segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Politica e Fé não se misturam - Carolina Regis di Lucia e Reinaldo di Lucia


Politica e Fé não se misturam

Há duas décadas, também em período eleitoral, um grande companheiro de Espiritismo lançava-se no cenário politico local. Eu estava na Mocidade e acompanhava o apoio de todos à sua empreitada, certos de que era uma opção acertada e ética a votar. Até que comecei a ver santinhos do candidato no mural do centro e uma discussão sobre trazê-lo para falar aos jovens em uma de nossas reuniões... Aquilo me pareceu estranho, de certo modo até errado, mas, com a maturidade em formação na época, não sabia elaborar perfeitamente o que sentia. Lembro que havia recém convidado duas amigas não espiritas para frequentar o grupo e receava o que elas iriam pensar, vendo uma casa para estudo da Doutrina, estar claramente apoiando, divulgando e incentivando o voto em um candidato interno. Quando da votação sobre trazê-lo ou não para o grupo, fui a única contrária, expondo que não achava correto propaganda politica dentro do centro, de quem quer que fosse. Algumas pessoas ficaram chocadas com meu posicionamento, afinal, era diretor da casa, de moral inquestionável, que faria a diferença na política da região. Outros não entendiam o porquê da casa não poder apoiar um candidato conhecido. Porém, apesar de ser minoria, meus questionamentos foram incômodos o suficiente para que os santinhos saíssem dos murais e o evento não acontecesse. Em tempo, o candidato não alcançou os votos necessários e jurou que nunca mais se meteria com política – desgostoso do que encontrou nos bastidores eleitorais.

Vinte anos após esse episódio, já tenho alguma bagagem a mais para poder afirmar que política e fé não devem se misturar oficialmente. Haja vista o caos social desta eleição: nas redes sociais, mesas de bar, nos almoços e encontros de trabalho e nas manifestações populares são observadas toda a imaturidade do brasileiro em, não apenas discutir política – assunto que absolutamente não dominamos - , mas no direito básico e intrínseco do outro em pensar diferente. Parentes, amigos antigos, colegas e completos desconhecidos, com a tradicional paixão latino americana, se agridem, se humilham, cortam relações pelo simples fato de não aceitarem a escolha eleitoral do outro.
Aceitemos: o brasileiro ainda é analfabeto politico. Sequer entende o próprio sistema de governo, escolhe o candidato por frases e ideias soltas, como se fossem personagens de vídeo game com poderes ilimitados para salvar um país afundado por anos e anos de.... analfabestimo político. A mistura deste campo, ao campo da fé é uma combinação inevitavelmente explosiva e nociva. Exemplos claros são as bancadas já constituídas parlamentares-religiosas, exemplos fanáticos e opressores de voto vicioso de seus fiéis, impedidos de poderem exercer a livre escolha dos candidatos oprimidas pelo argumento religioso.

E as maiores decepções desta eleição, repleta de episódios desagradáveis, foram os manifestos Espíritas e, pasmem, auto intituladas Livre Pensadores, contrários a este ou aquele determinado partido. Chegou-se ao auge da alucinação em afirmar que Espíritas, principalmente os Livre Pensadores, não deveriam votar em X candidato, por motivos Espíritas. Que contraditória a afirmação que um livre pensador de Kardec, por ser livre pensador de Kardec, não deveria votar em X candidato... A que ponto paradoxal a cegueira causada pela imaturidade Espirito-Politica chegou?

Em nossas ultimas filosofias, batemos na mesma tecla de que o Espírita deve vivenciar a Doutrina, não apenas a estudar. Os atos diários, a pratica, o lidar com o outro nas questões sociais são os fatores determinantes da Espiritualidade de alguém, não apenas o que ele lê, o que prega nas palestras, o cargo que ocupa nas casas. E esta eleição expos claramente o hiato existente entre o Filósofo Espirita (profundo conhecedor da doutrina) e o Praticante Espírita (que transpira seus valores éticos em suas ações). O Espírita, assim como qualquer cidadão, tem o direito de votar em quem ele acredita ser o melhor representante de suas ideias para governar a sociedade em que ele está inserido. Se, avaliando as argumentações do candidato, ele como eleitor acredita que se aproximem do que a Ética Espírita propõe, que vote em quem escolher.

Minha maior preocupação é que, talvez, o despreparo histórico para a política impeça esse eleitor Espirita de fazer essa ponte avaliatória entre a ética Espírita e a ética Politica proposta por esse ou aquele partido/candidato. Em geral, as avaliações são feitas isoladamente, olhando em separado, o cenário político, do cenário Espirita. Não há o cruzamento da Ética Espírita com as propostas dos futuros governantes a ponto de realmente embasar a escolha com um arcabouço de valores daquele individuo, escolhendo os políticos que irão governar a todos ao seu redor.
E essa escolha final deve ser particular, individual, fora dos bancos das casas Espiritas. Pelo simples fato de que não temos maturidade para lidar com ambas as questões ao mesmo tempo. E, ainda que tivéssemos, teríamos que ter, sobretudo, alteridade o suficiente, responsabilidade o suficiente e discernimento o suficiente para sair do centro sabendo que, ainda que a maioria julgue tal candidato ou partido melhor, eu posso escolher qualquer outro, sem prejuízo das amizades, sem julgamento moral, sem perder o vinculo com o grupo. Jovens políticos que somos não temos essa capacidade ainda.

 publicado no jornal ABERTURA em outubro de 2018

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