Este Trabalho foi apresentado no XIV SBPE em Santos em novembro de 2015.
O ESPIRITISMO ANTE A CRISE
METAFÍSICA OCIDENTAL
“Quem é capaz de ver o todo é
filósofo; quem não, não”, Platão.
“Os metafísicos são músicos
sem talento musical”, Rudolf Carnap.
INTRODUÇÃO
Devemos informar,
preliminarmente, ao amigo ou amiga que esteja nos lendo neste momento, que não
é nosso objetivo nestas breves linhas, fazer um estudo erudito, exaustivo,
baseado em ampla bibliografia, sobre o tema objeto de nossa
análise.Procuraremos, apenas, dar algumas informações básicas, introdutórias,
gerais, sobre a chamada “crise da metafísica” no
pensamento ocidental. Refletiremos, também, sobre o posicionamento do espiritismo ante tão importante acontecimento
da história da filosofia.
Ricardo de Moraes Nunes, no XIV SBPE
Entendemos que tal reflexão se faz necessária, uma vez que
o espiritismo é uma “filosofia
espiritualista”, sendo, portanto, uma doutrina metafísica. É característica
das doutrinas metafísicas postularem um “além” para a realidade física. Outra
característica do pensamento metafísico é a confiança no poder da razão, em sua
capacidade de compreender o ser em sua totalidade. O espiritismo, igualmente,
acredita no poder da razão e na capacidade do homem conhecer a realidade e
possui uma teoria sobre o ser.
Por outro lado, existem filosofias que, mesmo sendo
materialistas, também postulam um “além”
mundo, mesmo que este “além” seja bem
terreno, como postula o marxismo com sua utópica sociedade comunista. Alguns
pensadores pós-modernos afirmam que estes “ideais”
nos afastam da realidade, provocando alienação, e que são resquícios da
mentalidade religiosa. Desta forma, observaremos, na presente reflexão, que
existem alguns sentidos diversos para a palavra “metafísica”.
Outra motivação para escrevermos o presente artigo, é o
fato de nos inserirmos em uma perspectiva espírita progressista, não conservadora.
Queremos dizer com isso, que entendemos que o espiritismo deve acompanhar a
evolução cultural da humanidade. O espiritismo, como proposta cultural, não pode
ficar estagnado sem refletir criticamente sobre o devir dos conhecimentos
humanos.
A “desconstrução”
do pensamento metafísico ocidental é um dos fatos mais relevantes nos últimos
dois mil e quinhentos anos de história da filosofia. Na verdade, esta “desconstrução” busca colocar em xeque
muitas pretensas conquistas do pensamento ocidental, e, por isso, este processo
interessa ao espiritismo. De fato, o espiritismo situa-se como herdeiro do
pensamento moderno, e resgata algumas teses importantes do pensamento antigo. Acolhe,
em sua teorização, muitos conceitos combatidos pelo pensamento anti-metafísico
contemporâneo.
Não podemos falar em “crise
da metafísica” sem falar em algumas importantes correntes do pensamento
metafísico e suas características. Falaremos um pouco, apenas um pouco, sobre
Platão e Aristóteles. Analisaremos a concepção hegeliana de história.
Posteriormente, já iniciando o estudo da “desconstrução”,
veremos a reflexão de Kant sobre a possibilidade do conhecimento. Observaremos
Nietzsche se contrapor a todos os ídolos. Estudaremos o ataque do neopositivismo às
doutrinas metafísicas. Por fim, colocaremos alguns temas da filosofia espírita sob análise, ante este
panorama histórico do pensamento ocidental.
PLATÃO E ARISTÓTELES: O ALÉM,
O AQUÉM E O MOTOR IMÓVEL
Platão é um dos grandes metafísicos do pensamento
ocidental. O seu pensamento influenciou profundamente a história da filosofia.
Muitos concordaram com as afirmações platônicas ao longo da história, outros,
por sua vez, contestaram suas teorias, mas nenhum filósofo conseguiu ignorar a
contribuição do ilustre ateniense.
Para entrarmos diretamente ao assunto, devemos dizer que o
pensamento platônico se insere na perspectiva de resolução de um grande
problema colocado pelos pré-socráticos Parmênides e Heráclito: o problema do
ser e suas características. Para Parmênides, o Ser é imutável, eterno,
imperecível, e invisível aos nossos sentidos, mas acessível ao pensamento. Já
Heráclito, por sua vez, dizia que a essência da realidade, do ser, é a mudança,
e a realidade funciona, segundo o ilustre filósofo, em uma dinâmica de
contraposição dos opostos, da qual resulta a “harmonia dos contrários”.
Platão considerou que Heráclito tinha razão, pois realmente
o mundo sensível é mutável e contraditório. Porém, Platão também considerou
Parmênides correto quando afirma que, para atingirmos o real conhecimento das
coisas, devemos abandonar este mundo sensível, que atingimos pelos sentidos,
visando, pelo pensamento, acessar o mundo verdadeiro, o do ser, que está além
do sensível.
Observemos que, segundo esta visão platônica, não é
possível atingir a verdade no plano sensível. Porém, e este ponto é importante
a este trabalho, é possível atingir a verdade através da ascese do filósofo que
deverá, por esforço da razão, se desligar do mundo sensível, para atingir este
outro plano da realidade que podemos chamar de mundo das ideias ou mundo
inteligível.
Ensina Marilena Chauí:
“a ontologia platônica introduz uma divisão no mundo, afirmando a existência de
dois mundos inteiramente diferentes e separados: o mundo sensível da mudança, da aparência, do devir dos contrários, e
o mundo inteligível ,da identidade,
da permanência, da verdade, conhecido pelo intelecto puro, sem qualquer
interferência dos sentidos e das opiniões”.[1]
A tese platônica é um verdadeiro paradigma de tese
metafísica. Nela encontramos a confiança no poder da razão para compreender o ser, a realidade
como um todo.Ao mesmo tempo, Platão postula que a realidade mesmo, de verdade,
não está no mundo em que vivemos, está além.
Aristóteles foi o grande discípulo de Platão que rompeu com
seu mestre. Da mesma maneira que séculos mais tarde Jung rompeu com Freud,
Aristóteles seguiu seu caminho filosófico se distanciando de seu mestre.
Em primeiro lugar, ao tratarmos de Aristóteles, devemos lembrar uma curiosidade sobre o surgimento da
palavra metafísica. Segundo Marilena Chauí: “A
palavra metafísica foi empregada pela primeira vez por Andrônico de Rodes, por
volta do ano 50 a.C, quando recolheu e classificou as obras de Aristóteles que, durante muitos séculos, haviam ficado
dispersas e perdidas.Com essa palavra- ta meta ta physika- o organizador dos
textos aristotélicos indicava um
conjunto de escritos que, em sua classificação, localizavam-se após os tratados
sobre a física ou sobre a Natureza, pois a palavra grega meta quer dizer:
depois de, após, acima de”.[2]
De fato, aqueles escritos de Aristóteles receberam do
próprio estagirita, a designação de “filosofia
primeira”, a qual tem por objeto de estudo “o ser enquanto ser”.
Segundo Aristóteles, esta “filosofia
primeira” estuda os princípios originários, as causas primárias de todas as
coisas. Aquilo que vem antes e que fundamenta como condição a existência dos
seres.
Diz Marilena Chauí : Que
quer dizer “vir antes”? Para Aristóteles, significa estar acima dos demais,
estar além do que vem depois, ser superior ao que vem depois, ser a condição da
existência e do conhecimento do que vem
depois. Ora, a palavra meta quer dizer isso mesmo: o que está além de, o que
está acima de, o que vem depois, mas no sentido de ser superior ou de ser a
condição de alguma coisa. Se assim é, então a palavra metafísica não quer dizer
apenas o lugar onde se encontram os escritos posteriores aos tratados de
física, não indica um mero lugar num catálogo de obras, mas significa o estudo
de alguma coisa que está acima e além das coisas físicas ou naturais e que é a condição da existência do
conhecimento delas”.[3]
Aristóteles discorda de Platão em relação a tese de que o
mundo sensível seria apenas aparência e não realidade.Aristóteles não duplica a
realidade Para ele a natureza é real e não uma mera sombra ou aparência e
comporta, portanto, a multiplicidade e o devir.Sendo assim, segundo o filósofo,
é possível fazer ciência da natureza, é possível adquirir conhecimento
proveniente da realidade sensível.Sem Aristóteles, talvez não tivéssemos
começado a desenvolver a atividade científica, já no mundo antigo, e seríamos,
ainda por longo tempo, seres meramente contemplativos.
Tese metafísica por excelência, é a tese do “Primeiro Motor Imóvel” de
Aristóteles. Este “Primeiro Motor”
encontra-se fora do mundo e funciona como uma força de atração dos seres e das
coisas em busca de perfeição. Esta tese busca explicar o movimento e o devir
dos seres, a sua passagem de potência para ato.
Sobre esta tese de Aristóteles, afirma Marilena Chauí: “A mudança ou o devir são a maneira pela
qual a Natureza, ao seu modo, se aperfeiçoa e busca imitar a perfeição do
imutável divino. O ser divino chama-se Primeiro Motor porque é o princípio que
move toda a realidade, e chama-se Primeiro Motor Imóvel porque não se move e
não é movido por nenhum outro ente, pois, como já vimos, mover significa mudar, sofrer alterações qualitativa e
quantitativas, nascer é perecer, e o ser
divino, perfeito, não muda nunca”.[4]
A
METAFÍSICA CRISTÃ
O cristianismo é uma doutrina religiosa metafísica, na qual
as ideias do além estão fortemente presentes. As ideias cristãs influenciaram
profundamente a civilização ocidental. Ora o cristianismo fez uma ponte com a
filosofia de Platão, como por exemplo, em Santo Agostinho, ora com a filosofia
de Aristóteles, como em São Tomás de Aquino.Somente este fato já nos mostra a
vocação metafísica dos dois grandes filósofos
gregos.
HEGEL: O REAL É RACIONAL E O
RACIONAL É REAL.
Até aqui vimos a confiança que os dois importantes
filósofos da antiguidade tinham na capacidade de compreender a realidade, o
ser. Esta confiança no poder do intelecto irá se estender por séculos, até que
um dia será colocada em questão. Agora vamos estudar um pouco de outro grande
idealista da história do pensamento ocidental: Hegel.
Hegel realiza uma virada genial na história da filosofia,
para compreendermos isso, basta pensarmos que os filósofos sempre separaram
razão e realidade. Hegel fará justamente o contrário. O famoso filósofo alemão
postula a identidade entre a realidade e a racionalidade, conforme a célebre
frase: “O que é racional é real e o que é
real é racional”
Diz o professor Alysson Leandro Mascaro: “As disputas em torno do
significado dessa identificação só não foram maiores que o espanto da filosofia
de seu tempo, acostumada à tradição dicotômica, que confortavelmente dava uma
casa à filosofia sem obrigá-la a conviver na outra, da realidade. Essa
identificação abre um novo mundo de perspectivas à filosofia, superando
definitivamente o passado das dicotomias entre o plano da razão e o da
realidade”.[5]
Hegel, por um lado, retira a reflexão filosófica do plano
abstrato, ideal, meramente racional, como queria Platão. A partir da filosofia
hegeliana a história concreta entra em cena. Com isso, poderíamos dizer que a
tradicional ideia metafísica do além mundo é afastada, e o homem passa a ser compreendido como um ser
histórico.Por outro lado, Hegel dá legitimidade racional ao desenvolvimento
histórico, o que é uma tese bastante discutível.A razão passa a “encarnar” na história em um movimento
dialético.
Segundo Alysson Leandro Mascaro: “Ocorre que a identificação entre real e racional conduz , ao mesmo
tempo que ao fim da metafísica, também a uma nova imantação do mundo. Se o que
é deve ser, então há uma lógica intrínseca no mundo e na existência, e tal
lógica se deve a uma cadência universal da razão, que no limite se liga a
Deus.Para Hegel, a realidade fica legitimada a partir de uma espécie de caminho
necessário da razão”.[6]
Trata-se, portanto, de aceitar que o mundo dos homens, a
história, encerra uma “racionalidade
intrínseca” e se desenvolve segundo uma “cadência
universal da razão” .A razão, definitivamente, segundo esta tese, pode ser
encontrada na realidade histórica e social em movimento. Segundo Alysson Mascaro, tal pensamento
encerra uma face progressista e outra conservadora:
“Se a
razão é a realidade, não se duplica o mundo, e, portanto, pensa-se a própria
razão a partir de referenciais concretos
e históricos. Trata-se de uma visão progressista. Mas, por outro lado, se o que
é é também o que deve ser, então o mundo está legitimado, mesmo nas suas
ignomínias e nas suas injustiças . Trata-se de um edulcoramento do mundo,
implicando, pois, na face conservadora do pensamento hegeliano”.[7]
Poderíamos, a partir deste pensamento hegeliano, justificar
como “racionais” as piores atrocidades da história, pois, em tese, fariam parte
do desenvolvimento dialético da razão no mundo. Hegel será, posteriormente,
muito criticado por este pensamento totalizante da história. Porém, irá
inspirar a muitos, entre estes, o materialista Marx, que entenderá que a história
se desenvolve em um determinado sentido. Segundo Marx, do desenvolvimento do
sistema capitalista, necessariamente, surgiria uma sociedade mais universal e
melhor: a sociedade comunista.
KANT E OS PROBLEMAS DO
CONHECIMENTO
Kant é o responsável por uma verdadeira revolução na
história do pensamento ocidental. Ele passa a questionar as condições do conhecimento em um sentido
diferente do que até aquele momento tinham feito as correntes racionalistas,
que enfatizavam a razão como fonte do conhecimento verdadeiro, e as correntes empiristas, que enfatizavam a apreensão dos
sentidos, como o verdadeiro critério para o conhecimento.De fato, os
racionalistas entraram em um processo dogmático de suas afirmações, já os
empiristas, por sua vez, acabaram por cair em um relativismo extremo, muito
próximo da sofística. Neste sentido afirma José Herculano Pires:
Já vimos que Kant havia descoberto o vazio das
oposições filosóficas, notando que faltava às doutrinas opostas, um verdadeiro
conteúdo. Todas elas, por assim dizer, lutavam no vácuo. O Racionalismo, por
exemplo, tornara-se tão dogmático quanto
a Escolástica: a partir da suposta realidade do pensamento, reconstruíra toda a
Metafísica, sem primeiro provar aquela realidade, estudar a sua natureza e
examinar o problema de suas relações com o mundo das coisas. O Empirismo, por
sua vez, voltara às teorias protagóricas do conhecimento, pondo toda a sua
ênfase no problema das relações entre o pensamento e as coisas, mas não
conseguira estabelecer a validade das coisas.Assim, estabelecera também uma
forma de dogmatismo...”.[8]
Kant defende que a estrutura mental do sujeito do
conhecimento é fundamental na organização dos dados advindos da percepção sensorial.
É a mente, é a consciência do sujeito, que organiza aquilo recebe do mundo exterior.A consciência, o
intelecto, possui estruturas fundamentais que auxiliam na harmonização dos
dados dos sentidos, entre estas estruturas destacamos, como exemplo, as
categorias de espaço e tempo, que são internas ao sujeito e não externas.
Diz Herculano Pires:
“É na forma da consciência que a matéria
das sensações vai ser organizada,e por assim dizer, fundida. Mas essa forma
geral contém, no seu interior, as formas diversas da experiência. E as duas formas
primárias da experiência são as categorias de espaço e tempo, ou seja, as
intuições de espaço e tempo. Nessas formas, toda a experiência é modelada. As
sensações se acomodam nessas categorias,
e adquirem a unidade e a estabilidade necessárias para que se realize o
processo do conhecimento, da maneira semelhante à da água que se acomoda nos
recipientes. Espaço e tempo não são, pois, fatos exteriores, mas formas a
priori do pensamento, pelas quais a consciência modela a realidade exterior,
graças às sensações”.[9]
Nesta visão kantiana o conhecimento é problematizado. Não
se trata apenas de “adequação do
intelecto à coisa”, conforme sempre se pensou. O sujeito do conhecimento
possui função ativa na elaboração deste. O conhecimento, portanto, é também produto das estruturas mentais do
sujeito do conhecimento.
É ainda Herculano que nos ensina: “A forma da consciência não é apenas receptiva, mas também ativa, uma
vez que constrói a realidade com os dados dos sentidos. Assim, o espírito
imagina o mundo exterior, ou seja, elabora uma imagem desse mundo, com as
sensações que dele recebe, mas servindo-se de suas próprias categorias, de suas
formas receptivas. Entretanto, não existe o problema do extremo subjetivismo,
que levaria ao solipsismo, pois as formas da consciência não são individuais,
mas comuns aos seres pensantes”.[10]
Ora, se o conhecimento é organização subjetiva do intelecto,
tendo como fonte os dados da percepção sensorial, como fica, então, a antiga
questão da metafísica, que consiste justamente em indagar sobre as causas
primeiras da realidade e seus fundamentos últimos não acessíveis aos sentidos?
Não estariam as ideias metafísicas condenadas por Kant?
Segundo José Herculano Pires: “Realmente, para kant, como vimos, Deus não pode ser compreendido nas
limitações de espaço e tempo das nossas básicas intuições intelectivas, nem
apreendido pelas categorias mentais. Nem
a imortalidade da alma ou o princípio de liberdade podem caber nessas medidas
do intelecto. Porque nem Deus, nem a imortalidade, nem a liberdade são
entidades fenomênicas, perceptíveis através dos sentidos orgânicos por meio das
sensações. Em vez de sombras na parede da caverna, defrontamo-nos aí com
ideias, com realidades pertencentes ao mundo da luz, para o qual os nossos olhos
mortais se mostram cegos. Essas são, na realidade, coisas em si, númenos, que
escapam ao intelecto, uma vez que este só opera no plano dos fenômenos”.[11]
A conclusão óbvia da reflexão kantiana, portanto, é que não
é possível fazer ciência das chamadas questões metafísicas, pois só se faz
ciência tendo por objeto o mundo sensível. Isso não quer dizer que Kant tenha
negado a realidade metafísica, apenas afirmou ser esta realidade inacessível à
ciência. Será verdade esta afirmação de Kant? O espiritismo não a desmente, em
parte, quando pretende ter comprovado, empiricamente, a sobrevivência do
espírito à morte?
O ILUMINISMO E O POSITIVISMO
Dois movimentos filosóficos dos séculos XVIII e XIX são
dignos de nota. O iluminismo e o positivismo. Tais movimentos, que se
pretendiam racionais e científicos, defenderam grandes ideias metafísicas. Apesar de muitas vezes se contraporem à
religião, não deixaram de ser metafísicos em outro sentido como veremos.
NIETZSCHE: O DEMOLIDOR DE
TODOS OS IDEAIS.
Muitos lembram de Nietzsche apenas para designá-lo como o profeta da “morte de deus”. No entanto, não menos
importante, é sua oposição a todos os
ideais que postulam um “além” para a humanidade, seja um além terreno ou
espiritual. Segundo Luc Ferry:
“Nietzsche pensa que
todos os ideais, explicitamente religiosos ou não, de direita ou de esquerda,
conservadores ou progressistas, espiritualistas ou materialistas, possuem a
mesma estrutura, a mesma finalidade: fundamentalmente eles partem, como lhe
expliquei, de uma estrutura teológica, já que se trata sempre de inventar um
além melhor do que este mundo, de imaginar valores pretensamente superiores e exteriores à vida ou, no Jargão dos
filósofos, valores transcendentes”.[12]
O próprio Nietzsche afirma no prefácio de Ecce Homo:
“Melhorar a humanidade? Eis a última coisa
que eu prometeria. Não esperem de mim que eu erija novos ídolos! Que os antigos
aprendam antes quanto custa ter pés de barro! Derrubar os “Ídolos” – é assim
que chamo todos os ideais- esse é meu verdadeiro ofício. É inventando a mentira
de um mundo ideal que se tira o valor da realidade, sua significação, sua
veracidade.A mentira do ideal foi até agora a maldição que pesou sobre a
realidade, a própria humanidade se tornou mentirosa e falsa até o mais fundo de
seus instintos até a adoração dos valores opostos àqueles que poderiam lhe
garantir um belo crescimento, um futuro...”.[13]
Ser niilista, para o genial filósofo alemão, é preferir o
além -seja no sentido espiritual ou no sentido de uma sociedade ou homem
melhor- em detrimento do aquém. É trocar o ser concreto, real, por um
questionável dever ser utópico e imaginário. É preferir o nada no lugar da terra.
É repudiar o agora, em detrimento de um futuro. Quão distantes de Platão
estamos aqui!
Nietzsche também
apresenta uma visão interessante sobre o problema do conhecimento. Segundo ele
não é possível fazer avaliações sobre a realidade como se estivéssemos de fora
dela, a partir de um ponto de vista superior, a partir do qual poderíamos
julgar a realidade. Diz ele em o Crepúsculo dos Ídolos:
Juízos,
juízos de valor sobre a vida, a favor ou contra, nunca podem ser, em última
instância, verdadeiros: não possuem outro valor
senão o de sintomas – em si, tais juízos são imbecilidades. É, pois,
necessário estender os dedos para tentar apreender essa fineza extraordinária
que reside no fato de que o valor da vida não pode ser avaliado. Não por um
vivente, pois ele é parte, e até mesmo objeto do litígio; não por um morto, por
uma outra razão”.[14]
Portanto, para Nietzsche nada de certezas “absolutas”, de
conhecimentos “verdadeiros”. Para ele o mundo não é nada harmônico ou
“racional”, como tradicionalmente se pensou tanto no mundo antigo quanto no
mundo moderno. Diz Nietzsche sobre sua própria visão de mundo:“Sabem o que é o “mundo” para mim? Querem que eu o mostre em meu
espelho? Esse mundo é um monstro de forças, sem começo nem fim, uma soma fixa
de forças, dura como o bronze, uma mar de forças tempestuosas, um fluxo
perpétuo”.[15]
Neste sentido, afirma Luc Ferry:
“Mas se o conhecimento jamais alcança a
verdade absoluta, se seu horizonte é continuamente recuado, impedindo que
atinja a rocha sólida e definitiva, é porque, evidentemente, o próprio real é
um caos que não se parece em nada com o sistema harmonioso dos Antigos, nem
mesmo com o universo ainda mais ou menos “racionalizável” dos Modernos”.[16]
Portanto, Nietzsche, pretende demolir todos os “ídolos”: as
ideias de razão, ordem, progresso, verdade, sentido da vida e da história,
harmonia cósmica, conhecimento verdadeiro, mundo melhor, tudo isto, segundo o
inquieto filósofo, é metafísica, ilusão, resquício do passado mítico e mágico a
humanidade. O mundo é um caos e devemos aceitar isso, sem maiores
pretensões.Continua Luc Ferry interpretando o pensamento de Nietzsche:
“ O racionalismo científico dos Modernos é nada mais que uma ilusão, um
modo de, no fundo, perseguir a ilusão das cosmologias antigas, uma “projeção”
humana ( e Nietzsche já emprega palavras que logo Freud usará), quer dizer, um
modo de tomar nossos desejos por realidade, de nos oferecer um simulacro de
poder sobre uma matéria insensata, multiforme, caótica, que na verdade nos
escapa totalmente”.[17]
Podemos afirmar, finalmente, que Nietzsche é um verdadeiro
paradigma do pensamento anti-metafísico. Seu pensamento irá influenciar
profundamente a pós-modernidade.
O NEOPOSITIVISMO E O ATAQUE À
METAFÍSICA.
O neopositivismo é
uma corrente filosófica que surgiu com o “círculo de Viena”, famoso grupo
filosófico, surgido na primeira metade do século XX, que tinha por objetivo
refletir sobre as questões do método científico, da linguagem e
epistemológicas.
Segundo Giovanni Reale e Dario Antiseri: “A reflexão sobre o método científico
conhece, nos anos que intercorrem entre as duas guerras, um impulso decisivo. O
principal centro para a filosofia da ciência foi, nesse período, a universidade
de Viena, onde um grupo de intelectuais (Rudolf Carnap, Herbert Feigl, Friedrich
Waismann, Otto Neurath, Hans Hahn, Félix Kaufmann etc) se reuniram, a partir de
1924, ao redor de Moritz Schlick, dando vida ao que se tornou o Círculo de Viena,
cuja atividade, consistia de discussões, seminários, congressos, publicações,
durou até pela metade da década de 1930. A tomada do poder por Hitler levou
consigo também o fim do círculo de Viena”.[18]
O principio fundamental do neopositivismo do circulo de
Viena, é o princípio da verificação, segundo
este principio só têm sentido aquelas proposições que podem ser empiricamente
verificadas, que podem ser convertidas na linguagem da física, química, geografia,
história, geologia , etc. Aquilo que foge a este principio de verificação
empírica, é pura metafísica, sem sentido.
Assim, ensinam Giovanni Reale e Dario Antiseri: “Daí a antimetafísica dos neopositivistas
vienenses , para os quais as afirmações metafísicas junto com as religiosas são
simplesmente não-sentidos, justamente pela razão de que não são verificáveis”.[19] (Pág. 113)
O radicalismo dos filósofos do circulo de Viena nos proporcionou
frases muito interessantes em relação a alergia que tinham no que diz respeito
às chamadas questões metafísicas. Wittgenstein afirma que “A maioria das proposições e das questões escritas em matéria de
filosofia não são falsas, mas desprovidas de sentido”; Schlick “compara os metafísicos a atores que
continuam a representar seu insosso papel até depois que a plateia se esvaziou”.;Rudolf
Carnap, por sua vez, afirmou: “Nem Deus
nem diabo algum poderão jamais nos dar uma metafísica” ou esta outra “ Os metafísicos são músicos sem talento
musical”. Neurath dizia que a principal tarefa da filosofia era”elaborar uma linguagem o mais livre
possível da metafísica”.[20]
Giovanni Reale e Dario Antiseri nos contam um episódio
interessante:
“A segunda mulher de Neurath, Marie, e R.S.
Cohen recordam o seguinte episódio: Neurath interrrompia frequentemente,
esclamando Metafísica!, durante a leitura e a discussão do Tractatus de
Wittgenstein nas reuniões do Círculo, irritando M. Schlick, que , por fim, disse-lhe
que estava interrompendo muito amiúde os trabalhos. Como bom conciliador, Hans
Hahn propõe a Neurath que dissesse só “M”. Como contou mais tarde Hempel,
depois de um longo murmúrio, Neurath fez outra proposta a Schlick: “ Acho
que economizaremos tempo e esforço se
eu disser “Não M” toda vez que o grupo não estiver falando de metafísica”.[21]
Neste singelo exemplo conseguimos enxergar, precisamente, a
postura de radicalismo de tais
filósofos, de absoluta rejeição a tudo que não for verificável, mensurável e
objetivável .Antes de entrarmos na visão espírita sobre o tema, devemos fazer
algumas considerações sobre esta postura antimetafísica.
Em primeiro lugar,
devemos dizer que os lances de “desconstrução
metafísica” na filosofia contemporânea são muitos, citamos apenas Nietzsche
e o Círculo de Viena como exemplos interessantes. Infelizmente, não podemos nos
alongar em demasia neste breve texto sobre os demais “desconstrutores”.
Quanto a atitude
antimetafísica podemos dizer que, sem dúvida, existe um aspecto positivo nela,
pois seu fundamento é justamente a busca do rigor na conquista do conhecimento. Este rigor
tem por finalidade nos impedir de ficarmos discutindo como dizem o “sexo dos
anjos”. Era muito comum na Idade Média estas discussões estéreis, inúteis, sem
objeto de estudo concreto, absolutamente abstratas e indemonstráveis.
Portanto, uma
postura de dúvida metódica, e cautela em
relação aos temas metafísicos, se faz necessária, se quisermos manter nossos
pés no chão.Isto é uma coisa, outra, porém, é termos preconceito contra
qualquer tese metafísica, e nos recusarmos, terminantemente, a discuti-la,
mesmo quando existam argumentos e evidências razoáveis em seu favor. Se assim
fizéssemos, muito do conhecimento conquistado pelo homem, nestes séculos de
civilização, não viria a luz.
As metafísicas podem gerar hipóteses científicas.
Um filósofo pré-socrático de nome Demócrito intuiu, pela
força de seu pensamento, na Grécia antiga, sem qualquer instrumento de verificação, a
existência de um elemento fundamental da realidade: o átomo.Séculos e séculos
depois, chegou-se à comprovação experimental da existência deste elemento da
natureza. Quando Demócrito pensou o átomo, este era, sem dúvida nenhuma, uma
tese metafísica, atualmente não é mais.
Finalmente, encerramos este tópico com Giovanni Reale e
Dario Antiseri:
“ As metafísicas podem desenvolver a
importante função de gerar hipóteses científicas. São questões cientificamente
insolúveis que põem, todavia, na maioria das vezes, problemas que encontram
depois uma solução. De fato, disse Strawson, “aquilo que começa como metafísica
pode acabar como ciência”. E não diversamente de Strawson pensa, a próposito de
tal questão, K.R. Popper, para o qual “ a maior parte dos sistemas metafísicos
pode ser reformulada de modo tal a se tornarem problemas de método científico”.
A metafísica, portanto, pode ser a aurora da ciência. Descartes gerou Newton,
Hegel alguns historiadores,e Marx muita sociologia e muita historiografia”.[22]
O MUNDO PÓS-MODERNO E O LUGAR
DO ESPIRITISMO.
O mundo pós-moderno até que teve suas razões na “desconstrução” da metafísica. Afinal,
os donos da verdade foram muitos na história da religião, da política e da
cultura em geral e ainda estão por aí, mesmo após todo ataque histórico às pretensões
absolutistas da ciência, da filosofia, da política e da religião.Neste sentido
Diz Dora Incontri:
“Em toda atitude nadificante, que caracteriza o pós-moderno, há boa
dose de rebelião a várias formas de verdades autoritárias e de arbitrariedades
absolutas. A metafísica é crucificada em nome das imposições milenares das
religiões: a objetividade científica é banida por conta do dogmatismo
cientificista herdado do positivismo: a visão histórica como construção
evolutiva e com densidade teleológica fica esvaziada pelos excessos do
hegelianismo ou pelo fracasso do marxismo aplicado; a verdade se dissolve em
virtude das verdades ingenuamente absolutizadas e culpa-se o próprio Deus pelas
atrocidades humanas, e que por isso, é morto ontologicamente, retirando o chão
de todas as certezas, construídas na tradição ocidental”.[23]
Assim, vivemos um momento de descrença, de niilismo,
negativismo e preconceito ante todo e qualquer discurso afirmativo do ser, do
conhecimento e da verdade. Ainda segundo Dora Incontri: “O medo de estar contaminado por qualquer resquício metafísico, por
qualquer convicção confortadora, “nostálgico-restauradora”, no dizer de Vattimo,
paralisa hoje um discurso afirmativo”.[24]
E o espiritismo, ante este estado de coisas, acaba por
sofrer um verdadeiro “pacto de silêncio”
sobre suas teses, da parte da cultura acadêmica em geral. Neste sentido indaga
Dora Incontri:
“O que
teria provocado isso que parece um
implícito e estranho pacto de silêncio, em torno de uma filosofia, que
teve sua projeção na Europa do século XIX e continua conquistando adeptos, 150
anos depois? Ainda que fosse para critica-la, por que não comentá-la?”.[25]
A POSSÍVEL CONTRIBUIÇÃO DO
ESPIRITISMO À CIÊNCIA.
Neste tópico refletiremos sobre a possível contribuição de
alguns postulados metafísicos espíritas à ciência, a partir de uma breve
análise do que Jon Aizpúrua chamou de “postulados
básicos do espiritismo”, são eles: a existência de Deus, a preexistência e
sobrevivência do espírito, reencarnação, a lei de evolução universal,
mediunidade e pluralidade dos mundos habitados.
Procuraremos refletir, brevemente, e sem dogmatizar, é
claro, sobre aqueles princípios metafísicos espíritas- espíritas porque
defendidos pelo espiritismo, mas que seriam pertencentes acima de tudo, à
natureza- que, segundo nosso entendimento, já oferecem à ciência algumas
evidências razoáveis merecedoras de estudo e atenção.
Ao mesmo tempo,
procuraremos refletir sobre aqueles princípios,
que ainda são teses puramente metafísicas, não menos importantes,
certamente, mas que ainda se encontram em um estado semelhante a tese do átomo,
defendida por Demócrito na Grécia antiga.Tais teses, que nomeamos de “puramente
metafísicas”, apenas para nosso entendimento no presente trabalho, permanecem somente no campo da razão e da
intuição, sem abrir espaço, até este momento histórico, para nenhum tipo de
pesquisa científica que forneça evidencias razoáveis de sua realidade.
Não ignoramos,
entretanto, que a grande a maioria da comunidade científica contemporânea,
nacional e internacional, desconhece as
teses do espiritismo. Neste sentido, é
mais fácil um físico quântico remontar à
sabedoria de Buda, há mais de dois milênios, do que referir-se a um sujeito genial como Kardec,
que viveu na França, em meados do século
XIX, e que deu uma contribuição imensa na investigação
dos fenômenos psíquicos transcendentes. Assim é a vida...
Porém, isso não deve
nos impedir de refletir sobre as possíveis contribuições do espiritismo ao
mundo do conhecimento.
A PREEXISTÊNCIA E
SOBREVIVÊNCIA DO ESPÍRITO E A MEDIUNIDADE.
O espiritismo, inequivocamente, é uma doutrina metafísica. Seu
objeto de estudo é um tema metafísico por excelência: a alma. Muitos já falaram
sobre a alma na história das filosofias e das religiões. Nas filosofias, o
problema da alma, foi tradicionalmente abordado sob o ponto de vista da
racionalidade, já nas religiões, sob o ponto de vista da fé.
O espiritismo, no entanto, possui um diferencial, uma
singularidade, que precisa ser bem compreendida. O espiritismo aborda este tema
metafísico com o método da observação científica. O espiritismo, ousadamente,
pretende ter demonstrado, empiricamente, a realidade do Espírito.Neste sentido,
afirma Kardec:
“como meio de elaboração, o Espiritismo
procede exatamente da mesma maneira que as ciências positivas, isto é, aplica o
método experimental. Fatos de ordem nova se apresentam que não podem ser
explicados pelas leis conhecidas; Ele os observa, compara, analisa e, partindo
dos efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz as consequências
e busca as aplicações úteis. O Espiritismo não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida;
assim, não se apresentam como hipótese nem a existência e a intervenção dos
Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios
da doutrina; conclui-se pela existência dos Espíritos porque essa existência
resultou como evidência da observação dos fatos; e assim os demais princípios.
Não foram os fatos que vieram posteriormente confirmar a teoria, mas foi a
teoria que veio subsequentemente explicar e resumir os fatos. É rigorosamente
exato, portanto, dizer que o Espiritismo é uma ciência de observação e não o
produto da imaginação”.[26]
Esta característica faz da filosofia espírita uma doutrina
metafísica “sui generis”, pois não se
serve apenas da razão ou da intuição, ou mesmo da revelação religiosa, como é o
caso das religiões em geral, para o embasamento de suas teses. Procura
fundamentar seus argumentos em ampla variedade de fenômenos físicos e
inteligentes, naturais e não sobrenaturais, propiciados pela mediunidade.
Sendo assim, para as finalidades de nosso estudo, entendemos
que, em relação às teses da
preexistência e sobrevivência do espírito, o espiritismo já consegue abrir um
horizonte bastante interessante para a pesquisa científica, desde é claro, que
os preconceitos sejam deixados de lado, o que certamente é muito difícil.Do
século XIX até os dias atuais, muitos pesquisadores sérios e renomados se
debruçaram sobre o chamado “fenômeno espírita”.E isto não deveria ser ignorado.
SOBRE A EXISTÊNCIA DE DEUS
O espiritismo defende a existência de Deus. Obviamente que
não um Deus antropomórfico como as religiões tradicionais sempre defenderam. A
ideia espírita de Deus é uma ideia filosófica “Deus como inteligência suprema causa primária de todas as coisas”.
O espiritismo chega a falar em “provas”
da existência de Deus, como um dia falaram filósofos do passado e mesmo
pensadores da igreja como Tomás de Aquino.
Hoje, sabemos que não é possível provar a existência de
Deus. Este é um dos mais enigmáticos
temas metafísicos de todos os tempos, porém, absolutamente inacessível a
qualquer tipo de pesquisa de caráter científico. Podemos chegar a Deus, talvez,
por uma certa inferência lógica, pela intuição, pelo sentimento, mas não pela
ciência. Provavelmente, aqui seja o grande acerto de Kant. Os próprios
espíritos disseram a Kardec que a reflexão sobre este tema não levaria a lugar
algum:
“Deus existe, não o podeis duvidar, e isso é o essencial. Acreditai no
que vos digo e não queirais ir além. Não vos percais num labirinto, de onde não
poderíeis sair. Isso não vos tornaria melhores, mas talvez um pouco mais
orgulhosos, porque acreditaríeis saber, quando na realidade nada saberíeis.
Deixai, pois de lado, todos esses sistemas: tendes de vos desembaraçar de muitas
coisas que vos tocam mais diretamente, Isto vos seria mais útil do que querer
penetrar o que é impenetrável”.[27]
Apreciamos muito esta afirmação dos espíritos que dizem que existem
temas que “vos tocam mais diretamente”Ante os inúmeros problemas e injustiças
de nosso planeta, esta afirmação é muito sábia. Acreditarmos ou não em Deus,
não é o grande problema do mundo contemporâneo, mas, sim, a forma que agimos
neste mundo. Precisamos muito mais em nossos dias da reflexão ética do que
teológica.
REENCARNAÇÃO E EVOLUÇÃO
Em relação a tese espírita da reencarnação podemos dizer
que já existem pesquisas científicas muito sérias neste campo. Ian Stevenson é
apenas um exemplo de pesquisador que conseguiu estudar esta questão com rigor científico.
Não nos deteremos em ficar citando outros cientistas que fizeram pesquisas
sérias neste tema, pois não é objetivo de nosso trabalho.O que queremos dizer é
que esta tese metafísica da reencarnação já possui uma abertura para o estudo
da ciência.
Quanto à chamada lei de evolução entendemos que as coisas
são mais complexas, principalmente no que diz respeito à teoria de que há uma
evolução do Espírito através dos reinos mineral, vegetal, animal, hominal, até
chegar a Espírito puro.Entendemos, que é um panorama grande demais para
fazermos afirmações. Temos, aqui, uma
tese metafísica grandiosa, um grande sistema de compreensão do mundo, que ainda
escapa de qualquer evidência científica.
Nós, espíritas, neste tema, podemos dizer apenas:
a) que existem evidências a respeito da preexistência e
sobrevivência do espírito humano;
b) que existem evidências da sobrevivência do principio
espiritual dos animais;
c) Já a afirmação de que o principio espiritual do animal
um dia será o espírito de um homem é um salto, que ainda não podemos dar, pois
não temos evidências, apenas podemos conjecturar.
d) É certo, igualmente, que no campo biológico, Darwin nos
fala de “evolução das espécies”.
Poderíamos argumentar, então, que mediante esta perspectiva, não seria um
absurdo a evolução do principio espiritual em direção a estados superiores.
e) A ideia de um “espírito puro” está totalmente fora de
nosso alcance.
f) Podemos concluir, portanto, que a tese que postula um
processo evolutivo do mineral ao espírito puro ainda é uma tese puramente
metafísica.
DA PLURALIDADE DOS MUNDOS
HABITADOS
O espiritismo aposta na existência de civilizações
extra-terrestres. É famosa a interpretação espírita a respeito da frase de
Jesus de Nazaré: “Há muitas moradas na
casa de meu Pai”. Podemos dizer que esta
tese ainda é puramente metafísica, sem nenhum tipo de evidência. Pelos menos,
no sentido da pesquisa científica tradicional, que busca encontrar vida
inteligente- e mesmo vida microscópica- em outras esferas.
Curiosamente, apesar
dos resultados negativos até o momento, há um grande investimento da ciência
tradicional neste campo. Cientistas como Carl Sagan não descartavam a ideia de encontrar vida fora da terra, apesar de sua
formação cética em relação a estes temas.
CONCLUSÃO
Na idade média, a filosofia era subordinada à “revelação”
religiosa. Não podia jamais contradizer os mandamentos da religião. No mundo
contemporâneo, tenta-se fazer da filosofia uma espécie de apêndice da ciência,
restringindo em demasia a reflexão filosófica, destituindo-a de sua característica
fundamental de indagar sobre os grandes temas ontológicos do ser, da vida e da
morte.
Alguns defendem que “deus morreu” e com ele a reflexão metafísica.
Afirma Miguel Reale que alguns consideram que a filosofia deve tratar apenas
das reflexões de ordem lógica e axiológica:
: “Alguns autores
pensam que a filosofia se esgota nas duas questões fundamentais de ordem lógica
e axiológica, sendo apenas uma teoria do conhecer e uma teoria do agir; porém,
o homem não é um ser que tão somente conhece e age, mas é também, e antes de
mais nada, um ser, uma “existência”, um ente
que sabe que existe entre outros entes, de igual ou de diversa
categoria- donde os problemas radicais do ser e da existência, em uma palavra,
da Metafísica”.[28]
Continua o grande filósofo brasileiro:
“Não se trata apenas de perguntar apenas sobre
o que vale o pensamento ou o que vale a conduta, mas sim de considerar o valor
de nós mesmos e de tudo aquilo que nos cerca. Que vale a existência? Que vale
ou representa o universo? Que vale o homem inserido no universo? Que ser é o
homem? Que é ser? Existe algo como suporte do objeto conhecimento?”.[29]
Devemos dizer que
tais questões são eternas e típicas da reflexão metafísica. O espiritismo
procura responder estas questões, sem dogmatizar, consciente das limitações do
conhecimento humano. Porém, o
espiritismo não foge e não se omite frente a uma reflexão mais profunda sobre o
ser. Oferece a sua reflexão. Estará com a verdade? Nós, espíritas, acreditamos
que, em muitos aspectos, o espiritismo oferece excelentes respostas, e também
perguntas, referentes aos problemas do ser, do homem e do mundo.
Finalmente, devemos dizer que as questões metafísicas
são naturais à curiosidade humana. Impossível ao homem deixar de pensar, em um
momento ou outro de sua vida, sobre o sentido de sua existência, de onde veio,
para onde vai. Podemos afirmar, portanto, sem medo de errar, que o pensamento
metafísico está em crise, mas não morreu.
Pelo contrário, na
atualidade, existem estudos que abordam alguns temas metafísicos sob o ponto de
vista científico, como uma verdadeira ruptura do legado kantiano que afirma a
impossibilidade de se fazer ciência de tais
questões: Disciplinas como a parapsicologia, física quântica, psicologia
transpessoal, projeção da consciência ou projeciologia, pesquisas sobre
experiências de quase morte, kirliangrafia, pesquisas atuais sobre reencarnação
e mediunidade, magnetismo e outros, abrem verdadeiras janelas para o estudo do
espírito.
Acreditamos, como espírita que somos, que Allan Kardec foi
um verdadeiro precursor deste movimento em direção ao que podemos chamar de “espiritualismo
científico”. Neste movimento, alguns temas tradicionais da reflexão
espiritualista, acabam por entrar para o domínio a ciência. Trata-se, enfim, de
uma verdadeira revolução no campo do conhecimento que, acreditamos, já está em
andamento, apesar de todas as resistências.
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.
[2] Ibid., p. 209
[3] Ibid., p. 210
[4] Ibid., p. 219
[6] Ibid., p. 241
[7] Ibid., p. 241
[9] Ibid., p.232
[10] Ibid., p.232
[11] Ibid., p.236
[12] FERRY,
Luc. Aprender a viver-Filosofia para os
novos tempos. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2010, p. 141
[13] Ibid., p. 140
[14] Ibid., p.147
[15] Ibid., p.149
[16] Ibid., p.148
[17] Ibid., p.150
[18] ANTISERI, DARIO – REALE Giovanni. História da Filosofia- De Freud à
atualidade. Vol 7. São Paulo. Ed. Paulus, 2006, p. 113
[19] Ibid., p.113
[20] Ibid., p.117
[21] Ibid., p.117
[22] ANTISERI,
DARIO – REALE Giovanni. História da
Filosofia- De Nietzsche à Escola de Frankfurt- Vol 6.São Paulo, Ed. Paulus,
2006, p.330
[23] INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita- Um projeto brasileiro e suas raízes. Bragança Paulista-SP,
Ed. Comenius, 2004, p.16
[24] Ibid., p.17
[25] Ibid., p.19
[29] Ibid., p.38