DIALOGANDO COM JACI
Preambulo
Nota do blog - nova coluna do Jornal Abertura á partir de 2020
Após encerrarmos o trabalho prazeroso durante dez anos estudando e
divulgando os artigos elaborados pelo mestre na Revista Espírita, iniciaremos
uma outra tarefa não menos prazerosa e de importância para a afirmação
doutrinária Espírita em nossos tempos. Pessoas podem perguntar: por que Jaci
Regis? O que ele representa para o Espiritismo? Seu nome é reverenciado
nacionalmente? Por que não foi reconhecido e divulgadas suas ideias pelos
canais do “poder” central do movimento espírita? Algumas destas perguntas
responderemos baseados na vivência que tivemos dentro do movimento e com o
próprio Jaci. Outras a obra literária dará as respostas que muitos procuram.
Qual o perfil de Jaci? Poucos da multidão de espíritas puderam realmente
conhecer e admirar a personalidade marcante desse incansável trabalhador, quer
dos assuntos doutrinários, quer da benemerência dedicada à infância e às mães
sofridas carentes a procura de uma vida digna junto das suas crias. Jaci possuía
uma energia de trabalho que chegava a irritar a quem o seguia. Sua mente
criativa o projetava para novos projetos arrojados que faziam tremer as bases
estabelecidas no pieguismo e nos valores envelhecidos pelo comodismo. Desde a
adolescência ousou contrariar e enfrentar os velhos líderes do movimento
espírita santista, cujos centros mais pareciam simulacros de igrejas e templos
evangélicos do que casas de estudos e de divulgação da Doutrina Espírita. Aos
quatorze anos chegou a Santos (catarinense de nascimento) , ingressou na então
fundada Juventude Espírita de Santos (1947) onde logo manifestou seu espírito
inquieto e quando a Mocidade rebelou-se contra os entraves da diretoria do
Centro Espírita Manoel Gonçalves (sede primeira da Mocidade ) e transferiu-se
para o Centro Beneficente Evangélico (em 1949, já então com o nome de Mocidade
Espírita Estudantes da Verdade) Jaci, ainda na adolescência, quando o Mentor da
mocidade o saudoso Alexandre Soares Barbosa teve, por força de sua atividade
profissional, que deixar a condução doutrinária da entidade, chamou para si
essa responsabilidade. O Centro Beneficente Evangélico, era um pequeno centro
com poucos frequentadores e praticamente com as portas quase fechadas. A MEEV
(Mocidade Espírita Estudantes da Verdade), sob a batuta de Jaci deu nova vida
ao Centro. Mas, ele não se conformou com o fato de o nome não identificar uma
casa espírita e sua primeira luta foi convencer a “velha guarda” a acrescentar
o nome Espírita, passando então a denominar-se Centro Espírita Beneficente
Evangélico. Com o apoio de alguns companheiros mais velhos, mas com mente
aberta e, sobretudo, com os jovens da Mocidade, Jaci tornou-se o grande
condutor do Centro. A primeira grande iniciativa foi propor a mudança do nome
de Centro Espírita Beneficente Evangélico, para Centro Espírita “Allan Kardec”.
Para se ter ideia da capacidade intelectual de Jaci, é preciso dizer que até
mais de vinte anos de idade, ele tinha apenas completado o curso comercial,
equivalente na época ao ginásio ou ao primeiro ciclo de hoje. Porque precisava
trabalhar e não tinha tempo para estudar. Assim, somente lhe restava prestar
exame de madureza que hoje seria o supletivo. A partir daí, tendo conseguido o
certificado do segundo grau, não mais parou e laureou-se em três cursos
superiores: Economia, Jornalismo e Psicologia, os dois primeiros em horário
noturno por causa de sua atividade profissional como empregado da Petrobrás.
Psicologia cursou quando já estava aposentado e foi sua última atividade
profissional.
Paralelamente aos trabalhos no Centro e aos primeiros ensaios de
questionamentos doutrinários, Jaci preocupava-se com a atividade de
benemerência incorporando-se às campanhas desenvolvidas pelo Centro e,
especialmente ao Lar Veneranda, creche não propriamente espírita, fundada e
dirigida por um grupo de amigos ligados a atividade portuária. Essa entidade
funcionava em uma casa e atendia um punhado de crianças possibilitando suas
mães trabalharem, além de oferecer cursos de qualificação para essas mães. Sua
situação não estava muito boa estando sob ameaça de despejo e outras
dificuldades. Jaci e um grupo de jovens, depois de algumas gestões, assumiu a
direção da entidade e num verdadeiro esforço heroico, suportando todo tipo
críticas e má vontade de pessoas derrotistas, não só comandou a superação de
dificuldades, como conseguiu a façanha de construir um prédio moderno e
confortável para abrigar mais de cem crianças, estendendo a atuação de creche
para o lar de crianças desamparadas. Incansável, dirigia o Lar, o Centro, fazia
palestras, escrevia e trabalhava profissionalmente em jornada de oito horas.
Era difícil acompanhar o seu ritmo de trabalho e isso muitas vezes o irritava.
Jaci não era uma pessoa melosa, tinha uma personalidade forte e não
usava de eufemismos com ninguém. Era direto, duro, mas sensível e respeitoso
com quem merecia. Era um palestrador na época em que surgiram os
oradores que davam verdadeiros espetáculos declamando trechos decorados,
elevando a voz para impressionar o público e derramando-se em trechos
evangélicos longos. Jaci, não decorava nada, não fazia pose, não usava
linguagem empolada. Não empolgava, fazia pensar, derramava doutrina clara e
ousava tocar em assuntos que melindravam as plateias acostumadas a ouvir
repetidamente lições evangélicas e pouco espíritas. Como resultado de sua
coragem em criticar os centros que mais pareciam igrejas e assembleias
evangélicas, Jaci passou a ser persona não grata nas casas espíritas. Os
jornais que fundou e escreveu, como o Abertura, assim como suas obras, foram
proibidos pelos dirigentes desses centros. Por incrível que possa parecer, sua
palavra foi caçada e seus escritos censurados, sob a égide de uma doutrina que
tem a liberdade de pensamento e de expressão como lema maior. Essa lamentável
atitude espalhou-se por todo o Brasil e por isso suas ideias revolucionárias,
seu descortino em analisar a obra de Kardec e desmistificar o emanuelismo e o
mediunismo que pretendiam substituir e superar Kardec, não chegaram à massa
espírita.
Além dos livros, que vamos basear nosso trabalho, Jaci foi o grande
incentivador do espiritismo laico, hoje bem sedimentado no continente
sul-americano. Idealizador do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita, que
reúne espíritas de todo o Brasil e de outros países, é sempre lembrado e citado
por muitos participantes.
Enfim, muito poderia escrever sobre Jaci, de quem tive a honra de ser
irmão de sangue e mais do que isso, seu admirador e seguidor. Devia esta justa
homenagem a um dos mais importantes espíritas de nosso tempo. Oxalá a partir
deste modesto trabalho algumas pessoas se interessem e mergulhem nos
ensinamentos de Jaci Regis.
Egydio Régis
Nota: Artigo
originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.
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