Mil anos
atrás, as maiores cidades mundiais, onde cultura, inovação e tolerância
floresciam estavam quase todas no mundo islâmico. Bagdá, Damasco, Cairo e Córdoba
eram centros dinâmicos de conhecimento, tolerância e comércio muito superiores
e mais avançados que qualquer cidade ocidental. A tolerância religiosa sempre
foi um marca do islamismo, onde judeus e cristãos eram respeitados e a
conversão religiosa pela força não era uma marca – muito diferente do mundo ocidental
com seus expurgos e perseguição sistemáticas principalmente aos judeus a longo
da história. Hoje o mundo árabe islâmico se encontra quase que totalmente
destruído, dominado pela miséria e fanatismo religioso que ameaça não só esses
países como também a paz mundial. Os eventos capitaneados pelo grupo terrorista
EI, com decapitação de inocentes transmitidas ao vivo e em cores, remete ao que
pior pode oferecer a brutalidade da raça humana.
Por que os
povos árabes islâmicos, têm falhado sistematicamente em criar países
democráticos, abertos e mais felizes? Por que os mesmos não conseguem gerar
riquezas e bem estar duradouro à uma população de mais de 350 milhões de
pessoas, apesar da abundância de petróleo? O que faz essas sociedades tão
susceptíveis a regimes totalitários e fanáticos? Com certeza esse atraso não
tem nada a ver com a falta de habilidade, inteligência e outros atributos
desses povos. Afinal somos todos espíritos providos das mesmas condições e
anseios de liberdade e progresso.
A questão é
complexa e não tenho a pretensão de analisar nesse artigo todas as interações e
causas do problema. As mesmas são diversas, passando pelas consequências geopolíticas
da 1a e 2a guerras mundiais que redefiniram de forma
artificial fronteiras e domínios na área, o imperialismo ocidental e a influência
soviética na área como consequência da guerra fria que definiram regimes e
alianças, a transição rápida de uma sociedade rural e analfabeta para um mundo
conectado onde as diferenças entre ricos e pobres são chocantemente visíveis e
o abismo de riquezas imenso. Para piorar, tudo azeitado e inflamado pelas
enormes reservas de petróleo existentes na área, colocando ainda mais lenha
nessa fogueira ardente.
A questão que
gostaria de ressaltar é como o fanatismo religioso desses estados tem uma clara
influência causal na condição atual dos mesmos. O islamismo, ou as recentes
interpretações da fé islâmica, está na raiz dos problemas desses povos. Na
intepretação fundamentalista que domina a região, o estado laico não existe e
estado e religião são intrinsicamente ligados, sendo que os representantes da
fé definem leis e costumes. Também não existe separação clara entre a religião
e poder judiciário, pois na maioria das vezes juízes são sacerdotes, os mesmos
que fazem as leis, definem sua aplicação e punição aos desvios, criando uma
sociedade tolhida e totalitária, onde criatividade,
diversidade e liberdade são inexistentes ou reprimidas aos máximo. Para piorar,
mesmo entre os seguidores, são diversas as correntes de interpretação do Corão
e parece que existe uma escalada absolutista entre os diversos grupos que lutam
pelo poder e domínio na área, cada um oferecendo opções de sociedade mais totalitárias
e bárbaras na tentativa de oferecer algum norte, algum caminho aos milhões de
miseráveis que habitam a área. Esse norte politico-religioso também gerou
economias de inspiração absolutistas, soviéticas onde o planejamento central e
governamental domina a vida econômica. Como demonstrado em todas as
experiências históricas, onde não existe liberdade econômica, onde o estado
controla e planeja a sociedade com mão de ferro, onde não existe liberdade,
também não existe crescimento, bem estar duradouro e progresso social.
Kardec
sabiamente e há 157 anos atrás já vislumbrava os problemas que a mistura entre
religião, estado e ciência ocasionava – afinal o ocidente teve séculos de
experiência durante a Idade Média para experimentar na pele as mesmas. Por isso
o mestre definiu o Espiritismo como ciência, separada da religião. A intenção
era ver o mesmo livre da contaminação dogmática, absolutista que
intrinsicamente toda e qualquer religião enseja – afinal não se pode criticar,
ou alterar os dogmas aparentemente recebidos diretamente de Deus. Isso seria
duvidar da onipotência e onisciência do Mesmo. Enquanto a Doutrina Espirita
ainda discute o tema e a maioria de seus adeptos seguem a linha religiosa, o
mundo ocidental, não sem muitos percalços e problemas, seguiu com a separação
entre estado e religião, ciência e religião. Essa separação permitiu que a
criatividade e inovação florescesse no ocidente a partir do Renascimento
enquanto o mundo árabe islâmico fazia o caminho inverso.
Voltando ao
mundo árabe islâmico, a situação é tão crítica, complexa e arraigada que é
difícil vislumbrar uma melhoria a curto prazo. De fato, o risco é que a
situação daquela área do globo, arraste o resto do planeta para uma grande
crise e talvez algum conflito de proporções maiores. Minha certeza é que somente os árabes podem
mudar seu próprio destino e reverter o declínio de sua civilização. A esperança
é que o acesso às mídias sociais, internet e mais informação possa causar uma
mudança, que certamente passará pela revisão do papel da religião na sociedade
e no estado, mais liberdade e tolerância tanto social quanto econômica.
Para nós espíritas,
fica mais uma vez a lição de que a separação entre sagrado e profano, religião
e ciência é um valor crucial para o progresso da humanidade e que o mesmo deve
ser defendido e propalado pelos espíritas,
tanto dentro dos centros como na sociedade em geral. Kardec mostrou o caminho,
cabe a nós seguí-lo e aperfeiçoá-lo.
Artigo originalmente publicado no jornal ABERTURA em novembro de 2014.
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