quarta-feira, 28 de agosto de 2019

O maior desafio do Espiritismo é o próprio Espírita por Carol e Reinaldo di Lucia


O maior desafio do Espiritismo é o próprio Espírita - por Carol Regis di Lucia



Rodando pelos posts do Facebook pouco antes de dormir, apareceu uma atualização do perfil da Associação Espirita Mensageiros da Luz que não pude ignorar: era a escultura de um homem puxando uma carroça com dificuldade, tendo em cima sua própria cabeça, desproporcionalmente imensa. A legenda dizia: Nosso Ego é Nosso Fardo.



Fiquei pensando em tudo o que aquilo significava, especialmente vindo de um meio de comunicação Espírita. Me veio a sentença: o maior desafio do Espiritismo atual é o próprio Espirita e suas questões consigo mesmo. Antes de pensarmos em como resolver a falta de quórum, a questão da sucessão nas casas, os temas a abordar em grades de estudos (atualizar ou não), os modelos de comunicação para as novas gerações, precisamos re-conhecer os Espíritas.

Que algo aconteceu, e continua acontecendo, não há como negar. São depoimentos, observações, textos, impressões de diversos locais e culturas diferentes, no sentido de que o Espírita e a dinâmica doutrinária aplicada à prática já não é mais a mesma de antigamente. Obviamente, e não poderia ser uma vez que tudo muda, os tempos são outros, o mundo é absolutamente diferente da geração dos pais e avós Espíritas que fundaram os centros. O preocupante é que a conclusão de que essas mudanças não foram as ideais, como eram esperadas, não geraram os frutos pretendidos pelas gerações anteriores, reflete uma angústia quase paralisante nos frequentadores e dirigentes.

Cabem aqui as questões há tempos levantadas: evasão de frequentadores, politização do movimento, temas esgotados pela não atualização, ausência de núcleos jovens e infantis, baixo quórum de trabalhadores, sobrecarga dos atuais gestores, entre outras. Planos de melhoria, discussões, boas intenções não faltam no sentido de sanar grande parte desses entraves. Porém, todos se originam de análises externas, olhos que veem para fora e enxergam no outro e em ações programadas a solução do futuro do Espiritismo que queremos. Mas qual é o Espiritismo que queremos?  Quem são os Espiritas que queremos? Quem somos como Espiritas em 2019?
Filosofia que cuida do Ser, da alma, do Ente, o Espiritismo tem como ponto focal o Espírita. E este não sabe quem ele é. Está perdido na rotina do trabalho, do dia a dia, dos afazeres infinitos.

O Espirita não está conseguindo posicionar-se, encontrar o meio para ser Espirita e tudo o que isso implica: estudo, participação, dedicação, tempo. E o cenário onde ele vive impacta diretamente nessa condição indefinida em que se encontra, especialmente aqui no Brasil.

O país vive à flor da pele, uma epidemia de malemolência ética, onde hoje tudo pode, amanhã tudo é vetado. Os brasileiros sofrem de uma frouxidão moral momentânea, resultado de uma tomada de consciência politica e social inédita em um país historicamente paternalista. E como adolescentes no auge das mudanças, não sabem exatamente como agir, burlam regras, falam o que querem, experimentam novidades inconsequentemente. E nesse momento aparecem as fragilidades de cada um: falta de respeito ao próximo, ausência de sentimento de pertencimento, individualização exacerbada, busca pelo sucesso social atrelada à paradoxal falta de comprometimento geral. Impossível estar imerso nessa realidade e não ser abalado de alguma forma.  E o grande desafio é esse: tocar as pessoas de forma que elas reencontrem a si mesmas, refaçam o link da importância do Espiritismo em suas vidas.
E é nesse momento que o Espiritismo e os centros devem focar no retorno ao objeto principal: o Espírita. É papel deles trazer as origens de volta, de forma adaptada à cultura atual. Olhar para cada um, envolver-se genuinamente com cada participante, ajudar ao outro efetivamente, essencialmente. Talvez por isso as casas com cunho assistencialista ou com atividades relacionadas ao tratamento físico/espiritual tenham muito mais gente engajada, doando seu tempo à causa, ao estudo, ao próximo.  O grande desafio é ajudar os Espiritas a reposicionarem a cabeça no corpo, tirarem o ego da carroça, retomarem e inserirem a doutrina em suas rotinas, para que efetivamente torne-se prática nas demais instâncias do Ser.

Se o ego é nosso fardo, o Espiritismo deve ser nossa bússola. O Espirita precisa ver na doutrina o instrumento orientador nesse tumulto existencial momentâneo. E será a partir desse guia que poderemos retomar o curso, aprofundar os ensinamentos, retornar às origens repaginados.

Artigo publicado no Jornal Abertura de Julho de 2019 

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Refletindo sobre: o maior desafio do espírita é o próprio Espiritismo - por Reinaldo di Lucia

Na coluna do mês passado, Carol lançou-nos um desafio: como ressignificar o Espiritismo de modo a torná-lo, em suas palavras, “o instrumento orientador nesse tumulto existencial momentâneo”.
O grande desafio é como fazer isso, isto é, como, a partir de uma doutrina cuidadosamente construída há 150 anos, transformá-la para atender aos anseios e necessidades de uma sociedade que já se diferencia bastante daquela na qual o Espiritismo surgiu.

Ao analisarmos a história do surgimento dessa filosofia que vem, por todo este tempo, ajudando as pessoas com uma concepção de Universo positiva, humanista e progressista, percebemos que ela surgiu devido a uma necessidade social ou, pelo menos, de uma parte daquela sociedade. Naquele tempo, a Igreja desmoronava com os estertores da Inquisição e, assim, perdia cada vez mais tanto o poder temporal  quanto o religioso, já não conseguindo ser a bússola que as pessoas necessitavam. Por outro lado, a ciência, fonte legítima do conhecimento, não se preocupava com problemas que escapassem de suas rígidas limitações de objeto e método. Havia uma lacuna, bem grande por sinal.

Nesse campo, fértil de oportunidades, surgiu uma filosofia que se propunha a oferecer uma nova visão de homem e de mundo. Cresceu porque respondia àquelas necessidades humanas de conhecimento e consolação. Naquele tempo, o futuro parecia promissor, e a filosofia positivista, tanto quanto a espírita, previam que a evolução traria ao homem a felicidade e tranquilidade tão desejadas.
Infelizmente, isto não ocorreu. De lá para cá, tivemos duas guerras mundiais, vários conflitos locais e o retorno, 150 anos depois, de ideologias extremistas, como o neofascismo. A sociedade está cada vez mais polarizada, maniqueísta. Vivemos a época do “nós contra eles”, do 8 ou 80. Parecemos crianças que perguntam se tal pessoa é “do bem ou do mal”, ignorando a enorme complexidade e as múltiplas gradações que existem. Pensamos no preto ou branco, fechando os olhos ao fato que a vida é um composto de inumeráveis tons de cinza.

O que se observa na sociedade em geral repete-se no meio espírita. É triste vermos que, mesmo em nosso meio laico, livre pensador e humanista, não conseguimos nos livrar desta polarização. Não seguimos pelo caminho do meio, não primamos pelo equilíbrio, não praticamos a alteridade – seguramente um dos maiores pilares da ética espírita. Ao contrário, nos atacamos mutuamente, com uma dose de violência absolutamente contrária aos princípios espíritas.

Temos agora que realizar o processo inverso da época da criação da Doutrina Espírita, isto é, partir de uma visão de mundo já consolidada, visão esta que nos mostra o caminho de uma atuação ética no mundo em que vivemos, para retomarmos a importância do Espiritismo em nossas vidas. E isto numa sociedade em que a valorização do capital é maior que a do homem, em que o consumismo alcança patamares estratosféricos (mas em consonância com o estilo neoliberalista de viver), enfim, uma sociedade que valoriza muito mais a informação rasa das redes sociais ao conhecimento aprofundado do estudo sério e consistente.

O Espiritismo precisa voltar a ser a bússola ética do espírita. É imprescindível que nós espíritas compreendamos que precisamos viver como espíritas, praticando a alteridade, compreendendo as nuances do nosso cotidiano e nunca esquecermos que não somos donos da verdade, que podemos estar errados e que só crescemos no confronto respeitoso de ideias.

Artigo publicado no Jornal Abertura de agosto de 2019

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Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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