segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A doença do racismo persiste, mas não é incurável! - por Roberto Rufo e Silva

 

                                      A doença do racismo persiste, mas não é incurável!

“Ninguém nasce odiando outra pessoa por sua cor da pele, sua origem ou sua religião. As pessoas podem aprender a odiar e, se podem aprender a odiar, pode-se ensiná-las a aprender a amar. O amor chega mais naturalmente ao coração humano que o contrário.”  (Nelson Mandela)

Luís Gonzaga Pinto da Gama foi um Advogado(reconhecido pela OAB em 2015), orador, jornalista, escritor brasileiro e considerado o Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil. Em 21 de Junho de 2020 fez 190 anos do seu nascimento em Salvador na Bahia. Faleceu em 1882 na cidade de São Paulo aos 52 anos de idade.Recomendo uma leitura atenta da biografia desse admirável brasileiro e de sua luta pelos direitos dos negros no nosso país.

Num de seus poemas Luiz Gama escreve "em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime. Mas nossos críticos se esquecem que essa cor, é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão tão semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade".

Esse poema é um manifesto que revela a inquietude e a sua luta contra o racismo. Luiz Gama sem dúvida é um dos maiores abolicionistas da história brasileira. Lembrei-me de sua história e circunstâncias ao assistir ao em pleno século XXI a cena deplorável do senhor George Floyd sendo barbaramente assassinado por um policial branco nos EUA.

 Num artigo muito interessante escrito na revista Carta Capital o psicólogo, educador e um dos idealizadores do movimento de espíritas pelos direitos humanos Franklin Félix reafirma algo que deveríamos saber e praticar cotidianamente. Diz ele que "nós espíritas temos a obrigação moral de lutar contra todas as formas de opressão, em especial aquelas oriundas de raça e cor". O nome que ele dá ao seu artigo é na verdade uma convocação a todos aqueles que têm voz no movimento espírita, e que de alguma forma poderiam se fazer representar nos meios de comunicação. 

Nome do artigo : " O Espiritismo precisa se afirmar antirracista".

No Livro dos Espíritos em sua questão 803 Kardec indaga se todos os seres humanos são iguais perante Deus? Respondem os espíritos: "sim, todos tendem para o mesmo fim e Deus fez as suas leis para todos. Dizeis frequentemente que o sol brilha para todos e com isso dizeis uma verdade maior e mais geral do que pensais". Dessa frase deveria advir para todos nós uma postura antirracista, condenando veementemente qualquer tipo de preconceito, a começar reprimindo aquelas brincadeirinhas ou piadas idiotas envolvendo o povo negro. O Brasil foi o país que mais demorou para abolir a escravidão. Foram 350 anos de infâmia. O mínimo que nós brancos devemos ao povo negro é um pedido de desculpas.

Voltemo ao Livro dos Espíritos agora na pergunta 636 - São absolutos, para todos os homens, o bem e o mal? "A lei de Deus é a mesma para todos; porém, o mal depende principalmente da vontade que se tenha de o praticar. O bem é sempre o bem e o mal sempre o mal, qualquer que seja a posição do homem. Diferença só há quanto ao grau de responsabilidade. 

Em resumo, nunca houve época na história da humanidade que a escravidão pudesse ser considerada "normal", ou  "aceita" socialmente. Nem tampouco admitirmos que conceitos pseudo-científicos sejam incorporados ao corpo teórico espírita ou utilizados como ferramentas de análise da vida em sociedade.

O articulista Franklin Félix relembra o triste episódio do racismo localizado de Allan Kardec que deve nos prevenir contra quaisquer ideias que não trazem a inclusão das pessoas com todas as suas peculiaridades. Ele se refere a um artigo publicado na Revista Espírita em 1862 "Frenologia Espírita e a perfectibilidade da raça negra" e outro texto constante em Obras Póstumas denominado "Teoria da beleza". Em ambos Kardec pisou na bola.

São equívocos que a meu ver não transformam Kardec num ser humano racista, mesmo porque a questão da igualdade na teoria espírita foi plenamente abordada por Kardec e de uma forma bem avançada para a época. O Espiritismo é uma doutrina isenta de preconceitos em seus conceitos principais. Mas todo cuidado é pouco. Por isso,repito,  a postura antirracista deve ser uma norma de conduta. Segundo Franklin Félix, numa frase muito interessante de se refletir, Kardec não era racista, mas Kardec foi racista!

Vejo no mundo de hoje com muita felicidade a participação de um grande número de jovens envolvidos e comprometidos em várias causas sociais, seja em defesa do meio ambiente ou pleiteando acertadamente uma revisão de muitos contextos históricos que possuem uma dimensão nitidamente antissocial. Inclusive com a derrubada de estátuas homenageando títeres da história. Fiquei particularmente feliz com a queda da estátua do pusilânime Rei Leopoldo II da Bélgica, se espatifando no chão. Esse genocida participou da colonização do Congo Belga, e foi diretamente responsável por milhares de assassinatos. E ainda diziam que ele estava levando a civilização à África.

Jaci Regis sempre dizia que o espiritismo tinha como guia moral Jesus de Nazaré e não o Jesus Cristo que foi sequestrado pelos templos, igrejas e muitos centros espíritas. Jesus de Nazaré concebido de uma relação sexual normal, nascido de parto natural, um espírito evoluído que ensinou sempre o amor ao próximo e a igualdade de direitos entre os seres humanos como razão para se viver em sociedade e evoluir.

Publicado no Jornal Abertura - junho de 2020

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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