Em plena ditadura militar brasileira Chico
Buarque corajosamente cantava: “Amanhã vai ser outro dia. Hoje você é quem
manda falou tá falado não tem discussão. A minha gente hoje anda falando de
lado e olhando pro chão. Você que inventou a tristeza agora tenha a fineza de “desinventar”.
Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada neste meu penar. Apesar de você
amanhã há de ser outro dia. Ainda pago pra ver o jardim florescer qual você não
queria...”
Bela canção que exprimia o estado de
espírito daqueles que desejavam um Brasil melhor com democracia, participação
popular, voto direto, direitos sociais, soberania, enfim, todo um conjunto de
medidas civilizatórias para um país que desejava ser grande e bom para os seus
filhos.
No início da década de 80 tivemos a
famosa emenda Dante de Oliveira e a inesquecível, para quem acompanhou,
campanha pelas diretas já. Enfim, chegamos a festejada “Nova República” que
vinha com gosto de esperança em dias melhores para os brasileiros. Finalmente,
entrávamos em um regime democrático. Os anos de chumbo passaram, presidentes e
governos se sucederam, e hoje, infelizmente, na contramão da história, o Brasil
vive uma tremenda crise política, econômica, social e moral.
A crise política se dá porque vivemos em
um momento no qual uma presidenta da República legitimamente eleita por 54
milhões de pessoas, pela maioria dos brasileiros, foi afastada do poder, sob
argumentos no mínimo questionáveis.
Crise econômica e social que se espalha
com o desemprego, com a inflação, insegurança pública, proliferação de favelas
e com o desmantelamento de políticas sociais de amparo aos mais fracos da
sociedade.
A crise moral, por sua vez, se estende
como uma onda de ódio e sectarismo atingindo os brasileiros. Onda de ódio que
faz com que uma prestigiada atriz como Letícia Sabatella, seja ofendida em sua
dignidade em plena rua por pessoas furiosas, apenas porque manifestou sua
posição política. Crise moral que se expressa em um individualismo feroz, no
qual se esquece a dimensão comunitária e social do homem.
Esta crise moral se espalha, ainda, como
um câncer em metástase, por grande
parte do Estado brasileiro, em suas diversas instâncias de poder, atinge
partidos políticos de variada coloração, bem como, nunca esqueçamos, esta crise
atinge também importantes empresas privadas brasileiras, as quais, junto com
setores do poder público, possuem responsabilidade comum nos acontecimentos de
corrupção descarada que atualmente vivemos.
A crise atinge, inclusive, alguns
importantes veículos de comunicação, os quais tomaram a feição de partidos
políticos, ideologicamente tendenciosos, ao invés de cumprirem seu papel de
órgãos de imprensa, na busca de um jornalismo correto na divulgação imparcial
dos fatos. Nunca ficou tão evidenciado na história do Brasil moderno o quão
complexo e quase “metafísico” é o conceito de “liberdade de imprensa” no
cotidiano das redações e grandes grupos de comunicação.
Nos encontramos de fato em um momento de
falta de esperança, de não acreditarmos mais em um Brasil que possa
efetivamente ser um país democrático, soberano, justo socialmente e garantidor
das liberdades.
Acabamos de reler “A Gênese”
de Allan Kardec. Nesta obra se observa em seu
capítulo final, uma ideia de esperança em relação ao futuro da humanidade,
levando em conta os momentos de crise: “Sim, decerto, a humanidade se
transforma, como já se transformou noutras épocas, e cada transformação se
assinala por uma crise que é, para o gênero humano, o que são, para os indivíduos,
as crises de crescimento. Aquelas se tornam, muitas vezes, penosas, dolorosas,
e arrebatam consigo as gerações e as instituições, mas, são sempre seguidas de
uma fase de progresso material e moral”
É certo que o progresso não é fatal. Ele
depende da iniciativa humana. E também há sempre a possibilidade de retrocesso.
Não devemos cometer o erro de certos pensadores marxistas, por causa da
influência hegeliana, que acreditavam que atingiríamos na história humana uma
era final e definitiva de progresso e felicidade. Este “paraíso” terreno não
existe e as conquistas do homem e da sociedade devem ser permanentemente e
cuidadosamente defendidas para não sucumbirem.
Porém, o progresso do homem e da
sociedade é possível, diz ainda um trecho da referida obra de Kardec sobre as
limitações ao desenvolvimento da humanidade: “o progresso intelectual realizado
até o presente, nas mais largas proporções, constitui um grande passo e marca
uma primeira fase no avanço geral da humanidade; impotente, porém, ele é para
regenerá-la. Enquanto o orgulho e o egoísmo o dominarem, o homem se servirá da
sua inteligência e dos seus conhecimentos para satisfazer às suas paixões e aos
seus interesses pessoais, razão por que os aplica em aperfeiçoar os meios de
prejudicar os seus semelhantes e de os destruir.”
O raciocínio acima exposto é uma verdade
cristalina, pois há muita gente inteligente que usa a sua inteligência para o
mal, para o egoísmo, para a discriminação do outro, para a opressão, para a
exclusão da alteridade, e como diz muito bem o texto, até para “destruir” o semelhante.
A condição moral individual influencia poderosamente nas atividades de caráter
coletivo, na vida do homem em sociedade, independentemente das diversas
tendências partidárias, ideológicas, religiosas etc.
Ante tudo isso pensamos na música de
Chico Buarque e em nossa convicção espírita. De fato, devemos acreditar sempre
que um mundo melhor ainda está por vir. Que estamos a caminho, apesar de todos
os tropeços. Devemos crer com todas as forças de nossa alma que um outro mundo é
possível. O espiritismo fala em melhoria da humanidade. É de fato de um
otimismo incrível. Se podemos atingir uma humanidade melhor, de certo podemos
conquistar um país melhor.
Deste modo convidamos a todos a cantar,
neste complicado momento histórico de nosso país, mesmo que em voz baixa em
sussurros para si mesmo, como uma prece, a canção do grande Chico Buarque. Ela vai nos ajudar a lidar com a tristeza e o
desencanto de um país que vem patinando há tanto tempo sem encontrar um caminho
justo e adequado à felicidade de todos os brasileiros.
Um país que passou por séculos de
escravidão, de subordinação a uma potência colonial estrangeira, episódios
históricos que marcaram profundamente a cultura, a mentalidade e as condições
sócio-econômicas do povo brasileiro. Um país em que ainda se encontra enraizada
a discriminação em relação a mulher, ao homossexual, ao negro, ao nordestino, ao
pobre. Um país no qual ainda não existe uma democracia plena, incentivadora da
participação dos amplos setores da sociedade nas decisões do governo, pois o
direito ao voto é apenas o mínimo fundamental que deve ser conquistado,
respeitado e defendido em uma democracia.
Um país que ainda não alcançou nem mesmo as conquistas
ideológicas da velha revolução francesa, tamanha a cultura elitista que ainda
existe entre nós, que faz com que os cidadãos brasileiros se dividam, na mente
de alguns poderosos, entre aquela minoria privilegiada e merecedora de todas as
benesses, e aquela grande maioria que deve ser reprimida e excluída dos bens
fundamentais da vida. Existe ainda quem pense em nosso país com a mentalidade
segregacionista da casa grande e da senzala. Infelizmente, ainda estamos bem
distantes do conceito de cidadania tão difundido na revolução da pátria de Kardec.
Revolução que pleiteava a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
Grande Chico Buarque! Que possamos cantar de
novo a tua canção para alimentar nossa alma de esperança e fé em dias melhores
para os brasileiros.
Amanhã vai ser outro dia...
P.S.: O clima político no Brasil anda
tão ruim que é necessário fazer alguns esclarecimentos. Não sou defensor e nem
filiado a partido algum. Sou apenas um cidadão brasileiro, espírita,
livre-pensador, que reivindica para si o direito de pensar livremente e expor
sua opinião, sempre com respeito a opinião diversa. Por outro lado, acredito
que um jornal espírita importante como Abertura não pode e não deve passar ao
largo dos problemas políticos e sociais que vivemos em nosso país. A bem da
verdade, devemos reconhecer que o Jornal Abertura tem cumprido o seu papel de
respeito à pluralidade de opiniões de seus articulistas, mesmo em questões controversas.
E também não tem se omitido frente as discussões de caráter político e social.
Isto enriquece sobremaneira a imprensa espírita.
Ricardo Nunes – Licenciado em Direito –
Reside em Santos -SP
NR:Artigo publicado no jornal Abertura em Agosto de 2016
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