XV
SIMPÓSIO BRASILEIRO DO PENSAMENTO ESPÍRITA
SANTOS/BRASIL
- NOVEMBRO DE 2017
QUAL
DEVE SER O PAPEL DOS ESPÍRITAS E SUAS INSTITUIÇÕES PERANTE AS QUESTÕES POLÍTICAS
E SOCIAIS?
Autor:
Ricardo de Morais Nunes
Ricardo de Morais Nunes
INTRODUÇÃO
Por ocasião da proposta que fiz aos associados da
CEPABrasil, instituição filiada a Associação Espírita Internacional- CEPA,
visando a publicação de um manifesto de caráter político e social, não
partidário, tratando do atual momento político brasileiro, refleti
profundamente sobre o papel dos espíritas e suas instituições no enfrentamento
de questões desta natureza. Naquela oportunidade, quando debatemos sobre a
oportunidade ou não de um manifesto em nome da CEPABrasil, a maioria dos
companheiros se revelaram favoráveis ao posicionamento dos espíritas laicos
frente aos problemas brasileiros daquele momento histórico. Alguns poucos
companheiros, no entanto, protestaram, de forma um tanto veemente, argumentando
que estávamos desvirtuando os objetivos da instituição com aquela iniciativa.
Devo confessar que fiquei um pouco surpreso com a
intolerância de algumas reações adversas, porém as considerei dialeticamente,
como fazendo parte de um natural processo de discussão de temas que, ao final
das contas, devo reconhecer, são polêmicos por natureza. É necessário dizer, no
entanto, que o referido manifesto não tinha nada que, a meu ver, não se
constituísse ou pudesse se constituir em uma aspiração natural de qualquer espírita
brasileiro. Por isto minha surpresa. O manifesto, que foi efetivamente
publicado em novembro de 2016, com a colaboração autoral de vários associados
da CEPABrasil, defendia, em linhas gerais, um Brasil democrático, soberano,
ético e com justiça social.
Acusaram-me à época de trazer minhas próprias paixões
políticas para o espiritismo. Entre outras coisas, fui acusado de defensor da
CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do PT (Partido dos Trabalhadores),
instituições envolvidas nos últimos tempos no centro das polêmicas políticas brasileiras.
Não que eu tenha alguma coisa contra a CUT, PT, ou qualquer outra designação
partidária de esquerda. Valorizo, como o professor Antônio Candido, a
importância das variadas propostas socialistas na história, considero-as “triunfantes”,
pois funcionaram e funcionam como importante contraponto ao egoísmo e
individualismo do capital. Porém, o que me motivou não foi este objetivo, pois
nem mesmo sou filiado a qualquer partido. O que me motivou foi justamente a
ideia de que o espiritismo possui um pensamento social generoso
Passei a refletir, por ocasião daquela polêmica, sobre
algumas teses muito comuns encontradas no movimento espírita a respeito do
envolvimento dos espíritas nas questões políticas e sociais. Uma tese muito
frequente é a da neutralidade perante tais questões. Segundo o pensamento de
alguns, as instituições espíritas não devem tomar partido. Esta tese defende que política e espiritismo
não se misturam. Assim, os espíritas organizados devem ficar distantes deste
tipo de polêmica, sob pena de envolver o espiritismo em questões que não são de
sua competência. O máximo admitido pelos adeptos da tese da neutralidade, é que
o espírita, enquanto cidadão, participe da vida política se assim o desejar,
porém sem envolver as instituições espíritas nestas questões.
Verifiquei, igualmente, ser muito comum a tese de que a
evolução moral do homem e, por consequência, da sociedade, ao longo do processo
histórico, levará o mundo a um estado melhor de coisas. Indubitavelmente, tal
teoria nos conduz a esperança e é dotada de uma lógica intrínseca do ponto de
vista kardecista, mas, infelizmente, seu efeito principal é induzir os
espíritas a um grau de paciência e passividade infinitas, a fim de aguardar a
transformação do mundo pelo aperfeiçoamento de cada homem individual. Em termos
práticos, este argumento funciona como justificativa para a não participação
dos espíritas e suas instituições em temas políticos e sociais.
Também é muito frequente encontrarmos uma visão
conservadora a respeito dos objetivos da reencarnação, a qual muitas vezes é
interpretada como uma espécie de pagamento de dívidas do passado, a justificar,
portanto, as injustiças sociais. Para muitos espíritas, os que moram nas
inúmeras favelas ou comunidades espalhadas pelo Brasil estão “pagando” os erros
de vidas anteriores, nas quais foram egoístas e gastaram avaramente sua riqueza.
Tal teoria possui característica conservadora e busca legitimar o status quo.
Observei, também, que o espírita, quando toca em problemas
de caráter político, normalmente pensa apenas no indivíduo, e quase nunca
reflete a respeito das estruturas econômicas e sociais garantidoras das injustiças.
Frequentemente, os espíritas não fazem uso de um pensamento sociológico crítico
em relação às questões da vida em sociedade e acabam por apostar todas as
possibilidades de melhoria do mundo na chamada “reforma íntima”.
Iniciarei o presente artigo fazendo um levantamento
exemplificativo de como O Livro dos
Espíritos trata algumas questões de caráter político e social. Discorrerei
também sobre a posição de um dos mais respeitados pensadores espíritas de todos
os tempos, Manuel S. Porteiro, e sua contribuição para melhor equacionamento
desta controversa questão. Finalmente, refletirei sobre a necessidade dos
espíritas prestarem atenção a uma questão importante de nosso tempo: o
ressurgimento do neoliberalismo, sistema de pensamento político-econômico, que
pretende o desmonte do chamado Estado de bem-estar social.
O que pretendo com o presente estudo é apenas refletir
sobre o melhor posicionamento dos espíritas e, principalmente, das instituições
espíritas frente aos problemas da sociedade. Esta reflexão se faz importante
porque sabemos que o silencio ou a neutralidade são também formas de tomar
partido, por isso precisamos ter claro, principalmente como espíritas laicos, que
enxergam valor no adjetivo progressista, qual o melhor caminho a ser seguido: o
do silêncio ou do posicionamento.
É necessário esclarecer, entretanto, que o presente artigo
não irá defender que as instituições espíritas, centros, federações,
associações nacionais e internacionais, atuem como partidos políticos ou que
defendam um determinado partido na busca pelo poder político. Entendo que não é
este o objetivo do espiritismo. Porém, o espiritismo, enquanto filosofia,
possui consequências morais, as quais, necessariamente, se expandem para
princípios, valores e práticas da vida social.
Defendo que os espíritas, portanto, devem encontrar um
justo equilíbrio, pois se é certo que não devem absorver as demandas de caráter
político e social, pois não são efetivamente um partido político, ao mesmo
tempo, não devem ficar alienados dos problemas referentes à morada terrestre do
espírito encarnado. Entendo que uma postura adequada dos espíritas nestas
questões trata-se de uma obrigação moral, principalmente em razão da
importância social das instituições espíritas na sociedade brasileira. A
verdade é que a sociedade brasileira, onde se encontra o maior movimento
espírita do mundo, tem o direito de conhecer o que pensam os espíritas nestes importantes
temas.
As associações espíritas brasileiras têm se notabilizado ao
longo da história por uma profunda preocupação e atuação de caráter social
através dos serviços de beneficência material e da criação de hospitais,
escolas, creches, asilos, bem como outras variadas atividades de serviço ao próximo,
o que certamente dá a estas instituições legitimidade para pensar e opinar
sobre os desenvolvimentos políticos, econômicos e sociais do Brasil.
O presente estudo,
portanto, tem como objetivo maior refletir sobre a importância da participação
das sociedades espíritas, enquanto instituições da sociedade civil, nas
questões políticas e sociais. Visa defender a necessidade das instituições espíritas
se tornarem uma voz de caráter moral, comprometida explicitamente, de modo
inequívoco, com os valores da democracia, justiça social, ética, humanismo e
desenvolvimento econômico com vistas ao benefício de todos.
Quanto a
participação individual dos espíritas na vida política, parece não haver divergência
maior quanto a esta possibilidade. Os exemplos de participação de espíritas na
atividade política são inúmeros, inclusive ocupando importantes cargos nas
esferas executiva e legislativa. De Bezerra de Menezes a Arthur Chioro,
passando por Cairbar Schutel, Eusínio Lavigne e Freitas Nobre, entre tantos
outros exemplos, temos uma excelente amostra de que os espíritas, enquanto cidadãos,
já atuam na esfera política há muito tempo.
QUESTÕES POLÍTICAS E SOCIAIS
EM O LIVRO DOS ESPÍRITOS
Muitos espíritas fundamentam a tese da neutralidade em
temas de caráter político baseados no estatuto da sociedade parisiense de
estudos espíritas, fundada por Allan Kardec, que vedava a discussão de temas
políticos em suas atividades. Segundo o artigo primeiro do referido regulamento:
“A
Sociedade tem por objeto o estudo de todos os fenômenos relativos às
manifestações espíritas, e sua aplicação às ciências morais, físicas,
históricas e psicológicas. As questões políticas, de controvérsia religiosa e
de economia social, nela são interditadas”
No entanto, o espiritismo foi fundado por Allan Kardec em
um período de grandes agitações políticas e sociais. Para termos clareza deste
fato, basta lembrar que o nascimento do espiritismo em 1857 situou-se entre a
revolução francesa de 1789, com seus ideais de igualdade, liberdade e fraternidade,
e a comuna de Paris, em 1871, primeira revolução operária a tomar o poder na
cidade de Paris, revolução que foi violentamente derrotada.
Quando abrimos, portanto, O Livro dos Espíritos, ali
encontramos várias teses de caráter político e social. Se não encontramos um
livro partidário no sentido de tomar partido no que diz respeito às disputas
pelo poder daquele momento histórico, encontramos uma obra que abrange várias
questões relevantes de caráter político e social, próprias daquele período
histórico, mas que representam problemas universais ainda vigentes na
atualidade.
O Livro dos Espíritos não é um livro metafísico que busca
descolar o homem de sua realidade concreta. Observamos na obra inaugural da
filosofia espírita a discussão de vários temas importantes. Questões como
liberdade de pensamento, igualdade da mulher, direito de propriedade,
organização social e muitas outras ali estão presentes através de uma reflexão
avançada tanto da parte dos Espíritos quanto de Allan Kardec.
Portanto, é incorreto dizer que O livro dos Espíritos é um
livro neutro em questões de natureza política e social. De modo algum. É um
livro que se posiciona corajosamente sobre vários assuntos. Por exemplo, a
questão da escravidão. Muitos países à época ainda eram escravagistas e o Livro
dos Espíritos condena a escravidão. Para bem entendermos a importância deste posicionamento
na obra espírita, é necessário termos em mente que a escravidão não era apenas
uma questão moral, mas um problema de caráter econômico, ou seja, havia toda uma
estrutura econômica em vários países, inclusive no Brasil, assentada sobre a
base escravagista. Mas, o espiritismo, em seu livro fundamental, não se omitiu,
se posicionou, certamente contrariando interesses poderosos.
Outro exemplo interessante é a visão crítica que
encontramos em O Livro dos Espíritos sobre o direito de propriedade. Os Espíritos,
em sua visão crítica da propriedade, afirmam, no melhor estilo de Proudhon, que
muitas vezes a propriedade é produto “da astúcia e do roubo”. No período de
elaboração do espiritismo, século XIX, a França estava no processo inicial de
seu desenvolvimento capitalista, no qual a acumulação de bens, muitas vezes a
qualquer custo, era o valor social a ser seguido. Mesmo assim os Espíritos
criticam a propriedade adquirida em prejuízo dos outros, através da exploração dos
mais fracos e da desonestidade. Os Espíritos chegam a falar em “necessário e
supérfluo” no que diz respeito a posse de bens materiais. Existe alguma coisa
mais anticapitalista do que esta distinção, quando consideramos que o
capitalismo nos induz ao consumo do supérfluo?
Kardec e os Espíritos enfrentam várias questões oferecendo
um norte para o que podemos chamar de pensamento social espírita. Não é por
acaso que ao longo da história do espiritismo surgiram vários pensadores espíritas
que refletiram sobre as questões políticas e sociais com profundidade como Léon
Denis, Manuel Porteiro, Humberto Mariotti, Herculano Pires e muitos outros.
Infelizmente, o espiritismo ao tornar-se uma religião
perdeu muito deste aspecto filosófico combativo, inclusive, em relação as
questões da sociedade. O espiritismo tornou-se uma doutrina apolítica,
intimista, distanciada das questões da sociedade e do mundo, pela qual se
espera a “salvação” nas esferas de “nosso lar” e outras regiões espirituais. E
as instituições espíritas, de forma geral, também foram por este caminho.
Tornaram-se igrejas e não escolas de pensamento para educação integral do espírito.
Veremos a seguir, nas perguntas de Allan Kardec e nas
respostas dos Espíritos, que o espiritismo, desde sua obra inaugural, O Livro
dos Espíritos, posicionou-se firmemente em relação a várias questões
fundamentais da vida social e claramente tomou partido, visando a construção de
uma sociedade humanista, na qual a liberdade e a justiça social se façam presentes.
QUESTÕES TRABALHISTAS E
PREVIDENCIÁRIAS
684- Que pensar dos que
abusam da autoridade para impor aos seus inferiores um excesso de trabalho?
R: É uma das piores ações.
Todo homem que tem o poder de dirigir é responsável pelo excesso de trabalho
que impõe aos seus inferiores., porque transgride a lei de Deus.
685- O
homem tem direito ao repouso na sua velhice?
R: Sim, pois não está obrigado
a nada, senão na proporção de suas forças.
685ª -
Mas o que fará o velho que precisa trabalhar para viver e não pode?
R: O forte deve trabalhar para
o fraco; na falta da família, a sociedade deve ampará-lo: é a lei da caridade.
SOBRE O ACESSO UNIVERSAL AOS
BENS
711- O
uso dos bens da terra é um direito de todos os homens?
R: Esse direito é a
consequência da necessidade de viver...
717-
Que pensar dos que açambarcam os bens da terra para se proporcionarem o
supérfluo, em prejuízo dos que não têm sequer o necessário?
R: Desconhecem a lei de Deus e
terão de responder pelas privações que ocasionarem.
719- O
homem é censurável por procurar o bem-estar?
R: O bem-estar é um desejo
natural. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação, e não
considera um crime a procura do bem-estar se este não for conquistado à
expensas de alguém...
SOBRE
A PENA DE MORTE
761- A
lei de conservação dá ao homem o direito de preservar a sua própria vida; não
aplica ele esse direito quando elimina da sociedade um membro perigoso?
R: Há outros meios de se
preservar do perigo, sem matar. É necessário, aliás, abrir ao criminoso e não
fechar a porta do arrependimento.
SOBRE AS DESIGUALDADES SOCIAIS
806- A
desigualdade das condições sociais é uma lei natural?
R: Não; é obra do homem e não
de Deus.
808- A
desigualdade das riquezas não tem sua origem na desigualdade das faculdades,
que dão a uns mais meios de adquirir do que a outros?
R: Sim e não. Que dizes da
astúcia e do roubo?
811- A
igualdade absoluta das riquezas é possível e existiu alguma vez?
R: Não, não é possível. A
diversidade das faculdades e dos caracteres se opõe a isso.
SOBRE
A IGUALDADE DE DIREITOS ENTRE HOMENS E MULHERES
817- O
homem e a mulher são iguais perante Deus e têm os mesmos direitos?
R: Deus não deu a ambos a
inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?
818-
De onde procede a inferioridade moral da mulher em certas regiões?
R: Do domínio injusto e cruel
que o homem exerceu sobre ela. Uma consequência das instituições sociais e do
abuso da força sobre a debilidade Entre os homens pouco adiantados do ponto de
vista moral a força é o direito.
SOBRE A ESCRAVIDÃO
829-
Há homens naturalmente destinados a ser propriedade de outros homens?
R: Toda sujeição absoluta de
um homem a outro é contrária à lei de Deus. A escravidão é um abuso da força e
desaparecerá com o progresso, como pouco a pouco desaparecerão todos os abusos.
SOBRE A LIBERDADE DE
PENSAMENTO
833-
Há no homem qualquer coisa que escape a todo o constrangimento, e pela qual ele
goze de uma liberdade absoluta?
R: É pelo pensamento que o
homem goza de uma liberdade sem limites, porque o pen-samento não conhece
entraves. Pode impedir-se a sua manifestação, mas não aniquilá-lo.
SOBRE A LIBERDADE DE
CONSCIÊNCIA
837-
Qual o resultado dos entraves à liberdade de consciência?
R: Constranger os homens de
maneira diversa ao seu modo de pensar, o que é torna-los hipócritas. A
liberdade de consciência é uma das características da verdadeira civilização e
do progresso.
SOBRE A LIBERDADE DE CRENÇA
838-
Toda a crença é respeitável, ainda mesmo quando notoriamente falsa?
R: Toda crença é respeitável
quando é sincera e conduz à prática do bem. As crenças reprováveis são as que
conduzem ao mal.
SOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE
883- O
desejo de possuir é natural?
R:Sim, mas quando o homem só
deseja para si e para sua satisfação pessoal, é egoísmo.
884- Qual é o caráter da
propriedade legítima?
R: Só há uma propriedade
legítima, a que foi adquirida sem prejuízo para os outros.
SOBRE O CARÁTER DA VERDADEIRA
JUSTIÇA
875-
Como se pode definir a justiça?
R: A justiça consiste no
respeito aos direitos de cada um.
876-
Fora do direito consagrado pela lei humana, qual a base da justiça fundada
sobre a lei natural?
R: O Cristo vos disse: “Querer
para os outros o que quereis para vós mesmos”. Deus pôs no coração do homem a
regra de toda a verdadeira justiça, pelo desejo que tem cada um de ver os seus
direitos respeitados. Na incerteza do que deve fazer para o semelhante, em uma
dada circunstância, que o homem pergunte a si mesmo como desejaria que agissem com
ele. Deus não lhe poderia dar um guia mais seguro que a sua própria consciência.
SOBRE A ORGANIZAÇÃO SOCIAL
930- É evidente que sem
os preconceitos sociais, pelos quais se deixa dominar, o homem sempre
encontraria um trabalho qualquer que o pudesse ajudar a viver, mesmo deslocado
de sua posição. Mas entre as pessoas que não têm preconceitos ou que os põem de
lado, não há as que estão impossibilitadas de prover às suas necessidades em
consequência de moléstias ou outras causas independentes de sua vontade?
R: numa sociedade organizada
segundo a lei do Cristo, ninguém deve morrer de fome.
MANUEL S. PORTEIRO: UM ESPÍRITA
QUE COMPREENDEU A IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO POLÍTICA E SOCIAL DO ESPIRITISMO
Manuel Porteiro foi um importante pensador espírita
argentino, que viveu na primeira metade do século XX. Foi presidente da C.E.A.,
Confederação Espírita Argentina, bem como se tornou um filósofo espírita
profundo, que deixou sua marca na bibliografia espírita internacional e influenciou
pensadores espíritas por todo o mundo.
Não é meu objetivo aqui discorrer sobre a biografia de
Porteiro, para esta finalidade indico a excelente obra o “O pensamento vivo de
Porteiro” de Jon Aizpúrua, e recomendo, também, um artigo de minha autoria, que
pode ser encontrado na internet, no site do CPDoc, cujo título é “Breve estudo
comparativo sobre a reflexão socialista de Léon Denis e Manuel Porteiro”, no
qual também podem ser encontrados dados biográficos do ilustre pensador
argentino.
Na presente reflexão quero destacar apenas que Porteiro foi
um espírita de profunda preocupação com as questões sociais. Em vários momentos
de sua obra se coloca contra as injustiças do sistema capitalista de produção,
visando realizar uma crítica filosófica espírita às questões econômicas,
políticas e sociais de seu tempo. Jamais se conformou como uma postura
conservadora, pois entendia que o espiritismo deveria ser uma filosofia progressista,
inclusive no que diz respeito à postura do espírita no mundo.
Esta característica de Porteiro ficou evidenciada no
exercício da presidência da Confederação Espírita Argentina, oportunidade em
que se revelou sintonizado com todas as teses progressistas de seu período
histórico, bem como em sua brilhante participação, como representante da C.E.A.,
no congresso de Barcelona de 1934, no qual defendeu duas teses fundamentais: que
o espiritismo não era uma religião e que o
espiritismo necessariamente possui preocupações sociológicas. Falarei um
pouco sobre a participação de Porteiro nestes dois importantes momentos da
história do espiritismo, especificamente sobre suas preocupações sociais.
PORTEIRO NA PRESIDÊNCIA DA
C.E.A.
De abril de 1934 a março de 1935, Porteiro exerce a
presidência da Confederação Espírita Argentina e se põe a trabalhar
intensamente para colocar o espiritismo em um caminho filosófico progressista,
a partir da negação do caráter religioso do espiritismo e, ao mesmo tempo,
afirmando as profundas consequências morais e sociológicas da filosofia espírita.
Trabalhou incansavelmente escrevendo artigos para a imprensa espírita de seu
tempo, bem como se colocou a visitar inúmeras sociedades espíritas. Segundo Jon
Aizpúrua:
“Porteiro
era um incansável mobilizador de opiniões. Quantos estivessem dispostos a
ouvi-lo, e aos muitos que não estavam, lhes apresentava um Espiritismo dinâmico
e renovador capaz de guiar o mundo para a sua liberação moral, social e
espiritual. Ao assumir a presidência da C.E.A. se propôs a visitar a maior
quantidade de grupos espíritas que lhe fosse possível e levar mediante
conversas públicas sua mensagem esclarecedora”.
Porteiro não via no espiritismo uma filosofia de alienação,
de renúncia ao mundo. Acreditava, o ilustre pensador espírita, que o
espiritismo tinha um potencial revolucionário, no sentido da mudança do
paradigma existencial e social do homem, visando não apenas o conhecimento das
questões de além-túmulo, mas também as questões terrenas, sociais. Ainda Aizpúrua
nos fala:
“Porteiro
com insistência falou do Espiritismo como doutrina revolucionária, querendo
dizer com esta palavra que propõe ao homem mudanças radicais em sua maneira de
pensar e de atuar. Um Espiritismo que traz como missão revelar a vida no plano
espiritual e com a finalidade de melhorar as condições dos seres, agora, no
plano material. Opunha-se a uma interpretação distorcida do Espiritismo,
apresentado como uma religião, ou como uma ideologia conservadora, alienante,
que justifique, em nome do “karma” as desigualdades sociais e adormece os
espíritos em uma atitude de inércia ou de cumplicidade, esperando a “salvação”.
A Confederação Espírita Argentina, sob a presidência de
Porteiro, lançou, na revista La Idea, de janeiro-fevereiro de 1935, um
“programa de ação da C.E.A.”. Este programa de ação foi preparado pela “Mesa Diretiva, lido no Conselho Federal e apresentado
à consideração e estudo das sociedades confederadas”. Neste documento,
encontramos a proposta de várias ideias interessantíssimas a respeito da
natureza do espiritismo, bem como em relação às questões de caráter político e social.
Nas “considerações gerais” do
referido programa, encontramos a seguinte afirmação preliminar:
“Antes
de pontuar plenamente o programa de ação da C.E.A. acreditamos ser
imprescindível fazer algumas considerações preliminares que justificariam
amplamente a necessidade imperiosa de traçar rumos ao Espiritismo no país, para
que este marche pela senda que há de conduzir à realização dos grandes
postulados científicos, filosóficos, morais e sociais que surgem da mesma
doutrina, dos quais a humanidade tanto necessita nesses momentos importantes de
sua evolução”.
Em seu programa de ação a C.E.A., sob a inspiração de
Porteiro, define o espiritismo como uma ciência integral:
”Porque
abarca todas as fases e manifestações da vida; resume todos os conhecimentos e disciplinas
do espírito, como as ciências em geral, filosofia, estética, moral e sociologia;
porque estuda o espírito e as relações deste com a matéria, da alma humana no
corpo; do homem com os demais seres viventes; do indivíduo com a sociedade; de
sua causalidade moral com o determinismo histórico, o meio social e as
condições econômicas”.
Quanto ao aspecto sociológico do espiritismo, diz Porteiro
e seus companheiros da direção da C.E.A., através do programa de ação:
“Como
sociologia o espiritismo encaminha-se para a constituição de um sistema social,
sem classes nem privilégios, em que todos os homens possam produzir segundo
suas forças e suas aptidões e consumam segundo suas necessidades. Para tão alta
finalidade, fundamenta-se nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade
que postula a doutrina. Seu elevado conceito de solidariedade humana não é compatível
com nenhuma classe de despotismo nem de exploração do homem pelo próprio homem”.
Aquele importante documento histórico chega a propor a criação
de uma cátedra de sociologia, visando o aprofundamento do estudo das questões
políticas e sociais pelos espíritas. Em pleno Brasil de início do século XXI,
época de redes sociais e opiniões nem sempre bem fundamentadas, talvez já
possamos compreender o quão importante seria esta cadeira de sociologia, com
vistas ao aprimoramento dos estudos sociológicos dos espíritas, inclusive, os
de nosso tempo. Diz o projeto:
“A
C.E.A. patrocinará a criação de uma cátedra de sociologia que consulte todas as
questões ou problemas de ordem econômica e social, a partir do ponto de vista
objetivo e de acordo com os princípios morais de liberdade, igualdade e
fraternidade que postulam o Espiritismo, confrontando e assimilando-os, dentro
do conceito espiritista da vida, com as teorias econômicas e sociais daqueles
ideais que buscam a realização de uma sociedade melhor”.
A PARTICIPAÇÃO DE PORTEIRO NO
CONGRESSO ESPÍRITA INTERNACIONAL DE BARCELONA EM 1934
Manuel Porteiro e Humberto Mariotti, cheios de idealismo,
se encarregaram de levar as ideias progressistas da C.E.A. para o congresso espírita
de Barcelona, realizado no ano de 1934. Embarcaram entusiasmados em um navio
para a Espanha, pensando que suas ideias seriam bem recebidas naquele
importante evento internacional espírita. Segundo Jon Aizpúrua: “Em 4 de agosto partem para a Espanha os delegados
argentinos. Vão entusiasmados, pensando que seu projeto será bem recebido no
Congresso. Em poucos dias saberão de seu equívoco”.
Porteiro, um dos representantes da C.E.A. no congresso de
Barcelona, fez um informe detalhado, datado do dia 15 de outubro de 1934, para
a presidência da C.E.A. em exercício, na pessoa do Sr. Mario Rinaldini, a
respeito dos acontecimentos principais daquele congresso internacional. Em
relação a repercussão das teses apresentadas pelos argentinos naquele
congresso, principalmente as que dizem respeito a relação entre espiritismo e
política, relata Porteiro:
“Alguns
congressistas alegaram, contra nossas proposições , o triste argumento de que
se tratava de fazer política, que o Espiritismo devia estar afastado dos
problemas sociais, justificando que as injustiças e os males reinantes são
consequências lógicas e necessárias da lei de causas e efeitos; outros
sustentaram que a maneira como se constitui a sociedade economicamente e
inclusive o meio social, eram devidos ao
atraso moral dos indivíduos e que o Espiritismo teria por única missão
educar os indivíduos nos novos postulados filosóficos e morais de sua doutrina
sem intrometer-se na solução dos problemas sociais”.
Porém, Porteiro e Mariotti refutaram a tese de que o espiritismo
e os espíritas deveriam ser omissos em relação às questões políticas e sociais.
Alertaram que o espiritismo e os espíritas não devem justificar a exploração do
homem pelo homem, bem como as injustiças sociais, com fundamento na lei da
causalidade espiritual. Neste sentido lemos no relatório de Porteiro:
“Todos
esses argumentos foram devidamente refutados por nós demonstrando que é dever
do Espiritismo, e por conseguinte dos espíritas, não somente divulgar a
doutrina e dizer aos homens que sejam melhores, mas também tratar por todos os
meios lógicos, a seu alcance, de modificar a sociedade, fazendo crítica da
mesma em tudo que haja de mau e buscando soluções práticas para que o mesmo
desapareça; que a lei de causalidade espírita não vem justificar a exploração
do homem pelo homem, a injustiça , o crime de guerra e demais desajustes
sociais; que a igualdade econômica e social, que nós reivindicamos, em nada
contradiz as desigualdades de inteligência, de aptidões e de moralidade”.
Continua Porteiro o seu relatório dando ênfase à
importância do estudo da sociologia e do espiritismo. Destaco novamente aqui a
brilhante percepção de Porteiro no sentido de indicar a necessidade dos
espíritas se dedicarem ao estudo da sociologia. O espiritismo não pode dar
conta de tudo. O espiritismo se relaciona com outras áreas do conhecimento em
um sentido de complementação. Para os estudos da sociedade, portanto, a
sociologia, a história, a economia e outras disciplinas são fundamentais para
um maior conhecimento das complexidades sociais:
“Ante
estes conceitos reacionários, que estão nas palavras de todos os que defendem o
privilégio e as situações vantajosas dos bem-acomodados, expusemos argumentos
contundentes e irrefutáveis sustentados pela sociologia moderna e pela doutrina
espírita em seu aspecto moral e sociológico...”.
Finalmente,
Porteiro alerta em seu relatório que o espiritismo não vem para adormecer os
espíritos. Diz ele:
“Temos
observado também com profundo desconsolo que muitos dos delegados, com as
opiniões que expressaram, têm pretendido fazer do Espiritismo uma filosofia
conformista, conservadora e passiva, dando-lhe o significado de uma religião
natural, ao que temos contestado com todas as nossas convicções, que o
Espiritismo não vem adormecer os espíritos, senão que é um ideal dinâmico que
vem despertar as forças morais do homem para que este se coloque ante a cultura
e a organização social presentes, com um novo sentido das coisas e não com um
sentir arcaico dos espíritos conservadores”.
Importantes pensadores espíritas no mundo contemporâneo
alinham-se perfeitamente às concepções avançadas de Manuel Porteiro, apesar de
todo o conservadorismo do movimento espírita da atualidade. Um destes
pensadores que merece destaque é o professor, escritor, filósofo do direito,
Alysson Leandro Mascaro, que fala da necessidade dos espíritas serem críticos
da “sociabilidade presente”, sociabilidade esta altamente excludente em termos
econômicos da maioria da população. Neste sentido diz Mascaro:
“O
espiritismo, lastreado necessariamente em percepções racionais e científicas
desde suas raízes pós-iluministas, está no mesmo contexto das mais
progressistas posições a respeito da sociedade. Sua perspectiva transformadora,
então, representa uma crítica à sociabilidade presente. É preciso compreender
tais impasses para poder fazer com que o movimento espírita, no plano teórico e
prático, seja vanguarda de crítica, transformação social e superação das
explorações presentes. O pensamento social espírita deve se emparelhar com o
que de mais radical, fraterno, libertário e pleno o pensamento social geral
conseguir vislumbrar, porque o pensamento social espírita e sua prática serão
iguais aos melhores pensamentos e práticas que a sociedade tiver de si
própria”.
TEMPOS SOMBRIOS
Vivemos nas primeiras décadas do século XXI “tempos sombrios”.
A impressão que temos é que as piores ideias conservadoras e reacionárias
ressurgiram não apenas no Brasil, mas no mundo. Temos convivido em nosso cotidiano
com o ódio de caráter político, com a intolerância religiosa, com o desprezo
aos mais pobres, racismo, menosprezo a mulher, ao homossexual, a tentativa de
construção de novos muros e mesmo a ameaça de guerra nuclear. As redes sociais,
a internet, e todos os brilhantes avanços tecnológicos de nosso tempo, também
têm servido à formação de guetos de sectarismo e ódio.
Na atualidade, vivemos um grande conflito entre a política
e o poder do grande capital. Após a queda do muro de Berlim e a dissolução da
União Soviética, o capital, vencedor, passou a nada temer. Durante quase todo o
século XX, o capital temia revoluções comunistas radicais e, por isso, fazia
concessões visando atenuar os conflitos. Daí o surgimento, principalmente na
Europa ocidental, da segunda metade do século XX, do chamado Estado de bem-estar
social, no qual o sistema capitalista fazia concessões importantes em várias
áreas sociais visando impedir a revolta dos trabalhadores.
Atualmente, o capital com nada se preocupa, além do seu
lucro maximizado. Aliás, no mundo contemporâneo, existe um verdadeiro conflito
entre o chamado capital produtivo, que produz empregos, e o capital financeiro,
especulativo, que não vive da produção, mas de juros altos. Por outro lado, as
empresas multinacionais emigram para os países que pagam menores salários e
concedem menos direitos aos trabalhadores. O processo de exploração do homem
pelo homem se acentua. Os países do chamado “socialismo real” caíram junto com
o muro de Berlim, mas a crítica marxista à exploração promovida pelo sistema
capitalista de produção continua válida até nossos dias.
O conflito entre a política e o capital põe em risco a
própria ideia de democracia. A democracia pressupõe que todos sejam ouvidos nos
processos decisórios de uma nação. Porém, o que ocorre é justamente o
contrário. A grande maioria fica excluída das grandes decisões das nações e
fica refém do que os detentores do poder econômico nacional e internacional, do
que os meios de comunicação dominantes, alta burocracia estatal e parlamentos
não representativos dos anseios populares, desejam para os destinos dos países.
O povo trabalhador não conta. Não é ouvido e frequentemente desconhece os
mecanismos profundos de sua exploração. Muitas vezes faz coro com as opiniões
de seu próprio explorador, em razão dos processos de doutrinação ideológica
perpetrados pela imprensa.
O humanismo nas políticas de Estado está sendo substituído
pela ideia de gestão. A ideia de gestão eficiente dos negócios públicos, porém,
não mexe nos interesses dos grandes possuidores do capital. Mexe apenas com os
trabalhadores, com os simples. Ataca os direitos trabalhistas, previdenciários,
reduz investimentos em educação e saúde para o povo. Não promove o incentivo ao
desenvolvimento das micro e pequenas empresas. E tudo isso é considerado por
muitos como modernidade. O Estado não pode auxiliar os mais fracos, prega-se a
“meritocracia”.
No entanto, este
“Estado mínimo” é apenas para os pobres, porque os muito ricos, através de
alianças poderosas, conseguem apoio deste Estado. Nas crises do capitalismo, é
aceito naturalmente e sem maiores repercussões que os trabalhadores salvem da
falência, com seus impostos, grandes instituições financeiras mal
administradas. É um bom exemplo do fraco que ajuda o forte em uma lógica muito
questionável.
No Brasil dos últimos anos tem sido veiculado pela imprensa
em geral que o problema maior a ser enfrentado em nosso país é a corrupção. De
fato, a corrupção é um câncer social que deve ser combatido a todo momento, por
todas as nações, pois não é um problema único dos brasileiros. Porém, defendo
neste estudo, que talvez o problema maior que enfrentamos neste momento
histórico não é o da corrupção, mas sim da ascensão do neoliberalismo que, se
não for combatido pelos povos do mundo, levará ao aumento da concentração de
renda e riqueza nas mãos de poucos e a exclusão e miséria da maioria. E mais. Corremos
o risco de perdermos as conquistas democráticas, pois os interesses do capital
estão se sobrepondo aos interesses da democracia.
O grande problema é que vivemos em uma época de domínio
econômico e ideológico tão profundo e cruel, que o homem comum, o trabalhador,
a dona da casa, o executivo, e mesmo o espírita, acaba por sentir vergonha em
sonhar e pensar em um mundo diferente do que hoje temos. A exploração é vista
como natural, afinal, como muitos alegam, o mundo sempre foi assim e nunca se transformará.
Neste sentido diz Alysson Leandro Mascaro:
“Ainda
hoje, perpassa uma vergonha ideológica ao homem comum e ao homem ilustrado,
bloqueando-lhes a possibilidade de achar ou imaginar que todos possam dividir a
produção, que todos possam ter o que comer, que haja casa, roupa e remédio para
todos, enfim. Palavras como fraternidade, justiça social e socialismo,
ideologicamente, são tornadas perversas na cabeça das pessoas. São todos ensinados
a terem vergonha de sonhar algo neste sentido, que seja novo, que seja
diferente da sociedade que conhecemos. Ironicamente, nós não temos vergonha da
pobreza angustiante da maioria, da exploração contra os que trabalham ou estão
fora do mercado, da miséria dos que não tem remédio nem pão para seus filhos,
mas nós somos ensinados a ter vergonha de sonhar e de lutar por um mundo de justiça”.
NEOLIBERALISMO: UM GRAVE PROBLEMA
DE NOSSO TEMPO:
Acredito que o fortalecimento do neoliberalismo é a grande
questão política e econômica de nosso tempo a ser enfrentada. É algo que
precisamos todos nos dedicar a pensar e compreender, pois o que está em jogo é
a existência digna da maioria da humanidade, ou melhor, a sobrevivência dos pobres.
Está em jogo também o ideal de democracia, pois em sociedades tão desiguais do
ponto de vista econômico é verdadeira hipocrisia nos conformarmos com a ideia
de que “todos são iguais perante a lei”, preceito que representa apenas e tão
somente a igualdade formal, legal, conquistada pelas revoluções burguesas.
Sendo assim, entendo que os espíritas, através dos seus
centros, federações e associações diversas, também devem participar desta
reflexão de modo a ampliar a sua compreensão de tão grave questão da atualidade.
Também cabe aos espíritas, segundo penso, qualificar seu discurso no que diz
respeito a este relevante tema de caráter social, e, por consequência, e, certamente,
não menos importante, direcionar conscientemente sua práxis na sociedade,
visando contribuir para o surgimento de um mundo melhor, mais democrático, não
apenas no sentido legal, formal, mas também no sentido material, de
oportunidades iguais para todos.
Entendo que não é mais possível aos espíritas participarem
desta importante discussão apenas com argumentos de caráter moral. É urgente
que tenhamos não apenas uma compreensão ética e espiritual do problema social,
que obviamente não deve ser desconsiderada, mas também se faz necessário que os
espíritas desenvolvam uma compreensão histórica, filosófica, sociológica e
econômica deste tema. É certo que, em última análise, os males sociais residem
na alma humana, no egoísmo do homem, mas não podemos parar nossa compreensão e
discurso dos problemas sociais apenas nesta afirmativa.
Mas, afinal o que é o neoliberalismo? Felizmente alguns
espíritas tem se dedicado a este tema, entre eles está Ademar Arthur Chioro dos
Reis, professor, médico sanitarista e ex ministro da saúde, que escreveu um
importante artigo cujo título é neoliberalismo x espiritismo, que pode ser
encontrado no site do CPDoc. O referido artigo, que ora indico à leitura, nos proporciona
uma excelente e necessária reflexão sobre a relação entre espiritismo e neoliberalismo.
Segundo Arthur Chioro:
“Neoliberalismo é a ideologia que justifica e defende os princípios do
capitalismo, baseado na propriedade privada, na liberdade de empresa, o que
significa nenhuma intervenção do Estado na economia. Seu objetivo fundamental é
o lucro individual, constituindo-se em expressão máxima do individualismo”.
No neoliberalismo se pensa a liberdade de empresa de forma
absoluta, sem quaisquer restrições, cabendo ao empresário decidir o que
produzir independentemente das necessidades efetivas da sociedade, baseado
apenas em sua perspectiva de lucro. Trata-se de uma concepção de sociedade
extremamente individualista que não visa ao benefício de todos os membros do grupo
social indistintamente, mas principalmente ao benefício dos detentores dos
meios de produção.
O neoliberalismo se opõe a qualquer intervenção do Estado
para beneficiar os menos favorecidos da sorte, pois segundo seus ideólogos, as
crises econômicas são provenientes da excessiva intervenção do Estado na
economia. Os neoliberais buscam como solução
a privatização e liberalização total da economia, bem como defendem o
desparecimento de importantes programas de seguridade social no campo da saúde,
assistência e previdência social. Diminuem ou extinguem programas de construção
de moradias populares pelo Estado, atacam as leis trabalhistas alegando modernização na retirada de direitos
dos trabalhadores.
Afirma Chioro que: “
o principal objetivo para o neoliberalismo, é maximização dos lucros dos
empresários privados (lucro econômico, mesmo que signifique maior exploração).
E a este critério estão submetidas todas as necessidades sociais. Para esta
corrente, a satisfação das necessidades sociais não conta, o que conta é o lucro.
”
Ainda segundo Chioro: “para
o neoliberalismo o mercado pode tudo. Neste sentido, há uma absolutização do
mercado e não se leva em conta que o mercado, em parte necessário, mas deixado
a seu livre jogo, não é capaz de garantir a satisfação das necessidades
fundamentais de toda a população”.
Portanto, é fácil concluir que o neoliberalismo é um
sistema político-econômico que privilegia o ter em detrimento do ser, o
dinheiro como prioridade em relação às pessoas, o indivíduo em relação ao
coletivo, aliás, as pessoas, em tal sistema, tornam-se apenas mais uma mercadoria
a vender sua força de trabalho. Quantos aos seus efeitos o neoliberalismo tem
promovido, nas palavras de Chioro:
“Políticas
governamentais antipopulares que ampliaram a queda do poder aquisitivo dos
salários, o desemprego massivo, a desnacionalização dos setores estratégicos da
economia, a venda de empresas estatais a preços venais, a falência de milhões
de pequenos e médios produtores, tanto rurais como industriais”.
A verdade é que as políticas neoliberais só têm aumentado a
concentração de riqueza nas mãos de uns poucos e ampliado as desigualdades
sociais, ampliando, portanto, o abismo entre ricos e pobres. O pensamento neoliberal
se opõe a qualquer ideia de fraternidade, no sentido da criação de uma rede de
proteção social pelo Estado para os cidadãos mais carentes. Qualquer medida de
proteção social é tida preconceituosamente como auxílio indevido para aqueles
que não querem trabalhar ou que não se esforçam o suficiente.
Tivemos uma boa amostra deste pensamento no Brasil por
ocasião do programa do governo brasileiro nomeado bolsa-família. O
referido programa tornou-se uma
referência internacional no combate a fome, segundo reconhecimento das Nações Unidas.
No entanto, muitos brasileiros, condicionados pela ideologia neoliberal dos
meios de comunicação dominantes, apelidaram este programa de “bolsa-esmola”.
Mas, a pergunta inevitável é a seguinte, no que diz respeito
a este tema: se o Estado muitas vezes vai em auxílio de grandes corporações
financeiras, se muitas vezes perdoa dívidas de grandes detentores do capital,
se com frequência empresta dinheiro a grandes capitalistas em condições
extremamente favoráveis, por que o Estado não pode auxiliar pessoas que estão
na linha da miséria, da fome e do desamparo? Por que chamarmos de vagabundos
aqueles que possuem a mais fundamental necessidade humana de se alimentar?
A ideia de solidariedade social, estrutural, organizada
pelo Estado, está, portanto, descartada sob os princípios do neoliberalismo.
Estamos, portanto, nós, homens e mulheres comuns, condenados a interpretar e a
nos submeter às vontades “alienígenas” do chamado mercado, que é mencionado nos
meios de comunicação como se fosse uma pessoa real, concreta, a exigir medidas
econômicas que garantam e aumentem os seus lucros exorbitantes, sob a enganosa
bandeira da eficiência econômica, sem qualquer consideração pelas necessidades
fundamentais do povo, que continua explorado e sacrificado.
Neste sentido, Arthur Chioro entende que neoliberalismo e
espiritismo são totalmente incompatíveis, diz ele:
“O
egoísmo intrínseco ao neoliberalismo é o oposto da fraternidade tal qual
concebida na visão espírita e que significa: devotamento, abnegação,
tolerância, benevolência, indulgência. O neoliberalismo prega “cada um por si”.
O Espiritismo proclama: “um por todos e todos por um”. A fraternidade é a base
para a realização da felicidade social. Está na primeira linha; sem ela seriam
impossíveis a liberdade e a igualdade reais”
.
E
diz mais Chioro: “O Espiritismo se contrapõe de forma antagônica à concepção
neoliberal”.
A ideia de civilização no Espiritismo está ligada ao
princípio de que o “forte deve amparar o fraco”. Em outras palavras, na
civilização ideal imaginada por Allan Kardec ninguém fica excluído, a
liberdade, a igualdade e a fraternidade estão presentes. Não há privilégios.
Nesta “sociedade organizada segundo a lei do cristo” imaginada por Kardec será
garantido a todos uma existência digna.
É, portanto, de uma lógica cristalina que se o espiritismo se
contrapõe a qualquer tipo de ditadura seja ela de esquerda ou de direita, se
contrapõe, igualmente, a qualquer tipo de regime político e econômico que se
auto intitula liberal, pretensamente democrático, mas que deixa as pessoas
morrerem, abandonando-as a própria sorte, sem comida, sem habitação, educação,
acesso a saúde pública e aos bens fundamentais da vida.
Em uma época em que não estranhamos que jogadores de
futebol e outras estrelas das sociedades capitalistas ganhem milhões em seus
contratos, talvez tenha chegado o momento de refletirmos sobre o que é
essencial, prioritário, em uma sociedade, a fim de que se possa atender a todos
os seres humanos de acordo com suas capacidades e necessidades, mas nunca de
modo inferior ao básico da dignidade humana.
Não é possível acharmos normal, por outro lado, que um
professor da rede pública de ensino, por exemplo, seja humilhado em suas
condições de trabalho, salários, prestígio social, inclusive, sofrendo a
violência policial quando reivindica melhores condições de vida, enquanto que
alguns pouquíssimos privilegiados na sociedade ostentam na face dos miseráveis
sua opulência e prestígio, muitas vezes em total indiferença pelos graves
problemas estruturais de nossa sociedade.
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, nos fala do ideal
de civilização que deve nortear o pensamento dos espíritas, e penso que este
ideal de civilização indicado pelo fundador do espiritismo não corresponde aos
padrões das sociedades regidas pelo neoliberalismo, as quais pouco se importam
com o ser humano, tendo sua atenção voltada apenas e exclusivamente para o
lucro sempre maior de alguns poucos. Diz Kardec:
“De
dois povos que tenham chegado ao ápice da escala social, só poderá dizer-se o
mais civilizado, na verdadeira acepção do termo, aquele em que se encontre
menos egoísmo, menos cupidez e menos orgulho; em que os costumes sejam mais
intelectuais e morais do que materiais; em que a inteligência possa
desenvolver-se com mais liberdade; em que exista mais bondade, boa-fé,
benevolência e generosidade recíprocas; em que os preconceitos de casta e de
nascimento sejam menos enraizados, porque esses prejuízos são incompatíveis com
o verdadeiro amor do próximo; em que as leis não consagrem nenhum privilégio e
sejam as mesmas para o último como para o primeiro; em que a justiça se exerça
com o mínimo de parcialidade; em que o fraco sempre encontre apoio contra o
forte; em que a vida do homem, suas crenças e suas opiniões sejam melhor respeitadas;
em que haja menos desgraçados; e, por fim, em que todos os homens de boa
vontade estejam sempre seguros de não lhes faltar o necessário”.
CONCLUSÃO
Muitas pessoas na atualidade ao observarem a situação do
Brasil e do mundo têm expressado desanimo e pessimismo em relação a
possibilidade de surgimento de um mundo melhor. Muitos dizem que o mundo não
tem jeito mesmo. Que a exploração, a injustiça, o sectarismo, a violência, a
fome, sempre estiveram presentes desde que o mundo é mundo. Afirmam que é
ilusão pensar na possibilidade de transformação das coisas.
De fato, os momentos de pessimismo na atualidade são
muitos. Basta assistirmos ou ouvirmos os noticiários diários para rapidamente constatarmos
as dificuldades em que a humanidade se encontra. As notícias de refugiados nos
espantam, o terrorismo na Europa, a violência nas cidades brasileiras, as
crises institucionais do Brasil, a corrupção das altas esferas políticas e
empresariais, a degradação de meio ambiente. Enfim, um cortejo de problemas
muito difícil para que nós, pequenos cidadãos da vida cotidiana, possamos
enfrentar.
Porém, somos espíritas. E este fato deve nos levar a
considerar o que o espiritismo diz sobre tais temas. O espiritismo é otimista, sem perder de vista
a complexidade dos problemas sociais. O espiritismo nos fala de evolução,
progresso, tanto no sentido intelectual quanto moral. O espiritismo aposta que
a sociedade está em permanente transformação. Afirma que a terra já passou por
um estado primitivo e que ora se encontra como um mundo de provas e expiações,
e que, um dia, se transformará em um mundo regenerado, em direção a patamares
mais altos de felicidade.
No entanto, o espiritismo afirma que esta transformação
será necessariamente produto da ação humana. Sem dúvida, que existem teorias
espíritas que afirmam que almas mais qualificadas, evoluídas, um dia também
virão para este mundo, através da reencarnação, com vistas a auxiliar o
processo de transformação. Mas, o espiritismo, não é uma filosofia
contemplativa, que estimula o homem a aguardar este hipotético momento. O
espiritismo é claro, categórico, ao afirmar que os problemas sociais são obra
do homem e não de Deus e que a solução de tais problemas, portanto, é de única
e exclusiva responsabilidade do homem.
Assim, como espíritas que somos, não podemos perder a
esperança. Pelo contrário, conscientes que a reencarnação é uma oportunidade
preciosa de construção de nosso destino individual e coletivo, devemos por
todos os meios éticos ao nosso alcance lutar pela melhoria de nossa vida
individual e coletiva. Devemos acreditar que o mundo não é algo dado,
definitivo, mas que é um permanente devir, um vir a ser. E que a força desta
transformação está na ação permanente e consciente dos homens.
Acredito que os espíritas e suas instituições podem fazer o
papel de “sal da terra”, ou seja, serem agentes de transformação para o
surgimento de um mundo melhor. Não consigo compreender a ideia de um espírita
conservador, posto que conservador é aquele que quer conservar, que está
contente com o que aí está. Pessoalmente, não estou contente com o que aí está,
o que quero é um mundo melhor, não apenas para mim, mas para todos.
No que diz respeito
às instituições espíritas desde os centros espíritas às grandes federações
acredito que estas instituições têm uma responsabilidade muito importante, não
apenas no que diz respeito as atividades próprias do cotidiano dos espíritas,
mas também no que diz respeito a ampliação da consciência crítica dos espíritas
em relação aos problemas da vida, sejam eles de caráter individual ou social.
De fato, as instituições espíritas podem promover ações
práticas, concretas, visando uma participação social dos espíritas em defesa
dos grandes valores que o espiritismo postula. Os espíritas e suas instituições
podem promover, portanto, grupos de estudos e reflexão sobre questões políticas
e sociais, palestras, manifestos e até mesmo passeatas, em favor da paz, da democracia,
da justiça social, dos direitos humanos. Enfim, na defesa de todos os valores
que estão englobados nas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade, ideais
defendidos explicitamente nas obras de Allan Kardec.
Certamente que muitos irão continuar a dizer que isto é
misturar política com espiritismo. Não pretendo, obviamente, como diria Kardec
“violentar consciências”, que cada um continue pensando como deseja. Porém,
pessoalmente, não consigo compreender como os espíritas e suas instituições
poderiam ser alienados de questões fundamentais da vida social. Penso que isto
além de grave omissão, seria um tamanho desperdício de um grande contingente de
pessoas que, em sua maioria, tiveram acesso a educação formal, a uma reflexão
mais apurada sobre a vida e a sociedade. E por isso possuem potencialidade
crítica ou pelo menos deveriam possuir.
O Brasil nos últimos
tempos vive uma onda de ódio e sectarismo. Nós, espíritas, precisamos tomar
cuidado para não sermos apanhados por esta onda. Não podemos esquecer nossas
grandes tradições de alteridade e humanismo. Não podemos esquecer que nós,
espíritas, já fomos vítimas tanto do ódio religioso, lembremos o auto de fé de
Barcelona, quanto político, lembremos a ditadura de Franco, também na Espanha.
A história nos ensina que o ódio político ou religioso pode acabar na fogueira,
na tortura ou no campo de concentração.
Por outro lado, os
meios de comunicação nos últimos tempos têm dado grande repercussão ao problema
da corrupção. Certamente que os meios de comunicação dominantes escolhem
criteriosamente a pauta de temas que lhes interessam, e que devemos prestar
atenção não somente no que eles falam, mas também no que eles calam. É
evidente, como já foi dito anteriormente neste artigo, que a corrupção é um
câncer que fragiliza o organismo social e deve ser combatido sem trégua.
Porém, defendo nesta reflexão que talvez este não seja o
maior problema da vida social brasileira no momento. Entendo que o
fortalecimento do neoliberalismo com a sua insaciável busca de destruição do
chamado Estado de bem-estar social, que foi uma conquista importante da
humanidade no século XX, é o principal perigo que vivem as sociedades do Brasil
e do mundo no momento. E este perigo normalmente é silenciado nos principais
meios de comunicação.
Finalmente, pensar o neoliberalismo é pensar o capitalismo
em sua face mais agressiva. E esta reflexão nos leva necessariamente a uma
questão mais profunda. Chegamos ao fim da história? O sistema capitalista de
produção é o que de melhor a humanidade pode atingir? Devemos nos conformar com
a eterna separação entre uma pequena minoria de incluídos e uma grande maioria
de excluídos dos benefícios da civilização? Um dia teremos um mundo sem
explorados e exploradores? Neste início do século XXI este mundo melhor é uma
utopia, mas muitas vezes a utopia de hoje se torna a realidade de amanhã.
O espiritismo, por
sua vez, nos ensina a ter esperança.
Segue anexo o manifesto
da CEPABrasil, publicado em novembro de 2016, assinado por seu presidente
Homero Ward da Rosa. Trata-se de um exemplo concreto, atual, de que os
espíritas, através de suas instituições, podem se manifestar na sociedade
defendendo princípios e ideias generosas para o campo político e social. O
manifesto ao seu final defende um Brasil soberano, democrático, ético e com
justiça social. Aqueles que acompanham a vida política brasileira dos últimos
tempos sabem que estes princípios, todos eles sem exceção, devem ser reafirmados
com veemência na atualidade de nosso país.
Parabéns à
CEPABrasil por não ter preferido o silêncio e a omissão.
BIBLIOGRAFIA
AIZPÚRUA,
Jon. O pensamento vivo de Porteiro-Homenagem ao fundador da sociologia
espírita.Ed.C.E. “José Barroso”
DOS
REIS, Ademar Arthur Chioro. Neoliberalismo x Espiritismo.
www.cpdocespírita.com.br
KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos.Ed. Lake.
KARDEC,
Allan. O Livro dos Médiuns. Ed.Ide.
MANIFESTO
DA CEPABRASIL. www.cepabrasil.org.br – Anexo ao artigo.
MASCARO,
Alysson Leandro. Pensamento social e Espiritismo. www.pedagogia espírita.org.br
MASCARO,
Alysson Leandro. Lições de sociologia do
Direito. Ed. Quartier Latin.
NUNES,
Ricardo de Morais. Breve estudo comparativo sobre a reflexão socialista de Léon
Denis e Manuel Porteiro. www.cpdocespírita.com.br
AUTOR: RICARDO DE MORAIS
NUNES. Bacharel em Direito e Lic. em Filosofia. Delegado da CEPA e Presidente
do CPDoc- Centro de Pesquisa e Documentação Espírita. Articulista do Jornal ABERTURA.
Parabéns pelo artigo! Posso discordar em relação a um manifesto que sempre (e foi pela narrativa) será interpretado em um contexto político partidário, contudo, a linha de raciocínio é perfeita e irretocável quando traça paralelo entre conteúdo de OLE e a perspectiva sociológica do neoliberalismo. Muito lúcido!
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