quinta-feira, 7 de maio de 2015

O Exercício da Liberdade - por Gisela Régis

  "O EXERCICIO DA LIBERDADE" 

                                            por Gisela Régis

                    Nesse exato momento, existe um sentimento em quase toda a população de que nos encontramos numa situação lastimável, somos um país doente, fraco. A grande questão que se coloca é como curar essa doença cronica, qual a verdadeira origem desses males que nos afligem há séculos, com apenas breves intervalos de saúde e disposição?
                    É senso comum que para ter um corpo saudável você precisa exercitá-lo, praticar esportes, andar, correr, caso contrário os músculos atrofiam. Quando falamos em liberdade, nunca vi nem ouvi alguém recusar ou ser contrário. Todos nós queremos e defendemos ser livres. O problema é que, por essas bandas do nosso Brasil, estamos atrofiados, somos sedentários da liberdade. Nunca tivemos a oportunidade de exercitar plenamente esse músculo e o resultado é que mal reconhecemos sua existencia, não sabemos ao certo como funciona, como deve ser treinada e estimulada para que cresça e nos transforme em um país mais saudável, mais próspero e mais admirado.
                    Somos um país em que as pessoas buscam e defendem constantemente a solução dos problemas através dos governos e esperam dos políticos decisões e atitudes que solucionem esses problemas. Ao longo de toda a nossa história o Brasil  sempre foi marcado por um profundo paternalismo, uma presença intensa e constante das estruturas de governo no direcionamento dos rumos da economia, da cultura, chegando até as questões familiares e religiosas em muitos casos.
                    Parece que a fórmula não deu certo. Nesse exato momento, existe um sentimento em quase toda população de que  de que encontramos numa situação lastimável, somos um país doente, fraco. Conhecemos os sintomas dessa doença. Empobrecemos rapidamente com uma moeda exatamente fragilizada, inflação crescente e quase fora de controle, juros altíssimos que invibializam investimentos, desemprego batendo na porta de milhões de trabalhadores, serviços públicos de saúde, educação e segurança que simplesmente não funcionam, aumentos de impostos e, coroando isso tudo, escândalos de corrupção cada vez maiores e mais frequentes. Esses sintomas são percebidos facilmente pelo povo brasileiro, muito poucos não os sentem.
                   Portanto, a grande questão que se coloca é como curar essa doença crônica, qual a verdadeira origem desses males que nos afligem há séculos, com apenas breves intervalos de saúde e disposição? E aqui temos um problema. Cada brasileiro, com sua forte cultura paternalista e os músculos da liberdade atrofiados, procura os remédios que necessariamente passam pelo governo e não demandam o exercício pleno de sua liberdade. A pessoa cansada de tanta corrupção defende a proibição das doações de empresas e indivíduos aos partidos políticos e defende a adoação exclusiva do financiamento público de campanhas com recursos distribuídos pelo governo. O trabalhador quer benefícios, como seguro-desemprego e fundo de garantia, gerenciados pelo governo. O empresário industrial quer incentivos do governo na forma de juros subsidiados e proteção contra produtos importados. E tem até quem defenda que o governo tem que cuidar do nosso petróleo.
                    Mas se a doença existe há tantos anos, se os remédios ministrados são os mesmos há tanto tempo e ninguém está satisfeito com os resultados, porque insistimos em pedir uma dose maior dos mesmos remédios? Por que continuamos pedindo mais e mais governo em nossas vidas? Será que não está na hora de invertermos essa lógica? Será que não precisamos, na verdade, pedir ao governo que fique longe e faça apenas o mínimo necessário para garantir nossa segurança e a concorrência nos mercados? Que nos devolva o dinheiro que toma de nós com tantos impostos e nos permita fazer as nossas próprias escolhas? Será que temos medo dessa liberdade? Medo de errar sozinho? Medo do próprio fracasso, ou pior, do sucesso do vizinho? Porque, errar em conjunto já o fazemos há muito tempo.
                    Se você quer menos corrupção, ao invés de pedir ao governo que controle as verbas de campanha política, peça ao governo que devolva o dinheiro que foi tomado de você para essa verba, e escolha você mesmo o político pra quem doar seu dinheiro, depois o monitore e cobre os resultados. Se você quer ter uma poupança para passar pelos momentos de crise e desemprego ou para comprar uma casa, exija que o governo devolva a você o dinheiro tomado para o seguro-desemprego e FGTS, e cuide você mesmo de sua poupança. Se você quer fazer sua empresa crescer e prosperar, não peça incentivos ao governo, pois mais cedo ou mais tarde você receberá uma conta muito maior na forma de impostos. Apenas peça que o governo garanta que as regras do jogo sejam cumpridas, sem trapaças por seus concorrentes, pois você com certeza não é um trapaceiro.
                    Aquilo que amamos e desejamos tanto - quando falamos em liberdade - é ainda apenas um conceito abstrato, uma palavra bonita, simpática, mas que não conseguimos até hoje exercitar na prática mais simples e corriqueira de nossas vidas. Enquanto não assumirmos essas responsabilidades individualmente, praticando o exercício da liberdade de forma intensa exaustiva, estaremos fadados a morrer sem conhecermos o país do futuro. Temos que aceitar que, como qualquer outro exercício, esse também levará ao cansaço e causará dores em alguns momentos. Mas ao final de alguns anos de treinamento consistente e paciente, estaremos em forma, fortes, curados da doença que nos assola há tanto tempo. E seremos finalmente um país admirado no presente.

"Quanto mais inteligência tenho o homem para compreender um princípio, menos escusável será de não o aplicar a si mesmo." (828- Livro dos Espíritos por Allan Kardec).
"Deus é justo e tudo leva em conta, mas vos deixa a responsabilidade dos poucos esforços que fazeis para superar os obstáculos". (850 - Livro dos Espíritos por Allan Kardec).


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Sobre a Morte por Ricardo Nunes

SOBRE A MORTE.



“Um desses a quem amais vai morrer. Inclinado para ele, com o coração opresso, vedes estender-se lentamente, sobre suas feições, a sombra da morte. O foco interior nada mais dá que pálidos e trêmulos lampejos; ei-lo que se enfraquece ainda, depois se extingue. E agora, tudo o que nesse ser atestava a vida, esses olhos que brilhavam, essa boca que proferia sons, esses membros que se agitavam, tudo está velado, silencioso, inerte. Nesse leito fúnebre mais não há que um cadáver! Qual o homem que a si mesmo não pediu a explicação desse mistério?” Léon Denis 


O maior problema do ser humano de todas as latitudes geográficas e de todos os tempos é o problema da morte. O homem, entre todos os animais, é o único que consegue antecipar em pensamento o seu fim, é o único que possui consciência de que vai morrer.  Esta autoconsciência de sua própria finitude, fez com que o homem procurasse respostas para esta angustiante questão. Como resultado desta procura, surgiram as religiões que pretenderam responder ao grande enigma e, ao mesmo tempo, trazer conforto diante da precariedade e brevidade da existência humana.

Não apenas as religiões procuraram respostas sobre este tormentoso tema, a filosofia, por sua vez, tentou, desde seus primórdios, elucidar racionalmente esta questão. Grandes pensadores da humanidade, de Sócrates a Heidegger, refletiram sobre o tema, sendo que obtiveram respostas distintas, às vezes, contraditórias.

O espiritismo de Allan Kardec também refletiu sobre o significado da morte e ofereceu ao mundo respostas consistentes. Infelizmente, o espiritismo ainda não foi devidamente valorado nas perspectivas que abre para o conhecimento científico e filosófico de nosso tempo.

 Para o homem contemporâneo, a morte ainda é o grande tabu a ser enfrentado. Vivemos em sociedades materialistas e de consumo, nas quais o brilho da vida está ligado indissoluvelmente a ideia do prazer sensorial e da posse de bens. Vivemos em sociedades hedonistas do culto ao corpo, das cirurgias plásticas e dos silicones.

Nestas sociedades do século XXI, reflexões mais profundas sobre a morte e o morrer são frequentemente descartadas, ignoradas e rejeitadas pela grande maioria das pessoas.  Neste sentido, já dizia o grande compositor brasileiro Gonzaguinha: “ninguém quer a morte, só saúde e sorte”. No entanto, se é natural que a morte não seja uma aspiração ou anseio humano, talvez devamos repensar o extremo pavor que ela nos causa, pois na verdade ainda não sabemos  encarara-la com naturalidade e serenidade.

   A Dra. Elizabeth Kubler Ross, uma das maiores estudiosas da morte e do morrer, diz, em um dos seus preciosos livros: “a morte constitui ainda um acontecimento medonho, pavoroso, um medo universal”. De fato, desde épocas imemoriais o homem assimilou ao fim da vida as ideias de culpa e castigo, daí as oferendas, os sacrifícios, na busca de aplacar a ira divina.

Já Kardec dizia no século  XIX, que associamos  à morte as piores ideias, como aquela de uma caveira com um capuz e uma foice ou então ideias da decomposição pútrida do corpo.  Luc Ferry, filósofo francês contemporâneo, afirma que nossas sociedades laicas se calam à beira dos túmulos, pois as questões de sentido do ser e da vida  ainda estão para serem respondidas. 

 A morte, para o espiritismo, não é o fim. A essência do ser humano, sua alma, seu espírito, consciente e individualizado, sobrevive ao túmulo. A doutrina de Allan Kardec nos ensinou, inclusive, que podemos ter evidências desta realidade através do estudo da mediunidade. Com o espiritismo, conseguimos ir além da fé, e nos direcionamos rumo a uma convicção racional, rigorosamente fundamentada no estudo de uma ampla variedade de fenômenos.

 Quando observamos a lagarta se transformar em um casulo, nossos sentidos dizem que é o fim de tudo, que não há esperança. No entanto, a partir de  um processo de metamorfose invisível e surpreendente, nasce uma  linda borboleta, que ganha livremente os ares colorindo e embelezando a vida. Assim é a morte para o espírita, o ingresso em uma nova fase da existência.

Nota do moderador: ERRATA – artigo Sobre a morte
Infelizmente o Artigo  - Sobre a Morte, saíu na edição de Abril do Jornal ABERTURA como de autoria de Roberto Rufo e na verdade seu autor é Ricardo de Moraes Nunes. O ICKS e o Jornal ABERTURA lamentam o erro e publicam o artigo no Blog com seu verdadeiro autor como pedido de desculpas.


terça-feira, 5 de maio de 2015

    Triste nesta vida quando percebemos que os anos passam e em nada mudamos nosso íntimo. Continuamos com pensamentos que nos prendem e nos estagnam. A mudança não é fácil, mas vale tentar. No final veremos que algumas vestes já não nos serviam a muito tempo!

domingo, 19 de abril de 2015


Dia 18 de abril foi comerado os 158 anos do lançamento de "O livro dos espíritos"
A primeira obra da Doutrina Espírita, codificada pelo professor Hippolyte Léon Denizard Rivail, que mais tarde adotou o pseudônimo de Allan Kardec.

terça-feira, 14 de abril de 2015

10 Fórum do Livre Pensar da Baixada Santista - por Ricardo Nunes (texto) e Alexandre Machado ( fotos)

NOTÍCIAS DO 10º FÓRUM ESPÍRITA DO LIVRE-PENSAR DA BAIXADA SANTISTA.
Relato de Ricardo de Morais Nunes.

“Podemos analisar, refletir e denunciar a intolerância, onde quer que se manifeste. Podemos sugerir regramentos legislativos e jurídicos, além dos já existentes. Podemos realizar debates nos meios de comunicação de nossas cidades, nas escolas, nas universidades, nos centros espíritas, nas ruas, escrever artigos para publicação nos jornais, ou nas redes sociais, etc. Só não devemos nos acomodar e silenciar, pois este é o caminho mais curto para que a intolerância e o mal que ela representa sejam banalizados, e se convertam em normalidade...”
(Trecho da carta enviada pelo presidente da CepaBrasil Homero Ward da Rosa à comissão organizadora do 10º Fórum Espírita do Livre-Pensar da Baixada Santista, que foi lida na primeira noite do evento)

Foi realizado, na cidade de Santos, no período de 08 a 10 de abril de 2015, o já tradicional Fórum Espírita do Livre-Pensar da Baixada Santista. O fórum foi promovido pelas seguintes instituições: Centro Espírita Allan Kardec, Centro Espírita Beneficente Ângelo Prado, Instituto Cultural Kardecista de Santos, Fraternidade Espírita, Grupo Espírita Léon Denis, Centro Espírita Missionários da Luz e Centro Espírita Amor Fraterno Universal, com o apoio da CEPABrasil.

Foram três noites destinadas à discussão do fenômeno da intolerância, sob três aspectos: político, religioso e científico.

Na primeira noite, Alexandre Cardia Machado e Ricardo de Morais Nunes trataram do aspecto político. Alexandre resgatou a perspectiva histórica do problema, lembrando a todos que desde as mais remotas civilizações o homem construiu muros para se proteger e separar dos outros homens. Destacou, ainda, a sede de poder e domínio que atravessa toda a história da humanidade, desde os grandes impérios do passado até a contemporaneidade.



 Já o foco de Ricardo, foi o século XX, com os seus totalitarismos, imperialismos e regimes autoritários. Refletiu, igualmente, sobre o sectarismo político dos últimos tempos em nosso país, o qual tem invadido as ruas e as redes sociais.

Alexandre e Ricardo destacaram, finalmente, que o espiritismo propõe uma cultura de paz e respeito à alteridade, com vistas à resolução dos problemas sociais e políticos.

Na segunda noite, foi a vez de Jailson Lima de Mendonça e Mauro de Mesquita Spínola, os quais trataram do problema da intolerância religiosa. Jailson lembrou a multiplicidade de religiões existentes no planeta, e ressaltou que cada uma delas representa um ponto de vista bem específico sobre as questões do ser e da vida. Acentuou que esta diferença interpretativa se dá, justamente, em razão da liberdade de consciência que o homem possui em seu foro íntimo. Recordou, ainda, os conflitos ocorridos ao longo da história entre os vários grupos religiosos, e destacou o movimento ecumênico como tentativa de superação deste estado de coisas.



Mauro, por sua vez, lembrou que só é possível dialogar com quem deseja dialogar. Defendeu o que chamou de “intolerância contra a intolerância”, tendo argumentado que, às vezes, é necessário deixarmos evidente nossa discordância em relação àqueles que se apresentam na sociedade como donos da verdade, e desejam impor suas convicções aos outros, sem nenhum respeito ao pensamento alheio. Segundo Mauro, existem ocasiões em que devemos dizer claramente “não concordo com você”.

Jailson e Mauro salientaram, ao final de suas exposições, a importância do respeito à liberdade de consciência e crença. Recordaram ambos que tal liberdade, além de ser uma proposta espírita, possui amparo na  Constituição Federal do Brasil.

 Na última noite, tivemos o encerramento com Ademar Arthur Chioro dos Reis e Reinaldo Di Lucia, que trataram da intolerância nos meios científicos. Reinaldo destacou que o cientista contemporâneo é muito diferente do cientista do passado. O cientista do passado ainda era alguém motivado por certo idealismo da descoberta, a qual podia ser feita, inclusive, em seu próprio laboratório, coisa impensável nos dias atuais. Afirmou que a atividade científica, na contemporaneidade, é extremamente profissional e custa muito dinheiro. Segundo Reinaldo, as questões do espírito não estão na pauta dos cientistas de hoje, os quais possuem reputações e vidas construídas em suas áreas de pesquisa, a partir do paradigma materialista vigente na atualidade.



 Ademar refletiu sobre a realidade da ciência no universo dos interesses econômicos do sistema capitalista de produção. Defendeu a ideia de que a pesquisa científica sobre o tema espiritismo, na atualidade, tem tido maiores oportunidades no campo das ciências sociais. Quanto ao campo das chamadas ciências naturais, Ademar entende que ainda há grande rejeição e desinteresse a este tipo de pesquisa nesta área.

Reinaldo e Ademar afirmaram, no entanto, que o espiritismo tem seu caminho próprio enquanto filosofia, podendo dialogar e contribuir com o pensamento contemporâneo, pois a ciência não é a única forma de produção de conhecimento.

 Tivemos um público médio de 80 pessoas, as quais ficaram encantadas em presenciar uma reflexão espírita tão aberta e atualizada com os nossos tempos. No espaço destinado a perguntas, foram feitas questões interessantíssimas que contribuíram para o aprofundamento dos temas tratados.

 A comissão organizadora do 10º Fórum Espírita do Livre-Pensar da Baixada Santista, sob a coordenação de Jailson Lima de Mendonça, se sente feliz por ter realizado mais este evento, que propõe à sociedade uma reflexão espírita progressista e livre-pensadora.



Ainda para este ano de 2015 estão programados dois importantes eventos com o apoio da CepaBrasil: o VII Fórum do Livre-Pensar Espírita, que será realizado no estado do Espírito Santo, no período de 29 a 31 de maio de 2015, e o tradicionalíssimo XIV Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita,  que irá se realizar na cidade de Santos, no período de 30 de outubro a 1º de novembro de 2015.Finalmente, no primeiro semestre de 2016, teremos a realização do XXII Congresso Espírita Pan-Americano, que será realizado na Argentina.


terça-feira, 7 de abril de 2015


               Reconstruções Humanas

                                                                 por Gisela Régis

                

                    A evolução espiritual passa pelo nosso grau de consciencia e a depuração de nossos sentimentos e pensamentos fazendo com que gradativamente nos libertemos do eu voltando nossa atenção para o outro. Somos gerados, nascemos, crescemos e vivemos neste aprendizado constante da evolução, quase sempre sem prestar atenção nas modificações necessárias para esse crescimento evolutivo. Por exemplo, para construirmos algo, precisamos basicamente de espaço, matéria, pessoas, no entanto, sem o projeto nada se inicia. Da mesma forma, para o aprendizado, a palavra é a maneira lógica e que nos traz resultado. Sem ela nada se inicia, nada é construído. O ponto de partida para ex o nosso pensamento é a fala, é o som do que se quer construir.
                    O ser humano é a construção continua das palabras por ele pronunciadas ou por sua frequencia vibracional. Sou aquilo que falo, crio aquilo que penso e externo pelas palavras, vivo dentro de um mundo feito da soma de palavras, boas ou ruins. E aqui estamos nós, nao sós, para aprendermos que temos o poder das construções, transformações e das reconstruções humanas, pelo poder da palavra e sua potencialização. Se formos positivos, as vibrações energéticas se somam as energias positivas, se usarmos palavras negativas, se somarão as vibrações negativas emitidas, e assim vivenciaremos o que falamos. Portanto, mesmo que muitos falem negativamentr, use o seu poder para criar um campo positvo. Reconstrua-se por meio do poder da palavra, fale o positivo e silencie o negativo para um mundo de vibrações melhores.
                   
                    



domingo, 29 de março de 2015

Dinâmica das Mutações das Estruturas Mentais - Jaci Régis

DINÂMICA DAS MUTAÇÕES DAS ESTRUTURAS MENTAIS

Jaci Régis (*)
Santos-SP, Brasil


PREÂMBULO

Em 1848, Karl Marx e Frederich Engel lançaram, em Paris, o Manifesto do Partido Comunista, com o propósito de inaugurar uma nova fase para a humanidade, redescobrindo o valor da pessoa comum e pretendendo destruir a sociedade burguesa, embora ambos fossem burgueses. Nesse Manifesto eles afirmaram, prenunciando as mudanças radicais que propunham "tudo o que é sólido se desmancha no ar , tudo o que é sarado é profanado e os homens finalmente são levados a enfrentar(...)as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus companheiros humanos".

O tempo era de propostas radicais para revolucionar, combater a injustiças, lutar pelo estabelecimento da ditadura do proletariado e uma sociedade sem classes sociais.

Marx criticou os filósofos que interpretavam mas não transformavam a sociedade. Era a filosofia da praxis, da atuação social.

Não importa se o sonho da sociedade comunista tenha aparentemente naufragado, mostrando que não basta uma excelente idéia, mas é preciso que existam pessoas capazes de, ética e eficientemente, colocá-la em prática. O que importa assinalar é que o mundo nunca mais foi igual, depois de Marx.

Em maio de 1855, o prof. Rivail começou uma nova e fascinante virada de sua vida. Diante dos fenômenos mediúnicos afirmou "vislumbrei naqueles fenômenos a chave do problema do passado e do futuro da Humanidade, tão confuso e tão controvertido, a solução daquilo que eu havia buscado toda a minha vida. Era, em suma, uma revolução total nas idéias e nas crenças existente."

Allan Kardec, certamente, não pode ser classificado entre os filósofos mais prestigiados da era moderna, como Kant, Hegel e outros, que desenvolveram o pensamento filosófico com enunciados sobre o idealismo, a crítica da razão, o comportamento, na tentativa de descrever o ser e a razão das coisas.

Entretanto, a partir de princípios muito antigos e mais ou menos difundidos, e sob o amplo relacionamento com os Espíritos, ele elaborou uma doutrina filosófica de praxis. Uma doutrina de transformação moral objetiva, na prática da caridade benevolente e benemerente e no resgate dos princípios de comportamento, da ética, da moral de Jesus de Nazaré, num momento em que as igrejas cristãs davam mostras de exaustão do seu domínio na cultura ocidental.

Sem o viez partidário e ativista do marxismo, Kardec baseou o sucesso de sua doutrina no impacto revolucionário que a comprovação científica da imortalidade produziria sobre a sociedade, com profundas modificações estruturais no pensamento individual e coletivo.

De raciocínio positivista e cartesiano, temperado pelo humanismo pestalozziano, o professor Rivail sonhou e anteviu a vitória do Espiritismo, enquanto produtor de novas estruturas mentais das pessoas, a partir das bases da cultura ocidental.

Passados 143 anos do lançamento da doutrina, certamente a revolução kardecista não aconteceu, mas a semente lançada pelo Espiritismo germinou e germina continuadamente. Foi graças ao seu trabalho que criaram-se condições para o desenvolvimento das pesquisas psíquicas que envolveram sábios e investigadores de renome cultural e científico.

Embora não esteja consolidado na cultura, podemos dizer que o mundo nunca mais foi igual depois de Allan Kardec.

Aliás, Kardec jamais teve a veleidade de produzir a transformação social. Analisando as reformas e revoluções que se sucederiam, dentro do aforismo "os tempos são chegados", ele afirmou que "O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade. Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é mais apto do que qualquer outra doutrina para secundar o movimento de regeneração, por isso é ele contemporâneo desse movimento"( A Gênese)

Na verdade, Allan Kardec abriu uma nova visão da realidade humana, revelando a existência funcional de uma humanidade espiritual, movendo-se ora no plano extra físico, ora no plano físico, dando novo significado para a vida , livre do misticismo e das fantasias sobre a natureza humana.

Porque essa será a base da nova sociedade mundial dos próximos séculos. Esta resultará do dinamismo das mutações, num leque de contribuições dos vários setores da cultura, a se entrelaçarem complementarmente numa nova ética – provavelmente uma composição da doutrinas de Jesus de Nazaré, Buda, Confúcio, Maomé e outros tantos semeadores de luzes, de todos os quadrantes.

Para ajudar na construção desse novo momento é que Kardec quis preparar o Espiritismo.



TRABALHO DE KARDEC

"A princípio, eu só tinha em vista instruir-me. Mais tarde, quando vi que aquelas comunicações um conjunto e tomavam as proporções de uma doutrina, tive a idéia de publicá-las para que todos se instruíssem". Essas palavras de Kardec (Obras Póstumas - Minha Primeira Iniciação no Espiritismo) mostram como ele desenvolveu seu trabalho de elaboração da doutrina espírita.

É verdade que Kardec fez um trabalho solitário e pessoal.

Na biografia publicada na edição de maio de 1869, da Revista Espírita, a primeira não redigida por ele, o biógrafo afirma que "ele era só!....". No discurso à beira do túmulo, Camille Flammarion, disse que ele "despertou rivalidades; fez escola sob uma forma um tanto pessoal..." Na Revista de junho do mesmo ano, está a informação de que "até hoje a Revisa Espírita foi essencialmente obra e criação do sr. Allan Kardec, como aliás todas as obras doutrinárias que ele publicou."

Ele começara a institucionalização do Espiritismo, em torno de sua pessoa, com a publicação da Revista Espírita, em janeiro de 1858 e com a fundação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em abril do mesmo ano.

Sobre a Sociedade ele escreveu em 1º de janeiro de 1867:"A sociedade de Paris foi um foco permanente de intrigas urdidas por aqueles que se diziam meus partidários e que, agradando-me na frente, me ultrajavam pelas costas".

Comentando sua decisão de editar a Revista Espírita e tendo de fazê-lo sozinho e por sua conta ele disse "Reconheci mais tarde que tinha sido uma felicidade eu não haver encontrado financiador, porque fiquei mais independente, ao passo que um estranho poderia ter querido impor-me suas idéias e sua vontade, entravando-me o andamento do trabalho. Sozinho não tinha que prestar contas a ninguém por mais pesada que fosse minha tarefa, com o trabalho".

Assinalo esses fatos para que entendamos como surgiu a doutrina e o projeto que seu fundador tinha para seu desenvolvimento e consolidação.



PARADOXOS E NUANCES

É também verdade que Kardec teve dificuldade para explicitar claramente seu pensamento, não por falta de talento, mas de linguagem adequada.

Embora objetivo, o pensamento espírita que Allan Kardec desenvolveu, de modo algum é simplista. Ao contrário. Exige reflexão e não adesão de crença.

Mas, ao se tornar uma doutrina de fé raciocinada, o Espiritismo lançou seu primeiro paradoxo, pois quando se racionaliza para ser verdadeira, a fé já extrapola o conceito intuitivo que a define, cuja sentença mais apropriada é sem dúvida a "crê ainda que absurdo", pois a fé, enquanto fé não procura razões.

Da mesma forma, a sutileza das interfaces de pensamento são constantes no Espiritismo de Allan Kardec, como na frase abaixo, tirada do discurso de 2 de novembro de 1868:

"as reuniões espíritas devem ser feitas religiosamente, sem que se tome, por isso,

como assembléias religiosas".

Eis aí uma questão da Lógica. Se as sessões devem ser feitas religiosamente, logo, diria a lógica, são reuniões religiosas. Mas Kardec diz que não e que a nuança é bem caracterizada.

Fazemos essas ponderações para mostrar que para entender e seguir o pensamento espírita é necessário tirocínio e estrutura mental capaz de perceber as nuances, viajar na busca de significados específicos, em meio a um mar de palavras e expressões consagradas com sentido muito definido.

DIRETRIZES PARA O FUTURO

Na Revista Espírita de dezembro de 1868 Kardec publicou a Constituição do Espiritismo, depois reproduzida em Obras Póstumas. Nela ele estabelece uma série de diretrizes para o futuro da Doutrina.

O capítulo Dos Cismas, é uma firme diretriz para o futuro do Espiritismo.

Comentando esse capítulo J. Herculano Pires escreveu o seguinte: "Kardec reafirma, nesse trabalho, todas as posições fundamentais da Doutrina Espírita que  a caracterizam desde o início: uma doutrina aberta , estruturada sobre a tríade científica da observação, da experimentação e da pesquisa, avessa ao dogmatismo e ao misticismo e, portanto, à estagnação, confiante na capacidade humana sempre crescente de conhecer e por isso mesmo infensa também ao dogmatismo materialista."

Eis aí a questão, Kardec confiava na capacidade humana sempre crescente de conhecer . Ou seja, ele previu ou queria um tipo de adepto com a necessidade e a disponibilidade de conhecer, mudar, crescer.

Ele mesmo defrontou-se, durante a elaboração do Espiritismo, com muitas vertentes e linhas de pensamento que seguiam paralelas ao seu trabalho. Por isso, considerando que ele era o fundador da teoria espírita, declarou que tinha o direito de estabelecer as premissas da unidade da Doutrina.



Vejamos o que ele diz a respeito do caráter evolutivo do Espiritismo.

A AFIRMAÇÃO

"A Doutrina é imperecível, sem dúvida, porque se baseia nas leis  da Natureza  e  porque, melhor  que  qualquer outra corresponde às legítimas aspirações dos homens. "

FICAR DENTRO DE IDÉIAS PRÁTICAS

"Não sair do círculo das idéias  práticas. Se  é exato que a utopia de ontem muitas vezes é a verdade de amanhã, deixemos que o  amanhã  realize  a utopia de ontem, mas não dificultemos  a  Doutrina  com princípios  que  seriam  considerados quimeras e  rejeitados  pelos  homens positivos."

O PROGRAMA

"O  programa da Doutrina só será invariável quanto  aos  princípios que  passaram  a  verdades  comprovadas;  quanto  aos  outros,  ela  só  os admitirá, como  sempre  tem  feito,  a título de  hipóteses  até  que  sejam confirmados.  Se  lhe demonstrarem que está errada em algum ponto,  ela  se modificará nesse ponto."

A RAZÃO

"No  estado de imperfeição de nossos conhecimentos, o que  hoje  nos parece falso pode amanhã ser reconhecido como verdade, devido à descoberta de novas leis. Isto acontece na ordem moral como na ordem física. E é  contra esta  eventualidade  que  a  Doutrina  nunca  pode  estar  desprevenida."

O PRINCÍPIO PROGRESSIVO

"O princípio progressivo que inscreveu em seu código será a salvaguarda de sua perpetuidade.  E  sua  unidade será mantida  precisamente  porque  ela  não repousa sobre o princípio da imobilidade. A imobilidade, em lugar de ser uma força, torna-se causa de fraqueza e ruína para os que não seguem o movimento geral. Rompe a unidade, porque os que  desejam ir para a frente separam-se dos que se obstinam em ficar  para trás."

MUDANÇA NO TEMPO CERTO

"Entretanto, embora seguindo o movimento progressista, é mister fazê-lo com prudência e evitar entregar-se às cegas aos devaneios, utopias e  novos sistemas.  Importa fazê-lo a tempo, nem muito cedo, nem muito tarde e com conhecimento de causa."

AS DIRETRIZES

"Por ela não se deixar embalar por sonhos irrealizáveis no presente, não se segue que deva imobilizar-se. Apoiada exclusivamente em leis naturais, não pode variar mais do que essas leis, mas se uma nova lei for descoberta deve juntar-se aos demais."

"Não deve fechar-se a  nenhum  progresso, sob pena de suicidar-se. Assimilando  todas  as  idéias reconhecidamente   justas,  de  qualquer  ordem  que  sejam, físicas ou metafísicas, nunca será ultrapassada, e esta é uma das principais garantias de sua perpetuidade."



Vejamos, em resumo, o que Kardec exige do Espiritismo:



NÃO IMOBILIZAR-SE


NÃO SAIR DO CÍRCULO DAS IDÉIAS PRÁTICAS


NÃO DESDENHAR NENHUM PROGRESSO


ASSIMILAR TODAS AS IDÉIAS RECONHECIDAMENTE JUSTAS


SEGUIR O MOVIMENTO PROGRESSISTA COM PRUDÊNCIA PARA EVITAR ENTREGAR-SE ÀS CEGAS AOS DEVANEIOS, UTOPIAS E NOVOS SISTEMAS. IMPORTA FAZE-LO A TEMPO, NEM MUITO CEDO, NEM MUITO TARDE E COM CONHECIMENTO DE CAUSA.


APOIAR A DESCOBERTA DE NOVAS LEIS TANTO DE ORDEM MORAL QUANTO FÍSICA.





CRÍTICA À PROPOSTA DE KARDEC

Não me deterei no exame dos processos indicados por Kardec para a manutenção da atualidade do Espiritismo. Outros o farão. Meu intuito é analisar a validade e a possibilidade da proposta em si mesma. Isto é, o que significa criar uma doutrina cujas idéias possam evoluir, progredir, negar-se e reafirmar-se?

A proposta de Kardec é um projeto possível ? Será que é possível manter uma disponibilidade mental e existencial capaz de suportar as mudanças?

As diretrizes acima expostas mostram várias facetas do pensamento do fundador da doutrina.

Em primeiro lugar, ao afirmar que a doutrina evoluiria com as idéias reconhecidamente válidas, no campo físico como no moral, ele, de certa forma, desvincula esse progresso da sua anterior afirmativa de que as mudanças dependeriam da confirmação universal dos Espíritos.

Talvez o amadurecimento de seu convívio diário com os Espíritos e com os espíritas, o tenha convencido de que seria muito difícil universalizar o projeto mediúnico como base essencial do Espiritismo .

Por isso preferiu que a Doutrina se organizasse em núcleos, como espécie de "observatórios do mundo invisível", que produzissem idéias, pesquisas e propostas razoáveis e concretas. Daí olhar o desenvolvimento da ciência, quer dizer de todos os segmentos da cultura, como coadjuvantes ou mesmo produtores do progresso doutrinário. Isso porque percebeu que a velocidade das mudanças logo tornariam algumas proposições senão ultrapassadas, mas deficitárias.

Além disso, acreditou que a cada 25 anos, um quarto de século, haveria tanta mutação no conhecimento humano que a doutrina, em congressos orgânicos, analisaria o resultado das pesquisas e incorporaria as que fossem compatíveis e lastreadas. O espaço de 25 anos seria um período muito bom para que não se precipitassem mutações que não teriam a resistência do tempo ou que a pesquisa não validasse.

Pelos cálculos de Kardec, considerando que a elaboração do Espiritismo por ele proposta foi iniciada em 1857, já teríamos realizado 5 congressos constitutivos.

Essa possibilidade de reunir e debater os princípios doutrinários, humanizava a doutrina e a retirava da tutela total dos Espíritos , mas não desprezava ou descartava a participação deles. Ao contrário, pois os Espíritos são parte essencial da estrutura doutrinária. E isso porque, sendo os princípios do Espiritismo parte da natureza, evoluiriam com o conhecimento mesmo dos fundamentos da natureza, seja pelos desencarnados, seja pelos encarnados.

Daí ser válida a questão que levanto.

Kardec ao propor esse processo de atualização, teria em mente que as gerações de espíritas seriam formadas por pessoas capazes perceber, analisar e adquirir novos conhecimentos, adequá-los à doutrina, sem descaracterizá-la.

Em que tipo de adepto pensava ele?

Exigiu que este fosse suficientemente capaz de não se fossilizar e manter-se dinamicamente a par do progresso. Ou seja, não imaginava pessoas conservadoras, medrosas, sem ousadia.

E eu pergunto, Kardec não teria sido ingênuo? Não teria criado uma impossibilidade?

Vejamos as posições de J. Herculano Pires que, em sua obra Agonia das Religiões, diz, no Capítulo IX, intitulado "Dúvida e Certeza":

"No Espiritismo a dúvida é considerada como condição necessária à busca da verdade.
Kardec a aconselha como método de controle das manifestações mediúnicas e de estudo dos princípios doutrinários.
A crítica se torna, assim, elemento básico da filosofia e da prática espírita. Mas é evidente que deve ser exercida por pessoas que tenham condições de cultura e bom senso para criticar."

( Fim da terceira parte)



O ESPIRITISMO BRASILEIRO

Tudo o que acima foi dito representa o ideal, o Espiritismo projetado por Kardec, mas não é o Espiritismo real, o que existe e influencia as pessoas.

Com a falência do movimento espírita na Europa e com a sua pouca repercussão na América, o Brasil é o lugar onde nominalmente ele floresceu.

Entretanto, desde o início, o movimento que se organizou em torno da doutrina, não resistiu à pressão da cultura brasileira. A criação do jornal Echo D’Além Túmulo, em 1863, por Luiz Olympio Telles de Menezes, na Bahia, mostra claramente essa tendência e a mistura que desde então cercou a doutrina no país.

É difícil imaginar que, tornado uma doutrina popular, a massa que acorreu aos Centros tivesse condições para entender o projeto audacioso que acima mencionei.

Movidos pelas suas convicções, os iniciadores do movimento espírita brasileiro, esquematizaram o pensamento espírita, simplificando-o para, de certa forma, adequa-lo ao modelo de culpa e castigo do cristianismo. Essa simplificação transformou o Espiritismo numa crença espiritualista baseada na lei de talião, mistificada como lei de causa e efeito, dentro de uma visão estrita e confessional. Todo o movimento se baseou nessa perspectiva de pagamento de dívidas do passado e a reencarnação passou a instrumento de punição divina.

Na verdade, podemos afirmar a existência de um "Espiritismo Brasileiro". Pois o Espiritismo real, que se instalou no Brasil, há de ser diferenciado como uma derivante do Espiritismo kardecista.

A doutrina propriamente dita, as idéias, ficaram para trás e, no vácuo dessa desistência, infiltraram-se com facilidade os conceitos do catolicismo e modos do protestantismo. Tanto que o livro básico do Espiritismo brasileiro é o Evangelho segundo o Espiritismo, que embora não sendo, como não é, um livro tipicamente religioso, mas uma análise prática de textos esparsos do Novo Testamento, foi tomado como um livro sagrado ou uma substituição espírita dos evangelhos canônicos.

É notório que as diretrizes de Allan Kardec, tanto no projeto 1868 quanto na Constituição, foram desprezadas. O Espiritismo tomou feição de movimento religioso, consolador, provedor de benefícios.

Esse imobilismo impede de ver que não existe uma dicotomia, um confronto entre o ser a divindade, como tem sido apregoado e estabelecido, mas que a criatura humana é parte integrante e inteligente da obra divina.

O Espiritismo brasileiro, na prática, mantém intacta a falsa compreensão que divide a vida entre o profano e o divino, que as religiões de todos os tempos acentuaram como forma de domínio e poder, uma vez que se situaram como intermediárias e provedoras da salvação, e do perdão divino. Para elas tudo de bom provém ou está no Além, lugar de julgamento.



ESPIRITISMO BRASILEIRO NÃO É REVOLUCIONÁRIO

Nesse contexto, o Espiritismo deixou de ser uma proposta revolucionária, para conformar-se com o papel de reformador de estruturas arcaicas, trabalhando sobre elas mesmas. Pois a visão espírita ficou muito parecida com a visão cristã comum ao embalar-se com promessas do profetismo, pelas quais a intervenção divina é que muda as coisas, retirando do ser humano a iniciativa e o mérito das transformações sociais e do pensamento.

Por fim, condenará o Espiritismo ao papel de espectador e não de agente ou pelo menos de agente coadjuvante , nas mudanças que se processam diariamente no cenário mundial.

Ao lado de pessoas de excelente capacidade intelectual, principalmente entre a elite de iniciadores, perfilaram-se milhares de criaturas de pouca cultura, sem uma estrutura mental positivamente progressista.

Mas tanto os intelectuais como os menos intelectuais, uniram-se no discursos evangélico e obscurantista que reduziu, afinal, o Espiritismo a uma religião ou quase religião porque, mesmo sem qualquer justificativa prática, continuaram afirmando-lhe os caracteres filosóficos e científicos.

Basta verificar a história do Espiritismo brasileiro para constatar que ele afastou-se do pensamento de Kardec, para criar um misto de kardecismo e evangelismo, engessando-se numa visão conservadora de homem e de mundo, sem desenvolver um processo dinâmico de entendimento progressivo..

O perfil do movimento e dos adeptos é bem específico.

Diz-se que a maioria "veio pela dor", que é elevada a única forma de redenção dos pecados praticados no passado. Substituiu-se o "pecado orignal"da Igreja, pelo "pecado originário do passado", no mesmo entendimento da Justiça Divina e da vida terrena.

A adepto virou crente. Ao iniciar-se no Espiritismo mantém praticamente sua estrutura mental adquirida nas religiões, pois aqui encontrou modificações apenas pontuais, dada a forma como o ensino e doutrina foram transmitidas e a maneira como as instituições foram criadas.

Uma clara perspectiva desse perfil pode ser encontrada na frase "A vida é mais importante que a verdade" que me foi dita pelo médium Francisco Cândido Xavier, transmitindo, segundo disse, idéia do Espirito André Luiz.

Nesse entendimento, manter a vida, física e mental das pessoa, consola-las, dar-lhes esperanças é muito mais importante do que fazê-las pensar, discutir idéias, recriar imagens e seguir o próprio caminho.

Manteve-se o mesmo sentido da brevidade e do peso da vida terrena, encarada como uma forma de castigo e de exílio.

Todo o esquematismo do Espiritismo brasileiro gira em torno dessa perspectiva para a vida terrena, mantendo o pensamento mágico e a posição de medo e obscurantismo diante da vida e da atuação da Lei divina.

Daí,a exaltação da mediunidade e a elevação dos médiuns à posição de sacerdotes e porta-vozes do divino, numa espécie não consciente de santificação dos mortos e de desprezo pelo esforço humano, uma vez que toda a sabedoria emanaria do Além.

Como no cristianismo, a vida terrena é considerada um "vale de lágrimas" e o que cada um deve fazer é sofrer suas dores, como prêmio divino para a redenção futura. A existência ficou, praticamente, sem outro sentido senão o de ressarcir dívidas, dada a quase eterna indisposição das criaturas para o bem.

Então, quando estamos tratando de atualizar a doutrina, na verdade estamos tentando reencontrar sua estrutura criada e pensada por Allan Kardec. É a partir daí que devemos encetar nosso esforço, o que em relação à maioria esmagadora do espiritismo brasileiro, representa recriar a doutrina.


DINÂMICA DAS ESTRUTURAS MENTAIS

Allan Kardec elaborou a Doutrina para um tipo de adepto capaz de mudar, de transformar, de aceitar o novo, sem desestruturar-se.

Uma exigência bastante difícil de ser aceita por um grande número, talvez a maioria das pessoas.

Porque, psicologicamente, as pessoas tendem a se acomodar, a ser conservadoras.

Cada pessoa, direi Espírito, para situar a construção dos conceitos através do tempo e encarnações, vai sedimentando conhecimentos e experiências Essa estrutura mental define a individualidade permanente, cerne, base, fundamento das personalidades que cada um de nós assume nas várias encarnações. E determina o perfil psicológico do ser.

É um processo complexo e desenvolve uma visão particular, um código com o qual o conjunto da vida é decodificado. Cria a própria e específica interpretação dos fatos, das idéias, a partir dessa maneira pessoal de olhar, sentir e perceber fatos e idéias.

As estruturas mentais se tornam, pois, consistentes, como fatores constitucionais do ser e vão sendo consolidadas:

a) pela força dos modelos culturais, insistentemente repetidos e mantidos, seja pela instituição familiar, pela classe social, pelos clãs, sobretudo pela crença religiosa, através processo evolutivo atemporal;

b) por convicções específicas que atendem à visão de mundo que cada um desenvolve por afinidades de afetos (perspectivas, sonhos) ou compensação (medos, angustias, etc.);

c) como forma de manter-se relativamente estável (mesmo na loucura) diante das incertezas naturais ou alucinadas.

Tais estruturas constitucionais, pertencem ao acervo espiritual e podem persistir encarnação após encarnação, com modificações pontuais, até que sejam abaladas por fatores variados.

Então, o abalo é assimilado ou rejeitado produzindo reações contraditórias:

a) às vezes as reações são violentas, agressivas, como recursos de salvaguarda da própria estrutura mental existente, surgindo condutas de confronto como medida de força e inibição da diversidade conceitual. São os choques religiosos, por exemplo, entre facções adversárias.

b) outras vezes, o ser desenvolve desvios conceituais, argumentação falaciosa para sustentar antigas convicções ou, também, pode simplesmente tornar-se indiferente negando-se a perceber os abalos da convicção nela permanecendo acomodado

c) não poucos entregam-se ao desalento e à descrença. Quando esse estágio move-se para uma busca de outras alternativas ou respostas, inicia-se um período de grande conturbação interior.

Abre-se um vazio existencial.

Medos, ansiedades estão na base desse processo de definição existencial. Mesmo nas mentes que possamos considerar razoavelmente sadias, subsiste, também, o medo de mudar.

A angústia do novo provoca um longo período de incertezas. Nem sempre a clareza de raciocínio é fator positivo no processo de mudança. Muitos apenas alcançam novo nível de acomodação mental. Refugiam-se numa determinada crença, seja espiritualista ou materialista e não chegam a elaborar uma nova visão de homem e de mundo.

Porque há uma diferença sensível entre a acomodação e a mudança. A mudança representa a descoberta, um novo caminho, um novo entendimento. A acomodação é uma forma sutil de manter as mesmas posições, com formas e modos meramente exteriores.

Além disso, a incerteza generalizada sobre as razões mais profundas da vida e a inevitabilidade da morte, desenham o quadro final desse complexo.

Mudar é, pois, um processo traumático.

Podemos, figurativamente, ilustrar esse processo na visão de uma árvore frondosa, cheia de folhas verdes no verão, que se desnuda e fica com galhos secos e nus, no outono e inverno, e que novamente refloresce e se enche de folhas verdejantes.

O primeiro momento é o tempo em que a pessoa está confiante e confortável com suas crenças, idéias, seu modo de ser.

O segundo momento é o tempo de transição, da dúvida, do questionamento, do abandono de crenças, idéias, acalentadas e muitas vezes muito sedimentadas.

O terceiro momento representa a recuperação das idéias, das crenças, em novo sentido, prisma e conceito.

Muitos temem o segundo momento, os galhos secos, a nudez das folhas, a exposição da alma ao incerto, à insegurança da transição e permanecem com suas velhas folhas, sem coragem, disposição ou necessidade de atravessar esse outono-inverno , esse trânsito da certeza para a incerteza em busca de novas certezas.

Entretanto, sem essa mutação a árvore fenece e não pode produzir flores e frutos.

Duro é o discurso da mutação, da mobilidade conceitual.

Transcrevo as linhas de carta que recebi, num momento de transição de nossa vida espírita, de um ex-companheiro de doutrina, dotado de inteligência e trabalhador assíduo do movimento, ao se despedir, ausentando-se da luta que travamos:

A revisão de valores que você tem comandado e que eu, em bem reduzida parte cooperei, ganhou um ritmo para mim acelerado, acima da minha capacidade de apreensão. Em alguns momentos, tudo isso tem me confundido a mente. O que era não é, o que valia não vale mais. Olhar para trás significa auto-acusação. Aí vem o desconforto duro, porque foram muitos anos de empenho, trabalho e crença, que chamamos ideal. E pôr outras coisas nesse espaço não tem sido fácil.

É preciso advertir que essa flexibilidade mental, que se permite examinar as contradições e ouvir as incertezas internas e não desestruturar-se com a queda de crenças, mitos e idéias a que se consagrou durante muito tempo, não tem uma relação objetiva com escolaridade.

Faço esse apontamento porque serão inevitáveis as críticas ao elitismo ou à ironia sobre os "doutores" e outros mecanismos de que se servem intelectuais que, não obstante, combatem a intelectualidade, supondo que os "simples" seriam excluídos, sendo que denominam "simples" os que não possuem condições mínimas de entendimento e, por isso, engrossam as fileiras dos freqüentadores e - pasmem! - de certos dirigentes dos centros espíritas.

Um pormenor importante nessa elucubração é que não se trata de pessoas "letradas" no sentido eufemístico ou pretensioso. Mas de pessoas capazes de refletir, de pensar e crescer, independente de títulos. É claro que, quando o país luta para livrar-se totalmente do analfabetismo, não seria a doutrina que louvaria a não-cultura.

É uma questão de amadurecimento e de assumir uma nova rota, quando a que se trilha se esgotou.

Friso isso porque muitos não evoluem, desiludem-se.

Não crescem, abandonam o caminho.

Não questionam profundamente; reclamam , mascarando o sofrimento e o medo de mudar.

O princípio do progresso das idéias inclui a negação simbólica para abrir espaço ao debate e à crítica, fertilizando as idéias.

Como afirmei, existe uma tendência à acomodação no processo de aprendizagem. E o progresso no que tange ao pensamento espírita é, sem dúvida, um processo de aprendizagem.

Como diria Mc Lhuan, referindo-se à escola dos tempos de mudança, que o aluno deveria saber aprender, desaprender e reaprender, dada a mutação constante dos fatores.

Na verdade, é preciso abrir um parêntese, para afirmar, segundo meu entendimento, que a mudança de paradigmas é um processo secular, enquanto a mudança dentro dos paradigmas é um processo de mutação constante. Ou seja, só se muda um paradigma quando este esgotou sua capacidade de aceitar a reciclagem das idéias, por estar saturado de obscurantismo ou cristalizado de tal maneira que não possibilita nenhuma forma de questionamento.

Nesse sentido, não creio que os paradigmas estabelecido por Kardec estejam superados, mas que permitem ainda uma reciclagem de linguagem e de sentido, sem perder as ligações originais.

COMO, POIS, DEFINIR O ADEPTO DO ESPIRITISMO?

Kardec disse :"Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas más inclinações" (O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XVII, item 4). Embora essa afirmativa tenha sido, quase sempre, entendida sob o aspecto moralista, verificamos que ela caracteriza o espírita como alguém que quer evoluir constantemente, inclusive moralmente.

Encontramos no O Livro dos Espíritos, uma análise interessante sobre o progresso.

779. O homem tira de si mesmo a energia progressiva ou o progresso não é mais do que o resultado de um ensinamento?

O homem se desnvolve por si mesmo, naturalmente, mas nem todos progridem ao mesmo tempo e da mesma maneira; é então que os mais adiantados ajudam os outros a progredir, pelo contato social.
780. O progresso moral segue sempre o progresso intelectual?
É a sua conseqüência, mas não o segue sempre imediatamente.
780-a. Como o progresso intelectual pode conduzir ao progresso moral?
Dando compreensão do bem e do mal, pois então o homem pode escolher. O desenvolvimento do livre arbítrio segue ao desenvolvimento da inteligência e aumenta a responsabilidade do homem pelos seus atos.

Nesses ensinamentos verificamos como o Espírito, ao longo de sua vida, desenvolve qualidades diferenciadas, retratando as estruturas psicológicas que constrói.

Idéias e sentimentos formam estruturas mentais, que são flexíveis ou inflexíveis, criando bloqueios a serviço da defesa do ser, sempre ameaçado pela incerteza e pelos acontecimentos.

Lembremo-nos que o ciclo nascimento, vida, morte, repetindo-se ciclicamente, é um processo de incerteza constante, até que o Espírito tenha plena e razoável compreensão de sua natureza e perceba a vida terrena como instrumento de sua ascensão, mas que não o reduz a um organismo.

Isso explica as dificuldades e as repetições dos mesmos sintomas, erros e idéias, vida terrena após vida terrena, porque nascer, viver, morrer, não representam, por si mesmos, rupturas estruturais. São condições necessárias para preparar o Espírito para essas rupturas, sob o impacto de descobertas, abalos de crenças e outros fatores externos que mobilizem motivações internas, único caminho para verdadeiras transformações das estruturas mentais.

Daí, a confirmação de que as mudanças são iniciadas na reelaboração de idéias, timidamente assumidas, para depois se tornarem reais, exigindo uma unidade de tempo.

Por isso, a diversidade de prontidão para mudar.

Alguns estão abertos a isso pela assimilação de experiências e porque encontraram um caminho de aplicação da liberdade de pensar e reelaborar.

Outros, retraem-se. Chegam, mesmo, a considerar novas idéias como sadias, excelentes para seus problemas e incertezas, mas titubeiam, hesitam e, muitas vezes, permanecem acomodados.

Por fim, há os que refutam, no momento em que vivem, qualquer possibilidade de mudar, mantendo inflexíveis suas estruturas e nem mesmo considerando a possibilidade de transformação.

O espírita que Kardec aspirava, precisa ensaiar a liberdade de pensar, suportar o medo da travessia, sem precipitação, mas sem relutância, num ritmo certo, pois as mudanças reais são amadurecidas e consubstanciadas.

Não é fácil, por vezes, fazê-lo.

Mas é inevitável fazê-lo.


CONTUDO, É PRECISO MANTER-SE ATUALIZADO

Quando Galileu Galilei foi obrigado a desmentir-se publicamente sobre o movimento da Terra. Teria dito, entre dentes "mas se move...". Também, diante da realidade do movimento espírita, muitos poderiam crer que o serviço ao próximo, a consolação que o Espiritismo dá, confere-lhe uma autoridade e uma aura de credibilidade que não pode ser mudada, sob pena de frustrar as milhares de pessoas que buscam nele a reposta para seus problemas e dores.

Esse raciocínio é um sofisma que, se aceito, reduziria o Espiritismo, num prazo relativamente curto, a uma seita marginal, alternativa, como muitas que surgem e desaparecem.

Embora a afirmação de que a "a vida é mais importante que a verdade" pareça justa, em termos do cotidiano, ela é inócua e injusta ao longo do tempo. Principalmente se pretender cercear a busca da verdade como não apenas desnecessária, mas como instrumento da vaidade.

O Livro dos Espíritos é claro.

O conhecimento da verdade fertiliza o sentimento. Senão, transformaremos o consolo da doutrina, em apelo à conformação, ao aceitar como determinação divina e, portanto, irrevogável, todos os acontecimentos da vida terrena.

Se não negarmos o sentido punitivo da lei de causa e efeito, acabaremos por nos tornarmos esquematicamente deterministas, sujeitos ao destino e às condições que nos cercam.

A conformação como sintoma de aceitação de que forças mais altas nos dominam, cercearia todo o esforço de progresso, que poderíamos definir como a descoberta de leis naturais desconhecidas e a construção de novas formas de convivência, conforto e bem-estar.

Isso também nos cega diante da realidade. A hanseníase, por exemplo, é doença que persiste nos países subdesenvolvidos e está erradicada dos países desenvolvidos. Para justificar esse atraso, poderíamos usar o velho estratagema de que os Espíritos que aqui reencarnam ainda "precisam" dessa prova, enquanto os que lá encarnam já não necessitam desse aguilhão. A assertiva é um sofisma porque os habitantes dos países desenvolvidos não apresentam um comportamento ético sublimado, nem suas sociedades estão longe do crime, dos erros e da violência.

Nesse, como em outros casos, não precisamos criar uma explicação engenhosa para "salvar" a Justiça Divina. Em primeiro lugar, as condições sanitárias são básicas para o desenvolvimento de certas moléstias. Além disso, não dispomos de todos os elementos para fazer um julgamento realista das modificações do comportamento humano.

Devemos lembrar que coexistem, no fim do século vinte, esplendores científicos, tecnologias de ponta, projetos quase fantásticos para a informática, viagens interplanetárias, estudos adiantados sobre a natureza do universo, com a crença nas grandes cidades e países do primeiro e de todos os mundos, no vudu, na cartomancia, nas adivinhações e exotismos de toda espécie.

Esses segmentos oferecem a fantasia e a magia que milhares de pessoas cultuam no frenesi de resolver seus problemas sérios ou fúteis, através de sortilégios, rituais e práticas primitivas.

O Espiritismo precisa também definir o papel dos Espíritos na Doutrina Espírita. Aliás, Allan Kardec deixou bem clara a variedade dos graus evolutivos dos desencarnados, eliminando o fascínio sobre um suposto domínio ou sabedoria dos "mortos". Como ele, não podemos, sem dúvida, desprezar a participação dos espíritos na atualização e no progresso do Espiritismo.

Afinal, a doutrina nos abre os horizontes de uma compreensão sem fronteiras entre a vida física e a vida extra física, no meio da qual estão os fenômenos da morte e do nascimento, ciclicamente.

Entretanto, essa comunhão deve ser feita sem deslumbramento e com recíproco respeito e compreensão dos fatores determinantes das estruturas mentais e morais de cada um.

O Espiritismo só tem, pois, um caminho se quiser contribuir para a mudança do processo vivencial humano: dinamizar idéias, pesquisar novos caminhos, ousar na procura de entendimento mais coerente com as idéias da Justiça divina e da própria existência de Deus, atuando positivamente no plano, na vida cotidiana, não apenas das pessoas, mas das coletividades

Kardec estabeleceu a forma dessa atualização que deve ser contínua e constante, sem pressa e sem atraso, no seu tempo, maduramente.

Nem utopias, nem prepotência.

Coerência e integração com a cultura em andamento.

Firmeza de princípios e flexibilidade de entendimento.

Fora disso cairá na repetição. Fechado ao progresso, imobilizando-se, ficará para trás, retendo em seu seio e alimentando suas fantasias, multidões retrógradas, sempre à espera da intervenção do oculto para fazer, por elas, o percurso que inevitavelmente terão de fazer, ainda que perdendo o ritmo e a oportunidade de crescimento.


DELIMITAR O CAMPO


Kardec pretendeu que o espírita tivesse a mente científica.


Explico-me. Não quer dizer que ele desejou que todos os espíritas fossem cientistas. Mas que tivessem a mente como se fosse um deles, ou seja, capaz de aceitar que sempre se pode encontrar novos caminhos, penetrar mais a fundo em todas as coisas.

Um dos males que obstam o desenvolvimento do Espiritismo, é a pressuposição de que ele tem respostas para todas as questões.


Dada a impossibilidade de analisar, com base, as variadas e surpreendentes ações humanas, restou a prepotência de que se tinha um esquema pronto, um manual de respostas acabadas para cada tipo de problema.


Esse estratagema só serve para tumultuar as idéias e dispersar o trabalho de expansão da idéia espírita.

Precisamos lembrar que Kardec enfatizou que era "preciso não sair do círculo das idéias práticas," ou seja, evitar utopias, sonhos e pretensões eufóricas.


Creio que o primeiro passo para criar adeptos capazes de atender às exigências do fundador da doutrina será delimitar o campo de atuação doutrinária. Quer dizer, escolher os tópicos, conhecimentos, em que a doutrina pode contribuir de maneira ponderável. Os conhecimentos humanos evoluíram de tal forma que o generalista, o que conhece tudo não sobrevive.


O perigo, quando se defende a abrangência ilimitada do interesse espírita, será o dispersar de energias e abrir campo para afirmações exóticas ou sem fundamentos lógicos e científicos.


Não será mais produtivo aprender, como espíritas, a reflexionar, a filosofar?


Deveríamos, talvez, definir o Espiritismo como uma forma de humanismo, uma filosofia humanista, que se debruça sobre as relações do ser humano consigo mesmo e com o outro. Nesse campo, teremos ampla possibilidade de aprofundar nossos conhecimentos e pesquisas, pois isso envolve a natureza do ser em si mesmo, a comunicação mediúnica e a inserção do Espírito no processo evolutivo, a partir, naturalmente, da imortalidade.


Recordemos as palavras de Kardec:

O que hoje pode ser verdade amanhã pode ser mentira.
O imobilismo não faz parte do pensamento espírita.
Não rejeitar novas idéias e descobertas.


Para que incorporemos o progresso aos nossos princípios não precisamos e nem devemos rejeitá-los, nem enxertá-los com cientificismos ou misticismos, idéias espiritualistas ou esotéricas.




(*) Psicólogo Clínico, Presidente do Instituto Cultural Kardecista, de Santos, fundador e diretor do Jornal Abertura, presidente do Conselho Administrativo do Lar Veneranda, escritor, autor dos livros "A Mulher na Dimensão Espírita" (co-autoria), "Amor, Casamento e Família", "Comportamento Espírita", "Uma Nova Visão do Homem e do Mundo", "Caminhos da Liberdade", "Muralhas do Passado", Introdução à Doutrina Kardecista" e "A Delicada Questão do Sexo e do Amor"