O maior desafio do Espiritismo é o próprio Espírita - por Carol Regis di Lucia
Rodando pelos posts do Facebook pouco antes de dormir,
apareceu uma atualização do perfil da Associação Espirita Mensageiros da Luz
que não pude ignorar: era a escultura de um homem puxando uma carroça com
dificuldade, tendo em cima sua própria cabeça, desproporcionalmente imensa. A
legenda dizia: Nosso Ego é Nosso Fardo.
Fiquei pensando em tudo o que aquilo significava,
especialmente vindo de um meio de comunicação Espírita. Me veio a sentença: o
maior desafio do Espiritismo atual é o próprio Espirita e suas questões consigo
mesmo. Antes de pensarmos em como resolver a falta de quórum, a questão da
sucessão nas casas, os temas a abordar em grades de estudos (atualizar ou não),
os modelos de comunicação para as novas gerações, precisamos re-conhecer os
Espíritas.
Que algo aconteceu, e continua acontecendo, não há
como negar. São depoimentos, observações, textos, impressões de diversos locais
e culturas diferentes, no sentido de que o Espírita e a dinâmica doutrinária
aplicada à prática já não é mais a mesma de antigamente. Obviamente, e não
poderia ser uma vez que tudo muda, os tempos são outros, o mundo é
absolutamente diferente da geração dos pais e avós Espíritas que fundaram os
centros. O preocupante é que a conclusão de que essas mudanças não foram as
ideais, como eram esperadas, não geraram os frutos pretendidos pelas gerações
anteriores, reflete uma angústia quase paralisante nos frequentadores e
dirigentes.
Cabem aqui as questões há tempos levantadas: evasão de
frequentadores, politização do movimento, temas esgotados pela não atualização,
ausência de núcleos jovens e infantis, baixo quórum de trabalhadores,
sobrecarga dos atuais gestores, entre outras. Planos de melhoria, discussões,
boas intenções não faltam no sentido de sanar grande parte desses entraves.
Porém, todos se originam de análises externas, olhos que veem para fora e
enxergam no outro e em ações programadas a solução do futuro do Espiritismo que
queremos. Mas qual é o Espiritismo que queremos? Quem são os Espiritas
que queremos? Quem somos como Espiritas em 2019?
Filosofia que cuida do Ser, da alma, do Ente, o
Espiritismo tem como ponto focal o Espírita. E este não sabe quem ele é. Está
perdido na rotina do trabalho, do dia a dia, dos afazeres infinitos.
O Espirita não está conseguindo posicionar-se,
encontrar o meio para ser Espirita e tudo o que isso implica: estudo,
participação, dedicação, tempo. E o cenário onde ele vive impacta diretamente
nessa condição indefinida em que se encontra, especialmente aqui no Brasil.
O país vive à flor da pele, uma epidemia de
malemolência ética, onde hoje tudo pode, amanhã tudo é vetado. Os brasileiros
sofrem de uma frouxidão moral momentânea, resultado de uma tomada de
consciência politica e social inédita em um país historicamente paternalista. E
como adolescentes no auge das mudanças, não sabem exatamente como agir, burlam
regras, falam o que querem, experimentam novidades inconsequentemente. E nesse
momento aparecem as fragilidades de cada um: falta de respeito ao próximo,
ausência de sentimento de pertencimento, individualização exacerbada, busca
pelo sucesso social atrelada à paradoxal falta de comprometimento geral.
Impossível estar imerso nessa realidade e não ser abalado de alguma
forma. E o grande desafio é esse: tocar as pessoas de forma que elas
reencontrem a si mesmas, refaçam o link da importância do Espiritismo em suas
vidas.
E é nesse momento que o Espiritismo e os centros devem
focar no retorno ao objeto principal: o Espírita. É papel deles trazer as
origens de volta, de forma adaptada à cultura atual. Olhar para cada um,
envolver-se genuinamente com cada participante, ajudar ao outro efetivamente,
essencialmente. Talvez por isso as casas com cunho assistencialista ou com atividades
relacionadas ao tratamento físico/espiritual tenham muito mais gente engajada,
doando seu tempo à causa, ao estudo, ao próximo. O grande desafio é
ajudar os Espiritas a reposicionarem a cabeça no corpo, tirarem o ego da
carroça, retomarem e inserirem a doutrina em suas rotinas, para que
efetivamente torne-se prática nas demais instâncias do Ser.
Se o ego é nosso fardo, o Espiritismo deve ser nossa
bússola. O Espirita precisa ver na doutrina o instrumento orientador nesse
tumulto existencial momentâneo. E será a partir desse guia que poderemos
retomar o curso, aprofundar os ensinamentos, retornar às origens repaginados.
Artigo publicado no Jornal Abertura de Julho de 2019
Quer ler o jornal completo?
Refletindo sobre: o maior desafio do
espírita é o próprio Espiritismo - por Reinaldo di Lucia
Na coluna do mês passado, Carol lançou-nos um desafio: como
ressignificar o Espiritismo de modo a torná-lo, em suas palavras, “o
instrumento orientador nesse tumulto existencial momentâneo”.
O grande desafio é como fazer isso, isto é, como, a partir de uma
doutrina cuidadosamente construída há 150 anos, transformá-la para atender aos
anseios e necessidades de uma sociedade que já se diferencia bastante daquela
na qual o Espiritismo surgiu.
Ao analisarmos a história do surgimento dessa filosofia que vem, por
todo este tempo, ajudando as pessoas com uma concepção de Universo positiva,
humanista e progressista, percebemos que ela surgiu devido a uma necessidade
social ou, pelo menos, de uma parte daquela sociedade. Naquele tempo, a Igreja
desmoronava com os estertores da Inquisição e, assim, perdia cada vez mais
tanto o poder temporal quanto o
religioso, já não conseguindo ser a bússola que as pessoas necessitavam. Por
outro lado, a ciência, fonte legítima do conhecimento, não se preocupava com
problemas que escapassem de suas rígidas limitações de objeto e método. Havia
uma lacuna, bem grande por sinal.
Nesse campo, fértil de oportunidades, surgiu uma filosofia que se
propunha a oferecer uma nova visão de homem e de mundo. Cresceu porque
respondia àquelas necessidades humanas de conhecimento e consolação. Naquele
tempo, o futuro parecia promissor, e a filosofia positivista, tanto quanto a
espírita, previam que a evolução traria ao homem a felicidade e tranquilidade
tão desejadas.
Infelizmente, isto não ocorreu. De lá para cá, tivemos duas guerras
mundiais, vários conflitos locais e o retorno, 150 anos depois, de ideologias
extremistas, como o neofascismo. A sociedade está cada vez mais polarizada,
maniqueísta. Vivemos a época do “nós contra eles”, do 8 ou 80. Parecemos
crianças que perguntam se tal pessoa é “do bem ou do mal”, ignorando a enorme
complexidade e as múltiplas gradações que existem. Pensamos no preto ou branco,
fechando os olhos ao fato que a vida é um composto de inumeráveis tons de cinza.
O que se observa na sociedade em geral repete-se no meio espírita. É
triste vermos que, mesmo em nosso meio laico, livre pensador e humanista, não
conseguimos nos livrar desta polarização. Não seguimos pelo caminho do meio,
não primamos pelo equilíbrio, não praticamos a alteridade – seguramente um dos
maiores pilares da ética espírita. Ao contrário, nos atacamos mutuamente, com
uma dose de violência absolutamente contrária aos princípios espíritas.
Temos agora que realizar o processo inverso da época da criação da Doutrina
Espírita, isto é, partir de uma visão de mundo já consolidada, visão esta que
nos mostra o caminho de uma atuação ética no mundo em que vivemos, para
retomarmos a importância do Espiritismo em nossas vidas. E isto numa sociedade
em que a valorização do capital é maior que a do homem, em que o consumismo
alcança patamares estratosféricos (mas em consonância com o estilo
neoliberalista de viver), enfim, uma sociedade que valoriza muito mais a
informação rasa das redes sociais ao conhecimento aprofundado do estudo sério e
consistente.
O Espiritismo precisa voltar a ser a bússola ética do espírita. É
imprescindível que nós espíritas compreendamos que precisamos viver como
espíritas, praticando a alteridade, compreendendo as nuances do nosso cotidiano
e nunca esquecermos que não somos donos da verdade, que podemos estar errados e
que só crescemos no confronto respeitoso de ideias.
Artigo publicado no Jornal Abertura de agosto de 2019
Quer ler o jornal completo?
Nota: Artigo
originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.
Gostou? Você pode
encontrar muito mais no Jornal Abertura –
digital, totalmente gratuito.
Acesse: CEPA
Internacional
Nenhum comentário:
Postar um comentário