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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

O maior desafio do Espiritismo é o próprio Espírita por Carol e Reinaldo di Lucia


O maior desafio do Espiritismo é o próprio Espírita - por Carol Regis di Lucia



Rodando pelos posts do Facebook pouco antes de dormir, apareceu uma atualização do perfil da Associação Espirita Mensageiros da Luz que não pude ignorar: era a escultura de um homem puxando uma carroça com dificuldade, tendo em cima sua própria cabeça, desproporcionalmente imensa. A legenda dizia: Nosso Ego é Nosso Fardo.



Fiquei pensando em tudo o que aquilo significava, especialmente vindo de um meio de comunicação Espírita. Me veio a sentença: o maior desafio do Espiritismo atual é o próprio Espirita e suas questões consigo mesmo. Antes de pensarmos em como resolver a falta de quórum, a questão da sucessão nas casas, os temas a abordar em grades de estudos (atualizar ou não), os modelos de comunicação para as novas gerações, precisamos re-conhecer os Espíritas.

Que algo aconteceu, e continua acontecendo, não há como negar. São depoimentos, observações, textos, impressões de diversos locais e culturas diferentes, no sentido de que o Espírita e a dinâmica doutrinária aplicada à prática já não é mais a mesma de antigamente. Obviamente, e não poderia ser uma vez que tudo muda, os tempos são outros, o mundo é absolutamente diferente da geração dos pais e avós Espíritas que fundaram os centros. O preocupante é que a conclusão de que essas mudanças não foram as ideais, como eram esperadas, não geraram os frutos pretendidos pelas gerações anteriores, reflete uma angústia quase paralisante nos frequentadores e dirigentes.

Cabem aqui as questões há tempos levantadas: evasão de frequentadores, politização do movimento, temas esgotados pela não atualização, ausência de núcleos jovens e infantis, baixo quórum de trabalhadores, sobrecarga dos atuais gestores, entre outras. Planos de melhoria, discussões, boas intenções não faltam no sentido de sanar grande parte desses entraves. Porém, todos se originam de análises externas, olhos que veem para fora e enxergam no outro e em ações programadas a solução do futuro do Espiritismo que queremos. Mas qual é o Espiritismo que queremos?  Quem são os Espiritas que queremos? Quem somos como Espiritas em 2019?
Filosofia que cuida do Ser, da alma, do Ente, o Espiritismo tem como ponto focal o Espírita. E este não sabe quem ele é. Está perdido na rotina do trabalho, do dia a dia, dos afazeres infinitos.

O Espirita não está conseguindo posicionar-se, encontrar o meio para ser Espirita e tudo o que isso implica: estudo, participação, dedicação, tempo. E o cenário onde ele vive impacta diretamente nessa condição indefinida em que se encontra, especialmente aqui no Brasil.

O país vive à flor da pele, uma epidemia de malemolência ética, onde hoje tudo pode, amanhã tudo é vetado. Os brasileiros sofrem de uma frouxidão moral momentânea, resultado de uma tomada de consciência politica e social inédita em um país historicamente paternalista. E como adolescentes no auge das mudanças, não sabem exatamente como agir, burlam regras, falam o que querem, experimentam novidades inconsequentemente. E nesse momento aparecem as fragilidades de cada um: falta de respeito ao próximo, ausência de sentimento de pertencimento, individualização exacerbada, busca pelo sucesso social atrelada à paradoxal falta de comprometimento geral. Impossível estar imerso nessa realidade e não ser abalado de alguma forma.  E o grande desafio é esse: tocar as pessoas de forma que elas reencontrem a si mesmas, refaçam o link da importância do Espiritismo em suas vidas.
E é nesse momento que o Espiritismo e os centros devem focar no retorno ao objeto principal: o Espírita. É papel deles trazer as origens de volta, de forma adaptada à cultura atual. Olhar para cada um, envolver-se genuinamente com cada participante, ajudar ao outro efetivamente, essencialmente. Talvez por isso as casas com cunho assistencialista ou com atividades relacionadas ao tratamento físico/espiritual tenham muito mais gente engajada, doando seu tempo à causa, ao estudo, ao próximo.  O grande desafio é ajudar os Espiritas a reposicionarem a cabeça no corpo, tirarem o ego da carroça, retomarem e inserirem a doutrina em suas rotinas, para que efetivamente torne-se prática nas demais instâncias do Ser.

Se o ego é nosso fardo, o Espiritismo deve ser nossa bússola. O Espirita precisa ver na doutrina o instrumento orientador nesse tumulto existencial momentâneo. E será a partir desse guia que poderemos retomar o curso, aprofundar os ensinamentos, retornar às origens repaginados.

Artigo publicado no Jornal Abertura de Julho de 2019 

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Refletindo sobre: o maior desafio do espírita é o próprio Espiritismo - por Reinaldo di Lucia

Na coluna do mês passado, Carol lançou-nos um desafio: como ressignificar o Espiritismo de modo a torná-lo, em suas palavras, “o instrumento orientador nesse tumulto existencial momentâneo”.
O grande desafio é como fazer isso, isto é, como, a partir de uma doutrina cuidadosamente construída há 150 anos, transformá-la para atender aos anseios e necessidades de uma sociedade que já se diferencia bastante daquela na qual o Espiritismo surgiu.

Ao analisarmos a história do surgimento dessa filosofia que vem, por todo este tempo, ajudando as pessoas com uma concepção de Universo positiva, humanista e progressista, percebemos que ela surgiu devido a uma necessidade social ou, pelo menos, de uma parte daquela sociedade. Naquele tempo, a Igreja desmoronava com os estertores da Inquisição e, assim, perdia cada vez mais tanto o poder temporal  quanto o religioso, já não conseguindo ser a bússola que as pessoas necessitavam. Por outro lado, a ciência, fonte legítima do conhecimento, não se preocupava com problemas que escapassem de suas rígidas limitações de objeto e método. Havia uma lacuna, bem grande por sinal.

Nesse campo, fértil de oportunidades, surgiu uma filosofia que se propunha a oferecer uma nova visão de homem e de mundo. Cresceu porque respondia àquelas necessidades humanas de conhecimento e consolação. Naquele tempo, o futuro parecia promissor, e a filosofia positivista, tanto quanto a espírita, previam que a evolução traria ao homem a felicidade e tranquilidade tão desejadas.
Infelizmente, isto não ocorreu. De lá para cá, tivemos duas guerras mundiais, vários conflitos locais e o retorno, 150 anos depois, de ideologias extremistas, como o neofascismo. A sociedade está cada vez mais polarizada, maniqueísta. Vivemos a época do “nós contra eles”, do 8 ou 80. Parecemos crianças que perguntam se tal pessoa é “do bem ou do mal”, ignorando a enorme complexidade e as múltiplas gradações que existem. Pensamos no preto ou branco, fechando os olhos ao fato que a vida é um composto de inumeráveis tons de cinza.

O que se observa na sociedade em geral repete-se no meio espírita. É triste vermos que, mesmo em nosso meio laico, livre pensador e humanista, não conseguimos nos livrar desta polarização. Não seguimos pelo caminho do meio, não primamos pelo equilíbrio, não praticamos a alteridade – seguramente um dos maiores pilares da ética espírita. Ao contrário, nos atacamos mutuamente, com uma dose de violência absolutamente contrária aos princípios espíritas.

Temos agora que realizar o processo inverso da época da criação da Doutrina Espírita, isto é, partir de uma visão de mundo já consolidada, visão esta que nos mostra o caminho de uma atuação ética no mundo em que vivemos, para retomarmos a importância do Espiritismo em nossas vidas. E isto numa sociedade em que a valorização do capital é maior que a do homem, em que o consumismo alcança patamares estratosféricos (mas em consonância com o estilo neoliberalista de viver), enfim, uma sociedade que valoriza muito mais a informação rasa das redes sociais ao conhecimento aprofundado do estudo sério e consistente.

O Espiritismo precisa voltar a ser a bússola ética do espírita. É imprescindível que nós espíritas compreendamos que precisamos viver como espíritas, praticando a alteridade, compreendendo as nuances do nosso cotidiano e nunca esquecermos que não somos donos da verdade, que podemos estar errados e que só crescemos no confronto respeitoso de ideias.

Artigo publicado no Jornal Abertura de agosto de 2019

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Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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segunda-feira, 15 de julho de 2019

Entrevista com Deus - Reinaldo di Lucia


Entrevista com Deus

O título acima é de um filme que, ao que me concerne, passou sem grandes burburinhos pelos cinemas. Filmado em 2018, conta a história do jornalista Paul Asher, que volta para os Estados Unidos após cobrir a guerra do Afeganistão. Apesar de cristão, as visões da guerra abalaram seriamente sua fé; isto, aliado a problemas de ordem pessoal, deixaram Paul completamente desesperançado.

Em meio a todo este drama, ele tem uma oportunidade ímpar: entrevistar um homem que diz ser Deus. E pasmem: apesar de profundamente cristão, ele absolutamente não acredita que o homem seja mesmo Deus. Mas porque não tentar, não é mesmo?

E aí começa o problema: antes de mais nada, o que perguntar a Deus? Que tipo de indagações fazer ao criador de todas as coisas, que não pareçam pueris demais, e ao mesmo tempo não sejam genéricas a ponto de parecerem arrogantes? E mais, como ter certeza que não é uma mistificação, que não estamos na frente de um lunático ou um humorista?

E aí é que o filme entra numa espiral muito interessante. Entre perguntas de verificação de identidade “qual o resultado de uma multiplicação com números muito grandes” e outras bastante lógicas, apesar de óbvias “Porque coisas ruins acontecem a pessoas boas”, o filme trata com leveza e seriedade algumas questões de fundo para a religião e, porque não, para a filosofia: o que é a fé? O que fazer quando a perdemos? O que é a salvação? O que digo às pessoas que acham que você não existe?

Algumas vezes as respostas surpreendem, para um filme que possui um óbvio viés religioso – mais especificamente, cristão. Quando, por exemplo, é dito que o mundo é exatamente o que parece, ou quando exalta o livre arbítrio acima de tudo, inclusive de um eventual “plano de Deus”.

Ao mesmo tempo, bate de frente com as concepções mais comuns das religiões (inclusive a espírita), de que a vida de verdade não é esta, mas a vida no além, seja no paraíso ou em Nosso Lar: “Sua vida não é um teste para a vida pós morte”, diz Deus. Ao fim, o filme enfatiza que a única forma de continuarmos a viver é exercer o perdão – não só para com os outros, mas, principalmente, para conosco.

Enfim, ao quebrar com alguns paradigmas caros às mais diversas religiões do mundo, Entrevista com Deus faz-nos pensar não necessariamente nele, mas na vida, em seu significado e nas necessidades práticas que temos para seguir em frente. Afinal, de que adianta a crença se não conseguimos colocá-la em prática no nosso dia a dia?

A propósito, apenas mantermos a conversa viva: se você tivesse a oportunidade de entrevistar Deus, que perguntas você faria?

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos junho de 2019.

Quer ler o jornal completo:

https://cepainternacional.org/site/pt/cepa-downloads/category/28-jornal-abertura-2019?download=218:jornal-abertura-junho-de-2019


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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Bem-vindo, 2017 - por Reinaldo di Lucia

Bem-vindo, 2017

E lá se vai 2016. Ano crítico, com muitos problemas, crises e desilusões. Nestes últimos doze meses, vimos um Brasil com suas feridas mais graves expostas: problemas éticos, políticos e sociais – portanto humanos – aparecendo por todos os lados.

Um ano em que a crise econômica acabou com o emprego, e temos uma situação caótica que, infelizmente, vai perdurar por um bom tempo. Muitos brasileiros viram o ano passar sem que conseguissem renda suficiente par sustentar suas famílias. Um enorme contingente de trabalhadores voltou para a informalidade, e é impressionante o aumento da quantidade de moradores de rua. Em termos de bem-estar social, o retrocesso foi patente.

Foi também um ano de intenso debate político. Mas o que deveria, por si só, ter sido positivo (afinal, só se cresce com a discussão ampla de ideias), acabou tornando-se simplesmente fonte de ataques pessoais. Vimos, mesmo entre espíritas, amigos que jogaram fora um relacionamento de anos pela defesa intransigente e apaixonada de pontos de vista extremados, muitas vezes sem o menor senso crítico.

E terminamos 2016 com mais uma tragédia, criminosa, que acaba com a vida de dezenas de jovens apenas começando suas carreiras. Mais uma vez, a ganância e a irresponsabilidade ditando norma, sobrepondo-se à preocupação com a vida.

Um outro lado também se fez presente, porém. Na última semana tivemos a oportunidade de participar de mais um almoço promovido pela ARS – Ação de Recuperação Social, entidade que atende famílias carentes da periferia de Santos. Apesar de observarmos a presença de poucos conhecidos, pudemos ver que as pessoas que lá estavam tiveram momentos de muita alegria, ao divertirem-se com coisas simples, como as brincadeiras quando do sorteio de prendas simbólicas. Cantavam, batiam palmas, brincavam com os demais – enfim, confraternizavam-se de um modo caloroso, sem afetação, criando um ambiente de fraternidade contagiante.

Pensamos que é com este espírito que devemos entrar em 2017. Proporcionar mais espaços em que seja possível este espírito, abrindo a possibilidade financeira e geográfica de as pessoas participarem, abraçarem-se, afagarem-se, tornando mais leve um ano que, se não promete grande melhoras em ternos econômicos, está aí, em branco, pronto para que escrevamos sua história da maneira que quisermos.

Em 2017 teremos também, novamente, um espaço maravilhoso para estudo e confraternização dos espíritas: mais uma edição do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita, em Santos, evento que consideramos dos melhores e mais democráticos do movimento. Três dias em que poderemos conversar sobre espiritismo e sentir o carinho do abraço de companheiros que, muitas vezes, levados por essa roda-viva do cotidiano, não vemos há tempos.

Quem sabe não podemos fazer deste o primeiro encontro dos espíritas livre-pensadores 100% transmitido via internet (Skype)? Isto poderia fazer que muitos colegas, impossibilitados de comparecer presencialmente, estivessem ainda assim junto conosco, ampliando essa comunidade de amigos. Que tal, organização?


É, talvez 2017 ainda fique na história de cada um como um grande ano. Só depende de nós.

NR: Texto publicado no ABERTURA de dezembro de 2016

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Revisitando o Caderno Cultural Espírita - Outubro 2002

O Perispírito
Uma abordagem do século XX

Reinaldo Di Lucia


 Crítica as idéias espíritas


                         Muitas das idéias anteriormente expostas são passíveis de contestação e constituem, minimamente, uma desatualização em relação aos avanços do conhecimento humano. Faz-se, portanto, necessária uma análise crítica delas e o desenvolvimento de uma nova hipótese que seja mais adequada aos problemas e observações atuais.
                         A afirmação que o perispírito é um envoltório para o espírito é tirada diretamente da observação que os espíritos desencarnados tem de si mesmos. Kardec, ao querer informar-se sobre a vida no mundo espírita, pergunta se esses espíritos possuem um envoltório ou vivem "a descoberto" (O Livro dos Espíritos, perg. 93), ao que os espíritos respondem ter um envoltório. A denominação períspirito, como já dissemos anteriormente, é fruto de analogia que Kardec (e não os espíritos) fazem com elementos da ciência.
                         Também não causa dúvida a afirmação que o perispírito pertence ao elemento material do Universo. No dizer de Kardec, é composto da quintessência da matéria. Entretanto, o conceito de matéria sofreu modificações profundas desde a época em que o espiritismo veio ao mundo. É assentado nestas modificações que se propõe neste trabalho um novo modelo (ou, ao menos, um novo entendimento) do perispírito.
                         Também da experiência direta obtém-se a informação que o perispírito pode ser modificado em forma de acordo com a vontade do espírito. Muitos médiuns videntes têm relatado essas modificações, assim como pesquisadores em experimentos de materialização. Entretanto, esta observação leva uma conclusão interessante: a de que o espírito pode atuar sobre o elemento material diretamente. É preciso, então, rever a idéia, fortemente disseminada em todo o movimento espírita, de que o espírito e matéria não interagem por serem de essências distintas.
                         Esta última idéia leva um número grande de espíritas a interpretar o termo semimaterial, empregado por Kardec para referir-se ao perispírito, como sendo um terceiro elemento universal, que participaria de ambas naturezas (espírito e matéria) e, assim, permitiria a ligação entre ambas. Não há respaldo nenhum para essa interpretação. Kardec foi claro quando postulou um sistema dualista completivo para a filosofia espírita, isto é, formado de duas substâncias essenciais em mútua e incessante interação.
                         Nesta mesma linha de raciocínio, parece estranha a afirmação que o perispírito deve ser elo de ligação, ou laço que prende o espírito a matéria. Se assim fosse, porque os desencarnados, dotados de perispírito, nao conseguem mover objetos sem o concurso de um médium?
                         O problema está no modo de pensar da ciência do século XIX. Essa ciência é discreta, ou seja, pensa o Universo macroscopicamente, em elementos distintos e estanques, ligados entre si por algum tipo de meio físico. Assim, o perispírito seria um ente particular, perfeitamente definido em si mesmo, que serviria de meio entre dois elementos, o espírito inteligente e a matéria bruta.
                         A ciência do século XX quebrou esses dois conceitos: mostrou que, apesar de no ambito das partículas subatomicas as energias serem trocadas em quantidades determinadas, ou "pacotes" fechados, e existirem "saltos quânticos" que afetam drasticamente as partículas, no mundo macro há um desenvolvimento contínuo da matéria no que tange, p.e., as frequências envolvidas, nos níveis em que é possível a detecção pelos equipamentos disponíveis. E mostrou também que não são necessários quaisquer meios para transmissão de energia ou informações a distância no espaço-tempo (a luz, p.e., transmite-se no vácuo). Parece então mais lógico postular o perispírito como uma continuação energética da matéria, como sera descrito adiante.
                         Não é muito claro também o papel do perispírito nas comunicações mediúnicas. Claro que, estando indissoluvelmente ligado ao espírito e sendo responsável por dar-lhe uma forma, o perispírito atua nas manifestações físicas. Entretanto, se a comunicação mediúnica classificada como manifestação inteligente (a psicofonia ou a psicografia, p.e.) é uma transmissão mente a mente (equivale dizer, de espírito a espírito), que nao precisa de intermediários, essa função de perispírito precisa ser revista.
                         As três últimas idéias apresentadas pelos pensadores descritos parecem as mais problemáticas, ainda que se possa dar uma explicação viável do porque elas apareceram.
                         A primeira é a do perispírito como molde do corpo fisico. As principais tentativas neste sentido foram feitas para resolver um problema sério que a ciência já enfrentava desde a antiguidade, qual seja, o de como é possível a formação de um ser tão complexo, a partir, aparentemente, da união fortuita de elementos materiais, sem que existisse algum organizador para estes elementos.
                         Ocorre que a última metade do século XX trouxe significativos avanços no entendimento do modo como a matéria orgânica estrutura-se e transmite as informações necessárias para a manutenção. Os avanços da genética, iniciados com o descobrimento dos ácidos nucleicos e de sua estrutura, e que atingiram o auge com o Projeto Genoma (estudo de mapeamento dos genes humanos) forneceram e continuam fornecendo explicações cada vez mais precisas sobre a organização corporal. Criou-se uma nova disciplina, a Engenharia Genética, especializada em estudar técnicas de modificação destas caracteristicas, alterando as funções, propriedades e aparências de órgãos, vegetais, etc.
                         Ao mesmo tempo, estudos de biologia celular e aplicações médicas destes avanços, como no caso das intervenções diretas sobre órgãos doentes, através de terapias químicas o de transplantes, mostraram definitivamente que a própria matéria tem sim condições de auto gerenciamento, sem a necessidade de um organizador extrínseco a ela.
                         A questão dos estudos termodinâmicos da vida ainda nao está perfeitamente equacionada, mas uma série de grandes cientistas, e não só da área biologica, como o físico austríaco Erwin Schrodinger (Premio Nobel de Física de 1933) tem feito sérias restrições às dificuldades da vida em relação a entropia. Este é um campo ainda aberto, com muitas possibilidades a serem estudadas. 
                         Mais difícil ainda é sustentar o perispírito como sede de faculdades racionais ou emocionais, como a memória, as sensações ou a inteligência. Tais funções intelectivas são, consoante a filosofia espírita, de competência exclusiva do espírito, uma vez que só ele possui inteligência. Sendo o perispírito matéria, ele nao poderia participar destes processos.
                         A argumentação de Delanne, neste aspecto, perdeu muito da força quando se demonstrou que as células do cérebro não se modificam com o passar dos anos, sendo as únicas no organismo incapazes de regenerar -  uma vez destruídas, perdem-se para sempre.
                         Claro está que os estudos das relações hegemônicas no cérebro e da permanência das lembranças após o fim da vida corporal encontram-se longe de estarem completos. As relações entre o espírito e o cérebro é um dos temas mais fascinantes da ciência espírita, e um dos menos estudados.
                         Finalmente, a idéia da existência de órgãos no perispírito também parece estranha já que eles sao estruturas  organizadas que servem apenas para a manutenção da vida física. Provavelmente, esta idéia surgiu como suporte a função do perispírito de organizador biológico. Em não se admitindo esta, aquela deixa de ter importância.

          

    

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O Perispírito Uma abordagem do século XX continuação - por Reinaldo Di Lucia

continuando....(https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8190435979242028935#editor/target=post;postID=5706797199672327633;onPublishedMenu=editor;onClosedMenu=editor;postNum=2;src=postname)

Revisitando o Caderno Cultural Espírita - Outubro 2002

O Perispírito
Uma abordagem do século XX

Reinaldo Di Lucia

 A POSIÇãO DO ESPIRITISMO

                         
                         Todas essas crenças de um envoltório, um corpo para a alma de alguma forma influenciaram Kardec quando da elaboração do Livro dos Espíritos, Kardec é informado que o espírito "tem a envolvê-lo uma substância, que é vaporosa para ti, mas bastante grosseira para nós."
                         Sendo um homem de espírito científico, Kardec foi buscar na ciência o nome para tal envoltório, chamando-o de perispírito, à semelhança do perisperma que envolve as sementes dos frutos.
                         As principais idéias desenvolvidas por Kardec sobre o perispírito nada falam sobre a constituição da energia de que é composto, mas atenta  principalmente para suas funções e propriedades. Resume-se no seguinte:
                         O perispírito é o liame que, no homem, liga o Espírito ao corpo físico. Tem por função agir como intermediário entre eles:
                         "O liame ou perispírito que une o corpo e Espírito é uma espécie de invólucro semimaterial. A morte é a destruição do invólucro mais grosseiro, o Espírito conserva o segundo, que constitui para ele um corpo etéreo, invisível para nós no seu estado normal, mas que ele pode tornar acidentalmente visível, e mesmo tangível, como se verifica nos fenomenos de aparição."
                         Tal envoltório é tomado do fluido universal de cada globo, não sendo assim o mesmo em todos os mundos. Quando os Espíritos de mundos superiores vão aos inferiores, revestem-se da matéria própria deste último. Torna qualquer forma, ao arbítrio do Espírito.
                         Vem de Kardec a conceituação de perispírito como um elo intermediário entre
o corpo físico e o espírito, indispensável tanto para fazer o espírito agir sobre o corpo quanto para que aquele receba as impressões experimentadas por este. Esta idéia tomou tal força em todo o movimento espírita brasileiro que, pode-se dizer, é o único motivo que os espíritas acham para a existência do perispírito.


  
                         Mas em nenhum ponto de suas obras Kardec refere-se ao períspirito como algo diferente da matéria. Deve-se lembrar que, para a teoria espírita, o Universo compõe-se única e dualmente de dois princípios básicos: o espírito, inteligente e responsável por todos os fenômenos intelectivos, e a matéria, inerte do ponto de vista da consciência e sujeita
a ação do espírito, responsável pelos fatos orgânicos, inclusive a vida:
                         Dentro deste esquema, o perispírito aparece diretamente ligado a matéria, como um produto da matéria básica, ou, no dizer de Kardec, uma modificação do fluído universal.
                         "Posto que invisível para nós em estado normal, o perispírito não deixa de ser matéria etérea."
                         "Jamais o espiritismo confundiu a alma com o perispírito, que não passa de um invólucro, como o corpo é um outro. Tivesse ela dez envoltórios, isto nada tiraria de sua essência imaterial. "
                         Ainda que matéria, o perispírito é, para Kardec, absolutamente penetrável, isto é, nenhuma matéria lhe oferece obstáculo; ele as atravessa todas, como a luz atravessa os corpos transparentes.
                         Uma segunda função primordial do perispírito, segundo Kardec, é de servir como evidência da manutenção da individualidade para o Espírito desencarnado:
                         "P - Como a alma constata a sua individualidade, se já não tem mais corpo material?
                         R - Tem um fluido que lhe é próprio, que tira da atmosfera do seu planeta e que representa a aparência de sua última encarnação: seu perispírito."
                         Assim é que o espírito, mesmo não possuindo mais o corpo físico, e mesmo estando acostumado a ver-se como uma forma determinada, pode perceber-se existindo, a partir da evidência formal que lhe fornece seu perispírito.
                         Finalmente, uma última função básica do perispírito, conforme Kardec, é a de servir como meio`as manifestações mediúnicas, notadamente àquelas de ordem física, como as materializações, as aparições e os fenômenos de transporte. Isto se deve à propriedade que possui o perispírito de tornar-se tangível, no dizer dos espíritos por "condensação" , e também de somar-se aos fluídos (energias) caracteristicos dos encarnados, possibilitando a movimentação de objetos materiais inertes.
                         Depois de Kardec, muitos pensadores espíritas, desde seus continuadores mais diretos até alguns escritores do final do século XX (encarnados e desencarnados) acrescentaram mais algumas propriedades ao perispírito. Dentre esses, destacam-se, naquilo que interessa a esse estudo: Gabriel Delanne, Hermani Guimarães Andrade e André Luiz.



                         Dentre todos os continuadores do pensamento de Allan Kardec, Delanne é o que maior importância atribui ao perispírito. Provavelmente, isto se dá na medida em que é de grande dificuldade para qualquer pessoa adepta ao positivismo, aceitar que o Espírito, este ser imaterial e, para muitos, puramente abstrato, possa ser o princípio de todas as manifestações intelectivas do homem.
                         Assim, ele vai atribuir ao perispírito uma gama significativa de funções relativas à organização ou mesmo às capacidades inteligentes do ser humano. As principais funções cujas bases são por ele atribuídas ao perispírito são sumariamente descritas abaixo.
                         Primeiramente, temos a formação do corpo físico. Delanne depara-se com o problema de explicar como o corpo físico pode ser formado com tantos detalhes e reconstruído, com a mesma semelhança, sempre que certas partes são destruídas. Lança mão então da explicação perispiritual:
                         "A força vital por si só não bastaria para explicar a forma característica de todos os indivíduos, e tampouco justificaria a hierarquia sistematizada de todos os orgãos, sua sinergia em função de um esforço comum, visto serem eles, simultaneamente, autônomos e solidários. Neste ponto é que incide o ascendente da intervenção do perispírito, ou seja, de um órgão que possua as leis organogenéticas, mantenedoras da fixidez do organismo, através de constantes mutações moleculares. "
                         O perispírito é então, em sua opinião, o modelo fluídico, o molde que servirá para construir o corpo físico. Como veremos, esta também é a opinião de Hermani Guimarães, atualizando o raciocínio a partir de recentes descobertas científicas.

Gabriel Delanne



                         A grande preocupação desse pensador, para atribuir ao perispírito o papel  de molde do corpo está na explicação da forma. Enquanto que ele podia perfeitamente admitir uma força vital primária idêntica para todos os seres vivos, desde a planta até o homem, pressupunha que deveria existir uma outra força que diferenciasse as muitas espécies no que tange `a sua forma. Essa força seria o perispírito.
                         Em segundo lugar, Delanne dá ao perispírito um papel psicológico fundamental. Para ele, o perispírito é a base da memória do homem, a qual, por sua vez, é fundamental para a asseguração contínua de sua identidade.
                         Ele baseia esta opinião sobre a idéia que, mais que qualquer outra célula do corpo humano, as do cérebro são substituídas rapidamente, o que impossibilitaria a manutenção, neste órgão, da memória.
                         "O cérebro, porém, muda perpetuamente, as células dos seus tecidos são incessantemente agitadas, modificadas, destruídas por sensacoes vindas do interior e exterior. Mais do que as outras, essas células submetem-se a uma desagregação rápida e, num periodo assaz curto, sao integralmente substituidas."
                         Partindo do principio acima descrito, o eminente pensador espírita debita ao perispírito a função da memória, ja que esta nao poderia ser unicamente do corpo. Em sua tese, qualquer fato guardado pela memória é registrado no perispírito. Quando uma célula cerebral morre, é substituída por outra formada pelo mesmo perispírito, que lhe imprimirá, qual disco gravado por uma matriz, as mesmas impressões que ele próprio guarda. Fica assim resguardada a memoria.
                         Idéias semelhantes a essas são igualmente defendidas por Leon Denis e Gustave Geley, em vários dos seus livros, o que nos dá a impressão que eram bastante difundidas no meio espirita à época - apesar de nao terem sido defendidas por Kardec em sua obra.
                         A principal tese de Hermani Guimarães sobre o perispírito aproxima-se bastante de algumas daquelas defendidas pelos autores anteriormente citados - a de que este é uma espécie de molde do corpo físico. Entretanto, a base de sua teoria repousa (diferentemente de Delanne) não no problema da reconstrução do organismo, mas na aparente violação do Segundo Princípio da Termodinâmica pela origem e evolução da vida. 
                         O Segundo Princípio da Termodinâmica (ou Lei de Carnot-Clausius) prevê que num sistema termodinamicamente isolado, a quantidade de entropia (ou o grau de desordem do sistema) aumenta continuamente. Ou seja, nestes sistemas, se não houver nenhum tipo de ação organizadora, haverá uma homogeneização cada vez maior dos seus elementos, misturando-se e aumentando a desordem do sistema.
                         Ora, o processo de evolução da vida a partir de elementos nao vivos, aparentemente, é um processo neguentrópico, isto é, em que há diminuição da desordem - o sistema vai se organizando cada vez melhor, desde elementos mais simples (p.e. seres unicelulares) até organismos altamente complexos, como o homem.
                         A conclusão de Hermani Guimarães é que, para que a vida pudesse ter acontecido e continuasse a manter-se e evoluir, é necessária a presença de um elemento organizador. Hermani chama este elemento de MOB (Modelo Organizador Biologico) e postula que este papel seria do perispírito.
                         Assim, para este autor, o perispírito possui um papel de informador, i.e., é o elemento que prove o corpo da informação necessária para sua constituição e desenvolvimento. Assim é que, além de MOB, Hermani chama-o também de domínio informacional histórico, onde a informação provida é acumulada ao longo do tempo - entre muitas encarnações.
                         Pouco acrescentam os espíritos desencarnados sobre o tema. Tanto André Luiz quanto Emmanuel, os mais lidos dentre eles, admitem para o perispírito as mesmas funções de Kardec e Delanne. Emmanuel chega a afirmar que:
                         "O corpo espiritual não retém somente prerrogativa de constituir a fonte da misteriosa força plástica da vida, a qual opera a oxidação orgânica; é também ele a sede das faculdades, dos sentimentos, da inteligência e, sobretudo, o santuário da memória, em que o ser encontra os elementos comprobatórios de sua identidade, através de todas as mutações e transformações da matéria."
                         André Luiz foca a importância do perispírito na origem do corpo físico, bem como na manutenção de sua saúde ou no desenvolvimento de algumas doenças. Para ele, o perispírito, ou corpo espiritual, ou ainda psicossoma, possui células e órgãos que darão origem ao corpo físico:
                         "Todos os órgãos do corpo espiritual, e, consequentemente, do corpo fisico, foram, portanto, construídos com lentidão, atendendo-se à necessidade do campo mental em seu condicionamento e exteriorização no meio terrestre."
                         "Com o transcurso dos evos, surpreendemos as células como princípios inteligentes de feição rudimentar, a serviço do princípio inteligente em estágios mais nobre nos animais superiores e nas criaturas humanas, renovando-se continuamente no corpo fisico e no corpo espiritual, em modulações vibratórias diversas, conforme a situação da inteligência que as senhoreia, depois do berço ou depois do túmulo."
                         Em resumo, as principais ideias sobre o perispírito expostas por estes eminentes pensadores, e ainda hoje bastante difundidas no movimento espírita sao:
  • O perispírito é um envoltório do espírito, que o acompanha desde sua criação, e, portanto, preexistente ao nascimento e sobrevive a morte do corpo fisico.
  • É composto de matéria, porém, em nível diferente daquela a que os encarnados estão acostumados. Kardec afirma ser uma matéria quintessenciada, obtida por modificação, direta do fluido cósmico (que é a matéria primordial), contendo ainda elementos do princípio vital e mesmo de componentes fisicos e electromagneticos.
  • Sua composição energética e tanto mais densa, ou menos sutil, quanto menos evoluído (do ponto de vista intelectual e moral) for o espirito. Com a evolução deste, vai-se tornando mais sutil, ainda que não se saiba ao certo o que isto significa fisicamente, mas sempre acompanha o espírito.
  • É totalmente sujeito `a vontade do espírito, que pode plasmá-lo a seu gosto e dar-lhe a forma que desejar.
  • Serve como elemento de ligação entre o espírito e o corpo fisico, uma vez que um e outro não podem interagir diretamente devido `a diferença estrutural entre ambos.
  • É o elemento que possibilita a manutenção de uma forma para o espírito desencarnado e, assim permite que este possa identificar-se como uma individualidade.
  • É o princípio fundamental das manifestações mediúnicas, em especial daquelas caracterizadas como efeitos físicos.
  • É o molde do corpo fisico, uma forma que conteria os elementos informacionais que permitiriam sua formação e manutenção. Esta função também é a única forma de adequar o surgimento da vida à Segunda Lei da Termodinâmica.
  • É a sede dos sentimentos e das faculdades, notadamente da memória. Por vezes, é apontado como sede da inteligência.
  • Possui órgãos e células, como o corpo físico. Este, aliás, é uma cópia daquele.


     
       


segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Revisitando o Caderno Cultural Espírita - Outubro 2002

O PERISPIRITO

UMA ABORDAGEM DO SECULO XX

Reinaldo Di Lucia

                       
                         O propósito deste trabalho é, a partir de um histórico sobre as idéias que levaram ao desenvolvimento do conceito perispírito e da avaliação da evolução do pensamento científico desde  o início do século XX, analisar criticamente os postulados de diversos autores espíritas sobre o tema (encarnados ou desencarnados)e propor um novo modelo teórico, a título de hipótese, para a natureza, formação, propriedades e funções do perispírito.
                         A intenção mais ampla é que uma melhor compreensão sobre este assunto possa clarear alguns outros temas polemicos da doutrina espírita, tais como as emissões energéticas, as curas espirituais e paranormais, as relações entre espíritos encarnados e desencarnados, o problema da obsessão e os diversos generos de comunicações mediúnicas. Propõe-se que inicie-se um debate em todos os setores da comunidadeespírita sobre o tema, visando o fortalecimento dos novos conceitos.
                         O conceito de perispírito foi introduzido por Allan Kardec ao formular a filosofia espírita a partir da observação experimental (fenomenos físicos tais como a materialização) e da afirmação dos espíritos que possuíam um corpo, que lhe permitia identificarem-se como seres individuais que sobreviveram à morte do corpo físico.
                         Essa idéia foi rapidamente assimilada pelos pensadores da época, principalmente por aqueles que assumiram a doutrina espírita, uma vez que respondiam a inúmeras questões que a própria ciência ainda deixava em aberto. Em função disso, muitas funções que deveriam ser atribuídas ao espírito, por serem referentes à inteligencia do ser, o foram ao perispírito.
                         Isto acabou criando um movimento espírita um conjunto de idéias a respeito do tema que, com o avanço do conhecimento científico em campos como os da física, da biologia e da genética, apresentam-se hoje ultrapassados. Ao mesmo tempo, tal conjunto de idéias é usado como suporte para a manutenção de conceitos errôneos sobre as bases filosóficas do espiritismo.

Novos Conceitos da física 

                         É de fundamental importancia que conceitos do campo da física, alguns deles trazidos à luz pela chamada física moderna (desenvolvida após a morte de Kardec) sejam, ainda que superficialmente, compreendidos. Isto porque, de acordo com a teoria que se pretende apresentar neste trabalho, algumas das idéias de Kardec sobre o perispírito podem sofrer sensíveis modificações a partir do desenvolvimento destes conceitos.

                         O primeiro deles é o de energia. No século XX, tornou-se muito difícil prover uma única definição de energia, que seja abrangente e independa do campo de estudo. A definição tradicional, de energia como a capacidade de realizar trabalho, é restrita à parte da física conhecida como Mecânica. Como diz o prof. Alberto Ricardo Präss, "usando apenas a experiência do nosso cotidiano, poderíamos conceituar energia como algo que é capaz de originar mudanças no mundo".

                         Esse conceito é de importância capital para este estudo do perispírito. É importante frisar que, desde que Einstein popularizou a célebre fórmula da inter-relação entre matéria e energia (E = m.c2), o termo energia tornou-se cada vez mais conhecido e empregado, muitas vezes sem a devida atenção à idéia que é expressa por essa palavra.

                         No movimento espírita, o termo energia muitas vezes é empregado para designar uma quantidade qualquer de força que pode, de algum modo, atuar sobre o corpo, o perispírito ou o espírito, para a cura de doenças e outros fenômenos semelhantes.

                         É bastante comum o uso da expressão energias espirituais, que deve ser acompanhado de um grande cuidado: lembrar-se que energia é matéria. Se com essa expressão se quiser denominar um grupo de energias distintas daquelas que são características da matéria mais densa (como, p.ex., o corpo físico), seu uso é possível. Mas, apesar destas energias serem acionadas pela vontade do espírito, que as pode manipular a seu critério, elas não são parte do espírito, não participam de sua essência; enfim, são partes constituintes do princípio material.

                         Para efeito deste trabalho, adotar-se-à a definição descrita acima: energia é alguma coisa capaz de provocar transformações no mundo, seja este o mundo corpóreo ou incorpóreo.

                         Outro conceito físico importante é o de campo. Campo pode ser definido como uma área ao redor do objeto, na qual uma interação eletromagnética ou gravitacional é exercida sobre outros objetos; é o que se poderia chamar de um lugar geométrico. Apesar de o conceito de campo ter sido usado pela primeira vez por Isaac Newton em sua teoria da Gravitação Universal, e já ser empregado por Faraday em meados do século XIX para explicar forças eletromagnéticas, foi com Maxwell, um físico escocês do mesmo século, que o conceito de campo tornou-se fundamental na teoria eletromagnética (com o lançamento do Tratado sobre a eletricidade e o magnetismo, em 1873), tendo sido empregado de modo amplo na física moderna do século XX.

                         A força de um campo, ou seja, a quantidade física medida no espaço ao redor do objeto que lhe dá origem depende fundamentalmente de dois parametros: o valor da quantidade física do objeto e a sua distancia do ponto de medição. No caso de um campo eletromagnético, p.ex., o objeto que origina o campo é uma carga eletromagnética pontual, e a força é tanto maior quanto maior for o valor da carga e tanto menor quanto maior for a distancia dela.



                        Com a comprovação experimental da teoria dos campos, a física percebeu que o termo força, até então usado para definir a ação exercida por um corpo sobre outro era inadequada, uma vez que dá a idéia de um objeto agente (ou seja, aquele que efetivamente exerce a ação, ativo) e um que, inerte, limitar-se-ia a receber esta influencia. O que ocorre na verdade é uma ação recíproca de um corpo sobre o outro. O termo mais empregado hodiernamente é interação, que exprime melhor o conceito físico.

                         Importantes, também, são os conceitos ligados à mecânica ondulatória Um dos modelos pelos quais a energia e a informação são transmitidas de um dado ponto a outro no Universo são as ondas, as quais podem ser representadas no quadro Figura A.


     Figura A


                         O ponto mais alto de uma onda chamada-se crista, e o mais baixo, vale. A distância entre duas cristas consecutivas é chamada de comprimento de onda (Figura 1), e é uma das caracteristicas fundamentais a ondulatória.

                         Juntamente com a frequência, ou seja, o número de cristas por unidade de tempo, e a amplitude, a distância entre uma crista e um vale consecutivos, caracterizam qualquer onda.
                         Matematicamente, a relação entre a frequencia e o comprimento de onda é inversamente proporcional.



                         Os conceitos de frequencia, comprimento de onda e amplitude, aliados aos de energia e campo, serão fundamentais para o entendimento do perispírito em bases científicas atuais.

Histórico de um envoltório da alma

   
                         A crença em uma alma imortal é tão antiga quanto as civilizações humanas. Talvez porque o homem via seus mortos em sonhos, ou porque aparições destes mesmos mortos, mesmo em vigília, acontecessem. O fato é que as idéias absolutamente materialistas da morte como fim de toda a individualidade são bastante recentes, tendo-se firmado apenas na Idade Contemporânea.

                          Este fato é corroborado pelas pesquisas arqueológicas que mostram que, desde o período megalítico (a chamada Idade da Pedra Polida), o homem tinha o costume de sepultar seus mortos com armas e pertences. Posteriormente, as civilizações que deixaram algo escrito confirmam, todas elas, esta conclusão.

                         Tão antiga quanto a crença na alma imortal é a crença na alma imortal é a crença de que esta possui um envoltório, um tipo de "segundo corpo" que, de alguma forma, acompanha-a em sua permanência no além. Em muitas civilizações antigas esta idéia permanece. Entretanto, em algumas delas, este conceito difere frontalmente daquilo que entendemos hoje, por um mero envoltório.

                         Na India, p.ex., o bramanismo fala de um "corpo sutil" chamado suksmasarira. Este corpo, porém, não é um mero envoltório, como se fosse uma "roupa" que seria usada por uma alma. Nesta filosofia, o verdadeiro Eu, que constitui a individualidade, a essência de tudo o que somos ou sabemos, chama-se  atman ou brahma. Este Eu fica envolto pelo corpo sutil (suksmasarira) que é composto pelos elementos pertencentes à esfera mutável da psique,ou seja, os pensamentos, emoções, sentimentos e percepções. Finalmente, há o corpo denso - "nervos e órgãos tangíveis que são os receptáculos e veículos do processo vital manifestado".

                         Como se pode perceber, o conceito de corpo sutil do bramanismo difere essencialmente daquele de perispírito adotado tradicionalmente pela doutrina espírita. Tais conceitos orientais são, via de regra, de muito difícil compreensão pelas mentes ocidentais, razão pela qual, são normalmente deturpados.

                         Também no Egito há registros desse envoltório: O corpo, dizia o egipcio, era habitado por um duplo de nome Ka, e também por uma alma que pousava no corpo como um passarinho na árvore. Todos três - corpo, Ka e alma - sobreviviam à morte, enquanto o cadáver não desaparecesse na dissolução".

                         Segundo Dellane, tais crenças num envoltório da alma permeiam todo o mundo antigo. Na China antiga, Confúcio dizia que "(...) a essência dos Koûci-Chin (espíritos diversos) não pode deixar de manifestar-se sob uma forma qualquer". O Zoroastrismo persa fala dos ferúers que sem serem propriamente um envoltório, posto que possuíam uma certa inteligência independente, estavam, cada um, destinados a um ser humano. A cabala judaica chama de Nephesh o corpo fluídico do princípio pensante. 

                         Na Grécia também disseminava-se a idíea de um envoltório da alma: "O claro gênio dos gregos percebeu a necessidade de um intermediário entre a alma e o corpo. Para explicar a união da alma imaterial com do corpo terrestre, os filósofos da Hélade reconheceram a existencia de uma substância mista, denominada Ochema, que lhe servia de envoltório e que os orácuos denominavam o veículo leve, o corpo luminoso, o carro sutil. Falando daquilo que move a matéria, diz Hipócrates que o movimento é devido a uma força imortal, ignis, a que dá o nome de enormon, ou corpo fluídico".

                         Na mais conhecida Tradição do misticismo que se disseminou no Ocidente, a Teosofia, o homem possui sete corpos: o físico, o astral, o mental, o búdico, o nirvanico, o paranirvânico, e a mahaparanirvânico, cada um com suas atribuições específicas. Alguns ainda descrevem um corpo etérico, que seria o campo vital associado ao corpo físico, e que poderia ser visto pelos clarividentes como uma espécie de aura.
continua.......


                         

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Educação? Bem... Por Reinaldo di Lucia

Muito se falou, recentemente, sobre a lição que os estudantes do ensino público de São Paulo deram aos governantes de plantão, ao, através de seu posicionamento ativo – incluindo protestos nas ruas e principalmente a ocupação das escolas – fazer valer sua voz contrária à reestruturação do ensino proposta (talvez melhor dizer “imposta”, dada a falta de discussão e comunicação com os envolvidos) pelo Governo paulista.

Esta falta de transparência foi tamanha que, até agora, mesmo interessado, não consegui tomar ciência completa do projeto. De modo geral, gosto de mudanças e acho que modernizações são necessárias em todas as áreas. Mas o que me preocupa de fato nesta proposta é o fechamento de salas e a diminuição de escolas.

Não falo somente de forma teórica. Atuando há mais de 6 anos como professor universitário, venho percebendo a gradual, porém inflexível deterioração da qualidade do aluno que entra na faculdade. Com a facilidade cada vez maior desse acesso, através de programas como o FIES e o PROUNI, um contingente cada vez maior de estudantes vindos do ensino público estão entrando em universidades particulares. Infelizmente, boa parte destes estudantes, mesmo muito esforçados, não têm base suficiente para acompanhar adequadamente as exigências do estudo superior.

Apresentam-se então dois caminhos: ou as universidades diminuem suas exigências, e os profissionais formados não são aqueles que o mercado necessita, aprofundando ainda mais o problema da falta de qualificação da força de trabalho brasileira, com uma desculpa a mais para o achatamento salarial, ou a manutenção destas exigências faz com que, após uma quantidade sensível de dependências e repetências, os alunos abandonem os cursos e resignem-se com subempregos mal pagos, num círculo vicioso perverso.

Reinaldo Di Lucia


É urgente um trabalho imediato para a melhoria do ensino fundamental, para na sequência atuarmos no ensino médio e só então mexer ainda mais no ensino superior. Então, se há, como se alega, salas sobrando, que se coloquem menos alunos – certamente isso melhorará a qualidade do ensino. Dizem que 2 milhões de crianças deixaram o ensino público, seja pela diminuição da natalidade, seja pela migração para as escolas particulares. Ora, porque razão se dá essa migração se não pela própria má qualidade da nossa escola pública?

Até agora, o exemplo de sucesso de alguns países passa notadamente pela melhoria do ensino público. Claro que isso não é uma panaceia: não existe nada que seja uma solução única par tantos problemas que assolam a governabilidade das nações. Mas sem essa base, seguramente, nada se conseguirá. Principalmente porque não criaremos cidadãos pensadores e capazes de criar o futuro como desejam.


E realmente estão de parabéns os estudantes paulistas. Minimamente mostram àqueles que nos governam que, nos dias de hoje, as decisões precisam ser discutidas à exaustão com a sociedade – e não somente tomadas nos obscuros do poder, levados sabe-se lá por quais interesses.

Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Dezembro de 2015 - seja assinante!