível a
igualdade absoluta das riquezas, pois isso se opõe a diversidade das faculdades.
·
875 e 876 – Respeito aos
direitos dos demais “queira cada um para os outros o que quereria para si
mesmo”. A vida social outorga direitos e impõe deveres recíprocos.
·
878 – “A subordinação não
se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria”.
·
881 – Por meio do
trabalho honesto, o homem tem o direito de acumular bens que lhe permita
repousar quando não mais possa trabalhar. Desta forma, a propriedade que
resulta do trabalho é um direito natural, sem prejuízo de outrem.
·
883 – O desejo de possuir
é natural, mas acumular bens sem utilidade para ninguém é puro egoísmo.
É
óbvio que a interpretação das respostas às perguntas acima enumeradas vai de
cada um, por isso, fico com a frase do companheiro espírita argentino Gustavo
Molfino; “tomo o melhor de cada partido político e faço as minhas próprias
reflexões”. Da mesma forma, entendo que devemos tomar as posições espíritas e
fazermos a nossas próprias reflexões.
Como
espíritas não podemos optar pela neutralidade, pois devemos buscar alcançar o
tripé: liberdade, igualdade e fraternidade.
Segundo o IBGE, no Brasil vivem 65 milhões de pessoas com menos de U$
5,50 por dia, o que equivale viver com menos de um salário mínimo por mês.
A
incúria de qualquer governo que permita a fruição de riquezas por poucos deve
ser contestada de forma contundente, utilizando os mecanismos legais que
dispomos.
Por
fim, vejo que esse sistema binário: esquerda ou direita, na minha humilde
visão, está ultrapassado e não consegue apresentar uma alternativa viável à
sociedade. Como espíritas, que temos o conhecimento das influências de vidas
passadas na vida atual e os consequentes desdobramentos nas vidas futuras,
devemos procurar formas que contribuam para um mundo preocupado com as questões
ambientais, respeitos aos movimentos
LGBTQI+, defesa da mulher, liberdade das crenças religiosas, educação,
segurança, saúde de qualidade para todos. Enfim, simples assim...
Marco
Videira é Administrador de Empresas e reside em Santos
Nota: Artigo
originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.
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Internacional
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