Desumanização do Espiritismo?
Uma pessoa desencarna dentro das
dependências da Federação Espírita do Estado de São Paulo e a família busca por
informações com os dirigentes da casa. Segundo noticias, os responsáveis pela
FEESP limitaram informações, dificultaram buscas e trataram friamente o caso,
até encontrar, no banheiro, dois dias depois, o corpo do desaparecido, sendo
obrigados a notificar os parentes para as devidas providências. Alguns traços apontados como frieza no
tratamento ao fato em si e à família, levaram a Jornalista Dora Incontri a
escrever um pertinente relato sobre a “desumanização do espiritismo” (www.blogabpe.org).
Foi massacrada e ovacionada nas redes
sociais, com recorde de leitura, reposts, compartilhamentos e comentários sobre
o assunto, como não devia deixar de ser. Diante da repercussão, Dora escreveu novo texto, tão brilhante quanto o
primeiro, trazendo relatos semelhantes de falta de trato entre os Espiritas e,
como não poderia deixar de ser, propostas de solução à questão.
Apontando as brigas por poder e a
Institucionalização demasiada no movimento Espirita moderno – e não apenas na
FEESP – como possíveis responsáveis pela postura observada em tantas casas,
Dora expôs uma ferida velada, mas sentida por muitos. A mecanização no
funcionamento das reuniões, as grades a cumprir, os trabalhos a entregar, os
números a aumentar, as parcerias a fazer, os convidados obrigatórios a
palestrar e tantas outras atividades “fordianas” que tomaram conta das rotinas
nos centros, ocupou o lugar antes reservado à caridade, ao assistencialismo, ao
abraço fraterno, ao conhecer os nomes e as famílias e as dores de cada
freqüentador.
Discutir a “Desumanização do Espiritismo” deveria
ser tão absurdamente redundante quanto ainda termos que falar em preconceito
racial, em diferença entre sexos no mercado de trabalho, em aceitar ou não as
opções sexuais – por nós há muito tempo defendido como assunto que já nem
mereceria mais espaço, dada a obviedade humanística. É ultrajante saber que o
Espiritismo está Desumano, uma vez que o objeto principal da doutrina Espírita
é o Ser Humano, sua essência, encarnada ou desencarnada.
É percebida, em diferentes cidades e
diferentes casas, uma necessidade geral da retomada de um Espiritismo próximo,
pessoal, caridoso, que foi se distanciando há tempos, com a chegada de agendas
lotadas de atualizações filosóficas – necessárias também – que, na verdade
mesmo, resultaram em pouca mudança prática no Espiritismo. A era da atualização
foi necessária, era preciso romper, foi preciso estabelecer novos horizontes.
Mas pecamos em deixar em segundo plano o lado mais precioso da Doutrina: os
Espíritas. Aqueles que sentam nos bancos em busca de algo: consolo, passe
(chame como quiser), estudo, conversa, ouvir, ser ouvido, fazer parte,
sentir-se integrante. E que estão a mercê de diretorias com metas a cumprir,
prazos, planejamentos nem sempre alinhados aos interesses dos principais
interessados: eles mesmos, os próprios
frequentadores.
Quantos de nós sabe os nomes dos novos
freqüentadores, quantos filhos possuem, seus dramas pessoais, seus interesses a
curto e médio prazo no centro? Quantos se preocuparam em ajudar, com pouco que
seja, uma instituição assistencial necessitada – mas não aquela, que ajudamos
sempre? Quanta ajuda, genuína, oferecemos àquele companheiro de casa que está
desempregado, que perdeu um ente querido, que está doente? Estamos sabendo
aproveitar o talento humano que passa pelos bancos espíritas, ou estamos apenas
os direcionando para a reunião X, Y, Z de atendimento? A desumanização ou humanização Espirita, não é
lá, longe, na FEESP. É uma postura diária, no nosso centro, no nosso Eu. É o
olhar o outro, mas, sobretudo, a si mesmo e perguntar onde foi parar aquele
Espírita, de ideal, que fazia campanha assistencial, que era famoso por
palestras cheias de compaixão e que abraçava, um a um, os companheiros de
jornada.
Artigo originalmente publicado na edição de agosto de 2017 no jornal ABERTURA
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