segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A Tragédia do Mundo Árabe - Marcelo Régis

Mil anos atrás, as maiores cidades mundiais, onde cultura, inovação e tolerância floresciam estavam quase todas no mundo islâmico. Bagdá, Damasco, Cairo e Córdoba eram centros dinâmicos de conhecimento, tolerância e comércio muito superiores e mais avançados que qualquer cidade ocidental. A tolerância religiosa sempre foi um marca do islamismo, onde judeus e cristãos eram respeitados e a conversão religiosa pela força não era uma marca – muito diferente do mundo ocidental com seus expurgos e perseguição sistemáticas principalmente aos judeus a longo da história. Hoje o mundo árabe islâmico se encontra quase que totalmente destruído, dominado pela miséria e fanatismo religioso que ameaça não só esses países como também a paz mundial. Os eventos capitaneados pelo grupo terrorista EI, com decapitação de inocentes transmitidas ao vivo e em cores, remete ao que pior pode oferecer a brutalidade da raça humana.



Por que os povos árabes islâmicos, têm falhado sistematicamente em criar países democráticos, abertos e mais felizes? Por que os mesmos não conseguem gerar riquezas e bem estar duradouro à uma população de mais de 350 milhões de pessoas, apesar da abundância de petróleo? O que faz essas sociedades tão susceptíveis a regimes totalitários e fanáticos? Com certeza esse atraso não tem nada a ver com a falta de habilidade, inteligência e outros atributos desses povos. Afinal somos todos espíritos providos das mesmas condições e anseios de liberdade e progresso.

A questão é complexa e não tenho a pretensão de analisar nesse artigo todas as interações e causas do problema. As mesmas são diversas, passando pelas consequências geopolíticas da 1a e 2a guerras mundiais que redefiniram de forma artificial fronteiras e domínios na área, o imperialismo ocidental e a influência soviética na área como consequência da guerra fria que definiram regimes e alianças, a transição rápida de uma sociedade rural e analfabeta para um mundo conectado onde as diferenças entre ricos e pobres são chocantemente visíveis e o abismo de riquezas imenso. Para piorar, tudo azeitado e inflamado pelas enormes reservas de petróleo existentes na área, colocando ainda mais lenha nessa fogueira ardente.

A questão que gostaria de ressaltar é como o fanatismo religioso desses estados tem uma clara influência causal na condição atual dos mesmos. O islamismo, ou as recentes interpretações da fé islâmica, está na raiz dos problemas desses povos. Na intepretação fundamentalista que domina a região, o estado laico não existe e estado e religião são intrinsicamente ligados, sendo que os representantes da fé definem leis e costumes. Também não existe separação clara entre a religião e poder judiciário, pois na maioria das vezes juízes são sacerdotes, os mesmos que fazem as leis, definem sua aplicação e punição aos desvios, criando uma sociedade tolhida e totalitária,  onde criatividade, diversidade e liberdade são inexistentes ou reprimidas aos máximo. Para piorar, mesmo entre os seguidores, são diversas as correntes de interpretação do Corão e parece que existe uma escalada absolutista entre os diversos grupos que lutam pelo poder e domínio na área, cada um oferecendo opções de sociedade mais totalitárias e bárbaras na tentativa de oferecer algum norte, algum caminho aos milhões de miseráveis que habitam a área. Esse norte politico-religioso também gerou economias de inspiração absolutistas, soviéticas onde o planejamento central e governamental domina a vida econômica. Como demonstrado em todas as experiências históricas, onde não existe liberdade econômica, onde o estado controla e planeja a sociedade com mão de ferro, onde não existe liberdade, também não existe crescimento, bem estar duradouro e progresso social.

Kardec sabiamente e há 157 anos atrás já vislumbrava os problemas que a mistura entre religião, estado e ciência ocasionava – afinal o ocidente teve séculos de experiência durante a Idade Média para experimentar na pele as mesmas. Por isso o mestre definiu o Espiritismo como ciência, separada da religião. A intenção era ver o mesmo livre da contaminação dogmática, absolutista que intrinsicamente toda e qualquer religião enseja – afinal não se pode criticar, ou alterar os dogmas aparentemente recebidos diretamente de Deus. Isso seria duvidar da onipotência e onisciência do Mesmo. Enquanto a Doutrina Espirita ainda discute o tema e a maioria de seus adeptos seguem a linha religiosa, o mundo ocidental, não sem muitos percalços e problemas, seguiu com a separação entre estado e religião, ciência e religião. Essa separação permitiu que a criatividade e inovação florescesse no ocidente a partir do Renascimento enquanto o mundo árabe islâmico fazia o caminho inverso.

Voltando ao mundo árabe islâmico, a situação é tão crítica, complexa e arraigada que é difícil vislumbrar uma melhoria a curto prazo. De fato, o risco é que a situação daquela área do globo, arraste o resto do planeta para uma grande crise e talvez algum conflito de proporções maiores.  Minha certeza é que somente os árabes podem mudar seu próprio destino e reverter o declínio de sua civilização. A esperança é que o acesso às mídias sociais, internet e mais informação possa causar uma mudança, que certamente passará pela revisão do papel da religião na sociedade e no estado, mais liberdade e tolerância tanto social quanto econômica.

Para nós espíritas, fica mais uma vez a lição de que a separação entre sagrado e profano, religião e ciência é um valor crucial para o progresso da humanidade e que o mesmo deve ser defendido  e propalado pelos espíritas, tanto dentro dos centros como na sociedade em geral. Kardec mostrou o caminho, cabe a nós seguí-lo e aperfeiçoá-lo. 

Artigo originalmente publicado no jornal ABERTURA em novembro de 2014.

Artigos Relacionados:



Nenhum comentário:

Postar um comentário