Justiça não é vingança
Em tempos de discussão sobre a redução da maioridade penal, chamou atenção depoimento com o título acima, publicado na Folha de São Paulo (28/4). Sua autora: a jornalista Luiza Pastor, 56. Ela foi estuprada quando tinha 19 anos por um menor com alentada folha policial que já fora detido várias vezes por fatos semelhantes. Levada por terceiros à delegacia, reconheceu o garoto delinquente, identificado como PS, e conheceu sua história: filho de uma prostituta, era criado pela avó, evangélica,“que tentara salvar-lhe a alma à custa de muitas surras”. A conversa que ouviu dos policiais foi de que não adiantava mantê-lo preso, coisa que, aliás, não fora pedida por ela. “Esse é dos tais que a gente prende e o juiz solta”, disseram, acrescentando: “O melhor mesmo é deixar ele escapar e mandar logo um tiro”. Não concordando com a solução, Luiza foi chamada de covarde e ainda teve de ouvir: “Se está com pena dele, vai ver que gostou!”.
Um destino implacável
Traumatiza com o fato, Luiza foi embora do país. Retornou depois de muitos anos. Agora, sempre que ouve falar em redução da maioridade penal recorda a história de PS, de quem nunca mais soube. Renova, então, a crença de que se o Estado não investir fortemente em educação dirigida a milhares de jovens em idênticas condições daquele, “teremos criminosos cada vez mais cruéis, formados e pós-graduados nas cadeias e ‘febens’ da vida”.
Se PS ainda vivesse, teria uns 50 anos, hoje. Mas, é quase certo que não vive mais. No Brasil, dificilmente alguém com seu perfil passa dos 30 anos. Morre antes, por doenças contraídas na cadeia, quando não abatido pela polícia ou em disputa com outros delinquentes.
A teoria e a prática
Teórica e tecnicamente, a redução da maioridade penal seria defensável. Um garoto de 15, 16 ou 17 anos, hoje, tem plena capacidade de entender o caráter criminoso de seus atos. Mas, na prática, de nada vai adiantar encarcerá-lo e submetê-lo às péssimas condições de nossos presídios, onde inevitavelmente se fará refém de bandos de experientes criminosos que comandam o ambiente prisional e coordenam, além de seus muros, a violência da qual todo o país se tornou igualmente refém. Sem qualquer possibilidade de aquisição de valores positivos que só o trabalho e a educação, desenvolvidos em ambiente minimante humanizado, poderiam lhes oferecer, esses garotos, que nem lar tiveram, simplesmente não têm chance de recuperação. A sociedade e o sistema os fizeram irrecuperáveis. E pena que não recupera é inócua. É vingança que nega a justiça.
Criminalidade e reencarnação
Numa concepção imediatista e materialista, a solução de “mandar logo um tiro”, sugerida pelo policial, poderia se justificar. À luz de um humanismo espiritualista, entretanto, estamos todos comprometidos uns com os outros. Criminalidade é doença da alma. E é contagiosa. O egoísmo de alguns, a injustiça social, o orgulho e a arrogância de tantos, a falta de solidariedade, são agentes desencadeadores do crime cujos efeitos atingem “culpados” e “inocentes”. Numa perspectiva imortalista e reencarnacionista, a ausência de políticas pedagógicas e de justiça social, no presente, assim como o exercício da vingança privada ou social, no lugar de uma justiça recuperadora, constituem-se em políticas a repercutirem negativamente nas sociedades do futuro. Adiar significa agravar. E já adiamos demasiadamente.
Hoje, ao ler a matéria do Milton Medran no Abertura, sentei e escrevi sobre o tema que ele aborda e divido com vocês a minha experiência sobre o assunto.
ResponderExcluirAno passado gerenciei a avaliação de um projeto social do Governo Federal junto a uma empresa de economia mista, e hoje, ao ler a matéria do Milton Medran que aborda o tema criminalidade não posso deixar de dar minha opinião sobre o assunto. Aqueles que me conhecem, sabem que nasci em família espirita e desde sempre participei de discussões sobre as controvertidas opiniões acerca de temas ligados a violência, causa e efeito e a tão citada frase utilizada “fora da caridade não há salvação”.
E não há mesmo! Em 2012, passei seis meses rodando o País, entrevistando jovens que participaram deste programa (jovens em situação de vulnerabilidade social e econômica, em alguns casos, essa vulnerabilidade era extrema) e afirmo que entrei para o projeto ignorante e saí dele graduada no que diz respeito a inversão de valores.
Vou resumir para que entendam a mudança do meu olhar com relação ao assunto, a história de um jovem, hoje com seus 20 e poucos anos, mas que entrou para o programa ainda menor de idade por insistência da mãe que já não sabia mais o que fazer para afastá-lo dos “amigos” que o levavam para o tão temido “mau caminho” das drogas, violência e do crime organizado.
Ao entrar para o programa, esse jovem conheceu uma realidade totalmente diferente à qual estava acostumado a ver diariamente. Ele tinha que acordar cedinho para ir à escola, da escola ia direto para o SENAI onde passava o resto do dia num curso de qualificação. Chegava em casa cansado e ainda tinha deveres para fazer e entregar no dia seguinte. Esse processo durou um ano e em seguida, mais um ano aprendendo sobre o ambiente corporativo já que saía da escola e ia direto para a empresa (para que entendam, as empresas, a partir da lei 10.097 tem que cumprir uma cota de jovens aprendizes) colocar em prática o que tinha aprendido no curso de qualificação. Ia trabalhar. Chegava em casa exausto e ainda tinha que fazer seu relatório para entregar no dia seguinte.
Durante o programa, este jovem recebeu salário, uniforme e benefícios, começou a entender a importância do trabalho, a responsabilidade com o dinheiro, mas segundo ele, o maior benefício foi a oportunidade de descobrir que a mudança comportamental transformou ele em exemplo na comunidade onde morava e a atitude de muitos “amigos” também mudou. Quando questionado sobre as dificuldades, a maior delas, segundo ele, foi deixar de ganhar um dinheiro que vinha de forma fácil com o tráfico e ter que escolher entre agir da forma certa ou perder a vida tão jovem sem a oportunidade de vivenciar algo diferente.
O conhecimento que ele adquiriu ajudou a mudar a sintonia, despertou nele o senso de responsabilidade, a vontade de crescer, e a influência dele acabou ajudando a diminuir a violência na comunidade e na escola. Os primos que antes ficavam na rua, passaram a frequentar a escola na esperança de também participar de um programa e mudar suas vidas. Os irmãos mais novos começaram a sentir orgulho e resolveram estudar. Alguns amigos se afastaram, outros se aproximaram, e muitos hoje trabalham e abriram mão do "dinheiro fácil".
Segue o comentário abaixo...
Beatriz de Domênico
Este jovem hoje é engenheiro, já comprou um apartamento, um carro, estimula com sua história outros jovens a estudar e se qualificar para o mercado de trabalho, ajuda os que tem dificuldades com reforço escolar, mas é seguro quando afirma que “sem uma oportunidade, nada disso teria acontecido e o carinho das pessoas me fez mudar o que eu sentia, mas não sabia” ( pronto! Fora da caridade realmente não há salvação).
ResponderExcluirEste rapaz acabou se tornando o case de sucesso da minha avaliação. Eu escutei muitas histórias, e meu senso crítico e olhar, começaram, assim como este rapaz, a mudar.
Eu achava até então, que entendia o suficiente sobre causa e efeito, mas foram necessários muitos depoimentos de jovens e familiares para que eu realmente chegasse a conclusão que não é só a criminalidade uma doença da alma. É preciso se aprofundar na causa, ir fundo mesmo, para entender o efeito. O pré conceito ainda é o impeditivo que acaba estimulando a continuidade da criminalidade. A gente sabe que o menor com uma arma na mão existe, mas não quer chegar perto para entender o porquê daquilo. Nem quando tiram a arma das mãos dele. De nada adianta diminuir a maioridade penal para 16 ou 14 anos. Essa atitude vai transferir para os de 12 e 13 o que os mais velhos fazem hoje.
Há a necessidade de alteração nas leis, no sentido de punir quem leva este adolescente a cometer o crime. Não existem políticas públicas claras e quem acaba cuidando do assunto é a sociedade. O Estado transfere para nós o que seria papel dele.
E uma vez transferido, podemos escolher se viramos reféns ou mudamos nosso comportamento.
A oportunidade bem conduzida e administrada pode sim mudar a realidade de uma pessoa, de uma família, de um bairro, cidade ou País.
Terminei meu projeto com um relatório contendo pouco mais de 180 páginas e saí dele me sentindo do avesso emocionalmente (e vejam, eu estou acostumada a escutar muito já que sou Ouvidora).
No final, esses jovens reconhecem o que conhecem, e é preciso contribuir para que eles desenvolvam capacidade reflexiva (hoje encontra-se adormecida somente) e possam despertar o senso moral. Acho que o caminho é esse...
Fica aqui meu abraço a todos do jornal Abertura e meu carinho pela família Régis.
Beatriz de Domênico
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