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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Sobre como enfrentar a realidade e o Estado de Bem Estar Social - por Alexandre Cardia Machado


Sobre como enfrentar a realidade e o Estado de Bem Estar Social

O Pensador francês Luc Ferry muitas vezes citado neste periódico, em seu livro “ A Revolução do Amor” de 2010 nos apresenta um texto, contido no capítulo  - Três fortes objeções contra uma “política do amor” -  que gostaria de reproduzir aqui alguns trechos, como contribuição ao debate que nos assola nos dias de hoje e convidar os leitores a revisar este livro.

Alguns pensam que com a crise “ vamos retornar a um pouco mais de generosidade, a um pouco menos de egoísmo” porque eles não compreenderam nada de economia nem da humanidade. Retornar (retrotopia)? ... Vocês acreditam que a sociedade do século XIX era mais generosa e menos egoísta que a nossa? Releiam Balzac e Zola!” – André Comte-Sponville – O gosto de viver”.

Não se poderia dizer melhor. Concordo que se deva apelar para o ideal para criticar o real. Mas, nessas condições, a menor das exigências consiste em indicar de que real se fala, e que ideal se exige. Ora, apesar de todos os defeitos que se queira encontrar, o real dos Estados de bem-estar social europeus é simplesmente o mais suave que já se conheceu na história humana.

Quanto ao ideal em nome do qual ele é criticado, o mínimo é que ele exiba claramente os motivos que nos permitam ter a menor esperança de que ele fará melhor, e não, como de costume, infinitamente pior. Vocês me permitirão duvidar ainda e sempre, mais do que nunca, de que o marxismo-leninismo enfeitado com um pouco de maoísmo e de trotkismo, doutrinas que sempre produziram as poires catástrofes humanas por toda parte onde foram impostas aos povos, esteja hoje pronto para fazer melhor do que esse misto admirável de liberdade e bem-estar que, bem ou mal, conseguiram garantir nossas repúblicas democráricas.”

Luc Ferry expressa claramente porque da rejeição aos partidos socialistas que vem ocorrendo repetitivamente mundo afora, eles não apresentam históricos convincentes de sucesso. Onde atingiram algum sucesso, foi a custa de muitas vidas e pela supressão da liberdade. A guinada ao centro que estamos presenciando é uma aposta da sociedade na busca deste estado de bem-estar social. Que é social-democrata, que é capitalista mas com viés social, que não é estatisante e que valoriza a produtividade.

Alexandre Cardia Machado, Reside em Santos -SP artigo publicado no Abertura de outubro de 2018

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Maioridade Penal, uma reflexão espirita por Marcelo Regis

Maioridade Penal, uma reflexão espirita Marcelo Regis  Rio de Janeiro, 14°  SBPE setembro de 2015 


 I - Introdução 

Esse trabalho tem como objetivo refletir, sempre através das lentes da doutrina espírita, sobre esse tema atual e pulsante que é a redução ou não da maioridade penal no Brasil. Não temos a pretensão de esgotar o tema, nem mesmo analisar todas as facetas do problema. Nesse trabalho vamos nos ater a refletir sobe o tema usando como guia os conceitos morais espiritas, conforme ditados pela codificação kardequiana. Estão fora do escopo dessa reflexão questões jurídicopenais, bem como debater o sistema penal brasileiro e sua adequação para receber menores ou mesmo reintegrá-los a sociedade. O titulo do trabalho é propositadamente UMA reflexão espírita, pois sabemos que sendo a Doutrina Espirita uma doutrina de livres-pensadores, sem dogmas ou direção central ela permite muitas interpretações sobre esse tema, principalmente por se tratar de um tópico temporal, específico do momento atual em que vivemos e particularmente importante no contexto brasileiro onde a violência ocupa um lugar central nas preocupações da sociedade.  A reflexão que ora propomos, estará centrada nos conceitos de justiça divina e lei natural. É preciso esclarecer que a codificação espírita não contempla nenhuma questão especifica sobre esse assunto, provavelmente porque tal tema não era relevante quando da codificação kardequiana há mais de 170 anos atrás.  No Brasil o tema tomou suma importância, frente à escalada constante da violência e o debate sobre o efeito na mesma das resoluções estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), publicado em 1990. Atualmente encontram-se no congresso nacional inúmeras propostas de mudança tanto da constituição como do ECA, no sentido de alterar e na maioria das vezes endurecer as penalidades aplicadas a adolescentes infratores. Na maioria das vezes e como típico de nossa cultura, o debate é apaixonado e contaminado por preconceitos ideológicos e religiosos, sem muito espaço para aprofundamento sério, nem mesmo para entender experiências bem sucedidas em outros países.

II - Entendendo a Situação 

Para que possamos fazer a reflexão proposta, precisamos primeiramente entender a situação corrente no Brasil e no mundo sobre o tema. O tópico gera discussões apaixonadas, irracionais e na maioria das vezes sem nenhum embasamento teórico ou jurídico. Graças à difusão das redes sociais muitos conceitos errôneos, apresentados sem o devido contexto ou sem suporte estatístico são utilizados para defender ambas as teses. A briga nas redes sociais é quente e quase sem nenhum debate sério – na maioria das vezes posições são colocadas mas sem nenhuma chance do contraditório ou mesmo de se considerar os argumentos do “outro” lado.

Cabe aqui definir alguns conceitos importantes para o restante desse trabalho:

Maioridade Penal: o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define “maioridade penal” como “condição de maioridade para efeitos criminais”. É a idade a partir da qual o indivíduo responde pela violação da lei penal na condição de adulto, sem qualquer garantia diferenciada reservada para indivíduos jovens.

Imputabilidade Penal: significa a possibilidade de se atribuir a responsabilidade pela violação de lei penal, ou seja, pela prática de um crime nos termos das leis penais. A inimputabilidade penal significa o oposto: a impossibilidade, de acordo com a lei, de se atribuir a responsabilidade pela violação de lei penal. A inimputabilidade penal tem várias hipóteses. Uma delas é a inimputabilidade por idade. Indivíduos podem ser considerados penalmente inimputáveis por estar abaixo de certa idade. A idade de imputabilidade penal não coincide, necessariamente, com a idade de maioridade penal. Os ordenamentos jurídicos podem reconhecer imputabilidade penal diferenciada para aqueles abaixo da idade de maioridade penal.

Existe uma confusão conceitual entre imputabilidade penal e maioridade penal. Imputabilidade penal significa à possibilidade de atribuir a responsabilidade pela violação de lei penal, ou seja, pela prática de um crime, entendida como ação ou omissão típica, antijurídica e culpável. Maioridade penal, por usa vez, refere-se à idade a partir da qual o indivíduo responde pela violação da lei penal na condição de adulto, sem qualquer garantia diferenciada reservada para indivíduos jovens. A lei pode reconhecer a imputabilidade penal de indivíduos com idade abaixo da maioridade penal, acarretando uma responsabilização de natureza penal diferenciada, sob a luz do chamado Direito Penal Juvenil.

II.1 - Brasil 

Atualmente, a maioridade penal é alcançada quando o indivíduo completa 18 (dezoito) anos – mesma idade em que se torna também maior no âmbito civil – conforme prevê a Constituição Federal em seu artigo 228, vejamos: Art. 228. “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Como vimos acima inimputável significa aquele a quem não pode ser imputado um crime, e, por consequência, uma sanção criminal, como disposto no código penal, que tipifica aquelas condutas a serem rechaçadas do convívio social e estipula os limites de pena a serem aplicados em cada caso concreto. No Brasil, uma das causas dessa confusão conceitual é o fato de que o ordenamento jurídico não faz distinção entre imputabilidade penal e maioridade penal - definindo a idade para ambos como sendo dezoito anos - mas ao mesmo tempo os adolescentes são responsabilizados à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pela prática de ato infracional. Em consonância com a norma constitucional, o regime de infrações do Estatuto da Criança e do Adolescente não segue a sistemática típica do Direito Penal, baseada em tipos penais e penas mínimas e máximas para cada delito. O ECA não faz referência a penas ou crimes
praticados por adolescentes, mencionando apenas infrações e medidas socioeducativas, que não são individualizadas pelo estatuto para cada conduta específica. 

Os crimes praticados por menores de dezoito anos são legalmente chamados de “atos infracionais” e seus praticantes de “adolescentes em conflito com a lei” ou de "menores infratores". Aos praticantes são aplicadas “medidas socioeducativas” e se restringem apenas a adolescentes (pessoas com idade compreendida entre doze anos de idade completos e dezoito anos de idade incompletos. Todavia, a medida socioeducativa de internação poderá ser excepcionalmente aplicada ao jovem de até 21 anos, caso tenha cometido o ato aos quatorze anos). O ECA estabelece, em seu artigo 121, § 3º, quanto ao adolescente em conflito com a lei, que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”, por cada ato infracional grave. Após esse período, ele passará ao sistema de liberdade assistida ou semiliberdade, podendo retornar ao regime fechado no caso de mau-comportamento.

II.2 - Pelo Mundo 

A responsabilidade criminal varia imensamente entre os diferentes países, conforme a cultura jurídica e social de cada um, indicando uma falta de consenso mundial sobre o assunto. Segundo informação fornecida pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a  maioridade penal é a seguinte, nos países abaixo listados:

II.3 - Canadá: Para ilustrar melhor as diferenças vamos nos aprofundar na análise do tema no Canadá. Escolhemos o Canadá por sua tradição de respeito aos direitos humanos, tolerância com minorias e imigrantes.

No Canadá crianças com menos de 12 anos são inimputáveis, enquanto jovens entre 12 e 18 anos estão sujeitos a regime jurídico especial regido pela lei federal Youth Criminal Justice Act (YCJA), publicada em 2003. O objetivo dessa lei é proteger o público através de:  responsabilizar os jovens infratores, através de medidas e penas proporcionais a gravidade das faltas e o nível de responsabilidade dos mesmos  reabilitar os jovens infratores e auxiliar sua reintegração na sociedade, para que os mesmos se tornem cidadãos respeitadores das leis e membros ativos da comunidade  Atuar na prevenção de crimes, indicando jovens e adolescentes para programas e serviços que ataquem as causas e circunstâncias que levam a prática de ofensas a lei

Para aplicar essa lei existe o Youth Justice, ramo da justiça canadense separada do sistema adulto, onde os jovens são julgados em tribunais especiais. No caso das penas, o sistema canadense estabelece que o Juiz pode decidir entre as seguintes penas, de acordo com a gravidade da infração:  advertência;  multa, compensação ou restituição das vitimas pelas perdas materiais e financeiras  serviço comunitário ou prestação de serviços diretamente às vitima do crime  liberdade assistida/ regime aberto com supervisão  prisão em centros de custodia juvenis, podendo ser seguido de liberdade condicional. No caso de crimes mais graves, se aplicam programas de reabilitação intensiva dentro dos centro de custodia

As penas juvenis estão limitadas da seguinte forma:  Homicídio Qualificado: 10 anos, com máximo de 6 anos de reclusão e restante em liberdade assistida  Homicídio doloso: 7 anos, com máximo de 4 anos de reclusão e restante em liberdade assistida para 
 Outros crimes: máximo de 2 anos

No caso de jovens acima de 14 anos, culpados de crimes sérios – definidos como qualquer crime em que um adulto poder receber penas de mais de 2 anos de reclusão - o juiz pode determinar uma sentença conforme o código aplicado aos adultos, e nesse caso os limites acima não se aplicam. Por exemplo, um jovem de 14 a 17 anos pode ser sentenciado à prisão perpetua no caso de homicídio qualificado.

Notamos assim um balanço entre promover a reabilitação e reintegração dos jovens, mas também em responsabilizar os mesmos pelos atos cometidos. Apesar de emitir parâmetros claros e compreender medidas protetivas, o ordenamento canadense permite ao sistema judiciário certa autonomia em ajustar as penas de acordo com cada caso, principalmente os mais graves como exposto acima.

III - Considerações Espiritas 

III.1 - Posicionamento do Movimento Espirita Brasileiro: Uma pesquisa rápida na internet nos mostra que todas as manifestações de instituições e entidades espiritas são contra qualquer mudança na lei de maioridade penal brasileira. Transcrevemos o enunciado da Associação Jurídico Espirita, pois a mesma sumariza bem o pensamento presente no movimento espirita:

AJE-BRASIL (Associação Jurídico-Espírita do Brasil), por ocasião do 1º Fórum de Reflexões, ocorrido na Federação Espírita Brasileira (FEB), em Brasília, deliberou ser contrária à PEC 171/93, que pretende reduzir a maioridade penal no Brasil, fixando-a a partir de 16 anos, pelos seguintes motivos:

1. O Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança de 1989, da ONU, que reconhece que a criança – indivíduo menor de 18 anos – é merecedora de cuidados especiais e de proteção, por conta de sua falta de maturidade física e mental; 2. O adolescente – indivíduo de 12 a 18 anos incompletos segundo a legislação brasileira – é um ser cuja personalidade está em desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual, devendo lhe ser garantido o sistema de maior proteção aos direitos fundamentais; 3. Para a hipótese de condutas definidas como crime, o sistema jurídico brasileiro, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, já prevê medidas socioeducativas para a adequada responsabilização do adolescente, não havendo que se falar em impunidade; 4. Ao invés de se adotar o sistema punitivo de natureza penal a adolescentes de 16 a 18 anos, cumpre ampliar medidas concretas nas áreas de assistência social, moradia, esporte, lazer, saúde, educação, entre outras; 5. A inserção de adolescentes no sistema carcerário – que se apresenta superlotado, em condições subumanas, portanto, sem estrutura mínima para cumprir o fim de ressocialização da pena e para atender à dignidade da pessoa
humana implica aumentar os efeitos deletérios desta realidade, com prejuízo para o cidadão e para sociedade em geral; 6. Dados estatísticos comprovam que a maior incidência da lei penal dá-se em relação a adolescentes pobres, negros e com baixo grau de alfabetização, o que revela a seletividade do sistema punitivo. De outro lado, o número de crimes praticados por adolescentes é baixo, em torno de 0,1425% (IBGE); 7. As políticas públicas devem buscar a emancipação do ser – em especial do adolescente que se encontra em desenvolvimento – em detrimento do aumento de medidas repressivas, o que se faz por meio da educação, que proporciona o aperfeiçoamento moral e intelectual do espírito imortal; 8. A lei humana deve privilegiar a ampliação e não a restrição dos direitos fundamentais, visando à construção de uma sociedade justa e fraterna; 9. A educação deve ser vista como prioritária e permanente opção para a evolução humana. Logo, a proposta em debate – de aumento de medida repressiva em prejuízo da adoção de medida de natureza educativa – se aprovada, representa retrocesso social e espiritual para os destinos da sociedade brasileira. AJE – Associação Jurídico Espírita Brasília, abril de 2015.

III.2 - Lei Natural e Lei Humana  Em "O Livro dos Espíritos", a justiça a qual um encarnado está sujeito é regulada pela "lei natural" e pela "lei humana" (ver subquestão (a) da questão # 875).  Os questionamentos feitos por Kardec dizem respeito, majoritariamente, à lei natural, já que a lei humana é específica conforme o tempo, a cultura e a sociedade. Apesar de tocar em vários pontos específicos acerca das leis humanas, não encontramos referencia direta em O Livro dos Espíritos sobre maioridade penal e/ou crimes cometidos por menores de idade. Isso posto, em vários pontos Kardec e os Espíritos provém diretrizes e guias que podem ajudar nossa reflexão.

A diretriz máxima da Lei Natural está exposta na questão #876 "Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo".  A questão # 877 complementa a anterior com relação ao primeiro dever que é "respeitar os direitos de seus semelhantes". Ainda segundo a lei natural, explicam os Espíritos na questão # 880, o primeiro de todos os direitos naturais do homem: “O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”

Quanto a ação da sociedade no encaminhamento da criança e do adolescente (segundo a lei natural) está toda sob a tutela da paternidade. Aqui encontramos o campo de maior efeito sobre os atos das crianças.  Por causa disso, a questão 582 qualifica a paternidade como uma missão:

582. Pode-se considerar como missão a paternidade?   “É, sem contradita possível, uma verdadeira missão. Constitui, ao mesmo tempo grandíssimo dever, que empenha, mais do que o pensa o homem, a sua
responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização física débil e delicada, que o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de endireitar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de endireitar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse na estrada do bem.”

portanto, segundo a lei natural, a educação dos filhos é de responsabilidade dos pais. É pela falta ou ausência desses, porém, que a criminalidade infantil pode se tornar um problema da sociedade (como condição necessária, mas não suficiente, para manifestação dessa criminalidade). 

583. São responsáveis os pais pelo transviamento de um filho que envereda pelo caminho do mal, apesar dos cuidados que lhe dispensaram?  “Não; porém, quanto piores forem as propensões do filho, tanto mais pesada é a tarefa e tanto maior o mérito dos pais, se conseguirem desviá-lo do mau caminho.”

Sabendo-se que os espíritos reencarnados tem toda uma bagagem de varias existências passadas, sabemos que as crianças e adolescentes trazem consigo qualidades, defeitos e experiências anteriores muitas vezes com tendência a pratica do mal que pode aflorar através de ações delinquentes se educação e limites não forem estabelecidos a partir do lar.

Finalmente, não deixa de ser elucidativa a questão # 796 que aparece na III Parte do Capítulo VIII do "Livro dos Espíritos": 796. No estado atual da sociedade, a severidade das leis penais não constitui uma necessidade?

“Uma sociedade depravada certamente precisa de leis severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito, do que a lhe secar a fonte. Só a educação poderá reformar os homens, que, então, não precisarão mais de leis tão rigorosas.”

III.3 - Livre-arbítrio e Responsabilidade Individual Em vários pontos da Doutrina Espirita os espíritos deixam claro que no limite, cada individuo é o artificie e responsável por sua existência, seus atos e por sua própria evolução. Kardec expõe esse tópico magistralmente na questão 872, que apesar de extensa transcrevemos aqui por sua importância: 

872. A questão do livre-arbítrio se pode resumir assim: O homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, por prova e por expiação, escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio onde se ache colocado, quer pelas circunstâncias que
sobrevenham, mas será sempre livre de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe para ele, quando no estado de Espírito, ao fazer a escolha da existência e das provas e, como encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos nos temos voluntariamente submetido. Cabe à educação combater essas más tendências. Fá-lo-á utilmente, quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene. Desprendido da matéria e no estado de erraticidade, o Espírito procede à escolha de suas futuras existências corporais, de acordo com o grau de perfeição a que haja chegado e é nisto, como temos dito, que consiste sobretudo o seu livrearbítrio. Esta liberdade, a encarnação não a anula. Se ele cede à influência da matéria, é que sucumbe nas provas que por si mesmo escolheu. Para ter quem o ajude a vencê-las, concedido lhe é invocar a assistência de Deus e dos bons Espíritos.  Sem o livre-arbítrio, o homem não teria nem culpa por praticar o mal, nem mérito em praticar o bem. E isto a tal ponto está reconhecido que, no mundo, a censura ou o elogio são feitos à intenção, isto é, à vontade. Ora, quem diz vontade diz liberdade. Nenhuma desculpa poderá, portanto, o homem buscar, para os seus delitos, na sua organização física, sem abdicar da razão e da sua condição de ser humano, para se equiparar ao bruto. Se fora assim quanto ao mal, assim não poderia deixar de ser relativamente ao bem. Mas, quando o homem pratica o bem, tem grande cuidado de averbar o fato à sua conta, como mérito, e não cogita de por ele gratificar os seus órgãos, o que prova que, por instinto, não renuncia, malgrado à opinião de alguns sistemáticos, ao mais belo privilégio de sua espécie: a liberdade de pensar. A fatalidade, como vulgarmente é entendida, supõe a decisão prévia e irrevogável de todos os sucessos da vida, qualquer que seja a importância deles. Se tal fosse a ordem das coisas, o homem seria qual máquina sem vontade. De que lhe serviria a inteligência, desde que houvesse de estar invariavelmente dominado, em todos os seus atos, pela força do destino? Semelhante doutrina, se verdadeira, conteria a destruição de toda liberdade moral; já não haveria para o homem responsabilidade, nem, por conseguinte, bem, nem mal, crimes ou virtudes. Não seria possível que Deus, soberanamente justo, castigasse suas criaturas por faltas cujo cometimento não dependera delas, nem que as recompensasse por virtudes de que nenhum mérito teriam.

Demais, tal lei seria a negação da do progresso, porquanto o homem, tudo esperando da sorte, nada tentaria para melhorar a sua posição, visto que não conseguiria ser mais nem menos. Contudo, a fatalidade não é uma palavra vã. Existe na posição que o homem ocupa na Terra e nas funções que aí desempenha, em consequência do gênero de vida que seu Espírito escolheu como prova , expiação  ou missão . Ele sofre fatalmente todas as vicissitudes dessa existência e todas as tendências  boas ou más, que lhe são inerentes. Aí, porém, acaba a fatalidade, pois da sua vontade depende ceder ou não a essas tendências. Os pormenores dos acontecimentos, esses ficam subordinados às circunstâncias que ele próprio cria pelos seus atos ,
sendo que nessas circunstâncias podem os Espíritos influir pelos pensamentos que sugiram. Há fatalidade, portanto, nos acontecimentos que se apresentam, por serem estes consequência da escolha que o Espírito fez da sua existência de homem. Pode deixar de haver fatalidade no resultado de tais acontecimentos, visto ser possível ao homem, pela sua prudência, modificar-lhes o curso. Nunca há fatalidade nos atos da vida moral. No que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto, à inexorável lei da fatalidade, por isso que não pode escapar à sentença que lhe marca o termo da existência, nem ao gênero de morte que haja de cortar a esta o fio. Segundo a doutrina vulgar, de si mesmo tiraria o homem todos os seus instintos, que, então, proviriam, ou da sua organização física, pela qual nenhuma responsabilidade lhe toca, ou da sua própria natureza, caso em que lícito lhe fora procurar desculpar-se consigo mesmo, dizendo não lhe pertencer a culpa de ser feito como é. Muito mais moral se mostra, indiscutivelmente, a Doutrina Espírita. Ela admite no homem o livre-arbítrio em toda a sua plenitude e, se lhe diz que, praticando o mal, ele cede a uma sugestão estranha e má, em nada lhe diminui a responsabilidade, pois lhe reconhece o poder de resistir, o que evidentemente lhe é muito mais fácil do que lutar contra a sua própria natureza. Assim, de acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindoo ao mal, como pode cerrá-los à voz material daquele que lhe fale ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a assistência dos bons Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a Oração dominical , quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir à tentação, mas livra-nos do mal.” Essa teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência de todo o ensino que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de moralidade, mas também, acrescentaremos, eleva o homem aos seus próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo obsessor, como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser simples máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da sua vontade, para ser um ente racional, que ouve, julga e escolhe livremente de dois conselhos um. Aditemos que, apesar disto, o homem não se acha privado de iniciativa, não deixa de agir por impulso próprio, pois que, em definitivo, ele é apenas um Espírito encarnado que conserva, sob o envoltório corporal, as qualidades e os defeitos que tinha como Espírito. Conseguintemente, as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do nosso próprio Espírito, que ainda não conquistou a superioridade moral que um dia alcançará, mas que, nem por isso, carece de livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para se expungir de suas imperfeições, mediante as provas por que passa, imperfeições que, precisamente, o tornam mais fraco e mais acessível às sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se aproveitam para tentar fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa luta sai vencedor, ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor. Será uma prova que lhe cumpre recomeçar, podendo suceder que longo tempo gaste nessa alternativa. Quanto mais se depura, tanto mais diminuem os seus pontos fracos e tanto menos acesso oferece aos que procurem
atraí-lo para o mal. Na razão de sua elevação, cresce-lhe a força moral, fazendo que dele se afastem os maus Espíritos. Todos os Espíritos, mais ou menos bons, quando encarnados, constituem a espécie humana e, como o nosso mundo é um dos menos adiantados, nele se conta maior número de Espíritos maus do que de bons. Tal a razão por que aí vemos tanta perversidade. Façamos, pois, todos os esforços para a este planeta não voltarmos, após a presente estada, e para merecermos ir repousar em mundo melhor, em um desses mundos privilegiados, onde não nos lembraremos da nossa passagem por aqui, senão como de um exílio temporário.

Os espíritos corroboram tal argumento ao tratarem do Bem e do Mal e da influencia do meio nas ações individuais nas questões 637, 638, 639, 644 e 645 que transcrevemos a seguir:

637. Será culpado o selvagem que, cedendo ao seu instinto, se nutre de carne humana? “Eu disse que o mal depende da vontade. Pois bem! Tanto mais culpado é o homem, quanto melhor sabe o que faz.” As circunstâncias dão relativa gravidade ao bem e ao mal. Muitas vezes, comete o homem faltas, que, nem por serem consequência da posição em que a sociedade o colocou, se tornam menos repreensíveis. Mas, a sua responsabilidade é proporcional aos meios de que ele dispõe para compreender o bem e o mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de Deus, o homem instruído que prati- ca uma simples injustiça, do que o selvagem ignorante que se entrega aos seus instintos.

638. Parece, às vezes, que o mal é uma consequência da força das coisas. Tal, por exemplo, a necessidade em que o homem se vê, nalguns casos, de destruir, até mesmo o seu semelhante. Poder-se-á dizer que há, então, infração da lei de Deus?  “Embora necessário, o mal não deixa de ser o mal. Essa necessidade desaparece, entretanto, à medida que a alma se depura, passando de uma a outra existência. Então, mais culpado é o homem, qua quando o pratica, porque melhor o compreende.”

639. Não sucede freqüentemente resultar o mal, que o homem pratica, da posição em que os outros homens o colocam? Quais, nesse caso, os culpados?  “O mal recai sobre quem lhe foi o causador. Nessas condições, aquele que é levado a praticar o mal pela posição em que seus semelhantes o colocam tem menos culpa do que os que, assim procedendo, o ocasionaram. Porque, cada um será punido, não só pelo mal que haja feito, mas
também pelo mal a que tenha dado lugar.”

644. Para certos homens, o meio onde se acham colocados não representa a causa primária de muitos vícios e crimes? “Sim, mas ainda aí há uma prova que o Espírito escolheu, quando em liberdade, levado pelo desejo de expor-se à tentação para ter o mérito da resistência.”

645. Quando o homem se acha, de certo modo, mergulhado na atmosfera do vício, o mal não se lhe torna um arrastamento quase irresistível? “Arrastamento, sim; irresistível, não; porquanto, mesmo dentro da atmosfera do vício, com grandes virtudes às vezes deparas. São Espíritos que tiveram a força de resistir e que, ao mesmo tempo, receberam a missão de exercer boa influência sobre os seus semelhantes.”

IV - Considerações Finais 

O espiritismo claramente define o individuo como responsável por seus atos e ações. Mesmo inserido em seu meio, e sujeito as influencias externas, o espirito tem sempre o livre-arbítrio e o poder de escolher entre praticar o bem ou o mal. Assim também são aplicadas suas penas e gozos futuros – ou seja individualizadas. Isso dito, fica claro que atenuantes devem ser considerados e que as penas são proporcionais as faltas e que não somente as ações são levadas em conta, mas também o contexto, as intenções e situações.  Dessa forma me parece obvio que qualquer posicionamento espirita sobre aprimoramento das leis humanas, aproximando-as da Lei Natural, deve incluir responsabilização individualizada, contextualizada nas condições dos fatos. Portanto, na questão da maioridade penal fica claro que necessitamos de aperfeiçoamentos aqui no Brasil, principalmente para adequar as penas e reparações a gravidade dos fatos. O ECA ao não permitir que a responsabilização seja proporcional ao delito, individualizada e ao aplicar soluções genéricas, restringe e limita uma melhor analise do fatos, contexto e consequências. Privilegiando somente um lado da equação, ou seja, considerando o menor infrator apenas como vitima maior da sociedade, as ações previstas no ECA são ajustadas sob essa perspectiva. O espiritismo, ao elevar o individuo como artífice máximo de sua própria existência, entende que um melhor balanço precisa ser atingido. Para tanto uma possível solução seria incluir no ordenamento jurídico nacional uma adequação que permitisse que o jovem infrator fosse também responsabilizado por seus atos, proporcionalmente a gravidade, consequência e contexto da mesma. Esse vetor, aliado aos vetores de reabilitação e prevenção estariam mais em consonância com os preceitos e moral definidos pelo espiritismo. Nesse debate, não precisaríamos necessariamente de nenhuma redução da idade da maioridade penal, hoje estabelecida aos 18 anos. Porém necessitaríamos
retirar da constituição a inimputabilidade de menores de 18 anos para que os mesmos possam ter reconhecidas sua responsabilidade perante a sociedade. Temos também que redefinir o ECA para que o mesmo permita a sociedade, através do poder judiciário e de suas varas especializadas na criança e na juventude possa melhor definir e aplicar penas reparatórias e proporcionais aos jovens infratores. O exemplo canadense parece bem equilibrado e algo que pode servir de parâmetro a sociedade brasileira. Um ordenamento jurídico baseado no tripé: - Responsabilizar individualmente o jovem por seus atos e que o mesmo possa, no possível, reparar os danos causados as vitimas; - Suporte da sociedade para que o jovem infrator possa ser reabilitado e reinserido na sociedade; - Foco em prevenção, através da valorização da família e educação;

Parece bem em consonância com o ensinado pela doutrina espirita e a meu ver seria um grande avanço na legislação brasileira, permitindo que nossa sociedade continue progredindo e avançando suas leis rumo a lei divina e natural.


Bibliografia/ Websites Consultados:

 Kardec, Allan – O Livro dos Espíritos; Ed. FEB
 American Juvenile Justice System (https://en.wikipedia.org/wiki/American_juvenile_justice_system)
 Canada, British Columbia - Youth Justice Section of JusticeBC (http://www.justicebc.ca/en/cjis/youth/)
 Maioridade penal   (https://pt.wikipedia.org/wiki/Maioridade_penal#cite_note-71)
 Xavier, Ademir - Redução da Maioridade Penal e Espiritismo em Blog Era do Espírito  http://eradoespirito.blogspot.com.br/2015/04/reducao-da-maioridade-penale.html
 ONU, Comitê sobre os Direitos da Criança (25/4/2007). Children’s rights in juvenile justice. GENERAL COMMENT No. 10 (2007) http://www2.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/CRC.C.GC.10.pdf
 Children in the US Justice System Amnesty International USA). (http://www.amnestyusa.org/news?id=D94FCE82406321E18025690000692 DCA&lang=e)
 Estatuto da Criança e do Adolescente; http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm
 A maioridade penal na visão da AJE – Associação Jurídico-Espírita do Brasil; Publicado por Rádio Boa Nova  http://radioboanova.com.br/jornal-nova-era/maioridade-penal-na-visao-daaje-associacao-juridico-espirita-brasil/

 

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Progresso: uma profecia para o futuro - por Roberto Rufo


Progresso: uma profecia para o futuro


Originalmente publicado em 2013 em plenos dias de “mensalão” no STF, roberto nos trouxe um texto lúcido, moderno e brilhante. Desta forma podemos reler e ver que passados 5 anos as velhas ideiase as velhas práticas continuam existindo. O que mudou, é que hoje, a Polícia Federal bate na porta das casas do corruptos e os leva presos. Com vocês Roberto Rufo.

“O progresso era maravilhoso quando não progredia tanto”. (Millôr Fernandes)

“A dialética do interesse é quase sempre mais poderosa que a da razão e consciência”. (Marquês de Maricá)
“A humanidade progride por meio de indivíduos que, pouco a pouco, se melhoram e se esclarecem”. (Allan Kardec)


Segundo teóricos do conhecimento, o termo progresso designa duas coisas. Uma que denotaria uma série qualquer de eventos que se desenvolvem em um sentido desejável. E a outra de que é uma crença de que os acontecimentos históricos se desenvolvem no sentido mais desejável, realizando um aperfeiçoamento crescente. 

No primeiro sentido fala-se em progresso da química ou do progresso da técnica. No segundo sentido, a palavra progresso designa não só um balanço da história passada, mas também uma profecia para o futuro. Para o conceito espírita, não muito diferente, o progresso é inevitável; todavia esse conceito está muito apoiado no desenvolvimento do livre-arbítrio que acompanha o da inteligência e aumenta a responsabilidade dos atos. Essa é uma premissa muito importante, para não nos deixarmos levar pela ilusão de que o bem sempre vence, independente da ação humana.

O Espiritismo defende de todas as formas a confiança no uso do livre-arbítrio, pois dele depende o progresso intelectual que referendaria o progresso moral. Alertam os espíritos que um não segue o outro imediatamente.

O filósofo alemão Schopenhauer, que tinha verdadeira aversão ao seu colega de filosofia Hegel, negava veementemente a ideia de uma ordem universal a caminho para o melhor, e via na história a fatal repetição de um mesmo drama de dor. Num certo sentido ele estava certo, bastando comparar o tempo de terror vivido nos momentos finais do poderio romano, onde pareceria que tamanha perversidade não era possível ocorrer novamente. Não foi o que aconteceu. A história de horrores ainda teria lances incríveis. Vide o nazismo e os campos de concentração em pleno século XX, considerado pelos sociólogos o século mais violento da história da humanidade.

O que Schopenhauer se esquece é que existe nos seres humanos um poderoso desejo de avançar moralmente, em colocar, como falava Kardec, suas leis em conformidade com a justiça divina, gravada em nossa consciência, como nos falam os espíritos. Aqui coloco uma dúvida, que me atormenta ultimamente, pois é fruto de tantas vezes ouvir uma definição que por ser atestada por pensadores grandiosos como Humberto Marioti parece definitiva. O avanço da humanidade pela força da lei da dialética. Sempre se ouve dizer: o Espiritismo é dialético. Eu contesto esse caráter necessário e progressista da dialética. Em certos caso é uma tremenda forçação de barra.  Se o mundo funciona assim, com a tese, a antítese (motor do progresso) e a síntese, num moto perpétuo, gostaria que me explicassem quando a Idade Média foi a antítese e de quê. Pela dialética que a tudo responde, o homem assume uma posição muito passiva perante as “forças dialéticas da natureza”.

Há algo envolvido nessa coisa toda que eu chamo de disposição, preparo e mentalidade que apesar da óbvia influência do meio, depende sobremaneira da espiritualidade individual de cada um, queira a dialética ou não. O método socialista da exacerbação da antítese como forma de se progredir mais rapidamente fracassou rotundamente, pois o ser humano era considerado uma peça insignificante nessa engrenagem. Daí a justificativa para milhares de assassinatos em nome da dialética.

O Espiritismo aposta mais no homem individual impulsionador de ideias, do que no coletivo construtor de estruturas de poder. Além do que, por trás do termo "coletivo" se esconde muitas vezes a vontade prepotente de um grupo específico ou de um líder alçado a esse posto pelo famoso culto da personalidade. Contudo, o Espiritismo não deixa de levar em consideração que a vontade muitas vezes impulsionada por um indivíduo, na luta por um ideal de justiça em prol da humanidade, necessita de leis especiais que abarca o coletivo da sociedade. Os espíritos dizem, em resposta à pergunta 795 do Livro dos Espíritos, que os tempos de barbárie onde os mais fortes fisicamente ditavam as leis tem que ser ultrapassado, mas isso só ocorre à medida em que os homens compreendam melhor a lei de justiça. E isso só se faz com o intenso uso do livre-arbítrio.  Essa é nossa luta dentro do movimento espírita e na sociedade. Por exemplo, a FEB se apresentaria aos meios de comunicação como contrária à autorização prévia das biografias. Biografias sem censura. Ponto final.

Concordo em parte com Lévi-Strauss quando contesta o mito historicista e europeísta do progresso, ou seja, a ideia de uma linha evolutiva única e unidirecional, que culmine na cultura ocidental. Ele afirma que para além de um inegável "desenvolvimento" técnico e material, a nossa espécie, nas suas estruturas psicológicas básicas, permanece substancialmente a mesma. Não seria tão negativo assim como ele, mas quando assisto um vereador dizer: "estou de ‘saco cheio’ de gente pobre, que deveriam servir de isca de peixe", me pergunto se a mentalidade dele não possui um grande número de adeptos escondidos. Eu aposto que sim. É a velha afirmativa surrada de: "isso é coisa de pobre", quando se quer determinar o que é bom e o que é ruim. Basta ler um pouquinho sobre a história do Brasil e se verá que sempre foram os mais bem aquinhoados que saquearam o país.

A mentalidade exclusivista tirou de milhões a oportunidade de utilizar adequadamente o livre-arbítrio e serem também impulsionadores do progresso, como queria Kardec e os espíritos que com ele trabalharam. Tarefa árdua essa, pois envolve sempre a vontade de cada um. Daí servirem de massa de manobra de tantos ideólogos e suas surradas dialéticas. Ainda mais num país muito injusto socialmente.

Os espíritos têm muita esperança que pela força das ideias e pela influência das pessoas de bem o homem se vê obrigado a reformar suas leis. E afirmam que os homens já reformaram muitas, o que é plenamente verdadeiro, e ainda reformarão muitas outras. Eu acredito no sucesso dos homens e mulheres nessa tarefa. Como disse Martin Luther King, em seu trabalho pela alteração das leis segregacionistas, "eu não posso obrigar um branco racista a me amar, mas posso impedi-lo de me linchar pela força da lei”. Depois, numa segunda fase, as novas gerações aprendem que é melhor viver em harmonia.
A aplicação da lei traz este benefício.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Sopa de Ideologias e sua relação com o Espiritismo - por Alexandre Cardia Machado

Sopa de Ideologias e sua relação com o Espiritismo

Este jornal sempre estará aberto a textos espíritas de qualquer ideologia, assim acreditamos que deve ser o espaço democrático,  mas vale uma revisão geral de alguns termos que estão sendo usados recentemente.

À época de Kardec os ideiais franceses de Igualdade, Fraternidade e Liberdade estavam no seu auge, após conturbados períodos de idas e vindas Napoleônicas, parecendo que se consolidariam de forma natural, no entanto já havia sido publicado em 1848 o manifesto comunista do alemão Karl Max e do inglês Engels.

Allan Kardec, obviamente era anti-materialista, como em seu tempo ainda o comunismo não havia sido de fato implantado, não chegou a fazer críticas ao mesmo, mas sabemos hoje que “o ateísmo na URSS era baseado na ideologia marxista-leninista. Tal como o fundador do Estado soviético, Lenin falou o seguinte sobre a URSS e as religiões: A religião é o ópio do povo: este ditado de Marx é a pedra angular de toda a ideologia do marxismo sobre religião” . Kardec também não era um defensor das religiões tradicionais , mas acreditava em Deus e buscava um caminho para o Espiritualismo – ver o Caráter da Revelação Espírita. Possivelmente teria se posicionado contra o comunismo. No entanto não fez crítica ao Manifesto Comunista em nenhum de seus textos.

No momento em que vivemos, não buscamos polemizar, mas sim trazer um quadro dos diversos atores que estão no palco de nossa vida atual, ao leitor caberá decidir por esta ou aquela ideia, esta ou aquela ideologia. Nas palavras do israelense Yuval Noah Harari, autor de Sapiens – Uma breve história da humanidade, religião e ideologia são sinônimos, por isto acrescentamos aqui os estados religiosos, aqueles que submetem governos a princípios religiosos.

Revisando:

Facismo - movimento político e filosófico ou regime (como o estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922), que faz prevalecer os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador e a propaganda faz o culto do ditador. Este exerce poder sobre os outros poderes Legislativo e Judiciário. Foram exemplos deste tipo de movimento ou regime político: Mussolini na Itália, Franco na Espanha, Salazar em Portugal e em alguns momentos flertaram com esta ideia Perón e Vargas na Argentina e Brasil respectivamente. No Brasil tivemos algo particular o Integralismo: movimento político de extrema-direita. Fardado, para-militar, denominado Ação Integralista Brasileira, de inspiração fascista, fundado em 1932 e extinto em 1937, que foi revivido em 1945 sob a sigla do PRP (Partido de Representação Popular). Liderado por Plínio Salgado que possuía ideais ultraconservadores alinhados com a extrema-direita. O Facismo se associou à direita da religião Católica na Itália.

Nazismo - doutrina e partido do movimento nacional-socialista alemão fundado e liderado por Adolph Hitler 1889-1945; hitlerismo, nacional-socialismo. centralizado na figura de um ditador e a propaganda faz o culto do ditador. Foi responsável pela prisão de milhões de pessoas, desde críticos ao regime e passando principalmente por minorias racias, negros, pardos e principalmente os judeus. Responsável pelo holocausto onde provocou a morte em câmara de gás de milhões de pessoas. Não existe referência positiva sobre este nefasto período da história. O censo alemão de maio de 1939 indica que 54% dos alemães se consideravam Protestantes, 40% se consideravam Católicos, com apenas 3,5% afirmando serem Neopagãos, "crentes em Deus" e apenas 1,5% de descrentes. A ligação com as religiões no Nazismo pe muito controversa, mas de certo é que as críticas fortes só vieram após a descoberta do holocausto.

Comunismo - organização socioeconômica baseada na propriedade coletiva dos meios de produção, centralizado na figura de um ditador, venerado e apoiado pela imprensa única, tem como prática reduzir a ação das religiões. Na prática matou cerca de 100 milhões de pessoas no mundo todo em seu processo de implementação. Mas, o detalhe mais absurdo desse número, é que os mortos pelo comunismo são na grande maioria de compatriotas, são exemplos a Rússia a China e os países da Indochina durante a chamada Guerra do Vietnã e mais recentemente em países africanos. Irmãos matando irmãos em nome de uma ideologia.  A classe dominante, neste caso, é muito pior que qualquer capitalista, burguês, ou elites, pois tem a pretenção de tutelar o povo, ser a "voz do povo", em substituição ao próprio povo. A sua presença no mundo vem decaíndo paulatinamente.
Socialismo - doutrina política e econômica que prega a coletivização dos meios de produção e de distribuição, mediante a supressão da propriedade privada e das classes sociais. Em todos os países onde foi implementado terminou na criação de ditaduras. Os países da atualidade, que ainda vivem sob regime ditatorial (dito socialista ou comunista), se denominam países  em geral sob Regime de Partido Único, tais como Albânia, China, Coréia do Norte, Cuba, Laos, Mianmar e Vietnã. Sendo a China um caso especial onde o regime político é o comunismo, onde as liberdades individuais são controladas, mas que pratica internacionalmente o Capitalismo.
Social -democracias: A social-democracia é uma ideologia política de esquerda surgida no fim do século XIX por partidários do marxismo que acreditavam que a transição para uma sociedade socialista poderia ocorrer sem uma revolução, mas por meio de uma evolução democrática. A ideologia social-democrata prega uma gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário, geralmente tendo em meta uma sociedade socialista. O conceito de social-democracia vem mudando com o passar das décadas desde sua introdução. A diferença fundamenteal entre a social-democracia e outras formas de socialismo, como o marxismo ortodoxo, é a crença na supremacia da ação política em contraste à supremacia da ação econômica ou determinismo econômico sócio industrial.Isto ocorre desde o século XIX.

No início do século XX, entretanto, vários partidos socialistas começaram a rejeitar a revolução e outras idéias tradicionais do marxismo como a luta de classes, e passaram a tomar posições mais moderadas. Essas posições mais moderadas incluiram uma crença de que o reformismo era uma maneira possível de atingir o socialismo.
 No entanto, a social-democracia moderna desviou-se do socialismo, gerando adeptos da idéia de um estado de bem estar social democrático, incorporando elementos tanto do socialismo quanto do capitalismo. Os sociais-democratas tentam reformar o capitalismo democraticamente através de regulação estatal e da criação de programas que diminuem ou eliminem as injustiças sociais inerentes ao capitalismo, este regime é adotado nos países do norte da Europa, na Alemanha onde esteve no poder por 20 anos.

Capitalismo - O capitalismo é um sistema econômico e social, onde o principal objetivo visa a obtenção de lucro e a acumulação de riquezas por indivíduos e empresas, por meio dos meios de produção e do esforço individual. Este é o sistema mais adotado no mundo atualmente. Como forma de equilíbrio entre países existem alguns princípios estabelecidos pela OMC – Organização Mundial do Livre Comércio:

 1- não discriminação; 2- previsibilidade. 3- concorrência leal. 4- proibição de restrições quantitativas. 5- tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento. Não chega a ser uma ideologia é uma prática de mercado, tendo orígens históricas no Liberalismo de Adam Smith.

Estado Religioso: É aquele em que a religião interfere em alguma medida na administração, legislação ou gestão pública e é também chamado de Estado confessional. Na atualidade, está presente em especial no mundo islâmico, mas pode ser identificado também na África e na Ásia, no mundo ocidental iniciou-se a separação da igreja do Estado à partir da Revolução Francesa, este é um processo em andamento a Gran-Bretanha tem na figura de sua Raínha Elisabeth a chefe da Igreja Anglicana, Sendo uma monarquia Parlamentarista o governo é independente do Estado, este chefiado pela Raínha. Como referência no Brasil o Estado é laico.

Estado Laico: é aquele que prevê a neutralidade em matéria confessional, não adotando nenhuma religião como oficial e mantendo equidistância entre os cultos. É conhecido também como Estado Secular. Em alguns Estados laicos, há incentivo à religiosidade e à tolerância entre os credos, enquanto outros chegam a criar leis e mecanismos para dificultar a manifestação religiosa em público.

Estado Democrático de Direito: É um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica.
No Brasil, podemos dizer que apesar dos pesares vivemos sob Estado Democrátivo de Direito.  Tivemos governos de orientação teórica Social-Democratas, mais liberais como os do FHC  e mais socialistas como os de Lula e Dilma depois de 1988, sem qualquer ameaça de quebra de regime. As instituições são fortes e não permitirão mudanças na constituição nem para a direita, nem para a esquerda. Assim como tivemos presidentes  de esquerda, poderemos ter presidentes mais à direita. Não acreditamos que mudança de regime político, para qualquer dos lados seja, nem de longe a expectativa da maioria da população que só quer ser feliz, ter prosperidade e menos corrupção na política.

Artigo publicado no Jornal ABERTURA em outubro de 2018, quer ler o jornal completo?



Alexandre Cardia Machado – Engenheiro reside em Santos

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Tolerância, diversidade e as próximas eleições - por Alexandre Cardia Machado


Tolerância, diversidade e as próximas eleições

O jornal ABERTURA mudou o seu logotipo, invertendo o B em março de 2017. Fizemos isto como forma explícita de apoio à diversidade e a tolerância, ao novo e ao menos comum, mas também natural. Aceitar que todos tenham direito às suas próprias escolhas. A sociedade plural funciona, desde que todos respeitem os limites de seu livre arbítrio, entendendo que o direito de um termina, onde começa o direito do outro.

Apoiar a diversidade significa dizer que independente de nossas escolhas devemos respeitar, no sentido mais amplo, as escolhas dos outros. Isto vale para ideias conservadoras e também para ideias liberais, pois a sociedade é plural, sempre teremos diferenças e isto nos faz melhores.

Sobre a intolerância recorro a um trecho do artigo Intolerância e Falta de Conhecimento da coluna Mundo Atual do Abertura de junho de 2017 de Reinado di Lucia e Carolina Régis di Lucia: “ Se há algo que é completamente incompatível com o Espiritismo é essa não aceitação da possibilidade de haver pensamentos distintos daqueles que abraçamos. Tal postura, revelando consciente ou inconscientemente a certeza de ser possuidor de uma “verdade absoluta”, é inconciliável com a proposta da evolução contínua que constitui o cerne da Filosofia Espírita”.

Próximas eleições

Que estamos com o nosso país dividido não há dúvidas, isto nada mais é do que democracia em essência. Estar dividido no campo das ideias, mas respeitando a ética nas relações entre as partes é normal e desejável.  O debate que daí nasce é o que produzirá soluções mas abrangentes e possíveis de implementação. A democracia propõe o melhoramento contínuo, não é uma forma de mudança revolucionária. Ainda que aqui e ali, em condições especiais, face a crises importantes, os estados possam tomar medidas mais radicais, com apoio popular e de seus representantes mas idealmente deveríamos mudar aos poucos e incessantemente, ou seja monitorar as condições socias e ir agindo para melhorar. Este é o que se espera de uma democracia.

Volto a citar num editorial um trecho atribuído a Allan Kardec em Obras Póstumas – As Aristocracias: “ ...dizemos primeiro que os bons, sobre a Terra, não são inteiramente tão raros quanto se crê; os maus são número, isto infelizmente é verdade; mas o que os faz parecer ainda mais numerosos, é que são audazes, e sentem que esta audácia mesma lhes é necessária para triunfarem ... os bons ao contrário, não exibem as suas boas qualidades; não se colocam em evidência e eis porque parecem tão pouco numerosos ...”

Nos últimos 15 anos a revolução digital mudou um pouco isto, hoje as pessoas se expõe muito mais nas redes sociais, existem formas novas de influenciar o mundo ao nosso redor. Portanto está mais do que na hora de fazermos algo, participarmos mais, sem criar fake news, mas sabendo detalhes da atuação dos candidatos, a que grupos está associado, sobre como se portou no passado.  Os candidatos querem o seu voto, sim seu voto irá para quem você decidir outorgar seu poder.

Dar de ombros e votar em qualquer um, ou pior, nem votar, não ajuda a resolver os problemas de nosso estado, nem do país. A solução passa pela decisão de cada um de nós.

Começe a sua lição de casa agora, assista aos debates, informe-se, converse com seus amigos, participe. No final do processo, urnas abertas, aceite as divergências. O congresso, as assembléias representarão o conjunto de ideias e varições da nossa sociedade e não apenas as nossas crenças e valores.
Este artigo foi publicado no editorial do jornal ABERTURA de agosto de 2018.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

QUAL DEVE SER O PAPEL DOS ESPÍRITAS E SUAS INSTITUIÇÕES PERANTE AS QUESTÕES POLÍTICAS E SOCIAIS? - por Ricardo de Morais Nunes


XV SIMPÓSIO BRASILEIRO DO PENSAMENTO ESPÍRITA
SANTOS/BRASIL - NOVEMBRO DE 2017



QUAL DEVE SER O PAPEL DOS ESPÍRITAS E SUAS INSTITUIÇÕES PERANTE AS QUESTÕES POLÍTICAS E SOCIAIS?



Autor: Ricardo de Morais Nunes




Ricardo de Morais Nunes
INTRODUÇÃO

Por ocasião da proposta que fiz aos associados da CEPABrasil, instituição filiada a Associação Espírita Internacional- CEPA, visando a publicação de um manifesto de caráter político e social, não partidário, tratando do atual momento político brasileiro, refleti profundamente sobre o papel dos espíritas e suas instituições no enfrentamento de questões desta natureza. Naquela oportunidade, quando debatemos sobre a oportunidade ou não de um manifesto em nome da CEPABrasil, a maioria dos companheiros se revelaram favoráveis ao posicionamento dos espíritas laicos frente aos problemas brasileiros daquele momento histórico. Alguns poucos companheiros, no entanto, protestaram, de forma um tanto veemente, argumentando que estávamos desvirtuando os objetivos da instituição com aquela iniciativa.

Devo confessar que fiquei um pouco surpreso com a intolerância de algumas reações adversas, porém as considerei dialeticamente, como fazendo parte de um natural processo de discussão de temas que, ao final das contas, devo reconhecer, são polêmicos por natureza. É necessário dizer, no entanto, que o referido manifesto não tinha nada que, a meu ver, não se constituísse ou pudesse se constituir em uma aspiração natural de qualquer espírita brasileiro. Por isto minha surpresa. O manifesto, que foi efetivamente publicado em novembro de 2016, com a colaboração autoral de vários associados da CEPABrasil, defendia, em linhas gerais, um Brasil democrático, soberano, ético e com justiça social.

Acusaram-me à época de trazer minhas próprias paixões políticas para o espiritismo. Entre outras coisas, fui acusado de defensor da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do PT (Partido dos Trabalhadores), instituições envolvidas nos últimos tempos no centro das polêmicas políticas brasileiras. Não que eu tenha alguma coisa contra a CUT, PT, ou qualquer outra designação partidária de esquerda. Valorizo, como o professor Antônio Candido, a importância das variadas propostas socialistas na história, considero-as “triunfantes”, pois funcionaram e funcionam como importante contraponto ao egoísmo e individualismo do capital. Porém, o que me motivou não foi este objetivo, pois nem mesmo sou filiado a qualquer partido. O que me motivou foi justamente a ideia de que o espiritismo possui um pensamento social generoso

Passei a refletir, por ocasião daquela polêmica, sobre algumas teses muito comuns encontradas no movimento espírita a respeito do envolvimento dos espíritas nas questões políticas e sociais. Uma tese muito frequente é a da neutralidade perante tais questões. Segundo o pensamento de alguns, as instituições espíritas não devem tomar partido.  Esta tese defende que política e espiritismo não se misturam. Assim, os espíritas organizados devem ficar distantes deste tipo de polêmica, sob pena de envolver o espiritismo em questões que não são de sua competência. O máximo admitido pelos adeptos da tese da neutralidade, é que o espírita, enquanto cidadão, participe da vida política se assim o desejar, porém sem envolver as instituições espíritas nestas questões.

Verifiquei, igualmente, ser muito comum a tese de que a evolução moral do homem e, por consequência, da sociedade, ao longo do processo histórico, levará o mundo a um estado melhor de coisas. Indubitavelmente, tal teoria nos conduz a esperança e é dotada de uma lógica intrínseca do ponto de vista kardecista, mas, infelizmente, seu efeito principal é induzir os espíritas a um grau de paciência e passividade infinitas, a fim de aguardar a transformação do mundo pelo aperfeiçoamento de cada homem individual. Em termos práticos, este argumento funciona como justificativa para a não participação dos espíritas e suas instituições em temas políticos e sociais.

Também é muito frequente encontrarmos uma visão conservadora a respeito dos objetivos da reencarnação, a qual muitas vezes é interpretada como uma espécie de pagamento de dívidas do passado, a justificar, portanto, as injustiças sociais. Para muitos espíritas, os que moram nas inúmeras favelas ou comunidades espalhadas pelo Brasil estão “pagando” os erros de vidas anteriores, nas quais foram egoístas e gastaram avaramente sua riqueza. Tal teoria possui característica conservadora e busca legitimar o status quo.

Observei, também, que o espírita, quando toca em problemas de caráter político, normalmente pensa apenas no indivíduo, e quase nunca reflete a respeito das estruturas econômicas e sociais garantidoras das injustiças. Frequentemente, os espíritas não fazem uso de um pensamento sociológico crítico em relação às questões da vida em sociedade e acabam por apostar todas as possibilidades de melhoria do mundo na chamada “reforma íntima”.

Iniciarei o presente artigo fazendo um levantamento exemplificativo de como O Livro dos Espíritos trata algumas questões de caráter político e social. Discorrerei também sobre a posição de um dos mais respeitados pensadores espíritas de todos os tempos, Manuel S. Porteiro, e sua contribuição para melhor equacionamento desta controversa questão. Finalmente, refletirei sobre a necessidade dos espíritas prestarem atenção a uma questão importante de nosso tempo: o ressurgimento do neoliberalismo, sistema de pensamento político-econômico, que pretende o desmonte do chamado Estado de bem-estar social.

O que pretendo com o presente estudo é apenas refletir sobre o melhor posicionamento dos espíritas e, principalmente, das instituições espíritas frente aos problemas da sociedade. Esta reflexão se faz importante porque sabemos que o silencio ou a neutralidade são também formas de tomar partido, por isso precisamos ter claro, principalmente como espíritas laicos, que enxergam valor no adjetivo progressista, qual o melhor caminho a ser seguido: o do silêncio ou do posicionamento.

É necessário esclarecer, entretanto, que o presente artigo não irá defender que as instituições espíritas, centros, federações, associações nacionais e internacionais, atuem como partidos políticos ou que defendam um determinado partido na busca pelo poder político. Entendo que não é este o objetivo do espiritismo. Porém, o espiritismo, enquanto filosofia, possui consequências morais, as quais, necessariamente, se expandem para princípios, valores e práticas da vida social.

Defendo que os espíritas, portanto, devem encontrar um justo equilíbrio, pois se é certo que não devem absorver as demandas de caráter político e social, pois não são efetivamente um partido político, ao mesmo tempo, não devem ficar alienados dos problemas referentes à morada terrestre do espírito encarnado. Entendo que uma postura adequada dos espíritas nestas questões trata-se de uma obrigação moral, principalmente em razão da importância social das instituições espíritas na sociedade brasileira. A verdade é que a sociedade brasileira, onde se encontra o maior movimento espírita do mundo, tem o direito de conhecer o que pensam os espíritas nestes importantes temas.

As associações espíritas brasileiras têm se notabilizado ao longo da história por uma profunda preocupação e atuação de caráter social através dos serviços de beneficência material e da criação de hospitais, escolas, creches, asilos, bem como outras variadas atividades de serviço ao próximo, o que certamente dá a estas instituições legitimidade para pensar e opinar sobre os desenvolvimentos políticos, econômicos e sociais do Brasil.

O presente estudo, portanto, tem como objetivo maior refletir sobre a importância da participação das sociedades espíritas, enquanto instituições da sociedade civil, nas questões políticas e sociais. Visa defender a necessidade das instituições espíritas se tornarem uma voz de caráter moral, comprometida explicitamente, de modo inequívoco, com os valores da democracia, justiça social, ética, humanismo e desenvolvimento econômico com vistas ao benefício de todos.

Quanto a participação individual dos espíritas na vida política, parece não haver divergência maior quanto a esta possibilidade. Os exemplos de participação de espíritas na atividade política são inúmeros, inclusive ocupando importantes cargos nas esferas executiva e legislativa. De Bezerra de Menezes a Arthur Chioro, passando por Cairbar Schutel, Eusínio Lavigne e Freitas Nobre, entre tantos outros exemplos, temos uma excelente   amostra de que os espíritas, enquanto cidadãos, já atuam na esfera política há muito tempo.

QUESTÕES POLÍTICAS E SOCIAIS EM O LIVRO DOS ESPÍRITOS

Muitos espíritas fundamentam a tese da neutralidade em temas de caráter político baseados no estatuto da sociedade parisiense de estudos espíritas, fundada por Allan Kardec, que vedava a discussão de temas políticos em suas atividades. Segundo o artigo primeiro do referido regulamento:

“A Sociedade tem por objeto o estudo de todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas, e sua aplicação às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas. As questões políticas, de controvérsia religiosa e de economia social, nela são interditadas”

No entanto, o espiritismo foi fundado por Allan Kardec em um período de grandes agitações políticas e sociais. Para termos clareza deste fato, basta lembrar que o nascimento do espiritismo em 1857 situou-se entre a revolução francesa de 1789, com seus ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, e a comuna de Paris, em 1871, primeira revolução operária a tomar o poder na cidade de Paris, revolução que foi violentamente derrotada.

Quando abrimos, portanto, O Livro dos Espíritos, ali encontramos várias teses de caráter político e social. Se não encontramos um livro partidário no sentido de tomar partido no que diz respeito às disputas pelo poder daquele momento histórico, encontramos uma obra que abrange várias questões relevantes de caráter político e social, próprias daquele período histórico, mas que representam problemas universais ainda vigentes na atualidade.

O Livro dos Espíritos não é um livro metafísico que busca descolar o homem de sua realidade concreta. Observamos na obra inaugural da filosofia espírita a discussão de vários temas importantes. Questões como liberdade de pensamento, igualdade da mulher, direito de propriedade, organização social e muitas outras ali estão presentes através de uma reflexão avançada tanto da parte dos Espíritos quanto de Allan Kardec.

Portanto, é incorreto dizer que O livro dos Espíritos é um livro neutro em questões de natureza política e social. De modo algum. É um livro que se posiciona corajosamente sobre vários assuntos. Por exemplo, a questão da escravidão. Muitos países à época ainda eram escravagistas e o Livro dos Espíritos condena a escravidão. Para bem entendermos a importância deste posicionamento na obra espírita, é necessário termos em mente que a escravidão não era apenas uma questão moral, mas um problema de caráter econômico, ou seja, havia toda uma estrutura econômica em vários países, inclusive no Brasil, assentada sobre a base escravagista. Mas, o espiritismo, em seu livro fundamental, não se omitiu, se posicionou, certamente contrariando interesses poderosos.

Outro exemplo interessante é a visão crítica que encontramos em O Livro dos Espíritos sobre o direito de propriedade. Os Espíritos, em sua visão crítica da propriedade, afirmam, no melhor estilo de Proudhon, que muitas vezes a propriedade é produto “da astúcia e do roubo”. No período de elaboração do espiritismo, século XIX, a França estava no processo inicial de seu desenvolvimento capitalista, no qual a acumulação de bens, muitas vezes a qualquer custo, era o valor social a ser seguido. Mesmo assim os Espíritos criticam a propriedade adquirida em prejuízo dos outros, através da exploração dos mais fracos e da desonestidade. Os Espíritos chegam a falar em “necessário e supérfluo” no que diz respeito a posse de bens materiais. Existe alguma coisa mais anticapitalista do que esta distinção, quando consideramos que o capitalismo nos induz ao consumo do supérfluo?

Kardec e os Espíritos enfrentam várias questões oferecendo um norte para o que podemos chamar de pensamento social espírita. Não é por acaso que ao longo da história do espiritismo surgiram vários pensadores espíritas que refletiram sobre as questões políticas e sociais com profundidade como Léon Denis, Manuel Porteiro, Humberto Mariotti, Herculano Pires e muitos outros.

Infelizmente, o espiritismo ao tornar-se uma religião perdeu muito deste aspecto filosófico combativo, inclusive, em relação as questões da sociedade. O espiritismo tornou-se uma doutrina apolítica, intimista, distanciada das questões da sociedade e do mundo, pela qual se espera a “salvação” nas esferas de “nosso lar” e outras regiões espirituais. E as instituições espíritas, de forma geral, também foram por este caminho. Tornaram-se igrejas e não escolas de pensamento para educação integral do espírito.

Veremos a seguir, nas perguntas de Allan Kardec e nas respostas dos Espíritos, que o espiritismo, desde sua obra inaugural, O Livro dos Espíritos, posicionou-se firmemente em relação a várias questões fundamentais da vida social e claramente tomou partido, visando a construção de uma sociedade humanista, na qual a liberdade e a justiça social se façam presentes.

QUESTÕES TRABALHISTAS E PREVIDENCIÁRIAS

684- Que pensar dos que abusam da autoridade para impor aos seus inferiores um excesso de trabalho?
R: É uma das piores ações. Todo homem que tem o poder de dirigir é responsável pelo excesso de trabalho que impõe aos seus inferiores., porque transgride a lei de Deus.

685- O homem tem direito ao repouso na sua velhice?
R: Sim, pois não está obrigado a nada, senão na proporção de suas forças.

685ª - Mas o que fará o velho que precisa trabalhar para viver e não pode?
R: O forte deve trabalhar para o fraco; na falta da família, a sociedade deve ampará-lo: é a lei da caridade.

SOBRE O ACESSO UNIVERSAL AOS BENS

711- O uso dos bens da terra é um direito de todos os homens?
R: Esse direito é a consequência da necessidade de viver...

717- Que pensar dos que açambarcam os bens da terra para se proporcionarem o supérfluo, em prejuízo dos que não têm sequer o necessário?
R: Desconhecem a lei de Deus e terão de responder pelas privações que ocasionarem.

719- O homem é censurável por procurar o bem-estar?
R: O bem-estar é um desejo natural. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação, e não considera um crime a procura do bem-estar se este não for conquistado à expensas de alguém...

SOBRE A PENA DE MORTE

761- A lei de conservação dá ao homem o direito de preservar a sua própria vida; não aplica ele esse direito quando elimina da sociedade um membro perigoso?
R: Há outros meios de se preservar do perigo, sem matar. É necessário, aliás, abrir ao criminoso e não fechar a porta do arrependimento.

SOBRE AS DESIGUALDADES SOCIAIS

806- A desigualdade das condições sociais é uma lei natural?
R: Não; é obra do homem e não de Deus.

808- A desigualdade das riquezas não tem sua origem na desigualdade das faculdades, que dão a uns mais meios de adquirir do que a outros?
R: Sim e não. Que dizes da astúcia e do roubo?

811- A igualdade absoluta das riquezas é possível e existiu alguma vez?
R: Não, não é possível. A diversidade das faculdades e dos caracteres se opõe a isso.

SOBRE A IGUALDADE DE DIREITOS ENTRE HOMENS E MULHERES
817- O homem e a mulher são iguais perante Deus e têm os mesmos direitos?
R: Deus não deu a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir?



818- De onde procede a inferioridade moral da mulher em certas regiões?
R: Do domínio injusto e cruel que o homem exerceu sobre ela. Uma consequência das instituições sociais e do abuso da força sobre a debilidade Entre os homens pouco adiantados do ponto de vista moral a força é o direito.

SOBRE A ESCRAVIDÃO

829- Há homens naturalmente destinados a ser propriedade de outros homens?
R: Toda sujeição absoluta de um homem a outro é contrária à lei de Deus. A escravidão é um abuso da força e desaparecerá com o progresso, como pouco a pouco desaparecerão todos os abusos.

SOBRE A LIBERDADE DE PENSAMENTO

833- Há no homem qualquer coisa que escape a todo o constrangimento, e pela qual ele goze de uma liberdade absoluta?
R: É pelo pensamento que o homem goza de uma liberdade sem limites, porque o pen-samento não conhece entraves. Pode impedir-se a sua manifestação, mas não aniquilá-lo.

SOBRE A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA

837- Qual o resultado dos entraves à liberdade de consciência?
R: Constranger os homens de maneira diversa ao seu modo de pensar, o que é torna-los hipócritas. A liberdade de consciência é uma das características da verdadeira civilização e do progresso.

SOBRE A LIBERDADE DE CRENÇA

838- Toda a crença é respeitável, ainda mesmo quando notoriamente falsa?
R: Toda crença é respeitável quando é sincera e conduz à prática do bem. As crenças reprováveis são as que conduzem ao mal.

SOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE

883- O desejo de possuir é natural?
R:Sim, mas quando o homem só deseja para si e para sua satisfação pessoal, é egoísmo.
884- Qual é o caráter da propriedade legítima?
R: Só há uma propriedade legítima, a que foi adquirida sem prejuízo para os outros.

SOBRE O CARÁTER DA VERDADEIRA JUSTIÇA

875- Como se pode definir a justiça?
R: A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um.

876- Fora do direito consagrado pela lei humana, qual a base da justiça fundada sobre a lei natural?
R: O Cristo vos disse: “Querer para os outros o que quereis para vós mesmos”. Deus pôs no coração do homem a regra de toda a verdadeira justiça, pelo desejo que tem cada um de ver os seus direitos respeitados. Na incerteza do que deve fazer para o semelhante, em uma dada circunstância, que o homem pergunte a si mesmo como desejaria que agissem com ele. Deus não lhe poderia dar um guia mais seguro que a sua própria consciência.

SOBRE A ORGANIZAÇÃO SOCIAL

930- É evidente que sem os preconceitos sociais, pelos quais se deixa dominar, o homem sempre encontraria um trabalho qualquer que o pudesse ajudar a viver, mesmo deslocado de sua posição. Mas entre as pessoas que não têm preconceitos ou que os põem de lado, não há as que estão impossibilitadas de prover às suas necessidades em consequência de moléstias ou outras causas independentes de sua vontade?
R: numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo, ninguém deve morrer de fome.

MANUEL S. PORTEIRO: UM ESPÍRITA QUE COMPREENDEU A IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO POLÍTICA E SOCIAL DO ESPIRITISMO

Manuel Porteiro foi um importante pensador espírita argentino, que viveu na primeira metade do século XX. Foi presidente da C.E.A., Confederação Espírita Argentina, bem como se tornou um filósofo espírita profundo, que deixou sua marca na bibliografia espírita internacional e influenciou pensadores espíritas por todo o mundo.

Não é meu objetivo aqui discorrer sobre a biografia de Porteiro, para esta finalidade indico a excelente obra o “O pensamento vivo de Porteiro” de Jon Aizpúrua, e recomendo, também, um artigo de minha autoria, que pode ser encontrado na internet, no site do CPDoc, cujo título é “Breve estudo comparativo sobre a reflexão socialista de Léon Denis e Manuel Porteiro”, no qual também podem ser encontrados dados biográficos do ilustre pensador argentino.

Na presente reflexão quero destacar apenas que Porteiro foi um espírita de profunda preocupação com as questões sociais. Em vários momentos de sua obra se coloca contra as injustiças do sistema capitalista de produção, visando realizar uma crítica filosófica espírita às questões econômicas, políticas e sociais de seu tempo. Jamais se conformou como uma postura conservadora, pois entendia que o espiritismo deveria ser uma filosofia progressista, inclusive no que diz respeito à postura do espírita no mundo.

Esta característica de Porteiro ficou evidenciada no exercício da presidência da Confederação Espírita Argentina, oportunidade em que se revelou sintonizado com todas as teses progressistas de seu período histórico, bem como em sua brilhante participação, como representante da C.E.A., no congresso de Barcelona de 1934, no qual defendeu duas teses fundamentais: que o espiritismo não era uma religião e que o   espiritismo necessariamente possui preocupações sociológicas. Falarei um pouco sobre a participação de Porteiro nestes dois importantes momentos da história do espiritismo, especificamente sobre suas preocupações sociais.

PORTEIRO NA PRESIDÊNCIA DA C.E.A.

De abril de 1934 a março de 1935, Porteiro exerce a presidência da Confederação Espírita Argentina e se põe a trabalhar intensamente para colocar o espiritismo em um caminho filosófico progressista, a partir da negação do caráter religioso do espiritismo e, ao mesmo tempo, afirmando as profundas consequências morais e sociológicas da filosofia espírita. Trabalhou incansavelmente escrevendo artigos para a imprensa espírita de seu tempo, bem como se colocou a visitar inúmeras sociedades espíritas. Segundo Jon Aizpúrua:

“Porteiro era um incansável mobilizador de opiniões. Quantos estivessem dispostos a ouvi-lo, e aos muitos que não estavam, lhes apresentava um Espiritismo dinâmico e renovador capaz de guiar o mundo para a sua liberação moral, social e espiritual. Ao assumir a presidência da C.E.A. se propôs a visitar a maior quantidade de grupos espíritas que lhe fosse possível e levar mediante conversas públicas sua mensagem esclarecedora”.

Porteiro não via no espiritismo uma filosofia de alienação, de renúncia ao mundo. Acreditava, o ilustre pensador espírita, que o espiritismo tinha um potencial revolucionário, no sentido da mudança do paradigma existencial e social do homem, visando não apenas o conhecimento das questões de além-túmulo, mas também as questões terrenas, sociais. Ainda Aizpúrua nos fala:

“Porteiro com insistência falou do Espiritismo como doutrina revolucionária, querendo dizer com esta palavra que propõe ao homem mudanças radicais em sua maneira de pensar e de atuar. Um Espiritismo que traz como missão revelar a vida no plano espiritual e com a finalidade de melhorar as condições dos seres, agora, no plano material. Opunha-se a uma interpretação distorcida do Espiritismo, apresentado como uma religião, ou como uma ideologia conservadora, alienante, que justifique, em nome do “karma” as desigualdades sociais e adormece os espíritos em uma atitude de inércia ou de cumplicidade, esperando a “salvação”.

A Confederação Espírita Argentina, sob a presidência de Porteiro, lançou, na revista La Idea, de janeiro-fevereiro de 1935, um “programa de ação da C.E.A.”. Este programa de ação foi preparado pela “Mesa Diretiva, lido no Conselho Federal e apresentado à consideração e estudo das sociedades confederadas”. Neste documento, encontramos a proposta de várias ideias interessantíssimas a respeito da natureza do espiritismo, bem como em relação às questões de caráter político e social. Nas “considerações gerais” do referido programa, encontramos a seguinte afirmação preliminar:

“Antes de pontuar plenamente o programa de ação da C.E.A. acreditamos ser imprescindível fazer algumas considerações preliminares que justificariam amplamente a necessidade imperiosa de traçar rumos ao Espiritismo no país, para que este marche pela senda que há de conduzir à realização dos grandes postulados científicos, filosóficos, morais e sociais que surgem da mesma doutrina, dos quais a humanidade tanto necessita nesses momentos importantes de sua evolução”.

Em seu programa de ação a C.E.A., sob a inspiração de Porteiro, define o espiritismo como uma ciência integral:

”Porque abarca todas as fases e manifestações da vida; resume todos os conhecimentos e disciplinas do espírito, como as ciências em geral, filosofia, estética, moral e sociologia; porque estuda o espírito e as relações deste com a matéria, da alma humana no corpo; do homem com os demais seres viventes; do indivíduo com a sociedade; de sua causalidade moral com o determinismo histórico, o meio social e as condições econômicas”.

Quanto ao aspecto sociológico do espiritismo, diz Porteiro e seus companheiros da direção da C.E.A., através do programa de ação:

“Como sociologia o espiritismo encaminha-se para a constituição de um sistema social, sem classes nem privilégios, em que todos os homens possam produzir segundo suas forças e suas aptidões e consumam segundo suas necessidades. Para tão alta finalidade, fundamenta-se nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade que postula a doutrina. Seu elevado conceito de solidariedade humana não é compatível com nenhuma classe de despotismo nem de exploração do homem pelo próprio homem”.

Aquele importante documento histórico chega a propor a criação de uma cátedra de sociologia, visando o aprofundamento do estudo das questões políticas e sociais pelos espíritas. Em pleno Brasil de início do século XXI, época de redes sociais e opiniões nem sempre bem fundamentadas, talvez já possamos compreender o quão importante seria esta cadeira de sociologia, com vistas ao aprimoramento dos estudos sociológicos dos espíritas, inclusive, os de nosso tempo. Diz o projeto:

“A C.E.A. patrocinará a criação de uma cátedra de sociologia que consulte todas as questões ou problemas de ordem econômica e social, a partir do ponto de vista objetivo e de acordo com os princípios morais de liberdade, igualdade e fraternidade que postulam o Espiritismo, confrontando e assimilando-os, dentro do conceito espiritista da vida, com as teorias econômicas e sociais daqueles ideais que buscam a realização de uma sociedade melhor”.

A PARTICIPAÇÃO DE PORTEIRO NO CONGRESSO ESPÍRITA INTERNACIONAL DE BARCELONA EM 1934

Manuel Porteiro e Humberto Mariotti, cheios de idealismo, se encarregaram de levar as ideias progressistas da C.E.A. para o congresso espírita de Barcelona, realizado no ano de 1934. Embarcaram entusiasmados em um navio para a Espanha, pensando que suas ideias seriam bem recebidas naquele importante evento internacional espírita. Segundo Jon Aizpúrua: “Em 4 de agosto partem para a Espanha os delegados argentinos. Vão entusiasmados, pensando que seu projeto será bem recebido no Congresso. Em poucos dias saberão de seu equívoco”.

Porteiro, um dos representantes da C.E.A. no congresso de Barcelona, fez um informe detalhado, datado do dia 15 de outubro de 1934, para a presidência da C.E.A. em exercício, na pessoa do Sr. Mario Rinaldini, a respeito dos acontecimentos principais daquele congresso internacional. Em relação a repercussão das teses apresentadas pelos argentinos naquele congresso, principalmente as que dizem respeito a relação entre espiritismo e política, relata Porteiro:

“Alguns congressistas alegaram, contra nossas proposições , o triste argumento de que se tratava de fazer política, que o Espiritismo devia estar afastado dos problemas sociais, justificando que as injustiças e os males reinantes são consequências lógicas e necessárias da lei de causas e efeitos; outros sustentaram que a maneira como se constitui a sociedade economicamente e inclusive o meio social, eram devidos ao  atraso moral dos indivíduos e que o Espiritismo teria por única missão educar os indivíduos nos novos postulados filosóficos e morais de sua doutrina sem intrometer-se na solução dos problemas sociais”.

Porém, Porteiro e Mariotti refutaram a tese de que o espiritismo e os espíritas deveriam ser omissos em relação às questões políticas e sociais. Alertaram que o espiritismo e os espíritas não devem justificar a exploração do homem pelo homem, bem como as injustiças sociais, com fundamento na lei da causalidade espiritual. Neste sentido lemos no relatório de Porteiro:

“Todos esses argumentos foram devidamente refutados por nós demonstrando que é dever do Espiritismo, e por conseguinte dos espíritas, não somente divulgar a doutrina e dizer aos homens que sejam melhores, mas também tratar por todos os meios lógicos, a seu alcance, de modificar a sociedade, fazendo crítica da mesma em tudo que haja de mau e buscando soluções práticas para que o mesmo desapareça; que a lei de causalidade espírita não vem justificar a exploração do homem pelo homem, a injustiça , o crime de guerra e demais desajustes sociais; que a igualdade econômica e social, que nós reivindicamos, em nada contradiz as desigualdades de inteligência, de aptidões e de moralidade”.

Continua Porteiro o seu relatório dando ênfase à importância do estudo da sociologia e do espiritismo. Destaco novamente aqui a brilhante percepção de Porteiro no sentido de indicar a necessidade dos espíritas se dedicarem ao estudo da sociologia. O espiritismo não pode dar conta de tudo. O espiritismo se relaciona com outras áreas do conhecimento em um sentido de complementação. Para os estudos da sociedade, portanto, a sociologia, a história, a economia e outras disciplinas são fundamentais para um maior conhecimento das complexidades sociais:

“Ante estes conceitos reacionários, que estão nas palavras de todos os que defendem o privilégio e as situações vantajosas dos bem-acomodados, expusemos argumentos contundentes e irrefutáveis sustentados pela sociologia moderna e pela doutrina espírita em seu aspecto moral e sociológico...”.
Finalmente, Porteiro alerta em seu relatório que o espiritismo não vem para adormecer os espíritos. Diz ele:
“Temos observado também com profundo desconsolo que muitos dos delegados, com as opiniões que expressaram, têm pretendido fazer do Espiritismo uma filosofia conformista, conservadora e passiva, dando-lhe o significado de uma religião natural, ao que temos contestado com todas as nossas convicções, que o Espiritismo não vem adormecer os espíritos, senão que é um ideal dinâmico que vem despertar as forças morais do homem para que este se coloque ante a cultura e a organização social presentes, com um novo sentido das coisas e não com um sentir arcaico dos espíritos conservadores”.

Importantes pensadores espíritas no mundo contemporâneo alinham-se perfeitamente às concepções avançadas de Manuel Porteiro, apesar de todo o conservadorismo do movimento espírita da atualidade. Um destes pensadores que merece destaque é o professor, escritor, filósofo do direito, Alysson Leandro Mascaro, que fala da necessidade dos espíritas serem críticos da “sociabilidade presente”, sociabilidade esta altamente excludente em termos econômicos da maioria da população. Neste sentido diz Mascaro:

“O espiritismo, lastreado necessariamente em percepções racionais e científicas desde suas raízes pós-iluministas, está no mesmo contexto das mais progressistas posições a respeito da sociedade. Sua perspectiva transformadora, então, representa uma crítica à sociabilidade presente. É preciso compreender tais impasses para poder fazer com que o movimento espírita, no plano teórico e prático, seja vanguarda de crítica, transformação social e superação das explorações presentes. O pensamento social espírita deve se emparelhar com o que de mais radical, fraterno, libertário e pleno o pensamento social geral conseguir vislumbrar, porque o pensamento social espírita e sua prática serão iguais aos melhores pensamentos e práticas que a sociedade tiver de si própria”.

TEMPOS SOMBRIOS

Vivemos nas primeiras décadas do século XXI “tempos sombrios”. A impressão que temos é que as piores ideias conservadoras e reacionárias ressurgiram não apenas no Brasil, mas no mundo. Temos convivido em nosso cotidiano com o ódio de caráter político, com a intolerância religiosa, com o desprezo aos mais pobres, racismo, menosprezo a mulher, ao homossexual, a tentativa de construção de novos muros e mesmo a ameaça de guerra nuclear. As redes sociais, a internet, e todos os brilhantes avanços tecnológicos de nosso tempo, também têm servido à formação de guetos de sectarismo e ódio.

Na atualidade, vivemos um grande conflito entre a política e o poder do grande capital. Após a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, o capital, vencedor, passou a nada temer. Durante quase todo o século XX, o capital temia revoluções comunistas radicais e, por isso, fazia concessões visando atenuar os conflitos. Daí o surgimento, principalmente na Europa ocidental, da segunda metade do século XX, do chamado Estado de bem-estar social, no qual o sistema capitalista fazia concessões importantes em várias áreas sociais visando impedir a revolta dos trabalhadores.

Atualmente, o capital com nada se preocupa, além do seu lucro maximizado. Aliás, no mundo contemporâneo, existe um verdadeiro conflito entre o chamado capital produtivo, que produz empregos, e o capital financeiro, especulativo, que não vive da produção, mas de juros altos. Por outro lado, as empresas multinacionais emigram para os países que pagam menores salários e concedem menos direitos aos trabalhadores. O processo de exploração do homem pelo homem se acentua. Os países do chamado “socialismo real” caíram junto com o muro de Berlim, mas a crítica marxista à exploração promovida pelo sistema capitalista de produção continua válida até nossos dias.

O conflito entre a política e o capital põe em risco a própria ideia de democracia. A democracia pressupõe que todos sejam ouvidos nos processos decisórios de uma nação. Porém, o que ocorre é justamente o contrário. A grande maioria fica excluída das grandes decisões das nações e fica refém do que os detentores do poder econômico nacional e internacional, do que os meios de comunicação dominantes, alta burocracia estatal e parlamentos não representativos dos anseios populares, desejam para os destinos dos países. O povo trabalhador não conta. Não é ouvido e frequentemente desconhece os mecanismos profundos de sua exploração. Muitas vezes faz coro com as opiniões de seu próprio explorador, em razão dos processos de doutrinação ideológica perpetrados pela imprensa.

O humanismo nas políticas de Estado está sendo substituído pela ideia de gestão. A ideia de gestão eficiente dos negócios públicos, porém, não mexe nos interesses dos grandes possuidores do capital. Mexe apenas com os trabalhadores, com os simples. Ataca os direitos trabalhistas, previdenciários, reduz investimentos em educação e saúde para o povo. Não promove o incentivo ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas. E tudo isso é considerado por muitos como modernidade. O Estado não pode auxiliar os mais fracos, prega-se a “meritocracia”.

 No entanto, este “Estado mínimo” é apenas para os pobres, porque os muito ricos, através de alianças poderosas, conseguem apoio deste Estado. Nas crises do capitalismo, é aceito naturalmente e sem maiores repercussões que os trabalhadores salvem da falência, com seus impostos, grandes instituições financeiras mal administradas. É um bom exemplo do fraco que ajuda o forte em uma lógica muito questionável.

No Brasil dos últimos anos tem sido veiculado pela imprensa em geral que o problema maior a ser enfrentado em nosso país é a corrupção. De fato, a corrupção é um câncer social que deve ser combatido a todo momento, por todas as nações, pois não é um problema único dos brasileiros. Porém, defendo neste estudo, que talvez o problema maior que enfrentamos neste momento histórico não é o da corrupção, mas sim da ascensão do neoliberalismo que, se não for combatido pelos povos do mundo, levará ao aumento da concentração de renda e riqueza nas mãos de poucos e a exclusão e miséria da maioria. E mais. Corremos o risco de perdermos as conquistas democráticas, pois os interesses do capital estão se sobrepondo aos interesses da democracia.

O grande problema é que vivemos em uma época de domínio econômico e ideológico tão profundo e cruel, que o homem comum, o trabalhador, a dona da casa, o executivo, e mesmo o espírita, acaba por sentir vergonha em sonhar e pensar em um mundo diferente do que hoje temos. A exploração é vista como natural, afinal, como muitos alegam, o mundo sempre foi assim e nunca se transformará. Neste sentido diz Alysson Leandro Mascaro:

“Ainda hoje, perpassa uma vergonha ideológica ao homem comum e ao homem ilustrado, bloqueando-lhes a possibilidade de achar ou imaginar que todos possam dividir a produção, que todos possam ter o que comer, que haja casa, roupa e remédio para todos, enfim. Palavras como fraternidade, justiça social e socialismo, ideologicamente, são tornadas perversas na cabeça das pessoas. São todos ensinados a terem vergonha de sonhar algo neste sentido, que seja novo, que seja diferente da sociedade que conhecemos. Ironicamente, nós não temos vergonha da pobreza angustiante da maioria, da exploração contra os que trabalham ou estão fora do mercado, da miséria dos que não tem remédio nem pão para seus filhos, mas nós somos ensinados a ter vergonha de sonhar e de lutar por um mundo de justiça”.

NEOLIBERALISMO: UM GRAVE PROBLEMA DE NOSSO TEMPO:

Acredito que o fortalecimento do neoliberalismo é a grande questão política e econômica de nosso tempo a ser enfrentada. É algo que precisamos todos nos dedicar a pensar e compreender, pois o que está em jogo é a existência digna da maioria da humanidade, ou melhor, a sobrevivência dos pobres. Está em jogo também o ideal de democracia, pois em sociedades tão desiguais do ponto de vista econômico é verdadeira hipocrisia nos conformarmos com a ideia de que “todos são iguais perante a lei”, preceito que representa apenas e tão somente a igualdade formal, legal, conquistada pelas revoluções burguesas.

Sendo assim, entendo que os espíritas, através dos seus centros, federações e associações diversas, também devem participar desta reflexão de modo a ampliar a sua compreensão de tão grave questão da atualidade. Também cabe aos espíritas, segundo penso, qualificar seu discurso no que diz respeito a este relevante tema de caráter social, e, por consequência, e, certamente, não menos importante, direcionar conscientemente sua práxis na sociedade, visando contribuir para o surgimento de um mundo melhor, mais democrático, não apenas no sentido legal, formal, mas também no sentido material, de oportunidades iguais para todos.

Entendo que não é mais possível aos espíritas participarem desta importante discussão apenas com argumentos de caráter moral. É urgente que tenhamos não apenas uma compreensão ética e espiritual do problema social, que obviamente não deve ser desconsiderada, mas também se faz necessário que os espíritas desenvolvam uma compreensão histórica, filosófica, sociológica e econômica deste tema. É certo que, em última análise, os males sociais residem na alma humana, no egoísmo do homem, mas não podemos parar nossa compreensão e discurso dos problemas sociais apenas nesta afirmativa.

Mas, afinal o que é o neoliberalismo? Felizmente alguns espíritas tem se dedicado a este tema, entre eles está Ademar Arthur Chioro dos Reis, professor, médico sanitarista e ex ministro da saúde, que escreveu um importante artigo cujo título é neoliberalismo x espiritismo, que pode ser encontrado no site do CPDoc. O referido artigo, que ora indico à leitura, nos proporciona uma excelente e necessária reflexão sobre a relação entre espiritismo e neoliberalismo.

Segundo Arthur Chioro: “Neoliberalismo é a ideologia que justifica e defende os princípios do capitalismo, baseado na propriedade privada, na liberdade de empresa, o que significa nenhuma intervenção do Estado na economia. Seu objetivo fundamental é o lucro individual, constituindo-se em expressão máxima do individualismo”.

No neoliberalismo se pensa a liberdade de empresa de forma absoluta, sem quaisquer restrições, cabendo ao empresário decidir o que produzir independentemente das necessidades efetivas da sociedade, baseado apenas em sua perspectiva de lucro. Trata-se de uma concepção de sociedade extremamente individualista que não visa ao benefício de todos os membros do grupo social indistintamente, mas principalmente ao benefício dos detentores dos meios de produção.

O neoliberalismo se opõe a qualquer intervenção do Estado para beneficiar os menos favorecidos da sorte, pois segundo seus ideólogos, as crises econômicas são provenientes da excessiva intervenção do Estado na economia. Os neoliberais buscam como solução a privatização e liberalização total da economia, bem como defendem o desparecimento de importantes programas de seguridade social no campo da saúde, assistência e previdência social. Diminuem ou extinguem programas de construção de moradias populares pelo Estado, atacam as leis trabalhistas alegando modernização na retirada de direitos dos trabalhadores.

Afirma Chioro que: “ o principal objetivo para o neoliberalismo, é maximização dos lucros dos empresários privados (lucro econômico, mesmo que signifique maior exploração). E a este critério estão submetidas todas as necessidades sociais. Para esta corrente, a satisfação das necessidades sociais não conta, o que conta é o lucro. ”

Ainda segundo Chioro: “para o neoliberalismo o mercado pode tudo. Neste sentido, há uma absolutização do mercado e não se leva em conta que o mercado, em parte necessário, mas deixado a seu livre jogo, não é capaz de garantir a satisfação das necessidades fundamentais de toda a população”.

Portanto, é fácil concluir que o neoliberalismo é um sistema político-econômico que privilegia o ter em detrimento do ser, o dinheiro como prioridade em relação às pessoas, o indivíduo em relação ao coletivo, aliás, as pessoas, em tal sistema, tornam-se apenas mais uma mercadoria a vender sua força de trabalho. Quantos aos seus efeitos o neoliberalismo tem promovido, nas palavras de Chioro:

“Políticas governamentais antipopulares que ampliaram a queda do poder aquisitivo dos salários, o desemprego massivo, a desnacionalização dos setores estratégicos da economia, a venda de empresas estatais a preços venais, a falência de milhões de pequenos e médios produtores, tanto rurais como industriais”.

A verdade é que as políticas neoliberais só têm aumentado a concentração de riqueza nas mãos de uns poucos e ampliado as desigualdades sociais, ampliando, portanto, o abismo entre ricos e pobres. O pensamento neoliberal se opõe a qualquer ideia de fraternidade, no sentido da criação de uma rede de proteção social pelo Estado para os cidadãos mais carentes. Qualquer medida de proteção social é tida preconceituosamente como auxílio indevido para aqueles que não querem trabalhar ou que não se esforçam o suficiente.

Tivemos uma boa amostra deste pensamento no Brasil por ocasião do programa do governo brasileiro nomeado bolsa-família. O referido   programa tornou-se uma referência internacional no combate a fome, segundo reconhecimento das Nações Unidas. No entanto, muitos brasileiros, condicionados pela ideologia neoliberal dos meios de comunicação dominantes, apelidaram este programa de “bolsa-esmola”.

Mas, a pergunta inevitável é a seguinte, no que diz respeito a este tema: se o Estado muitas vezes vai em auxílio de grandes corporações financeiras, se muitas vezes perdoa dívidas de grandes detentores do capital, se com frequência empresta dinheiro a grandes capitalistas em condições extremamente favoráveis, por que o Estado não pode auxiliar pessoas que estão na linha da miséria, da fome e do desamparo? Por que chamarmos de vagabundos aqueles que possuem a mais fundamental necessidade humana de se alimentar?

A ideia de solidariedade social, estrutural, organizada pelo Estado, está, portanto, descartada sob os princípios do neoliberalismo. Estamos, portanto, nós, homens e mulheres comuns, condenados a interpretar e a nos submeter às vontades “alienígenas” do chamado mercado, que é mencionado nos meios de comunicação como se fosse uma pessoa real, concreta, a exigir medidas econômicas que garantam e aumentem os seus lucros exorbitantes, sob a enganosa bandeira da eficiência econômica, sem qualquer consideração pelas necessidades fundamentais do povo, que continua explorado e sacrificado.

Neste sentido, Arthur Chioro entende que neoliberalismo e espiritismo são totalmente incompatíveis, diz ele:

“O egoísmo intrínseco ao neoliberalismo é o oposto da fraternidade tal qual concebida na visão espírita e que significa: devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência. O neoliberalismo prega “cada um por si”. O Espiritismo proclama: “um por todos e todos por um”. A fraternidade é a base para a realização da felicidade social. Está na primeira linha; sem ela seriam impossíveis a liberdade e a igualdade reais”
E diz mais Chioro: “O Espiritismo se contrapõe de forma antagônica à concepção neoliberal”.
A ideia de civilização no Espiritismo está ligada ao princípio de que o “forte deve amparar o fraco”. Em outras palavras, na civilização ideal imaginada por Allan Kardec ninguém fica excluído, a liberdade, a igualdade e a fraternidade estão presentes. Não há privilégios. Nesta “sociedade organizada segundo a lei do cristo” imaginada por Kardec será garantido a todos uma existência digna.

É, portanto, de uma lógica cristalina que se o espiritismo se contrapõe a qualquer tipo de ditadura seja ela de esquerda ou de direita, se contrapõe, igualmente, a qualquer tipo de regime político e econômico que se auto intitula liberal, pretensamente democrático, mas que deixa as pessoas morrerem, abandonando-as a própria sorte, sem comida, sem habitação, educação, acesso a saúde pública e aos bens fundamentais da vida.

Em uma época em que não estranhamos que jogadores de futebol e outras estrelas das sociedades capitalistas ganhem milhões em seus contratos, talvez tenha chegado o momento de refletirmos sobre o que é essencial, prioritário, em uma sociedade, a fim de que se possa atender a todos os seres humanos de acordo com suas capacidades e necessidades, mas nunca de modo inferior ao básico da dignidade humana.

Não é possível acharmos normal, por outro lado, que um professor da rede pública de ensino, por exemplo, seja humilhado em suas condições de trabalho, salários, prestígio social, inclusive, sofrendo a violência policial quando reivindica melhores condições de vida, enquanto que alguns pouquíssimos privilegiados na sociedade ostentam na face dos miseráveis sua opulência e prestígio, muitas vezes em total indiferença pelos graves problemas estruturais de nossa sociedade.

Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, nos fala do ideal de civilização que deve nortear o pensamento dos espíritas, e penso que este ideal de civilização indicado pelo fundador do espiritismo não corresponde aos padrões das sociedades regidas pelo neoliberalismo, as quais pouco se importam com o ser humano, tendo sua atenção voltada apenas e exclusivamente para o lucro sempre maior de alguns poucos. Diz Kardec:

“De dois povos que tenham chegado ao ápice da escala social, só poderá dizer-se o mais civilizado, na verdadeira acepção do termo, aquele em que se encontre menos egoísmo, menos cupidez e menos orgulho; em que os costumes sejam mais intelectuais e morais do que materiais; em que a inteligência possa desenvolver-se com mais liberdade; em que exista mais bondade, boa-fé, benevolência e generosidade recíprocas; em que os preconceitos de casta e de nascimento sejam menos enraizados, porque esses prejuízos são incompatíveis com o verdadeiro amor do próximo; em que as leis não consagrem nenhum privilégio e sejam as mesmas para o último como para o primeiro; em que a justiça se exerça com o mínimo de parcialidade; em que o fraco sempre encontre apoio contra o forte; em que a vida do homem, suas crenças e suas opiniões sejam melhor respeitadas; em que haja menos desgraçados; e, por fim, em que todos os homens de boa vontade estejam sempre seguros de não lhes faltar o necessário”.



CONCLUSÃO

Muitas pessoas na atualidade ao observarem a situação do Brasil e do mundo têm expressado desanimo e pessimismo em relação a possibilidade de surgimento de um mundo melhor. Muitos dizem que o mundo não tem jeito mesmo. Que a exploração, a injustiça, o sectarismo, a violência, a fome, sempre estiveram presentes desde que o mundo é mundo. Afirmam que é ilusão pensar na possibilidade de transformação das coisas.

De fato, os momentos de pessimismo na atualidade são muitos. Basta assistirmos ou ouvirmos os noticiários diários para rapidamente constatarmos as dificuldades em que a humanidade se encontra. As notícias de refugiados nos espantam, o terrorismo na Europa, a violência nas cidades brasileiras, as crises institucionais do Brasil, a corrupção das altas esferas políticas e empresariais, a degradação de meio ambiente. Enfim, um cortejo de problemas muito difícil para que nós, pequenos cidadãos da vida cotidiana, possamos enfrentar.

Porém, somos espíritas. E este fato deve nos levar a considerar o que o espiritismo diz sobre tais temas.  O espiritismo é otimista, sem perder de vista a complexidade dos problemas sociais. O espiritismo nos fala de evolução, progresso, tanto no sentido intelectual quanto moral. O espiritismo aposta que a sociedade está em permanente transformação. Afirma que a terra já passou por um estado primitivo e que ora se encontra como um mundo de provas e expiações, e que, um dia, se transformará em um mundo regenerado, em direção a patamares mais altos de felicidade.

No entanto, o espiritismo afirma que esta transformação será necessariamente produto da ação humana. Sem dúvida, que existem teorias espíritas que afirmam que almas mais qualificadas, evoluídas, um dia também virão para este mundo, através da reencarnação, com vistas a auxiliar o processo de transformação. Mas, o espiritismo, não é uma filosofia contemplativa, que estimula o homem a aguardar este hipotético momento. O espiritismo é claro, categórico, ao afirmar que os problemas sociais são obra do homem e não de Deus e que a solução de tais problemas, portanto, é de única e exclusiva responsabilidade do homem.

Assim, como espíritas que somos, não podemos perder a esperança. Pelo contrário, conscientes que a reencarnação é uma oportunidade preciosa de construção de nosso destino individual e coletivo, devemos por todos os meios éticos ao nosso alcance lutar pela melhoria de nossa vida individual e coletiva. Devemos acreditar que o mundo não é algo dado, definitivo, mas que é um permanente devir, um vir a ser. E que a força desta transformação está na ação permanente e consciente dos homens.

Acredito que os espíritas e suas instituições podem fazer o papel de “sal da terra”, ou seja, serem agentes de transformação para o surgimento de um mundo melhor. Não consigo compreender a ideia de um espírita conservador, posto que conservador é aquele que quer conservar, que está contente com o que aí está. Pessoalmente, não estou contente com o que aí está, o que quero é um mundo melhor, não apenas para mim, mas para todos.

 No que diz respeito às instituições espíritas desde os centros espíritas às grandes federações acredito que estas instituições têm uma responsabilidade muito importante, não apenas no que diz respeito as atividades próprias do cotidiano dos espíritas, mas também no que diz respeito a ampliação da consciência crítica dos espíritas em relação aos problemas da vida, sejam eles de caráter individual ou social.

De fato, as instituições espíritas podem promover ações práticas, concretas, visando uma participação social dos espíritas em defesa dos grandes valores que o espiritismo postula. Os espíritas e suas instituições podem promover, portanto, grupos de estudos e reflexão sobre questões políticas e sociais, palestras, manifestos e até mesmo passeatas, em favor da paz, da democracia, da justiça social, dos direitos humanos. Enfim, na defesa de todos os valores que estão englobados nas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade, ideais defendidos explicitamente nas obras de Allan Kardec.

Certamente que muitos irão continuar a dizer que isto é misturar política com espiritismo. Não pretendo, obviamente, como diria Kardec “violentar consciências”, que cada um continue pensando como deseja. Porém, pessoalmente, não consigo compreender como os espíritas e suas instituições poderiam ser alienados de questões fundamentais da vida social. Penso que isto além de grave omissão, seria um tamanho desperdício de um grande contingente de pessoas que, em sua maioria, tiveram acesso a educação formal, a uma reflexão mais apurada sobre a vida e a sociedade. E por isso possuem potencialidade crítica ou pelo menos deveriam possuir.

 O Brasil nos últimos tempos vive uma onda de ódio e sectarismo. Nós, espíritas, precisamos tomar cuidado para não sermos apanhados por esta onda. Não podemos esquecer nossas grandes tradições de alteridade e humanismo. Não podemos esquecer que nós, espíritas, já fomos vítimas tanto do ódio religioso, lembremos o auto de fé de Barcelona, quanto político, lembremos a ditadura de Franco, também na Espanha. A história nos ensina que o ódio político ou religioso pode acabar na fogueira, na tortura ou no campo de concentração.

 Por outro lado, os meios de comunicação nos últimos tempos têm dado grande repercussão ao problema da corrupção. Certamente que os meios de comunicação dominantes escolhem criteriosamente a pauta de temas que lhes interessam, e que devemos prestar atenção não somente no que eles falam, mas também no que eles calam. É evidente, como já foi dito anteriormente neste artigo, que a corrupção é um câncer que fragiliza o organismo social e deve ser combatido sem trégua.

Porém, defendo nesta reflexão que talvez este não seja o maior problema da vida social brasileira no momento. Entendo que o fortalecimento do neoliberalismo com a sua insaciável busca de destruição do chamado Estado de bem-estar social, que foi uma conquista importante da humanidade no século XX, é o principal perigo que vivem as sociedades do Brasil e do mundo no momento. E este perigo normalmente é silenciado nos principais meios de comunicação.

Finalmente, pensar o neoliberalismo é pensar o capitalismo em sua face mais agressiva. E esta reflexão nos leva necessariamente a uma questão mais profunda. Chegamos ao fim da história? O sistema capitalista de produção é o que de melhor a humanidade pode atingir? Devemos nos conformar com a eterna separação entre uma pequena minoria de incluídos e uma grande maioria de excluídos dos benefícios da civilização? Um dia teremos um mundo sem explorados e exploradores? Neste início do século XXI este mundo melhor é uma utopia, mas muitas vezes a utopia de hoje se torna a realidade de amanhã.

 O espiritismo, por sua vez, nos ensina a ter esperança.

Segue anexo o manifesto da CEPABrasil, publicado em novembro de 2016, assinado por seu presidente Homero Ward da Rosa. Trata-se de um exemplo concreto, atual, de que os espíritas, através de suas instituições, podem se manifestar na sociedade defendendo princípios e ideias generosas para o campo político e social. O manifesto ao seu final defende um Brasil soberano, democrático, ético e com justiça social. Aqueles que acompanham a vida política brasileira dos últimos tempos sabem que estes princípios, todos eles sem exceção, devem ser reafirmados com veemência na atualidade de nosso país.
 Parabéns à CEPABrasil por não ter preferido o silêncio e a omissão.

BIBLIOGRAFIA
       
AIZPÚRUA, Jon. O pensamento vivo de Porteiro-Homenagem ao fundador da sociologia espírita.Ed.C.E. “José Barroso”
DOS REIS, Ademar Arthur Chioro. Neoliberalismo x Espiritismo. www.cpdocespírita.com.br
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.Ed. Lake.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Ed.Ide.
MANIFESTO DA CEPABRASIL. www.cepabrasil.org.br – Anexo ao artigo.
MASCARO, Alysson Leandro. Pensamento social e Espiritismo. www.pedagogia espírita.org.br
MASCARO, Alysson Leandro. Lições de sociologia do  Direito. Ed. Quartier Latin.
NUNES, Ricardo de Morais. Breve estudo comparativo sobre a reflexão socialista de Léon Denis e Manuel Porteiro. www.cpdocespírita.com.br

AUTOR: RICARDO DE MORAIS NUNES. Bacharel em Direito e Lic. em Filosofia. Delegado da CEPA e Presidente do CPDoc- Centro de Pesquisa e Documentação Espírita. Articulista do Jornal ABERTURA.