Allan Kardec acreditava que “Assim como a Arte
cristã sucedeu à arte pagã e a transformou, assim a Arte espírita irá
complementar e transformar a arte cristã.”
Existe uma arte espírita, como queria Kardec?
Costuma-se dizer que existe arte com temática
espírita. Mas não é a mesma coisa.
Existem produções mediúnicas com reprodução de
artes plásticas. Mas a essa “arte mediúnica” poderia ser enquadrada no que
Kardec sugeriu?
Na poesia, na literatura, no teatro, na música,
há atividades de grupos espíritas. Mas certamente não foi inventada uma arte
especificamente espírita, talvez porque “arte espírita”, “arte cristã” e “arte
pagã” sejam apenas adjetivações da mesma Arte, colocada em letras maiúsculas
para sinalizar que ela, como tal, não pode ser mais inventada, existe desde
sempre.
Neste artigo vamos analisar essas questões.
A ARTE ESPIRITA
No livro Obras Póstumas, existe um capítulo
denominado “Influência perniciosa das idéias materialistas” que contém uma análise
de Kardec sobre artigo do jornal “Courrier de Paris du Monde Illustré” de 19 de
dezembro de 1868, há 138 anos.
O artigo comenta a fugacidade da fama e cita
Caromouche que “escreveu mais de duzentas comédias e revistas teatrais e
seria muito justo que ainda hoje seu nome fosse lembrado. Mas é tremendamente
fugaz essa glória dramática que excita tantas ambições. A não ser que trate de
autor de obras-primas excepcionais, tudo está votado ao esquecimento logo que
ele abandona o campo de batalha” O artigo afirma que “as preocupações
materiais soprepõem-se cada vez naus aos interesses artísticos”.
Para Kardec “a decadência das artes no século
atual (século dezenove) é o resultado inevitável da concentração das idéias nas
coisas materiais e essa concentração, por sua vez, é o resultado da ausência de
qualquer crença na espiritualidade do ser.” E sentencia: “As artes só
sairão de seu torpor quando houver uma reação visando às idéias
espiritualistas” Ainda “É matematicamente exato dizer que, sem crença,
as Artes não têm vitalidade possível.”.
O fundador do Espiritismo descreve seu sentimento
sobre a arte: “O sublime da arte é a poesia do ideal que nos transporta fora
da estreita esfera de nossa atividade. E o ideal está precisamente nesta região
extra-material, onde só penetramos pelo pensamento e que a imaginação concebe,
embora não a alcance os olhos do corpo. Que inspiração pode trazer ao espírito
a idéia do nada?”.
A análise continua “O Espiritismo, realmente,
nos mostra o futuro sob uma nova luz, mais ao nosso alcance (...) Que
inesgotáveis fontes de inspiração para a arte! Quantas obras primas, de todos
os gêneros, poderão estas novas idéias criar, pela reprodução das múltiplas e
tão variadas cenas da vida espírita!
Em vez de representar frios e inanimados despojos,
ver-se-á a mãe tendo a seu lado a filha querida em sua forma radiosa e etérea;
a vítima perdoando o algoz; o criminoso fugindo em vão o espetáculo, sempre
presente, de suas ações culposas; o isolamento do egoísta e do orgulhoso no
meio da multidão; a perturbação do Espírito que renasce par a vida espiritual,
etc, etc.
E, se o artista quiser elevar-se acima da esfera
terrestre aos mundos superiores, verdadeiros edens onde os Espíritos adiantados
gozam a felicidade que conquistaram, ou se quiser reproduzir algumas cenas dos
mundos inferiores, verdadeiros infernos, onde dominam as paixões que cenas
comoventes terá parta reproduzir! Sim! O Espiritismo abre para a Arte um campo
novo, imenso, ainda inexplorado.”.
Passados 149 anos da fundação do Espiritismo não
se viu o nascimento de uma arte espírita.
Embora Kardec afirme que “a Arte espírita irá
complementar e transformar a Arte cristã” A arte espírita que ele desenhou no
texto acima parece muito com um simulacro da arte cristã. Esta, segundo ainda
Kardec, “Adquiriu um caráter grandioso e sublime ainda que sombrio, Essa
fase pode ser apreciada nas pinturas da Idade Média, representando o inferno e
o céu, as penas eternas ou, então, uma beatitude tão elevada que nos parece
inacessível. E talvez por isso, tão pouco impressione quando a vemos
reproduzida na tela ou no mármore”.
J.Herculano Pires comenta essa parte afirmando
que “O caráter grandioso e sublime da arte medieval foi determinado pela
concepção cristã. O Renascimento determinou a volta ao Paganismo, mas numa
assimilação renovada dos valores antigos sob a influência cristã. O mundo
moderno não ofereceu elementos para uma renovação profunda das artes porque não
trazia ainda uma cosmovisão nova. As artes modernas são prelúdio de uma nova
fase que só o Espiritismo, a concepção espírita do mundo irá difundir. É o que
Kardec viu com clareza neste trabalho.
Herculano também disse em nota de rodapé que “A
Arte Espírita já uma realidade nascente. A Pintura Espírita começou no tempo de
Kardec (...) A Poesia Espírita é realidade que já mereceu antologia (...) A
ficção espírita impõe-se no mundo e a influência espírita no Cinema, na Música,
no Rádio, na Televisão, no Teatro é visivelmente crescente. (O volume analisado
de Obras Póstumas é de 1971).
Além da costumeira ufania de Herculano
relativamente ao Espiritismo no mundo, a nota remete a outra questão. Como é ai
definida a “arte espírita?” ou seriam apenas temas espíritas e assemelhados?
Claro que Kardec retratou sua época e sua
concepção de arte, para ele assentada sobre a crença. A arte espírita seria,
então, na sua visão, uma arte voltada para o sublime de um lado e para o horror
de outro, com seus edens e infernos, seus Espíritos atormentados e felizes.
Seria, todavia,
uma visão extremamente sectária querer que a artes plásticas, por
exemplo, abandonassem a apresentação do que seria “material”. Some-se isso que
desde a desencarnação de Kardec muitas escolas artísticas foram criadas,
algumas com duração efêmera e que artistas geniais ou pelo menos talentosos
surgiram e que exprimir o corpo, a beleza, o cenário material, físico também é
obra de arte, quando o artista consegue superar-se.
Depois, se a arte cristã “Adquiriu um caráter
grandioso e sublime ainda que sombrio” devido sua ambição de retratar,
sobretudo, a visão mística e uma beatitude tão elevada que nos parece
inacessível, uma arte inspirada pelo Espiritismo teria quer ser equânime,
ou seja, abranger também a beleza e os problemas do ser encarnado e não apenas
as projeções da vida futura.
A arte, de
modo geral, reproduz o momento, a angustia, a ansiedade e o amor das pessoas
encarnadas, vivas, atuantes ou amortalhadas. Poderá fazer introdução na vida
extra corpórea sem aquela beatitude ou aquele descer ao inferno.
A ARTE MEDIÚNICA
A produção mediúnica no campo das artes é muito
grande. Mas isso caracterizaria a “arte espírita”?
Desde o tempo de Kardec realmente foram
produzidos desenhos através da mediunidade.
No Brasil, mais recentemente tivemos o fenômeno
Gasparetto, com sua assombrosa produção pictográfica. Com os dedos da mão e do
pé, a partir de um borrão de tintas, aleatoriamente misturadas, em poucos
segundos surgia uma figura, uma paisagem assinada por um artista famoso,
desencarnado.
Logo seguiram-se outros médiuns que fizeram e
fazem demonstrações públicas desse tipo de mediunidade. . Todavia, os supostos
autores espirituais reproduzem seu estilo, sua marca, talvez como forma de
identificação e aí, parece que o que está em jogo é mais a confirmação da
imortalidade da alma do que propriamente a arte, embora algumas telas tenham
merecido elogios e admiração de especialistas.
No campo
da literatura temos obras de poesia, como O Parnaso de Além Túmulo obra primeira
do médium Francisco Cândido Xavier, coletânea de poemas, sonetos e poesias de
autores brasileiros e portugueses desencarnados geralmente famosos quando
encarnados.
A ficção teve no passado recente, algumas
produções muito bem escritas. Atualmente, porém, existe uma produção em escala
de romances, novelas, contos, agora assinados por autores desconhecidos, sem
biografia ou antecedentes. São
designados por um nome simples e cujo conteúdo e a forma, com raríssimas
exceções, não constituem propriamente um literatura, mas uma subliteratura.
Como sabemos que o médium é interprete, por isso
nenhuma produção artística pode ser considerada “pura”, isto é, sem
interferência do médium. Este interpreta o desejo, a habilidade, o gênio do
artista desencarnado dentro de suas possibilidades.
Por isso, a produção mediúnica não pode, a rigor,
ser considerada “arte espírita”, como produto próprio, inédito, diferente.
Não se pode negar a crescente invasão de temas
espíritas, se considerarmos como tal, todos os fenômenos mediúnicos, no cinema,
na televisão, no teatro, mesmo em paises onde a tradição religiosa não tem
qualquer ligação com o Espiritismo.
Filmes como Ghost, Sexto Sentido e outros foram
saudados com grande entusiasmo e alcançaram muito sucesso e séries de televisão
americana, por exemplo, apóiam-se em atuação de médiuns, sem qualquer ligação
com a “paranormalidade” defendida pela parapsicologia, embora esta, se
consultada, não deixará de encontrar uma explicação fora da mediunidade.
A televisão brasileira também tem aproveitado
temas mediúnicos ou espíritas em novelas e séries.
Seria isso, afinal que Kardec pensou? Ou devemos
repensar o que ele queria com a arte espírita? Sem dúvida as pessoas com
pendores artísticos e que se tornam espírita devem e podem apoiar-se na
filosofia espírita como base de suas produções.
Cabe-lhes, contudo, a responsabilidade de
veicular o Espiritismo de forma positiva e coerente, pelos canais da música, do
teatro, da televisão, da literatura, sem desvios e misturas espiritualistas...
NR: Encontramos este artigo no computador de Jaci Régis, o artigo tem o
estilo de Jaci, mas não está assinado, publicamos aqui, por mostrar uma
vertente distinta do autor, na próxima edição complementaremos o artigo.