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segunda-feira, 9 de novembro de 2020

DIALOGANDO COM JACI - por Egydio Regis

 

DIALOGANDO COM JACI

 

Preambulo

Nota do blog - nova coluna do Jornal Abertura á partir de 2020

 

Após encerrarmos o trabalho prazeroso durante dez anos estudando e divulgando os artigos elaborados pelo mestre na Revista Espírita, iniciaremos uma outra tarefa não menos prazerosa e de importância para a afirmação doutrinária Espírita em nossos tempos. Pessoas podem perguntar: por que Jaci Regis? O que ele representa para o Espiritismo? Seu nome é reverenciado nacionalmente? Por que não foi reconhecido e divulgadas suas ideias pelos canais do “poder” central do movimento espírita? Algumas destas perguntas responderemos baseados na vivência que tivemos dentro do movimento e com o próprio Jaci. Outras a obra literária dará as respostas que muitos procuram.

 

Qual o perfil de Jaci? Poucos da multidão de espíritas puderam realmente conhecer e admirar a personalidade marcante desse incansável trabalhador, quer dos assuntos doutrinários, quer da benemerência dedicada à infância e às mães sofridas carentes a procura de uma vida digna junto das suas crias. Jaci possuía uma energia de trabalho que chegava a irritar a quem o seguia. Sua mente criativa o projetava para novos projetos arrojados que faziam tremer as bases estabelecidas no pieguismo e nos valores envelhecidos pelo comodismo. Desde a adolescência ousou contrariar e enfrentar os velhos líderes do movimento espírita santista, cujos centros mais pareciam simulacros de igrejas e templos evangélicos do que casas de estudos e de divulgação da Doutrina Espírita. Aos quatorze anos chegou a Santos (catarinense de nascimento) , ingressou na então fundada Juventude Espírita de Santos (1947) onde logo manifestou seu espírito inquieto e quando a Mocidade rebelou-se contra os entraves da diretoria do Centro Espírita Manoel Gonçalves (sede primeira da Mocidade ) e transferiu-se para o Centro Beneficente Evangélico (em 1949, já então com o nome de Mocidade Espírita Estudantes da Verdade) Jaci, ainda na adolescência, quando o Mentor da mocidade o saudoso Alexandre Soares Barbosa teve, por força de sua atividade profissional, que deixar a condução doutrinária da entidade, chamou para si essa responsabilidade. O Centro Beneficente Evangélico, era um pequeno centro com poucos frequentadores e praticamente com as portas quase fechadas. A MEEV (Mocidade Espírita Estudantes da Verdade), sob a batuta de Jaci deu nova vida ao Centro. Mas, ele não se conformou com o fato de o nome não identificar uma casa espírita e sua primeira luta foi convencer a “velha guarda” a acrescentar o nome Espírita, passando então a denominar-se Centro Espírita Beneficente Evangélico. Com o apoio de alguns companheiros mais velhos, mas com mente aberta e, sobretudo, com os jovens da Mocidade, Jaci tornou-se o grande condutor do Centro. A primeira grande iniciativa foi propor a mudança do nome de Centro Espírita Beneficente Evangélico, para Centro Espírita “Allan Kardec”. Para se ter ideia da capacidade intelectual de Jaci, é preciso dizer que até mais de vinte anos de idade, ele tinha apenas completado o curso comercial, equivalente na época ao ginásio ou ao primeiro ciclo de hoje. Porque precisava trabalhar e não tinha tempo para estudar. Assim, somente lhe restava prestar exame de madureza que hoje seria o supletivo. A partir daí, tendo conseguido o certificado do segundo grau, não mais parou e laureou-se em três cursos superiores: Economia, Jornalismo e Psicologia, os dois primeiros em horário noturno por causa de sua atividade profissional como empregado da Petrobrás. Psicologia cursou quando já estava aposentado e foi sua última atividade profissional.

 

Paralelamente aos trabalhos no Centro e aos primeiros ensaios de questionamentos doutrinários, Jaci preocupava-se com a atividade de benemerência incorporando-se às campanhas desenvolvidas pelo Centro e, especialmente ao Lar Veneranda, creche não propriamente espírita, fundada e dirigida por um grupo de amigos ligados a atividade portuária. Essa entidade funcionava em uma casa e atendia um punhado de crianças possibilitando suas mães trabalharem, além de oferecer cursos de qualificação para essas mães. Sua situação não estava muito boa estando sob ameaça de despejo e outras dificuldades. Jaci e um grupo de jovens, depois de algumas gestões, assumiu a direção da entidade e num verdadeiro esforço heroico, suportando todo tipo críticas e má vontade de pessoas derrotistas, não só comandou a superação de dificuldades, como conseguiu a façanha de construir um prédio moderno e confortável para abrigar mais de cem crianças, estendendo a atuação de creche para o lar de crianças desamparadas. Incansável, dirigia o Lar, o Centro, fazia palestras, escrevia e trabalhava profissionalmente em jornada de oito horas. Era difícil acompanhar o seu ritmo de trabalho e isso muitas vezes o irritava.

 

Jaci não era uma pessoa melosa, tinha uma personalidade forte e não usava de eufemismos com ninguém. Era direto, duro, mas sensível e respeitoso com quem merecia. Era um palestrador na época em que surgiram os oradores que davam verdadeiros espetáculos declamando trechos decorados, elevando a voz para impressionar o público e derramando-se em trechos evangélicos longos. Jaci, não decorava nada, não fazia pose, não usava linguagem empolada. Não empolgava, fazia pensar, derramava doutrina clara e ousava tocar em assuntos que melindravam as plateias acostumadas a ouvir repetidamente lições evangélicas e pouco espíritas. Como resultado de sua coragem em criticar os centros que mais pareciam igrejas e assembleias evangélicas, Jaci passou a ser persona não grata nas casas espíritas. Os jornais que fundou e escreveu, como o Abertura, assim como suas obras, foram proibidos pelos dirigentes desses centros. Por incrível que possa parecer, sua palavra foi caçada e seus escritos censurados, sob a égide de uma doutrina que tem a liberdade de pensamento e de expressão como lema maior. Essa lamentável atitude espalhou-se por todo o Brasil e por isso suas ideias revolucionárias, seu descortino em analisar a obra de Kardec e desmistificar o emanuelismo e o mediunismo que pretendiam substituir e superar Kardec, não chegaram à massa espírita.

 

Além dos livros, que vamos basear nosso trabalho, Jaci foi o grande incentivador do espiritismo laico, hoje bem sedimentado no continente sul-americano. Idealizador do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita, que reúne espíritas de todo o Brasil e de outros países, é sempre lembrado e citado por muitos participantes.

 

Enfim, muito poderia escrever sobre Jaci, de quem tive a honra de ser irmão de sangue e mais do que isso, seu admirador e seguidor. Devia esta justa homenagem a um dos mais importantes espíritas de nosso tempo. Oxalá a partir deste modesto trabalho algumas pessoas se interessem e mergulhem nos ensinamentos de Jaci Regis.

 

Egydio Régis

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

Gostou? Você pode encontrar muito mais no Jornal Abertura – digital, totalmente gratuito.

Acesse: CEPA Internacional


sexta-feira, 18 de maio de 2018

Jaci Regis - O Homem e o Humanista - por Eugenio Lara


Jaci Regis
O Homem e o Humanista
Adaptado do texto do autor publicado no site Pense



Eugenio Lara

A primeira vez que tomei contato com o amigo e companheiro Jaci Regis foi no início de 1980, aos 17 anos. Acabara de voltar a São Vicente, vindo de São José do Rio Preto-SP, para cursar arquitetura na UniSantos. Faziam quase dois anos que eu havia me tornado espírita.


Foto do lançamento do Livro - Novo Pensar 

Vim de Rio Preto cheio de ideias, de projetos. Retornei a minha querida cidade natal com o sonho de criar um grupo semelhante ao Instituto de Cultura Espírita do Brasil, fundado pelo grande escritor espírita Deolindo Amorim; de escrever, de divulgar a cultura espírita, profunda, abrangente, transformadora, como havia aprendido com o mestre Herculano Pires. Era um sonho muito distante, remoto, quase impossível, desses que a gente nunca imagina que possa efetivamente realizar.

Inscrevi-me no Clube do Livro Espírita de São Vicente, vinculado à União Intermunicipal Espírita de São Vicente e dirigido pela Dicesp, editora espírita fundada pelo Jaci e pelo José Rodrigues.
O segundo livro que recebi foi Amor, Casamento & Família, a obra mais conhecida do Jaci. Olhei e estranhei ao ver que o livro não era psicografado. Quando comecei a ler, logo percebi uma linguagem semelhante a que via nos livros do Herculano Pires e do Deolindo Amorim, com um sabor maior de contemporaneidade, uma linguagem atual e um estilo fluente, cativante. Fiquei impressionado com o conteúdo do livro e curioso para conhecer o autor.

O contato pessoal se deu no final daquele ano, em um encontro de jovens espíritas promovido pela Comunidade Assistencial Espírita Lar Veneranda. Foram momentos marcantes em um domingo ensolarado. Neste dia assisti a uma palestra sua e o conheci pessoalmente. Senti uma emoção muito grande. Nunca havia conhecido pessoalmente o autor de um livro, ainda mais um livro espírita de tão profundo conteúdo e arrojados pensamentos. Após o almoço, ele estava sentado numa cadeira observando a movimentação do ambiente. Fui até ele, me apresentei e falei o quanto eu havia gostado de seu livro. Agradeceu os elogios ao seu trabalho e disse-me que estava para lançar um novo livro, Comportamento Espírita, no início de 1981. Outra obra sua que li com avidez, assim como todos os seus livros posteriores e seu primeiro livro, em parceria com Marlene Nobre e Nancy Pullmann, A Mulher na Dimensão Espírita.

Nesse meio tempo tive a oportunidade de conhecer o periódico santista Espiritismo & Unificação, editado pela Dicesp. Foi total a identificação. Era exatamente o que eu pensava. Ele era editado pelo Jaci e o redator, José Rodrigues, uma dupla formidável. Vi que não estava sozinho. Centenas de companheiros de vários outros lugares do Brasil e fora dele comungavam dos mesmos ideais, da mesma visão e concepção de um Espiritismo cultural, dinâmico e orientado pelo genuíno pensamento de Allan Kardec.

Desde então, até o Jaci desencarnar hoje, de manhã, nesta segunda-feira, 13 de dezembro de 2010, nunca perdemos contato. Não pude me despedir pessoalmente pois ele estava na UTI, muito bem amparado pelos familiares. Infelizmente não resistiu e veio a falecer. Foi um homem que deixou sua marca, profunda, no Espiritismo e nos espíritas predispostos a assumir uma mentalidade mais progressista, aberta ao novo, sem perder as raízes do pensamento kardequiano.

Tive o grande prazer de trabalhar por quase 20 anos ao lado dele. Com os conflitos doutrinários na USE, o Espiritismo & Unificação, que passei a diagramar, foi sucedido pelo Abertura (1987), agora editado pelo Lar Veneranda, através da Livraria Cultural Espírita Editora, Licespe. Nesta época eu era o presidente do Conselho Regional Espírita e acompanhei de perto todo o conflito ocorrido em Santos e em vários lugares do País.

Lembro que fiz o projeto gráfico da noite para o dia, varando a noite, porque o Jaci continuava tocando o jornal, agora com outro nome, do mesmo jeito de antes, com o mesmo dinamismo, inclusive com a mesma diagramação. Ele editava e também diagramava, função esta que eu já estava desempenhando. E jornal não para. Terminada uma edição, outra já entra em andamento. Com o afastamento do José Rodrigues, por motivos pessoais e doutrinários, fui assumindo a redação, diagramação e fechamento do jornal.

O grau de confiança e de respeito, o clima democrático que foi se desenvolvendo entre nós era tão grande que ele me enviava o jornal em estado bruto, muitas vezes sem a manchete, as chamadas, somente com o editorial e seu texto da página três. Mas sempre o respeitei como pessoa e como editor. Procurava sempre consultá-lo e o avisava de alguma mudança editorial que eu julgasse necessária.

Eventualmente nos encontrávamos no Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita, evento criado por ele, no Instituto Cultural Kardecista de Santos, onde era fundador e presidente, entidade que eu ajudei a fundar em seu início. O Jaci queria que fosse somente Instituto Kardecista. Debatemos o assunto e propus o nome acrescido da palavra cultura. E ficou cultural por ser mais abrangente e não se restringir somente à cultura kardecista. E, de Santos, por aventar a possibilidade de que pudessem surgir institutos em várias cidades outras do país e do exterior. Ele ouviu os argumentos e decidiu pelo nome atual.

A primeira atividade do ICKS tive a honra de organizar: uma conferência sobre Ecologia, Meio Ambiente e Espiritismo, com o companheiro colombiano radicado no Brasil, Orlando Villarraga. Como o ICKS não estava ainda com suas instalações prontas, promovemos o evento no Centro Espírita Allan Kardec, de Santos, entidade da qual participo até hoje, cujo membro-fundador mais dinâmico e atuante fora o Jaci, desde os tempos da Mocidade Espírita Estudantes da Verdade, do qual foi presidente, assim como do centro.

Liberdade, respeito e confiança eram parte integrante de nosso trabalho doutrinário. Fui visitá-lo várias vezes e sempre fomos recebidos, eu e minha falecida esposa, com muito carinho e atenção por ele e sua inseparável companheira, Palmyra Regis. Era mais uma oportunidade de ficarmos trocando ideias sobre os mais variados assuntos, mas sempre orientados pela paixão em relação à obra de Allan Kardec e à personalidade que ele foi.
A partir de 2001 passei a dividir essas e outras tarefas doutrinárias com o site PENSE - Pensamento Social Espírita, fundado e editado em parceria com o companheiro José Rodrigues, recentemente desencarnado, em fevereiro deste ano. Até ao ponto em que decidi me afastar do Abertura para me concentrar no site e outros trabalhos doutrinários.

Muitos companheiros de minha geração me perguntavam: “como você consegue trabalhar com o Jaci?” Eu respondia tranquilamente, sem me incomodar: “nosso trabalho é realizado como se fôssemos profissionais, como se fosse um trabalho profissional, apesar de ser voluntário e totalmente doutrinário. Procuramos ser eficientes no que fazemos, apenas isso”.

O Jaci sempre teve fama de ser centralizador, exigente ao extremo, muito duro e seco, enérgico, grosseiro. Mas ao mesmo tempo era bem-humorado, jocoso, carismático e um exemplo de dinamismo, de trabalho, de perseverança, como se fosse uma força da natureza. De fato, ele era tudo isso. E mais, não tolerava corpo mole, ineficiência, incompetência. Não deixava barato, não poupava palavras, era duro mesmo, mas sem ser mal-educado. Ele não falava palavrão. Nunca ouvi dele alguma palavra de baixo calão.

Adorava vê-lo falar. Sempre fui um jacista de quatro costados, mas sem perder de vista suas contradições, sem deixar de contestá-lo quando julgava necessário. Suas palestras sempre traziam pontos polêmicos, criticidade, bom humor. Um debatedor implacável. Era muito difícil debater com ele.

O jornal Espiritismo & Unificação foi um dos poucos que manteve suas portas abertas para determinados movimentos de contestação como o MUE - Movimento Universitário Espírita, caracterizado por propostas que visavam uma correlação do Espiritismo com o Marxismo, com um discurso de esquerda, fundamentado em autores como Manuel S. Porteiro, Humberto Mariotti e Herculano Pires. Mariotti chamava esse grupo, carinhosamente, de esquerda kardeciana. Foi o periódico espírita que mais promoveu o trabalho realizado pela Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA), bem antes da penetração mais acentuada de seus quadros e princípios no Brasil, a partir da gestão do escritor espírita venezuelano Jon Aizpúrua, nos anos 90.

Não é exagero afirmar que Jaci Regis foi um dos maiores pensadores espíritas de todos os tempos. Sua produção doutrinária nos livros e em jornal, nos ensaios e conferências, demonstram esse fato. Rompeu com a ortodoxia espírita, com o sectarismo da pureza doutrinária e propôs uma releitura da obra de Allan Kardec, situando-a na contemporaneidade, apontando rumos para o futuro do Espiritismo. Depois dele, o Espiritismo nunca mais seria o mesmo. Seu discurso radical e apaixonado pelo pensamento kardequiano representou um divisor de águas, como se estivéssemos numa encruzilhada.

A proposta de discussão de um novo modelo epistemológico para o Espiritismo, um de seus projetos derradeiros, enviada à Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA), é fruto também de sua ousadia. A CEPA se recusou a discutir o projeto, oficialmente. Mas resultou numa carta de princípios da CEPA-Brasil, mostrando seu claro posicionamento em relação ao caráter e a identidade do Espiritismo, a partir do projeto enviado por ele, dentre outras contribuições.

Para ele o Espiritismo é a ciência da alma, uma ciência humana. O que reafirma ainda mais Jaci Regis como um humanista, não somente no sentido da ilustração, da cultura, mas em sua dimensão sensível, subjetiva, empreendedora, humana. A beleza e eficiência da Comunidade Assistencial Espírita Lar Veneranda, hoje um exemplo de promoção social e educativa, por mais de 30 anos foi por ele dirigida. Toda a obra assistencial e educativa do Lar Veneranda tem a marca de seu espírito empreendedor.

Eugenio Lara
13 de dezembro de 2010.
Publicado no jornal Abertura de Jan/ fev 2013, logo após a desencarnação de Jaci Régis

sábado, 1 de outubro de 2011

Jaci Régis biografia e vida - por Ademar Arthur Chioro dos Reis

Jaci Regis Um Radical Discípulo de Kardec 




 O espaço destinado a Jaci Regis na história do Espiritismo depende de quem conta a história. O que não se pode negar, entretanto, é que ele é uma das personalidades mais marcantes da história contemporânea do Espiritismo. Um homem que conseguiu questionar e abalar as estruturas do movimento espírita oficial, introduzindo a crítica fundamentada, numa obra profunda, contundente, consistente, contra-hegemônica e..., portanto, profundamente polêmica. Polêmico por natureza, personificou a contradição em toda sua essência. Era, ao mesmo tempo, um homem sensível, culto, repleto de ternura, explosivo, ríspido e autoritário. Acessível às novas idéias, progressista, estimulou e defendeu a adoção de comportamentos responsáveis e livres de preconceitos no que diz respeito à sexualidade e à liberdade, fundamentais para a construção da felicidade humana, que compreendia como diretamente ligada à busca do prazer. 

Por outro lado, era politicamente conservador, um liberal clássico na acepção da palavra, que nutria exagerada antipatia ao socialismo e a esquerda em geral. Filho de Octávio Regis e Izolina Adriano Regis, espíritas praticantes, nasceu em Florianópolis, em 30 de outubro de 1932, sendo o sexto filho de uma prole composta por oito irmãos: Otávio, Arnaldo, Francisco, Albertina, Mariazinha (já falecidos), além de Ivon, Luci e Egydio. Fez o curso primário nesta cidade catarinense, onde começou a frequentar o Catecismo Espírita e, mais tarde, a Mocidade Espírita. No início de 1947 veio para Santos com a família e em novembro deste ano entrou para a Juventude Espírita de Santos, recém-fundada pelo Centro Espírita Manoel Gonçalves.

 A partir daí começa a sua exitosa trajetória de líder, divulgador e pensador espírita, destacando-se pela sua inteligência, impulsividade e criatividade. Em 1949, quando a Juventude, já então denominada Mocidade Espírita Estudantes da Verdade (MEEV), mudou-se para o Centro Beneficente Evangélico, assumiu a liderança da mesma (tinha então 17 anos) com a transferência de Alexandre Soares Barbosa, fundador e grande polarizador dos jovens, para a cidade de Araraquara. Em 1952 liderou o movimento que assumiu a direção do Centro Beneficente Evangélico. A partir daí esse centro tomaria um rumo diferenciado dos demais. 

Por sua sugestão, a casa mudou o nome para Centro Espírita Allan Kardec (CEAK). Em 1962 liderou outro movimento composto por um grupo de jovens que assumiu a direção da Comunidade Assistencial Espírita Lar Veneranda, fundada em 1954, da qual foi presidente por 32 anos. Sua gestão foi marcada por grandes realizações, culminando com a construção de um belo prédio, sede da creche que atende hoje 130 crianças e 80 mães, e outro para a escola (posteriormente vendido) que continua atendendo 60 crianças. Participou destacadamente do movimento juvenil no Estado de São Paulo, sempre combativo e inovador. Foi um dos fundadores da União Municipal Espírita de Santos (UMES), em 1951, sendo seu primeiro vice-presidente. Foi idealizador e presidente da Divulgação Cultural Espírita (Dicesp), órgão da UMES, desenvolvendo um grande trabalho de divulgação. Jovens da MEEV, editavam o jornal Espiritismo, que posteriormente fundiu-se com o jornal Mensageiro da União, órgão da UMES, surgindo o "Espiritismo e Unificação", do qual foi diretor e editor por mais de 23 anos, em companhia de José Rodrigues, que faleceu também em 2010. 

A partir das divergências e disputas encetadas com o segmento religioso da UMES, fundou a Livraria Cultural Espírita (Licespe), vinculada ao Lar Veneranda. E o Jornal ABERTURA, em 1987, do qual foi presidente e redator até o seu desencarne. Por cinco décadas foi membro do Conselho Diretor e participou de atividades doutrinárias no CEAK, do qual foi presidente por 12 anos. Em 1999, afastou-se do CEAK e fundou o Instituto Cultural Kardecista de Santos (ICKS), entidade ligada ao Lar Veneranda, que presidiu até o seu desencarne. Também presidia, desde 1994, o Conselho Deliberativo do Lar Veneranda. 

Sempre empreendedor, criou em 2009 uma OCIP, denominada Lar Ven, para cuidar dos cursos profissionalizantes ministrados no Edifício Jaci Régis, pertencente ao Lar Veneranda e sede do ICKS e do Lar Ven. 

 Escreveu as seguintes obras: A Mulher na Dimensão Espírita, em parceria com Nancy Puhlmann Di Girolamo e Marlene Rossi Severino Nobre (1975), Amor, Casamento & Família (1977), Comportamento Espírita (1981), O Poder no Movimento Espírita (1981), Uma Nova Visão do Homem e do Mundo (1984), Caminhos da Liberdade (1990), o romance As Muralhas do Passado (1993) Introdução À Doutrina Kardecista (1997), A Delicada Questão do Sexo e do Amor (1999), Doutrina Kardecista - Uma releitura da Obra de Allan Kardec (2005), Novas Idéias - Textos Reescritos (2007), Doutrina Kardecista - Modelo conceitual (2008) e Novo Pensar - Deus, Homem e Mundo (2009). 

Dirigente, orador, divulgador do Espiritismo, escritor, jornalista, por décadas dedicou-se à causa espírita, desempenhando inúmeros e relevantes papéis. Poucos, entretanto, sabem que Jaci, muito embora tenha cedo iniciado seu contato com a mediunidade, dirigindo reuniões por muitos anos, tardiamente desenvolveu faculdades mediúnicas, tendo contribuído por muitos anos como médium em reuniões de desobsessão, assistência espiritual e de pesquisa mediúnica no CEAK. Por 17 anos interrompeu suas atividades mediúnicas, mas há pouco mais de um ano as tinha retomando nas reuniões do Gabinete Psico-Mediúnico do ICKS. 

Era casado com Palmyra há 57 anos, companheira dedicada que conheceu na época de mocidade espírita e com a qual teve 6 filhos: Valéria (pedagoga), Rosana (assistente social), Gisela (bióloga), Cláudia (psicóloga), Fernando Augusto (médico) e Marcelo (engenheiro). Seus genros, Junior Oliveira, Roberto Rufo e Alexandre Machado, inspirados em seu exemplo e dedicação, tornaram-se militantes espíritas muito valorosos. A maioria dos seus 11 netos participa ativamente da MEEV. Atualmente o Lar Veneranda é dirigido por sua filha, Valéria Regis Silva, e sua numerosa e devotada família participa ativamente na gestão desta entidade, bem como do Jornal Abertura, do Lar Ven e do ICKS. Trabalhou durante 30 anos, até aposentar-se, na Refinaria Presidente Bernardes - Petrobrás, chegando a cargos de chefia de departamentos. Formou-se em Economia, Jornalismo e Psicologia. Freudiano assumido, era psicólogo clínico e até o seu desencarne exercia intensa atividade profissional, que influiu decisivamente para que se dedicasse a abordagem de temas relacionados ao comportamento humano, a sexualidade, a família, a personalidade humana e suas relações com os problemas afetivos e psíquicos. 

Desenvolveu, ao longo da década de 90 do século passado, uma teoria a que denominou Espiritossomática, procurando estabelecer pontos de confluência e a construção de uma práxis terapêutica a partir das contribuições doutrinárias do Espiritismo e de outras áreas da Psicologia, em particular a psicanálise. 

Era expositor e autor que fazia (e continuará fazendo) muito sucesso entre os jovens e espíritas livre-pensadores, desprovidos de preconceitos, tocados pelos argumentos e pela abordagem moderna, aberta, fundamentada e consistente com quem lidava com os mais diversos temas doutrinários e problemas humanos. Um autor que possuía um estilo peculiar, de reconhecida competência. Sua pena produzia há décadas ensaios e crônicas, publicadas em jornais e livros, de rara sensibilidade e ternura, que tocam as mais profundas fímbrias de nossos corações e mentes. Um texto sensível e criativo, sem que recorresse à mesmice que caracteriza a literatura espírita. Ao mesmo tempo, era capaz de produzir artigos, trabalhos, textos e livros de cunho doutrinários que se constituíram em verdadeiros clássicos da literatura espírita contemporânea, indispensáveis aos estudiosos da Doutrina Espírita. Desenvolveu uma linha de raciocínio e argumentação extremamente fundamentada e consistente, a partir dos postulados de Kardec – que conhecia como poucos. 

Era um líder nato e grande realizador. Não há dúvidas de que o Lar Veneranda foi a grande obra de sua vida, pois embora tenha tido inúmeros e valorosos colaboradores, sua obstinação, competência e liderança foram fundamentais para erguer e consolidar esta instituição modelar. Sua contribuição intelectual ao pensamento espírita, por outro lado, foi sendo desenvolvida e aperfeiçoada num processo no qual se destacam três fatos de fundamental importância na definição de sua obra: a "descoberta" de Freud e sua formação psicanalítica, no curso de Psicologia; o acesso às informações contidas na Revista Espírita, o que lhe permitiu um aprofundamento e a contextualização do pensamento de Kardec; e, por fim, a elaboração de uma proposta de re-leitura de Kardec, uma reconceituação das atividades doutrinárias, de modo a adequá-las aos princípios e objetivos do Espiritismo, num movimento criado e difundido a partir de 1978, ao qual denominou "Espiritização", que alcançou grande repercussão no movimento espírita. Constituiu-se, sem dúvida, no mais contundente e consistente crítico do Espiritismo evangélico/cristão e do não assumido roustanguismo da Federação Espírita Brasileira.

Denunciou a concentração de poder nas mãos dos conservadores dirigentes das federativas e suas nefastas consequências. Impulsionou, a partir de meados da década de 80, a discussão em torno do caráter religioso do espiritismo, defendendo vigorosamente que o espiritismo não é uma religião, combatendo a incorporação de práticas e rituais religiosos pelo movimento e as distorções no uso e prática da mediunidade. Foi um dos líderes, em 1986, da chapa de oposição à USE-SP, que terminou amplamente derrotada. A este processo seguiu-se uma verdadeira caça às bruxas, que objetivava isolar todos aqueles que de alguma forma estavam próximos ao "Grupo de Santos", ou seja, os influenciados e/ou liderados por Jaci Regis. Foi deliberadamente satanizado, rotulado de obsedado por seus "fraternos" inimigos. A divulgação do jornal por ele dirigido e de seus livros foram proibidos. 

Deixou de ser convidado para proferir palestras e conferências. As entidades do movimento de unificação do Espiritismo brasileiro procuraram isolá-lo, crentes que desta forma conseguiriam sufocar a crítica à deturpação do Espiritismo por eles transformado em uma religião conservadora e assim sufocar a retomada de um movimento genuinamente kardecista, progressista e laico. Buscando construir uma estratégia que pudesse romper o isolamento dos espíritas kardecistas que haviam sido excluídos e marginalizados (ou que se auto-excluíram por não suportarem mais as condições impostas pelo movimento oficial), idealizou e realizou em 1989 o I Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita (SBPE), bianual, destinado a estimular a produção doutrinária de espíritas encarnados, que este ano atingirá a sua 12a edição ininterrupta. Jaci Regis proporcionou com o SBPE um reencontro de antigos líderes espíritas e o surgimento de uma nova e promissora geração de dirigentes espíritas. Com isto, houve um grande fortalecimento e a definitiva capilarização da CEPA em todo o território nacional, que culminou com a criação da CEPABrasil, que tradicionalmente realiza suas assembléias durante esse evento. Proferiu palestras e conferências em vários eventos internacionais realizados pela CEPA.

Assim, tornou-se conhecido (e suas idéias reconhecidas) na Argentina, Venezuela, Espanha, etc., bem como seus livros e artigos traduzidos para o espanhol. Inicialmente manteve uma posição de autonomia em relação à entidade, mas aos poucos foi se aproximando, culminando com a adesão do ICKS à CEPA e a sua participação, em parceria com Milton Medran, da Secretaria Editorial do Conselho Executivo da CEPA, eleito em Porto Rico, para a gestão 2008-2012. Embora tenha participado ativamente de seus eventos e seja responsável por vasta contribuição intelectual ao debate de ideias no seio desta instituição, manteve sempre uma relação extremamente tensionada, quase conflituosa. Na última década “sacudiu” o movimento espírita laico dirigido pela CEPA, a quem prioritariamente procurava estabelecer um diálogo, ao propor novos rumos para o espiritismo a partir de algumas ideias que sintetizam parte dos consensos construídos no interior deste movimento nos últimos anos com outros conceitos e propostas instigantes e polêmicas. 

Concebeu um Novo Modelo Conceitual, com o qual se propunha a reescrever o modelo espírita, e a Doutrina Kardecista, que finalmente vinha denominando Ciência da Alma. Em setembro de 2010 esteve presente no II Encontro Nacional da CEPABrasil, em Bento Gonçalves, discutindo em toda a radicalidade o seu Modelo Conceitual e a Ciência da Alma. Tratam-se de contribuições fundamentais que devem ser amplamente debatidas e aprofundadas, dado o alcance e repercussões das proposituras ali contidas. Era sem dúvida um espírito complexo e profundamente polêmico: íntegro, direto, inquieto, impulsivo, autoritário, muitas vezes ríspido. 

Ao mesmo tempo era um homem sensível, sereno, amável, carinhoso e profundamente benemerente. Entre os adeptos do Espiritismo e dirigentes espíritas, é admirado por muitos, odiado por tantos outros, mas respeitado por todos. Um espírita que ousou romper a mediocridade reinante. Alguém que contribuiu como poucos (e ainda contribuirá por muito tempo) com o estudo e a divulgação do Espiritismo, comprometido de fato com o pensamento de Kardec, numa dinâmica libertária, capaz de produzir uma nova visão do homem e do mundo. 

Um dirigente espírita influenciou profundamente a cada um dos que com ele conviveu ou teve acesso a suas ideias e pensamentos. Um líder na essência da palavra, com seus erros e acertos, defeitos e virtudes. Uma vida dedicada com amor e paixão ao Espiritismo. Inquestionavelmente, uma das grandes personalidades espíritas do século 20 e da primeira década do 21. Até a véspera de sua internação na Santa Casa de Santos, em decorrência de insuficiência renal crônica, vinha trabalhando normalmente em seu consultório e em suas atividades doutrinárias. Mas o corpo cansado, embora tenha deixado a UTI por 2 dias, não mais resistiu. Jaci Regis desencarnou no dia 13 de dezembro de 2010, aos 78 anos de vida, em Santos, após 45 dias de hospitalização. Retornou ao mundo dos espíritos, onde queridos companheiros devem (em festa) tê-lo recebido. 

Deixa-nos, entretanto, com a firme convicção de que a partir desta data o clima de contemplação e tranquilidade idealizado por muitos para caracterizar o mundo dos espíritos estará com os dias contados. Em breve, o mais radical discípulo de Kardec estará de volta, com toda a sua genialidade e inquietude, produzindo entre encarnados e desencarnados novas reflexões, desmobilizando o conservadorismo reinante, instigando a todos a dar continuidade à permanente atualização do pensamento espírita, a buscar incansavelmente o conhecimento e o crescimento espiritual. E, ao mesmo tempo, envolvido nas tarefas de acolhimento aos que padecem de sofrimentos psíquicos e morais e que necessitarem de sua ajuda qualificada e amorosa. 

O desencarne de Jaci Regis, por tudo que ele representa para incontáveis espíritas em todo o mundo, não será o fim de uma história. Não extinguirá a trincheira libertária que ele abriu nas mentes de várias gerações de espíritas. O movimento emancipatório que ele liderou terá continuidade. Caberá a cada um de nós, que ao longo de nossas vidas nos iluminamos a partir de suas ideias, dar continuidade, de alguma forma, às diversas frentes que esse homem (insubstituível) plantou, cultivou e viu florescer. Cuidar desse imenso jardim não é tarefa para poucos, mas terá continuidade. 

 Ademar Arthur Chioro dos Reis

Jaci Régis e o  seu legado


Jaci Régis Biografia - por Ademar Arthur Chioro dos Reis



Homenagem a Jaci Régis e José Rodrigues - XXI Congresso Espírita Panamericano em Santos 2012





Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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