Encanto, Desencanto e Inquietude
Eugenio Lara
Nota da redação: Eugenio volta ao mundo dos Espíritos neste 7 de junho de 2024
De vez em quando surge em mim, de modo insidioso, um certo sentimento
de desinteresse pelo Espiritismo, dentre outras coisas da vida. E sempre fico a
me perguntar se é algo passageiro ou permanente, ainda que, no caso, tal
sentimento carregue consigo uma razoável dose de desencanto.
Sim, desencanto,
talvez seja essa a palavra mais exata, no momento, para definir o que há muito
tempo sinto em relação ao Espiritismo. Não chega a ser decepção. Mas, do
desencantamento à desilusão, à decepção é um pulo, um mero suspiro.
Todavia, a decepção pode permear os sentidos, o pensamento.
Fico então a me perguntar, de modo metafórico: eu falhei com o Espiritismo ou
foi o Espiritismo que falhou comigo?
Falsa questão, mas que, em termos poéticos, simbólicos, traduz
um certo sentido.
Afinal, que é o Espiritismo senão um movimento social
formado por pessoas, por seres humanos encarnados e desencarnados que te inserem
numa situação natural de (con)vivência e vicissitude moral, interpessoal?
Por melhor que seja, nenhum ideário jamais será o
suficiente para se moldar um laço duradouro, um elo, unir determinado grupo apenas
pela comunhão de princípios e objetivos. Há fatores emocionais envolvidos que sempre
devem ser considerados. Boas ideias com pessoas sem boa vontade, ambiciosas e de
mau caráter não dão certo, não florescem, ainda que estas pessoas sejam aparentemente
eficientes no que fazem. É a tal da figueira estéril da parábola evangélica.
Por conta disso, a decepção pode estar sempre presente,
como a Espada de Dâmocles sobre nossa cabeça. Porém, há algo que se sobrepõe a
tal circunstância: a ternura e a convicção.
Minha inserção no Espiritismo não perdura por fatores
interpessoais, mas, sobretudo, por uma forte convicção filosófica, firmada em
um tempo de estudo, experiência e leitura, difícil de se mensurar. Não foi da
noite pro dia. Isso não significa que não possa sofrer turbulências e abalos
sísmicos. Enquanto que a ternura pelo Espiritismo ainda é a mesma, desde o
início, como aquele amor à primeira vista, sincero e inocente, que nunca será
esquecido, mas que um dia pode acabar, como a paixão fugaz, passageira.
O desencanto é passageiro, fugidio, tanto quanto o próprio
encanto, que se não for controlado, trabalhado pode redundar no fanatismo, em
posturas fundamentalistas, dogmáticas e sectárias. O encanto desmedido, quando
desmorona e se desvanece, quase sempre vira desilusão.
Porque o que sobra mesmo é o senso de dever, o profundo
sentir, a paixão permanente, mesmo que adormecida. Pelas ideias. Por um ideal.
Por uma forma de ser e estar no mundo que seja ao mesmo tempo livre e sensata,
na busca da plenitude inalcançável, ainda que possível, porque o Espiritismo é
também uma utopia.
“Lógica, razão e bom senso”, o pálio trinário de Allan
Kardec, era sua bússola, a Pedra de Toque. Como os povos celtas, ele gostava do
número três: “Trabalho, Solidariedade e Tolerância” também foi seu lema. Sob o
ponto de vista intelectual e ético, a referência kardequiana ainda é o melhor antídoto
contra qualquer tipo de desencanto, desânimo, de distorção doutrinária ou
traição aos princípios nucleares da Filosofia Espírita.
Raramente escrevo em primeira pessoa, no entanto, creio que
o momento exige, por isso compartilho com os leitores deste Opinião minha relação aparentemente
conflitante e angustiada com a filosofia espírita. A angústia aí é aquele
sentimento de algo inacabado, não conhecido. Não se trata daquela ansiedade pueril,
incômoda e desagradável, mas, antes de tudo, de uma sinistra inquietude, que o
Espiritismo provoca em nós de modo permanente, na medida em que nele adentramos.
Essa inquietude pode e deve ser o motor de propulsão, o
estímulo permanente no manejo da ideia espírita, nem sempre tratada pelos
próprios espíritas com o devido respeito, seriedade e profundidade que ela
exige e merece.
Olho: O que sobra mesmo é o senso de dever, o
profundo sentir, a paixão permanente, mesmo que adormecida. Pelas ideias. Por
um ideal. Por uma forma de ser e estar no mundo. O Espiritismo é também uma
utopia.
Eugenio Lara, arquiteto e designer gráfico, é membro-fundador do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CPDoc) e autor, dentre outros livros, de Breve Ensaio Sobre o Humanismo Espírita - este artigo foi enviado em 2018 aoRedator do jornal Opiniãodo CCEPA e não foi publicado. Milton Medran disonibilizou nesta data 7/06/2024.
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