Refletindo
sobre a Espiritualidade Laica
Este tema despertou-me maior interesse após o
último Congresso Espírita da CEPA em Rosário, na Argentina, e mais ainda quando
ouvi o termo, criado por Luc Ferry- Espiritualidade
laica.
A noção de espiritualidade tem
significados diferentes e depende do contexto em que é utilizada.
Para as religiões, é entendida como a
perspectiva do ser humano em relação a um ser que é superior. Do ponto de vista
filosófico, tem a ver com a oposição entre matéria e espírito ou exterioridade
e interioridade. O termo designa ainda a busca do sentido da vida, da esperança
e desenvolvimento pessoal.
Cláudia Régis Machado no 14° SBPE
Para
alguns, a espiritualidade é a conexão com a natureza e com cosmo, para outros
pode ser expressada pela música, pelas artes, meditação, etc. Dentre os vários conceitos de espiritualidade
encontrado, sintetizamos no seguinte: É
uma propensão humana a buscar para a vida conceitos que transcendem o mais
tangível e, que tragam um sentido de conexão com algo maior que si próprio.
Muitos espíritas pensam espiritualidade ligando ao plano maior, ao plano espiritual. A espiritualidade é considerada “as forças
espirituais”, os “movimentos espirituais” que envolvem o ser humano. Também é
normal ouvirmos assim: “a espiritualidade está me ajudando”; como se uma força
superior, uma energia extrafísica estivesse atuando ao seu redor no seu caminho
para lhe ajudar.
Ou ainda “Nossa! essa espiritualidade parece estar
pesada” uma expressão utilizada pra falar de coisas e acontecimentos que são de
ordem espiritual e que estão deixando a pessoa ou o ambiente carregado de
energias ruins.
Todos esses pensamentos tem um fundo de verdade,
no entanto vamos abordá-lo dentro da filosofia espírita, sair desses conceitos
e refletir mais sobre o tema.
A
espiritualidade espírita, dentro do novo pensar da Ciência da Alma, é
espiritualidade laica, isto é, sem Deus. Deus da maneira como é entendido pelas
religiões, mas o Espiritismo, diferentemente de Luc Ferry, é uma filosofia que
defende a existência de Deus. O espiritismo vê a existência de Deus como: “inteligência suprema causa primária de
todas as coisas”.
Jaci postula que
“Um novo pensar sobre Deus nos conduz à compreensão de que a dinâmica da vida,
em qualquer dos setores em que se manifesta, prima pela criação de ambientes de
oportunidade, seleção e superação”.
A Espiritualidade espírita é baseada na
imortalidade dinâmica que abre uma nova significação de espiritualidade sem
passar pelo campo da fé. A Espiritualidade na perspectiva espírita laica, traz
um arcabouço consistente, atualizado por trazer mudança e fortaleza interior
para abrir um estilo de vida e uma visão de mundo amplo e modificador.
Ferry em seu livro A Revolução do Amor
discute a espiritualidade laica, não ligada a Deus, mas ao homem por meio do
amor. A espiritualidade baseada no amor. É o homem, saindo de si mesmo e indo
em busca do outro. Saindo da sua materialidade, do seu ego. Transcendendo de si
mesmo.
Não é um amor idealizado, necessita de pés no
chão. A revolução do amor que se instalou em nossas vidas “Eu faço porque eu amo”. Ferry não acredita na imortalidade de
alma, e diz: “Mesmo que a nossa existência seja limitada no tempo e no espaço,
não muda o fato de que podemos a cada dia que Deus nos dá, estabelecer laços
com outrem”. O amor produz sentido em nossas vidas, mobiliza novas formas de
sabedorias e de espiritualidade laica.
Objetivo ou finalidade da Ciência da Alma é
desenvolver a Espiritualidade no ser humano. Por
espiritualidade nesta visão entendemos o desenvolvimento integrado da alma
humana, reconhecendo sua essência sensível e o uso equilibrado dos fatores
presentes na vida de relação e consigo mesmo.
Nos ensina Jaci Regis que “agora, é
necessário que o homem assuma sua natureza espiritual, a sua espiritualidade e
desenvolva, no plano da vida terrena, novas formas de relacionamento e
revolucione seu projeto de vida, a partir das premissas espirituais dinâmicas".
Luc Ferry explica
que essa nova “espiritualidade laica”, significa
uma concepção de filosofia que atribui ao homem uma tarefa essencial de
refletir sobre o que seria uma via boa sem passar por um Deus ou pela fé,
mas com os meios disponíveis, os de um ser humano que se sabe mortal, entregue
a si mesmo e às exigências de sua lucidez, da razão.
O
problema é que a expressão – espiritualidade - está corrompida na cultura
porque sempre foi colocada como oposição a vida corpórea, chamada de “material”.
Todavia a espiritualidade não se opõe,mas compõe a vida corpórea, porque nela a
alma se exprime na totalidade de suas ansiedades, esperanças e evolução.
“A alma
espiritualizada não desdenha viver as emoções saudáveis da vida corpórea, sem
apegar-se a elas porque não pertence aos fatores externos mais a si mesma”. A espiritualidade se exercita e desenvolve no
espaço interior de cada um. Não se relaciona com a morte e o além-túmulo pois
muitos mortos não são propriamente espiritualizados.
Espiritualidade não é do plano espiritual é
do aqui e agora com base na filosofia espírita, que vê o homem um ser imortal
que tem como objetivo desenvolver-se em toda a sua essência intelectual e
moralmente. A prática da nossa espiritualidade é desenvolver estes conceitos na
estrutura da pessoa humana. E mostrar que é uma realidade natural, é a sua
essência.
Essa visão espiritual correspondendo a
espiritualização da vida será produto do amadurecimento e das pesquisas. Na
verdade, será ponto decisivo e moldara o pensamento humano de maneira a
transformar relações entre as pessoas.
Luc Ferry faz uma distinção entre valores
espirituais e morais, atribuindo que há muita confusão no setor público como na
filosofia. Exemplifica para explicar isto: “ Comporto-me moralmente com os meus vizinhos, parentes e próximos quando
tenho respeito e os ajudo; quando reconheço seus direitos imprescritíveis de
pensar diferente de mim e mesmo nessa hipótese faço o que posso para
tornar-lhes a vida mais suave e fácil”. A vontade agir corretamente de
ajudar ativamente os outros - benevolência
ou generosidade, bondade, respeito pelo outro mais a preocupação com o outro -
aí está a moral comum na qual se encontra idealmente hoje a maioria dos nossos
concidadãos. O que não significa que estejam no nível ideal.
Continuando Ferry contrapõe que mesmo tendo
valores morais ou não, não deixaríamos de envelhecer, nem de morrer, nem de
perder um ente querido nem mesmo ser infeliz no amor. De nos apaixonar por quem
nos ama e se entediar ao longo da vida cotidiana atolada em banalidades e à
doença.
Estas são questões que ele chama de
existenciais ou espirituais porque se relacionam com a vida do espírito. Daí
chamar de espiritualidade laica. Esses sentimentos não têm nada ver com a
moral. Os valores espirituais não se reduzem absolutamente a valores morais.
A busca da Espiritualidade não deve ser
delineada por um roteiro proposto por alguma religião. Acredita que realmente
existe longe da religião e da moral, uma espiritualidade sem deus e que essa
esfera do pensamento, que ele identifica à mais alta filosofia.
Para Ciência da Alma a nossa
espiritualidade deve ser conduzida para nossas ações, para o nosso
comportamento levando-nos a uma vida boa, a uma vida feliz. Se inicia no
intelecto e se estende para a vivência. É bom viver a espiritualidade pela
janela do Espiritismo. O Espiritismo é uma filosofia que nos oferece uma matriz
para vida boa.
A filosofia espírita nos auxilia e nos ajuda a viver
melhor, na medida em que valoriza a vida terrena como oportunidade
imprescindível de aperfeiçoamento do espírito.
Na prática, uma vida boa é quando vivemos com lucidez- A “lucidez” pretendida pelo espiritismo é de tal ordem que a
filosofia espírita pretende abolir de vez o conceito de maravilhoso e
sobrenatural nas chamadas questões da alma, as quais foram tradicionalmente
tratadas pelas religiões sob uma aura de mistério.
Ser livre em pensamentos, é impossível ser
livre em pensamento se estiver bloqueado pelos medos.
Sem poder estar livre afundamos num
egocentrismo que nos torna imediatamente incapazes de amar e de pensar
serenamente. “Praticar amizade. Doar-se é a
atitude-chave para qualquer programa de vida que pretenda desenvolver os
potenciais do Espírito” (Jaci Regis).
A felicidade trazida
pelo servir, pode ser mais ampla e duradoura por representar o momento de mais
doação, de sair de si mesmo, sem objeto de reciprocidade.
Capacidade de dar depende do desenvolvimento
do caráter da pessoa.
Para uma vida boa é
importante que objetivo da vida, para o espírito, seja a plena felicidade. A vida
não pode ser boa sem felicidade, autonomia, auto expressão, moralidade e
progresso.
Cláudia
Régis Machado é psicóloga, Vice-Presidente do ICKS e Reside em Santos
Nota: Artigo
originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos em abril de 2019. Baixe aqui!
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