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quarta-feira, 20 de abril de 2022

O ser humano é bom ou ruim por natureza ? por Marco Videira

 

O ser humano é bom ou ruim por natureza ?

Na parede do salão abobadado da ONU há uma tapeçaria com dois versos escritos pelo poeta persa Saadi – século XIII:

·         Os seres humanos são partes de um todo

·         Na criação de uma só alma e essência.

Plagiando o historiador Leandro Karnal digo: querida leitora e estimado leitor, caso esteja iniciando a leitura deste texto na intenção de encontrar uma resposta para a pergunta do enunciado, não perca o seu tempo, pois só tenho elocubrações....

Pensadores ao longo dos tempos se debruçaram sobre esta questão a respeito do comportamento dual do homem: bom x ruim (no Brasil de hoje, a discussão é se o homem é fascista ou comunista).

·         A seguir, algumas posições de pessoas que alegam que o homem possui, por natureza, um comportamento ruim:

Segundo o psicólogo francês Gustave leBom (1841-1931), durante uma época de crises, o homem desce vários degraus da escada da civilização; porém isso não foi confirmado por ocasião do bombardeio em Londres, provocado pelos alemães durante a 2ª Guerra Mundial. A população apesar do todo sofrimento continuou a vida normalmente. Numa das lojas destruídas pelos bombardeios havia um cartaz: estamos mais abertos do que o normal e num bar havia outro: nossas janelas foram destruídas, mas nossas bebidas continuam ótimas.

As ideias do biólogo holandês Frans de Waal (1948) vão ao encontro do que pensava le Bon, pois ele diz: a civilização não passa de uma fina camada de verniz que pode descascar ante qualquer provocação.

Desde a origem, o cristianismo também foi permeado por uma visão negativa acerca da natureza humana. Agostinho (354 – 430), o Pai da Igreja, ajudou a popularizar a ideia de que os humanos nasceram em pecado: “ninguém está livre do pecado e nem mesmo uma criança, cujo ciclo de vida na Terra é de um único dia”. Bastou nascer para você estar...danado.

Não foi só Agostinho que difundiu o lado mal da humanidade. João Calvino (1509-1564), que rompeu com o Catolicismo, disse: “nossa natureza não só é destituída e vazia de bem, mas também tão fértil e frutífera para todo o mal”.

O filósofo Thomas Hobbes (1558 – 1679) defendia que os seres humanos são motivados pelo medo, o que geraria uma situação de anarquia (guerra de todos contra todos), mas tal situação poderia ser aplacada se nos entregarmos, de corpo e alma, às mãos de um único soberano (cubanos e venezuelanos podem nos falar se isso é verdade...).

Temos que considerar que a visão de Hobbes a respeito da humanidade estava “contaminada” pelos fatos que ele vivenciou (peste em 1628 e a guerra civil de 1640).

 

·         A seguir, algumas posições de pessoas que defendem uma visão positiva a respeito do comportamento humano:

Para o filósofoJean-Jacques Rousseau (1712 – 1778)o homem é naturalmente bom e que só com o advento da civilização que teve início a nossa ruína. Ele considera que, a partir do momento em que o homem cercou um pedaço de terra e declarou, “isto é meu”, tudo se desmoronou.

Em 2007 a psicóloga KileyHamlin desenvolveu uma pesquisa com bebês de 6 a 10 meses no Centro de Cognição Infantil (Baby Lab) do Canadá, utilizando um espetáculo com duas marionetes. Um boneco apresentava comportamento de forma prestativa e o outro comportamentos maus. Após o espetáculo, os pesquisadores ofereciam aos bebês os dois bonecos e aquele que era bom, praticamente todos os bebês tentavam pegar.

Segundo o sociólogo e educador francês Pierre Bourdieu (1930 – 2002) o indivíduo é moldado desde o seu nascimento, passando por todas as etapas de escolarização, convivência familiar e comunitária. Cada pessoa forma inconscientemente o seu próprio capital cultural, aprendendo e incorporando o que viu, traduzindo tudo isso para a sua vida na forma de ações práticas. Ninguém pode dar aquilo que não tem.

·         O que o espiritismo no diz a respeito da natureza do homem ?

Para nós, espíritas, além de toda essa formação na vida presente, temos que considerar a “carga energética” trazida de vidas passadas. Em suma, o ser humano é algo extremamente complexo e às vezes, fazer o “simples” (agir em prol do próximo) se torna difícil.

Vejamos abaixo três passagens do Livro dos Espíritos que tangenciam o tema em pauta:

Questão 365 diz: “O espírito progride em insensível marcha ascendente, mas o progresso não se efetua simultaneamente em todos os sentidos. Durante um período da sua existência ele se adianta em ciência; durante outro, em moralidade”.

Na questão 768 (adendo) Kardec diz: “Homem nenhum possui faculdades completas. Mediante a união social é que elas umas às outras se completam, para lhe assegurarem o bem-estar e o progresso. Por isso, é que, precisando uns dos outros, os homens foram feitos para viver em sociedade e não insulados”.

A questão 779 vai ao encontro da questão 768, pois diz: “dá-se então que os mais adiantados auxiliam o progresso dos outros, por meio do contato social”.

Dentro da linha sustentada pelo Espiritismo, o egoísmo, juntamente com o orgulho, são os grandes males da humanidade e, somente quando nos despojarmos do egoísmo, viveremos como irmãos, nos auxiliando reciprocamente, impelidos pelo sentimento mútuo da solidariedade. O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominando sobre a vida matéria.

 

 

·         Considerações gerais

O lado positivo da pandemia Covid, se assim podemos falar em algo positivo, foram as inúmeras campanhas para arrecadação de alimentos e o engajamento de milhares de pessoas, incluindo aí os empresários, pois são membros da sociedade civil e não podem ser generalizados como exploradores dos pobres, como costuma ser o discurso da esquerda.

Aqui em Santos, durante o inverno do ano passado, participei como voluntário num programa social conduzido pela prefeitura local, que distribuía roupas para os moradores em situação de rua (não são moradores de rua, pois não nasceram na rua) e pude ver a quantidade de doações de roupas feitas pelos santistas, que carregam no brasão da cidade o lema: À Pátria ensinei a caridade e a liberdade.

Quando somos crianças estamos despojados de todos os preconceitos formados pela nossa convivência. Percebemos isso com clareza na resposta de uma criança para sua mãe, quando esta lhe pergunta se na sua classe havia alguém diferente, já sabendo que havia uma criança com síndrome de Down: “tem sim mamãepois se todas fossem iguais, os pais não saberiam achar os seus filhos na hora de buscá-los”.

Após a 2ª Guerra Mundial, a Marinha dos Estados Unidos para conquistar a boa vontade dos moradores do minúsculo atol chamado Ifallik no Oceano Pacífico, exibiu alguns filmes de Hollywood e tais filmes continham cenas de violência, o que provocou um estresse na população local, levando alguns nativos a ficar vários dias doentes. Anos depois, quando uma antropóloga chegou a Ifalik para um trabalho de campo, os nativos perguntaram se era verdade que nos USA havia pessoas que matavam outras pessoas...

A empresa de pesquisas World ValueSurvey realiza anualmente um levantamentoa respeito do nível de confiança das pessoas e faz aos cidadãos a seguinte pergunta: “em média, você acredita que as pessoas são confiáveis”? Na última pesquisa, o Brasil teve o percentual de 5%, contra 70% na Noruega, ou seja, considerando esse baixo percentual é possível entender o descrédito, principalmente, em relação à classe política. Nem tudo está perdido, pois a pandemia mostrou que as pessoas aderiram à campanha de vacinação e ao uso de máscaras, apesar de que alguns ignorantes (aquele que ignora) acharem que era uma gripezinha...

Mudar sua visão sobre a natureza humana, olhar para os humanos de uma forma radicalmente nova, implicará consequências para sua própria vida.

No início do texto disse que não tinha respostas para o enunciado, mas ao encerrar o mesmo, cheguei à mesma conclusão da Anne Frank, uma adolescente judia,  que escreveu um diário, enquanto conseguiu sobreviver escondida dos alemães na Holanda:

“É espantoso que eu não tenha abandonado todos os meus ideais, que parecem tão absurdos e impraticáveis. Mas eu me apego a eles porque ainda acredito, apesar de tudo, que as pessoas são realmente boas de coração” - Anne Frank (1929-1945).

Obs.: o texto acima foi calcado no livro Humanidade – uma história otimista do homem – Rutger Bregman, e, em alguns momentos, cópias literais foram utilizadas. No livro, o autor relata uma série de experimentos que queriam provar a “natureza má” do homem; porém ao longo da história, o autor vai em busca de vários desses experimentos e ao revisitá-los encontra muitas falhas. Infelizmente, até hoje prevalece os dados iniciais dos experimentos, que continuam a alimentar uma visão negativa a respeito do homem. O autor relata as dificuldades encontradas para publicar a sua obra e “demonstrar” a natureza boa do homem.

 

Marco Videira é administrador, Presidente do Conselho da Comunidade Assistencial Espírita Lar Veneranda e reside em Santos

Artigo publicado no Jornal Abertura de abril de 2022 - quer acessar o jornal completo:

https://cepainternacional.org/site/pt/component/phocadownload/category/22-jornal-abertura-2022?download=147:jornal-abertura-abril-de-2022


terça-feira, 13 de abril de 2021

O Espiritismo é de direita, de esquerda ou ...? por Marco Videira

 

O Espiritismo é de direita, de esquerda ou ...?

A igreja Católica possui uma diretriz clara, de 1994, que diz: “um padre deve se abster de se envolver ativamente na política”. Como o Espiritismo não possui um porta voz oficial, apesar de que de fato, alguns se intitulam “donos”, quero dizer que os espíritas devem sim se posicionar de forma explícita a favor de correntes políticas, que julguem válidas, mas não devem levantar a bandeira de alguma corrente política, como se fosse uma posição formal do Espiritismo, ou seja, cada um assuma a sua posição política, mas não o faça dizendo que é uma posição oficial do Espiritismo.



Marco Videira - 15° SBPE

Similar ao que o Papa Francisco prega “a igreja é chamada a formar consciências, não a pretender substituí-las”, entendo que o papel do Espiritismo deva ser o mesmo, ou seja, formar consciências a respeito da necessidade de entendermos as complexas relações interpessoais advindas de vidas pretéritas. Só o Espiritismo possui essa visão e por isso, os espíritas têm o dever de se posicionarem longe de contendas que nada contribuem para o nosso aperfeiçoamento moral.

Atualmente no Brasil enfrentamos todas as formas de polarização, o que reduz o debate a um ponto simplista: comunistas ou fascistas. Infelizmente essa situação não é uma exclusividade do Brasil. Vemos ao redor do mundo o crescimento de uma polarização virulenta e violenta, haja vista o ocorrido recentemente nos USA, por ocasião da derrota do Donald Trump na recente eleição presidencial.

Segundo o jurista Ives Gandra da Silva Martins: “a ideologia é a corrupção de ideias, que não respeita a opinião alheia”.

Uma vez que a Terra não é plana e Noé não  pode ter ficado 370 dias numa arca carregando perto de 2.000 animais!, sempre é bom recorrermos aos cientistas, para podermos entender melhor como se processa o nosso cérebro, no tocante à absorção de conceitos, que vão de encontro aos conceitos previamente estabelecidos.

Segundo Paulo Boggio, psicólogo do Laboratório e Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Mackenzie, a característica fundamental do ser humano é a aproximação com aqueles que pensam de maneira parecida. Com o passar do tempo, as convicções semelhantes são reforçadas e se tornam difíceis de serem mudadas.

Essa lógica ajuda a entender os motivos para a polarização radical nas discussões sobre política, que não cede espaço a visões mais moderadas, mesmo se houver provas contundentes: desvio do dinheiro público, flertes com o autoritarismo etc.

Tal situação (dificuldades na absorção de novos conceitos) é confirmada por Max Rollwage – psicólogo e neurocientista: “com a avalição dos mecanismos neurais, mostramos que, em determinado ponto de confiança sobre uma crença, o cérebro simplesmente não processa as novas informações”. Tal confirmação foi possível utilizando um scanner de magneto-encefalografia, onde os pesquisadores acompanharam a atividade cerebral durante o processo de tomada de decisões. A explicação para o comportamento se tornou química: o cérebro apresentou “pontos cegos” quando recebeu informações contraditórias, mas continuou sensível àquelas que confirmavam a escolha inicial. Em resumo, os conceitos preestabelecidos estão tão arraigados no cérebro que o indivíduo resiste a absorver percepções diferentes.

Citando, outra vez, o jurista Ives Gandra: “conciliar a natureza humana com os ideais de uma política de debate elevado parece inconcebível”.

Particularmente, vejo que o avanço da idade vai ao encontro do acima exposto e contribui enormemente para que não ocorram mudanças em nossos conceitos.

Retomando ao tema se o Espiritismo deve ter uma posição política, reforço que logo no início deste texto, deixei o meu posicionamento: o Espiritismo não deve ter posicionamento sobre tal tema, mas sim os espíritas. Não podemos ou devemos levantar uma corrente partidária, querendo envolver o nome do Espiritismo, pois ao aderirmos a uma ou a outra corrente política, estaremos nas mãos de pessoas que dirigem os partidos, ou seja, seres humanos falíveis, pois como disse Kardec: o egoísmo e o orgulho são os grandes males da humanidade, ou seja, a adesão a uma corrente política pode colocar o Espiritismo num “buraco”.

Por volta do ano de 1960 houve uma tentativa do movimento espírita em fundar um partido político espírita! Ora, o Brasil possui hoje 33 partidos, sem contar as centenas que aguardam análise para ingressarem na divisão do cobiçado Fundo Partidário (em 2020, por ter sido um ano eleitoral, o Fundo Partidário foi acrescido do Fundo Eleitoral e perto de 3 bilhões de reais foram entregues aos partidos). Quantas vacinas compraríamos com tal valor? Quantos auxílios emergenciais poderíamos dedicar aos necessitados?  O total de partidos (33) é bem superior a qualquer possiblidade de existências de linhas ideológicas distintas. Desse total, segundo levantamentos feitos pela imprensa, 15 são de direita, 11 de esquerda e 7 do centro (isso sem entrar nos detalhes se são da extrema direta, extrema esquerda etc.).

No livro dos Espíritos encontramos várias perguntas elaboradoras por Kardec à plêiade de espíritos, que o auxiliaram na elaboração de tal livro e as respostas podem nos levar ao direcionamento de uma ou outra corrente política, pois vejamos as respostas às questões abaixo:

·         795 – Quanto mais se aproximam da vera justiça, tanto menos instáveis são as leis humanas e tanto mais estáveis se vão tornando, conforme vão sendo feitas para todos e se identificam com a lei natural.

·         806 - As desigualdades desaparecerão quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Quando isto ocorrer, restará apenas a desigualdade do merecimento.

·         811 – Não é possível a igualdade absoluta das riquezas, pois isso se opõe a diversidade das faculdades.

·         875 e 876 – Respeito aos direitos dos demais “queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo”. A vida social outorga direitos e impõe deveres recíprocos.

·         878 – “A subordinação não se achará comprometida, quando a autoridade for deferida à sabedoria”.

·         881 – Por meio do trabalho honesto, o homem tem o direito de acumular bens que lhe permita repousar quando não mais possa trabalhar. Desta forma, a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural, sem prejuízo de outrem.

·         883 – O desejo de possuir é natural, mas acumular bens sem utilidade para ninguém é puro egoísmo.

É óbvio que a interpretação das respostas às perguntas acima enumeradas vai de cada um, por isso, fico com a frase do companheiro espírita argentino Gustavo Molfino; “tomo o melhor de cada partido político e faço as minhas próprias reflexões”. Da mesma forma, entendo que devemos tomar as posições espíritas e fazermos a nossas próprias reflexões.

Como espíritas não podemos optar pela neutralidade, pois devemos buscar alcançar o tripé: liberdade, igualdade e fraternidade.  Segundo o IBGE, no Brasil vivem 65 milhões de pessoas com menos de U$ 5,50 por dia, o que equivale viver com menos de um salário mínimo por mês.

A incúria de qualquer governo que permita a fruição de riquezas por poucos deve ser contestada de forma contundente, utilizando os mecanismos legais que dispomos.

Por fim, vejo que esse sistema binário: esquerda ou direita, na minha humilde visão, está ultrapassado e não consegue apresentar uma alternativa viável à sociedade. Como espíritas, que temos o conhecimento das influências de vidas passadas na vida atual e os consequentes desdobramentos nas vidas futuras, devemos procurar formas que contribuam para um mundo preocupado com as questões ambientais, respeitos aos movimentos  LGBTQI+, defesa da mulher, liberdade das crenças religiosas, educação, segurança, saúde de qualidade para todos. Enfim, simples assim...

Marco Videira é Administrador de Empresas e reside em Santos

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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