Nota da Redação : extraído
do trabalho apresentado em 1996 por Jaci Régis ao Comité Científico da CEPA no
XVI Congresso Espírita Pan-americano em Buenos Aires – 12 de outubro de 1996.
Seria absurdo tentar
encontrar similitudes formais, lineares entre Psicanálise e o Espiritsmo.
O Espiritismo é uma doutrina
com objetivos moralizantes, éticos e possui uma estrutura definida
filosoficamente, tentando dar sentido científico às suas propostas sobre a
natureza espiritual do homem e da sua visão de mundo.
A Psicanálise se define como
uma ciência psicológica, com estrutura própria e tenta equacionar o ser humano
dentro de uma teoria e prática terapêutica e, extrapolando-a, uma visão de home
e de mundo decorrente.
O homem é o objetivo tanto
do Espiritismo, quanto da Psicanálise.
Foto de Jaci Régis
Seria incorreto dizer que a
Psicanálise é materialista. Diríamos que, como as demais ciências do homem ela o
vê dentro do prisma orgânico em que se manifesta no mundo. Entretanto, admite a
existência de um estágio psíquico no homem e embora concebendo-o objetivamente,
trabalha sobretudo em níveis de subjetividade ao tentar analisar seu
comportamento a partir de instâncias psíquicas sem bases biológicas.
O Espiritismo pretende encontrar
a razão do viver, a essência do homem em dimensões espirituais. Divide-o entre
sua natureza de Espírito, como ser inteligente e seu corpo somático, que o
define apenas enquanto encarnado, e sobre o qual não apenas tem a precedência
como a sobrevivência. Além disso, o
Espiritismo olha o homem no presente como produto de uma série de experiências
reencarnatórias.
A Psicanálise trata mais
precisamente dos problemas neuróticos, dos desvios do comportamento, tentando
fazer o homem internalizar-se para melhor desenvolver suas potencias, sem
objetivos moralizantes ou espirituais, no sentido de permanência do ser após a
morte.
Tanto o Espiritismo, quanto
a Psicanálise tentam descobrir a razão do comportamento humano.
A Psicanálise localiza-se no
universo da vida presente, buscando a razão dos desvios nas relações afetivas
desenvolvidas na infância, embora reconheça que existem estruturas inatas no
homem que determinariam sua escolha neurótica.
O Espiritismo localiza-se
num universo mais amplo, projetando-se para uma vivência do Espírito como
individualidade permanente, em sucessivos segmentos encarnatórios e encontra na
culpa do passado a razão dos desvios do presente e projeta o desenvolvimento
pessoal conjunturando sobre a perfeição no tempo e no espaço.
Como dissemos, o Espiritismo
filosofa sobre a natureza do homem e de suas problemas. A Psicanálise pesquisa
e atua sobre os sintomas neuróticos, tentando encontrar no desenvolvimento da
existência atual a causa dos desvios.
Sob o ângulo específico da
estrutura do ser, a Psicanálise desenvolveu um modelo do aparelho psíquico e
estabeleceu parâmetros de análise das causas do comportamento humano, como o
complexo de édipo, os princípios do prazer e da realidade, a estrutura do aparelho
psíquico, nas tópicas do ego, id e superego e consciente, pré-consciente e
inconsciente, e outros mecanismos de defesa psicológicas, que determinam o estar
no mundo da pessoa.
Existem pontos de contato entre o Espiritismo e a
Psicanálise?
Se consideramos que Allan
Kardec disse: “ O Espiritismo e o materialismo são como dois viajantes chegados
a certa distância, diz um, “ Não posso ir
mais longe”. O outro prossegue e descobre um novo mundo. O Espiritismo marcha
ao lado do materialismo, no campo da matéria, admite tudo o que segundo admite;
mas avança para além do ponto em que este último para”, podemos aproveitar
a estrutura do pensamento Freudiano e adicionar a ela o entendimento do
Espiritismo.
Acredito que o discurso
psicanalítico tem um valor importante e o discurso espírita pode utilizar-se
dele, utilizar seu aparato teórico e introduzir nele conceitos que, a meu ver,
lhe dão continuidade. Agora, então teremos um discurso espirito somático, pois
postulamos não uma transcendência dos sistemas neuróticos e psicóticos, mas
experiência vivencial concreta, humana, no círculo das angústias e necessidades
do homem comum.
Só que o homem comum, sob a
ótica espírita não se restringe ao organismo. É uma combinação
espírito-organismo uma unidade espiritual e somática.
Freud não considerou a
existência da alma como ser. Mas descobriu e explorou o psiquismo que
codificou, embora sem dizer ou saber onde localizá-la no cosmo cerebral. Ele
todavia não pode exonerar-se de muitas facetas do comportamento para as quais
não encontrou explicação.
Analisando a raiz dos
comportamentos ele, por exemplo, adotou o princípio das ideias inatas, não como
reminiscência de um passado vivido, mas como estruturas de caráter que não
encontram bases na existência, mas que estabelecem tendências que determinam o
encaminhamento do indivíduo na vida.
Antes dele os problemas
emocionais e comportamentais eram catalogados dentro de horizontes religiosos
ou psiquiátricos, restritos às disfunções cerebrais. Com ele o psiquismo humano
passou a ser considerado de uma forma sistemática. Desde então criou-se
propriamente a psicoterapia.
Sua maior contribuição foi a
descoberta do inconsciente, como lugar de recalque dos sentimentos que não
podem ser suportados no consciente, devido as censuras. E por esse caminho
considerou que o homem desconhece a si mesmo, isto é, que possui no seu cosmo
interior, emocional, sentimentos, idéias, desejos controversos, conflitantes.
Ao centralizar sua analise no sexo, escandalizou e criou incompreensões. Mas ao
mesmo tempo tem mostrado que a sexualidade domina o indivíduo, pelo menos neste
estágio evolutivo, como base que é da expressão das incertezas, emoções e
desejos de intercomunicação de cada ser.
Embora o próprio Kardec
tenha manifestado que a reencarnação era inerente ao processo de crescimento do
ser e não mero instrumento punitivo, o Espiritismo, de modo geral, não conseguiu
superar o peso da tradição judaico-cristã sobre o pecado original, a culpa e a
dor, o sofrimento como únicos instrumentos de ascensão, purificação e
regeneração da alma.
O Espiritismo persegue o
ideal moral, às vezes moralista. Encontra na culpa pela prática do mal, a raiz
de todos os males da pessoa e da sociedade. E propõe a cura desses males pela
resignação na dor e pela prática das virtudes da moral de Jesus. A psicanálise,
embora seu fundador tenha sido, a rigor, um moralista, não se propõem a curar,
nem a julgar, mas explorar as resistências, tenta tornar o inconsciente
consciente, pela reelaboração dos sintomas resultantes do “retorno reprimido”.
Acho que uma conexão
teórico-prática entre os postulados psicanalíticos e espíritas, sem que um se
reduza ao outro, mas, no meu ver, se completam. Dentro dessa premissa, acredito
que o espiritismo tem uma contribuição à psicologia, não fosse ele a doutrina
dos Espíritos, não apenas no sentido de que os entes desencarnados são
considerados seus autores, como principalmente no fato de que está todo
assentado sobre o estudo e a natureza do ser. Nesse sentido, pode-se dizer que
além de doutrina dos Espíritos é também a doutrina do Espírito.
Nota da redação: Este trabalho foi seguido da
elaboração da Espiritossomática por Jaci Régis, esta que é uma das raízes da
Ciência da Alma - Artigo publicado na coluna Ciência da Alma - Jornal Abertura -dezembro de 2013 - Caro leitor deixe aqui a sua opinião