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segunda-feira, 6 de março de 2023

O MOVIMENTO DAS IDEIAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA - por Ricardo de Morais Nunes

 

O MOVIMENTO DAS IDEIAS NO MOVIMENTO ESPÍRITA

Na atualidade muitos espíritas sentem que é necessário ou desejável um posicionamento de caráter político. No artigo do nosso estimado amigo Roberto Rufo no Abertura do mês de setembro ele indaga ao comentar sobre um evento do coletivo Espíritas à esquerda: “politicamente sou de centro-direita. Tenho salvação? ”   Alexandre Cardia, nosso querido editor, afirma na mesma edição “temos publicado artigos de nossos articulistas, alguns de centro, outros mais à direita ou mais à esquerda”. A referência à esquerda, à direita ou ao centro está na ordem do dia no movimento espírita brasileiro.

Ricardo de Morais Nunes -12° SBPE


O que quero ressaltar, no entanto, nesse artigo, não é propriamente o posicionamento político que cada um entende melhor para si, o que é legitimo dentro de uma perspectiva de livre pensamento. Por exemplo, eu mesmo me situo em uma perspectiva de crítica ao capitalismo, por entender que o capitalismo, enquanto sistema econômico, precisa ser superado ou, pelo menos, reformado profundamente, pois efetivamente tem gerado abismos de desigualdade intransponíveis entre os seres humanos, criando de um lado uma restrita classe de privilegiados que tudo possuem ao excesso e, do outro, a grande maioria, uma população marginalizada excluída dos bens fundamentais à vida.  Nesse sentido, me coloco à esquerda em termos de posicionamento político, sem a menor hesitação.

Mas meu objetivo hoje não é analisar as posições de esquerda, centro ou direita existentes no movimento espírita brasileiro. Meu objetivo é chamar atenção para o fato de como as circunstâncias históricas objetivas mudam independentemente de nossas vontades pessoais e nos colocam desafios inesperados para a reflexão.

 Há alguns anos, no Brasil, o assunto fundamental no movimento espírita, para um importante número de pensadores, era sobre a natureza religiosa ou não do espiritismo, sobre a natureza cristã ou não do espiritismo. Esse foi o grande debate no qual estiveram envolvidos grandes pensadores, uns defendendo a natureza cristã e religiosa do espiritismo, outros defendendo a natureza laica e universal da proposta filosófica espírita. O debate era tão intenso que se criou naquela época uma lenda urbana ou, como diríamos hoje, uma “fake News”, de que alguns espíritas, no caso os laicos, queriam “tirar Jesus do espiritismo”.

 Na atualidade, no entanto, esse debate não deixou de ser relevante. Pelo contrário, como espírita laico e livre pensador entendo que este tema é fundamental para a melhor compreensão da obra de Allan Kardec, porém, esse tema cedeu muito espaço às questões políticas e sociais.

 Tais questões surgiram a partir de uma demanda da sociedade brasileira para que os espíritas se posicionassem quanto a sua visão de sociedade e política, dadas as crises e ameaças à democracia liberal brasileira. Não foi por acaso que surgiram os chamados coletivos espíritas, nos quais a preocupação social é evidente já a partir da denominação desses grupos.

Interessante observar, neste novo horizonte de discussão, que tem havido diálogos interessantes e fraternos entre espíritas laicos progressistas e espíritas religiosos progressistas. Assim como os espíritas conservadores também dialogam entre si sejam eles laicos ou religiosos.  As demarcações rígidas que tínhamos entre espíritas religiosos e não religiosos se atenuaram em parte por força da temática política e social e houve um processo de interação em nosso movimento espírita.  Nesse sentido, o adjetivo “progressista”, pode pertencer a espíritas laicos ou religiosos o mesmo ocorrendo com o adjetivo “conservador”.

É necessário chamar atenção que essa agenda temática se impôs de fora ao movimento espirita brasileiro e convocou os espíritas a pensar sobre as questões políticas e sociais de seu tempo e, a partir dessa reflexão, se dividiram em visões de mundo distintas. Essa situação nos mostra claramente como somos reféns, em boa medida, de nosso tempo histórico. Na verdade, o “Espírito do tempo” é a moldura sobre a qual se realiza nosso fazer filosófico.

O espiritismo, enquanto filosofia espiritualista, pode ser apto a acompanhar o devir das ideias. Mas também pode não acompanhar e ficar estagnado passando a se constituir em mais uma cosmovisão dogmática no campo do espiritualismo.

 Mais uma vez é necessário lembrar o acerto da famosa frase de Léon Denis: “O espiritismo será o que dele fizerem os homens”. Ou, em boa linguagem atual:  O espiritismo será o que dele fizerem os homens, as mulheres, e os integrantes da comunidade LGBTQI+ de nosso tempo.

 Uma coisa é certa em meio a esses novos enfoques e prioridades temáticas que abalam, mas também redirecionam o tradicional movimento espírita brasileiro. Não será fácil para a maioria dos espíritas, principalmente os que já militam há muitos anos no movimento espírita, se acostumarem a essa mudança de agenda temática. Surgirão muitos espíritas que não se reconhecerão sintonizados com esse novo tempo de reflexão espírita.

 A nossa tendência, como ser humano, é nos cristalizarmos em nossas idiossincrasias, é nos acomodarmos em nossas “verdades” e em nossas “certezas”. Porém, o novo sempre vem, e nos assusta. A verdade é que desejamos, mesmo que de forma inconsciente, que o tempo pare, na exata conformidade dos nossos anseios pessoais e de nosso mundo muito particular. Mas, felizmente, o mundo é maior que nossos desejos, que nossos condicionamentos, enfim, o mundo nos supera.

Artigo originalmente publicado na página 8 do Jornal Abertura de outubro de 2022. Se quiseres ver o jornal todo baixe:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/22-jornal-abertura-2022?download=202:jornal-abertura-outubro-de-2022