terça-feira, 1 de dezembro de 2020

A Fé Raciocinada - por Alexandre Cardia Machado

 

A Fé Raciocinada uma visão Livre-pensadora

 

“Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.

Allan Kardec”




Nunca antes a expressão acima do mestre lionês se mostrou tão sábia, em tempos de corona-vírus o que mais nos ajuda a enfrentar o problema é a razão, representada pela ciência.

Contudo o mundo se depara frente a um dilema, parar tudo o que for possível para estancar a proliferação rápida do vírus pagando com isto a conta com uma recessão mundial, ou seguir a vida normalmente e sacrificar uma parcela mais vulnerável da população, sem a menor capacidade de antever até onde isto poderia chegar.

O mundo inteiro, apesar das diversas reclamações de vários setores, optou pela saída mais humanista, por salvar mais vidas e com isto vamos colocar o planeta em quarentena, esta é a opção mais sensata. Mesmo no Brasil onde nosso presidente insiste em falar contra o isolamento horizontal, ele tem ficado na retórica a prática do governo é sim pelo isolamento.

Claro, que não são todos os que estão, ou ficarão em quarentena, mas todos devem se proteger, a área de saúde, de segurança, toda a cadeia de alimentação, transporte e logística e geração de energias, não pode parar.

Para que parte da população possa ficar em casa, alguns serviços precisam funcionar. Há que prover energia para fábricas, hospitais e residências, combustível e alimentos a todos, bem como necessitamos de uma capacidade de produzir remédios, e aparelhos médicos, entre muitas outras coisas. Com isto o vírus continuará se propagando, mas a uma velocidade menor e compatível com a nossa capacidade de lidar com a doença.

O momento é de união pela vida, de exercermos a paciência e a resiliência. A crise será superada, como sempre se supera e o mundo voltará a crescer. Governos de todos os matizes ideológicos estão tomando ações para superar a crise de falta de dinheiro que pode implicar na incapacidade de comprar mantimentos da população. Porém, acreditar que a barbárie tomará conta do mundo é um salto muito grande, estamos seguros de que a generosidade se fará presente como sempre aconteceu na história da humanidade em situações como estas.

A medicina encontrará remédios, já existem alguns tratamentos que estão sendo testados todos os governos estão trabalhando para aumentar a capacidade de leitos hospitalares de UTI, se tivermos paciência e aguentarmos ficar em casa o máximo de tempo possível, vamos superar.

Temos que enfrentar os problemas um a um, primeiro o vírus e a seguir o problema de fome, se este problema de fato chegar a ocorrer, as medidas de apoio podem minimizar o impacto da fome, outras se seguirão de acordo com o desenrolar dos acontecimentos.

É hora, quem sabe de olharmos para dentro de nós e vermos o que podemos fazer pelo outro? Moro em um bairro com muitos edifícios altos, hoje fomos surpreendidos por um show de teatro para crianças feito na sacada do prédio ao lado, com autofalantes e transmissão pela internet, assim como este evento que relato, tantos outros ocorreram na Itália e em outras partes do mundo, alguns só para quebrar a rotina do “Dia da Marmota” (nome de um filme onde a cada manhã o protagonista voltava ao dia anterior – tudo era igual, só ele quem mudava) em que estamos vivendo em nossos momentos de confinamento forçado. Outros eventos online estão sendo feitos com o objetivo de arrecadar fundos para ajudar a resolver o problema.

Alguns podem simplesmente contribuir com dinheiro para as diversas organizações de acolhimento que existem, por que não?

- Bah! Mas alguns dirão, - não sei como fazer? Quem for de Santos, basta olhar no carnê do IPTU onde temos várias opções de organizações que fazem trabalho voluntário que podemos doar, são só sugestões, sabemos que todos já estão fazendo algo.

No momento em que escrevo, observo que a Fundação Porta Aberta, já apresentada anteriormente neste jornal, na coluna - Gente que Faz - dirigida por Mauro Spinola e nossa presidente da CEPA Internacional, Jacira Silva e outros amigos, está viabilizando a fabricação de máscaras de proteção, informações podem ser obtidas pelo WhatsApp – conforme quadro abaixo. Quem quiser pode ajudar através deles também. Trata-se de uma parceria com o Rotary Club de São Paulo.

Artigo publicado no jornal Abertura abril 2020

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Espiritismo, antídoto contra o fundamentalismo - por Roberto Rufo

 

Espiritismo, antídoto contra o fundamentalismo

 

“Fundamentalistas dão um toque de arrogante intolerância e rígida indiferença para com aqueles que não compartilham suas visões de mundo.”   (Umberto Eco).

 

"Se eu atirasse em alguém numa avenida nova-iorquina, nem por isso perderia um só voto" (Donald Trump)

 

"Eu não sou um ditador, mas às vezes a situação faz com que você se torne um" (Nicolás Maduro).

 

 


Em interessante artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo,Dom Odílio Scherer, Cardeal-Arcebispo de São Paulo aborda o tema "Cultura Bipolar" e a meu ver com razão afirma que vivemos tempos marcados pela exacerbação ideológica, em que se confundem facilmente valores com posições ideológicas e partidárias. O que interessa no discurso ideológico é desqualificar o oponente. Ou se trata de um esquerdista comunista e ateu ou se trata de um direitista ultra-conservador. Ou se é mortadela ou se é coxinha. Na verdade, trata-se de um debate paupérrimo de ideias. O articulista está sentado na razão quando assinala que a complexidade das coisas não cabe necessariamente em duas caixinhas tão apertadas. 

Caso contrário, serei obrigado a admitir como certo o pensamento de um grande amigo,ex-metroviário como eu, que tentava me convencer na época do escândalo do mensalão de que na verdade o que estava acontecendo é que a quadrilha azul queria apenas tirar a quadrilha vermelha do poder. E hoje esta gostaria de recuperar o lugar de onde foi apeada. O mundo não pode ser tão simplista assim. 

 

Claro que os extremistas raivosos e as manifestações de ódio envenenam o convívio social. Segundo D. Odílio Scherer a vida social alicerçada no respeito às pessoas e no senso de colaboração e justiça faz bem a todos. O Espiritismo em seu surgimento oficial em 18 de abril de 1857 com o lançamento do Livro dos Espíritos sempre expressou uma mensagem ponderada e isenta de preconceitos.

 

Numa entrevista que Herculano Pires concedeu ao primeiro Anuário Espírita, em 1964 o jornalista e filósofo foi questionado sobre diversos temas: parapsicologia, tradução das obras da Codificação, filosofia e fanatismo.

 

“Do ponto de vista espírita, um fanático espírita, é uma aberração, porque o Espiritismo, está sujeita ao exame crítico. Onde se fala de crítica, no sentido exato do termo, que é o do exame aprofundado e sereno das coisas, não há lugar para manifestações de fanatismo”, disse o escritor.

Os sistemas livres, diz H. Pires, correspondem ao espírito da filosofia; já os sistemas fechados, ao espírito das religiões. Como a filosofia nasceu da religião, e esta era, interpretada sempre de forma rigidamente sistemática, durante muito tempo os filósofos elaboraram grandes sistemas filósofos, que fizeram época. No tempo de Kardec, os sistemas filosóficos imperavam. O sistema de Hegel (1770-1831), por exemplo, e o de Tomás de Aquino (1225-1274). E nesse mesmo tempo surgiam dois novos sistemas: o positivismo e o marxismo. Eram o que podemos chamar “sistemas-sistemáticos”, construções dogmáticas do pensamento. Os Espíritos Superiores indicaram a Kardec a inconveniência dessas construções, que encarceravam o pensamento em determinados princípios. Daí a formulação por Kardec de um “sistema não-sistemático”, ou seja, livre “dos prejuízos do espírito de sistema”. Uma doutrina que, à maneira do Evangelho, se constituía de orientações gerais do pensamento. Este é um aspecto que nos revela a perfeita atualidade do Espiritismo, no plano filosófico.

                                               

O preocupante para mim no debate político exacerbado de hoje é que não existe um programa de governo de ambos os lados. A luta é pelo poder. Nas palavras do cientista político e professor da PUC-Rio Luiz Werneck Vianna há uma realidade nova no país. Tem uma ralé diz ele (no sentido que a pensadora Hannah Arendt a utiliza), 

que pode se tornar uma base de apoio a grupos fundamentalistas de esquerda e de direita. Não é só pobre não diz o cientista político. É classe média também. É apenas ressentimento e falta de valores. A sociedade abdicou de valores, deixou-se perverter.   Cumpre esclarecer o sentido da palavra ralé apresentada pela pensadora Hannah Arendt (1906-1975) em sua obra magna "As origens do totalitarismo":  

 

"Ao buscar entender como o nazismo se apossou da Alemanha, Arendt formula a tese de que a ralé chegou ao poder. Como ela define o que seja esta ralé? Ela se funda em grupos residuais de todas as classes sociais, por esta razão lembra Hannah, é fácil confundi-la com o povo; é como se fosse um grande resto, uma porção das mais diferentes classes sociais que tem em comum negar a política e a contradição como instâncias da vida social, por isso sua aversão à política e às práticas de equalização ou equilíbrio social e às diferentes instâncias da vida democrática; a ralé tem o ódio como missão e a violência como seus motores".   

 

Portanto, fica muito claro que o Espiritismo, em sua teoria racional e equilibrada, quando parte para a prática, só pode apoiar projetos que façam autocritica permanente, pois dessa forma sempre podem corrigir desvios inerentes a qualquer processo de gestão. Como subsídio oferece as Leis Morais do Livro dos Espíritos como exemplificação do que julga ser o modelo correto de convivência política e social.

Artigo publicado no jornal ABERTURA abril 2020

 Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Gente que Faz - Maestro João Carlos Gandra da Silva Martins História de superação: por Alexandre Cardia Machado

 

Maestro João Carlos Gandra da Silva Martins História de superação:

João Carlos Gandra da Silva Martins é um pianista e maestro brasileiro. Seu trabalho como pianista é reconhecido mundialmente, especialmente suas gravações das obras de Bach. É irmão do jurista Ives Gandra Martins e do pianista José Eduardo Martins. Nasceu em 25 de junho de 1940, tendo no momento 79 anos.

Retiro dados de uma reportagem da revista IstoÉ: Desde 1998, uma doença e vários acidentes foram comprometendo as mãos do maestro João Carlos Martins, a ponto de fazerem com que ele parasse de tocar piano. A despedida, porém, não foi definitiva — graças a luvas especiais, os dedos do aclamado músico puderam reencontrar as teclas.

“Minha luta se tornou ainda maior quando percebi o reconhecimento do meu passado na imprensa internacional”, disse Martins à AFP durante entrevista no seu apartamento em São Paulo, antes de tocar algumas notas em seu piano Petrof.

A motivação foi recompensada. Prestes a completar 80 anos, Martins comemorará em outubro os 60 anos da sua primeira apresentação no Carnegie Hall, um concerto em Nova York.

 “Sou perfeccionista. João Gilberto e eu, a gente dava se muito bem, um pior que o outro”, brinca o maestro, em referência a conhecida meticulosidade do pai da Bossa Nova.

Em seu caminho há dores e glórias. Martins enfrentou as consequências de uma distonia focal, uma enfermidade neurológica que altera as funções musculares, diagnosticada quando tinha apenas 18 anos. Além disso, machucou o cotovelo em um acidente durante uma partida de futebol e foi golpeado na cabeça durante um assalto na Bulgária.

À medida que seus dedos foram enrijecendo, ele foi renunciando ao piano. Há duas décadas passou a tocar apenas com a mão esquerda, mas aos poucos o movimento se tornou limitado aos polegares. Com todas estas limitações passou a se dedicar à regência.

A mão biônica

Certo dia o designer de produtos Ubiratã Costa, após ver uma entrevista do maestro, apareceu em seu camarim com um par de luvas e a esperança de poder devolver algo de alegria ao lendário músico.

“As luvas não serviram, mas o convidei para almoçar”, disse o pianista, e a partir dali Costa começou a desenvolver novos protótipos.

As luvas, que combinam Neoprene e peças feitas em impressora 3D, passam por constantes adaptações.

“Já perdi a conta de quantas fiz”, relata o designer.

De forma carinhosa, Martins conta que “antes de aparecer esse maluco com essas luvas”, sua rotina consistia em acordar à 5h30, ler os jornais, comer dois ovos fritos e memorizar partituras, já que a sua condição não o permite passar as páginas durante a música. O maestro sabe de cor cerca de 15 mil partituras.

Agora, por causa dessa tecnologia e de um robô desenvolvido na Europa para conseguir passar as páginas das partituras, poderá voltar a fazer o que mais ama: tocar piano.

No programa do dia 29 de fevereiro de 2020 – Altas Horas da TV Globo, o maestro relatou que se surpreendeu, após conseguir tocar piano com os 10 dedos, depois de 20 anos, em janeiro de 2020. Esta notícia saiu em 158 órgãos de imprensa no mundo todo e porque não dizer, 159 contando o nosso ABERTURA. No mesmo programa o maestro tocou a música “A lista de Schindler” de John Williams que ele fez questão de tocar para marcar os 70 anos da libertação dos judeus do campo de concentração de Auschwitz onde o maior número de judeus foi morto em câmaras de gás.

Projetos sociais

O pianista gostaria de trazer para o Brasil uma versão do programa venezuelano “El Sistema”, do maestro José Antonio Abreu, que trouxe esperanças a milhares de crianças pobres e de classe média.  “Tudo foi gratificante na minha carreira como pianista e maestro, mas tem um buraco aqui: tentar deixar um legado, e tentar deixar um legado é o projeto ‘Orquestrando São Paulo, Orquestrando Brasil’, como intitulei ‘El Sistema’ no Brasil”, diz Martins, que resume sua trajetória como “uma vida baseada em ideais”.

O maestro não é espírita, mas é sem sombra de dúvidas um idealista, trabalhador incansável e um apaixonado pela música. Certamente uma mente plural e desprendida. Um grande Espírito.

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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terça-feira, 17 de novembro de 2020

Afinal somos livres? por Reinaldo di Lucia

 

Afinal, somos livres?

 

É com este tema que marco o reinício de minhas palestras no Centro Espírita Allan Kardec, de Santos, em 2020. Tema instigante, que é debate na Filosofia há séculos. Afinal, o livre-arbítrio existe ou somos determinados pelas condições que nos rodeiam?

Precisamos, antes de mais nada, definir liberdade. E, por incrível que pareça, isto não é tão fácil. Vejamos a definição clássica, do dicionário:

“Conjunto de direitos reconhecidos ao indivíduo, isoladamente ou em grupo, em face da autoridade política e perante o Estado; poder que tem o cidadão de exercer a sua vontade dentro dos limites que lhe faculta a lei”

Ou então, “Liberdade significa o direito de agir segundo o seu livre arbítrio, de acordo com a própria vontade, desde que não prejudique outra pessoa.”

Ou ainda, “Nível de independência absoluto e legal de um indivíduo, de uma cultura, povo ou nação, sendo nomeado como modelo (padrão ideal).”

Uma questão importante nestas definições é em relação aos limites da liberdade. Na segunda definição, por exemplo, “agir segundo o seu livre arbítrio, ou de acordo com sua própria vontade”, poderia ser entendido como não possuindo limites. Entretanto, complementa-se: desde que não prejudique outra pessoa. O que é um limitador por si só, originado de um princípio religioso (“não fazer aos outros o que não desejaria para si”) ou político (a existência de um pacto social que permite a convivência em sociedade). Tal como o limitador legal da primeira definição.

Já na terceira, a ideia de liberdade como um “nível de independência absoluto” implica num homem não limitado em sua possibilidade de ação. Como afirmava Richard Bach, em Ilusões – a história de um messias indeciso, cada um de nós é livre para fazer o que quiser. Independente de prejudicar ou não aos outros.

Ou seja, a resposta à questão do título depende essencialmente da definição que damos à palavra liberdade. Se limitarmos essa definição a fazermos somente o que não afeta negativamente os outros, então nossa liberdade é limitada, e nosso livre-arbítrio está condicionado a não ultrapassar este limite. Concluímos então que só é possível a liberdade plena se não houver uma divisa moral que nos impeça de ir além: a preocupação com aqueles que dividem conosco a existência (e isso, obviamente, não inclui somente os seres humanos).

Pessoalmente, gosto do conceito de liberdade de Spinoza: diretamente associada à ideia de liberdade está a noção de responsabilidade, uma vez que o ato de ser livre implica assumir o conjunto de nossos atos e saber responder por eles. Ou seja, posso sim prejudicar os outros se eu quiser, mas na vida em sociedade isto (normalmente) tem consequências, que devo assumir.

Kardec propõe que só conseguimos a liberdade absoluta pelo pensamento, pois assim estaríamos livres tanto das limitações sociais quanto do cerceamento imposto pela matéria. Mas deu a este tema tanta importância que o colocou como uma das leis morais, que regem o Espírito.

Precisamos encontrar o equilíbrio entre nosso livre arbítrio e a vida em sociedade. Para tanto, precisamos assumir nossa responsabilidade, eliminando os vícios que nos assolam: orgulho, egoísmo etc.

Simples, não?

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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quarta-feira, 11 de novembro de 2020

A tranquilidade espírita por Alexandre Cardia Machado

 

 A tranquilidade espírita

A primeira vez que uma pessoa lê o Livro dos Espíritos percebe imediatamente que se trata de um diálogo tranquilo entre o mestre Kardec e os Espíritos que colaboraram na sua elaboração.

Muitos podem imediatamente pensar que Kardec que residia em Paris, na França onde todos sabemos que o trabalho foi desenvolvido, vivia momentos tranquilos, mas a realidade pessoal e social não era bem assim. Mas isto não o impediu de ser sereno na condução da elaboração da Doutrina Espírita.

Tentarei montar o quadro da situação geopolítica na Europa nos anos 50 e 60 do século 19.  Buscando concentrar nos principais conflitos no mundo de então nos quais a França esteve de alguma forma envolvida:

1837 a 1901 – período chamado de Era Vitoriana - onde a rainha Vitória reinou – celebrizada pela frase” O Sol não se põe no Império Britânico” – esta pressão era muito grande para os eternos rivais franceses;

1848 – Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte assume a presidência da França, em 1852 ele dá um golpe militar e se transforma em rei da França num novo retorno a monarquia e fica no poder até 1870, portanto em todo o período de atuação do professor Hippolyte Leon Denizard como Allan Kardec a França voltava a ser uma monarquia;

1861 – 1865 – Guerra da Secessão nos Estados Unidos, os Confederados tinham apoio logístico e militar da França;

1865 -1867 – Segunda intervenção Francesa no México que terminou com a expulsão das tropas Francesas – isto no período de Napoleão III;

1862 – A França começa a apoderar-se da Indochina – que determinaria 100 anos depois nas guerras do Vietnam – primeiro francesa e depois norte-americana;

1870 – Napoleão III declara Guerra a Prússia, guerra que iria perder, perdendo dois estados Alsácia e Lorena à Prússia e que resultaria mais tarde em um dos componentes da I Guerra mundial entre 1914 a 1918;

Neste período a França apoia a unificação da Itália que se consolida em 1870, com a França anexando o condado de Nice ao seu território.

Peço aos historiadores que me perdoem por não aprofundar em demasia e não incluir todos os conflitos que havia na época entre países europeus em suas colônias, que só eram mantidas a força. Assim como a luta entre eles mesmos, mundo a fora.

Mostro este quadro para demonstrar, que mesmo neste ambiente conturbado, Kardec não transcendia estas aflições que certamente o acometiam à construção do Espiritismo.

Allan Kardec o bom senso encarnado se focava nas relações humanas e espirituais, nos aspectos individuais, ou seja, aqueles que contribuíam para o crescimento do ser espiritual. Isto não significa que Kardec e os espíritos superiores consideravam a guerra ou os abusos de crueldade algo desprezível. Para tal nos deixaram a chamada Lei da Destruição (Livro Terceiro – capítulo VI do LE).

No entanto estes problemas não eram a sua prioridade, ele os julgava temporários, com a evolução humana os conflitos tenderiam a se reduzir. Isto não aconteceu imediatamente, para Kardec parecia que as mudanças seriam muito mais rápidas, mas estas mudanças de fato estão acontecendo vagarosamente.

Se olharmos o século 19 tivemos as guerras Napoleônicas, a guerra do Congo e a Revolta Taipin na China que juntas mataram mais de 27 milhões de pessoas, no século 20 com a primeira Guerra Mundial, a II Guerra Mundial e a revolução Russa que juntas levaram a morte a mais de 60 milhões de pessoas segundo a revista Superinteressante, outros conflitos levaram muito mais pessoas para o Plano Espiritual. 

Já nos 19 anos de século 21, nos principais conflitos que de alguma maneira ainda persistem até os dias de hoje, como: a guerra do Iêmen; a guerra de Boro Karan; do Afeganistão; do Iraque; do Sudão e da Síria (todas tem como vínculo causal as disputas internas do islamismo combinada com a proximidade de grandes jazidas petrolíferas). Estes enfrentamentos levaram a morte cerca de 1 milhão de pessoas e milhões de refugiados.

Fica claro que os mecanismos internacionais, ainda que deficientes estão sendo capazes de reduzir os efeitos terríveis, das mortes nas guerras.

Não há dúvida de que vivemos num mundo muito melhor do que aquele onde Kardec desenvolveu a Doutrina Espírita

O Século 19 se caracterizou pelo desenvolvimento de armas e munições mais destrutivas, a escalada prosseguiu no século 20 com a aviação e as bombas atômicas, mas chegamos a um ponto onde a opinião pública, a imprensa e mais recentemente as redes sociais detiveram a utilização de armas de destruição em massa. Ainda temos o risco, pois o arsenal existe, mas sua utilização está contida.

Reforçamos então a mensagem de que o Espiritismo surge para nos dar tranquilidade diante das intempéries da sociedade. Na introdução do Livro dos Espíritos Kardec assim  nos ensina “ Os bons Espíritos nos solicitam para o bem, nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a suportá-las com coragem e resignação; os maus nos solicitam ao mal: é para eles uma alegria nos ver sucumbir e nos assemelharmos a eles.” Como na música de Roberto Carlos “se o bem e o mal existem, você pode escolher, é preciso saber viver”.

Para saber viver é preciso ter clareza sobre quais problemas do mundo temos capacidade de influenciar e quais estão fora de nosso alcance, procuremos atuar naqueles que podemos fazer algo e acreditar que há boas pessoas que podem fazer o mesmo nos problemas em que a solução está fora de nosso alcance como indivíduo.

artigo publicado no Jornal abertura - março 2020

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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segunda-feira, 9 de novembro de 2020

DIALOGANDO COM JACI - por Egydio Regis

 

DIALOGANDO COM JACI

 

Preambulo

Nota do blog - nova coluna do Jornal Abertura á partir de 2020

 

Após encerrarmos o trabalho prazeroso durante dez anos estudando e divulgando os artigos elaborados pelo mestre na Revista Espírita, iniciaremos uma outra tarefa não menos prazerosa e de importância para a afirmação doutrinária Espírita em nossos tempos. Pessoas podem perguntar: por que Jaci Regis? O que ele representa para o Espiritismo? Seu nome é reverenciado nacionalmente? Por que não foi reconhecido e divulgadas suas ideias pelos canais do “poder” central do movimento espírita? Algumas destas perguntas responderemos baseados na vivência que tivemos dentro do movimento e com o próprio Jaci. Outras a obra literária dará as respostas que muitos procuram.

 

Qual o perfil de Jaci? Poucos da multidão de espíritas puderam realmente conhecer e admirar a personalidade marcante desse incansável trabalhador, quer dos assuntos doutrinários, quer da benemerência dedicada à infância e às mães sofridas carentes a procura de uma vida digna junto das suas crias. Jaci possuía uma energia de trabalho que chegava a irritar a quem o seguia. Sua mente criativa o projetava para novos projetos arrojados que faziam tremer as bases estabelecidas no pieguismo e nos valores envelhecidos pelo comodismo. Desde a adolescência ousou contrariar e enfrentar os velhos líderes do movimento espírita santista, cujos centros mais pareciam simulacros de igrejas e templos evangélicos do que casas de estudos e de divulgação da Doutrina Espírita. Aos quatorze anos chegou a Santos (catarinense de nascimento) , ingressou na então fundada Juventude Espírita de Santos (1947) onde logo manifestou seu espírito inquieto e quando a Mocidade rebelou-se contra os entraves da diretoria do Centro Espírita Manoel Gonçalves (sede primeira da Mocidade ) e transferiu-se para o Centro Beneficente Evangélico (em 1949, já então com o nome de Mocidade Espírita Estudantes da Verdade) Jaci, ainda na adolescência, quando o Mentor da mocidade o saudoso Alexandre Soares Barbosa teve, por força de sua atividade profissional, que deixar a condução doutrinária da entidade, chamou para si essa responsabilidade. O Centro Beneficente Evangélico, era um pequeno centro com poucos frequentadores e praticamente com as portas quase fechadas. A MEEV (Mocidade Espírita Estudantes da Verdade), sob a batuta de Jaci deu nova vida ao Centro. Mas, ele não se conformou com o fato de o nome não identificar uma casa espírita e sua primeira luta foi convencer a “velha guarda” a acrescentar o nome Espírita, passando então a denominar-se Centro Espírita Beneficente Evangélico. Com o apoio de alguns companheiros mais velhos, mas com mente aberta e, sobretudo, com os jovens da Mocidade, Jaci tornou-se o grande condutor do Centro. A primeira grande iniciativa foi propor a mudança do nome de Centro Espírita Beneficente Evangélico, para Centro Espírita “Allan Kardec”. Para se ter ideia da capacidade intelectual de Jaci, é preciso dizer que até mais de vinte anos de idade, ele tinha apenas completado o curso comercial, equivalente na época ao ginásio ou ao primeiro ciclo de hoje. Porque precisava trabalhar e não tinha tempo para estudar. Assim, somente lhe restava prestar exame de madureza que hoje seria o supletivo. A partir daí, tendo conseguido o certificado do segundo grau, não mais parou e laureou-se em três cursos superiores: Economia, Jornalismo e Psicologia, os dois primeiros em horário noturno por causa de sua atividade profissional como empregado da Petrobrás. Psicologia cursou quando já estava aposentado e foi sua última atividade profissional.

 

Paralelamente aos trabalhos no Centro e aos primeiros ensaios de questionamentos doutrinários, Jaci preocupava-se com a atividade de benemerência incorporando-se às campanhas desenvolvidas pelo Centro e, especialmente ao Lar Veneranda, creche não propriamente espírita, fundada e dirigida por um grupo de amigos ligados a atividade portuária. Essa entidade funcionava em uma casa e atendia um punhado de crianças possibilitando suas mães trabalharem, além de oferecer cursos de qualificação para essas mães. Sua situação não estava muito boa estando sob ameaça de despejo e outras dificuldades. Jaci e um grupo de jovens, depois de algumas gestões, assumiu a direção da entidade e num verdadeiro esforço heroico, suportando todo tipo críticas e má vontade de pessoas derrotistas, não só comandou a superação de dificuldades, como conseguiu a façanha de construir um prédio moderno e confortável para abrigar mais de cem crianças, estendendo a atuação de creche para o lar de crianças desamparadas. Incansável, dirigia o Lar, o Centro, fazia palestras, escrevia e trabalhava profissionalmente em jornada de oito horas. Era difícil acompanhar o seu ritmo de trabalho e isso muitas vezes o irritava.

 

Jaci não era uma pessoa melosa, tinha uma personalidade forte e não usava de eufemismos com ninguém. Era direto, duro, mas sensível e respeitoso com quem merecia. Era um palestrador na época em que surgiram os oradores que davam verdadeiros espetáculos declamando trechos decorados, elevando a voz para impressionar o público e derramando-se em trechos evangélicos longos. Jaci, não decorava nada, não fazia pose, não usava linguagem empolada. Não empolgava, fazia pensar, derramava doutrina clara e ousava tocar em assuntos que melindravam as plateias acostumadas a ouvir repetidamente lições evangélicas e pouco espíritas. Como resultado de sua coragem em criticar os centros que mais pareciam igrejas e assembleias evangélicas, Jaci passou a ser persona não grata nas casas espíritas. Os jornais que fundou e escreveu, como o Abertura, assim como suas obras, foram proibidos pelos dirigentes desses centros. Por incrível que possa parecer, sua palavra foi caçada e seus escritos censurados, sob a égide de uma doutrina que tem a liberdade de pensamento e de expressão como lema maior. Essa lamentável atitude espalhou-se por todo o Brasil e por isso suas ideias revolucionárias, seu descortino em analisar a obra de Kardec e desmistificar o emanuelismo e o mediunismo que pretendiam substituir e superar Kardec, não chegaram à massa espírita.

 

Além dos livros, que vamos basear nosso trabalho, Jaci foi o grande incentivador do espiritismo laico, hoje bem sedimentado no continente sul-americano. Idealizador do Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita, que reúne espíritas de todo o Brasil e de outros países, é sempre lembrado e citado por muitos participantes.

 

Enfim, muito poderia escrever sobre Jaci, de quem tive a honra de ser irmão de sangue e mais do que isso, seu admirador e seguidor. Devia esta justa homenagem a um dos mais importantes espíritas de nosso tempo. Oxalá a partir deste modesto trabalho algumas pessoas se interessem e mergulhem nos ensinamentos de Jaci Regis.

 

Egydio Régis

Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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quarta-feira, 14 de outubro de 2020

ABORTO – Um Olhar Humanizado - por Jacira Jacinto da Silva e por Saulo de Meira Albach

 

ABORTO – um olhar humanizado

 

“Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas! “ Mario Quintana

 

Para iniciar esta difícil discussão, buscaremos responder à seguinte questão: A quem cabe a decisão de interromper uma gravidez? À gestante, ou ao Estado?

Enquanto o país aguarda o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da arguição de descumprimento de preceito fundamental ADPF - 442/DF, com parecer da Procuradoria Geral da República, pela criminalização do aborto, é tempo de espíritas discutirem o assunto.

Antes de tudo, alguns esclarecimentos iniciais.

 

ADPF é uma das ações que fazem parte do controle concentrado de constitucionalidade, cujo julgamento cabe ao STF. Sua inspiração vem da Corte Constitucional da Colômbia, que forjou a técnica de decisão do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI).( ref 1) A função desta ação é evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público (ref 2).

 

E o que seria preceito fundamental? Refere-se a normas e princípios imprescindíveis e de relevância especial da Constituição. A ação serve tanto para evitar lesões como também reparar as lesões já causadas pela violação dos preceitos fundamentais.

 

Em 6/03/2017, o PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL apresentou ao STF a ADPF 442, visando à não recepção parcial dos artigos. 124 e 126 do Código Penal, indicando como preceitos fundamentais violados, os princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da não discriminação, bem como os direitos fundamentais à inviolabilidade da vida, à liberdade, à igualdade, à proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar, previstos nos artigos. 1º, I e II, 3º, IV, 5º, caput e I e III, 6º, caput, 196 e 226, § 7º, da Constituição Federal.

 

Em 3/08/2018 – o STF realizou audiência pública. Foram recebidos mais de 180 pedidos de habilitação de expositor na audiência, abrangendo pessoas físicas com potencial de autoridade e representatividade, organizações não governamentais, sociedades civis e institutos específicos.

Em maio de 2020 sobreveio o parecer do Ministério Público: “opina o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA pelo indeferimento da medida cautelar e, no mérito, pela improcedência da arguição de descumprimento de preceito fundamental”. Em síntese, opinou pela criminalização.

 

Falta apenas o julgamento em plenário no STF.

 

E nós, espíritas, como interpretamos a situação? A mulher que pratica aborto com menos de 12 semanas de gravidez, como discute a ADPF, deve ser criminalizada, ou não?

 

O direito à vida é inquestionável, sendo o primeiro e o maior de todos os bens tutelados pela legislação. É com esse fundamento que religiosos, dentre eles grande parte dos espíritas, advogam a condenação da pessoa que pratica o aborto. Vejamos o que dispõe o Espiritismo.

 

A pergunta n. 880 de O Livro dos Espíritos está assim redigida: Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem? Resposta: “O de viver. Por isso é que ninguém tem o direito de atentar contra a vida de seu semelhante, nem o de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal”.

 

A complexa questão do aborto, entretanto, passa pela análise de outros fatores.

Ainda analisando O Livro dos Espíritos:

 

Q. 136.a — Pode o corpo existir sem a alma? R: “Pode; entretanto, desde que cessa a vida do corpo, a alma o abandona. Antes do nascimento, ainda não há união definitiva entre a alma e o corpo”.

Q. 344. Em que momento a alma se une ao corpo? R: “A união começa na concepção, mas só é completa por ocasião do nascimento. Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar certo corpo a este se liga por um laço fluídico, que cada vez mais se vai apertando até ao instante em que a criança vê a luz”.

Q. 346. Que faz o Espírito, se o corpo que ele escolheu morre antes de se verificar o nascimento? R: “Escolhe outro”.

Q. 357. Que consequências tem para o Espírito o aborto? R: “É uma existência nulificada que ele terá de recomeçar”.

 

Q. 358. Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação?

R: Há crime sempre que transgredis a lei de Deus

Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por impedir uma alma de passar pelas provas a que lhe serviria o corpo.

 

Q. 359. Dado o caso que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida da mãe dela, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda? R: “Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe.”

 

E o que diz o Código Penal sobre aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento.

 

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de um a três anos. (…)

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: (terceiro)

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: (Aborto necessário)

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Pesquisa Jurisprudencial revela que:

 

 

Criminaliza

Não criminaliza

STF (ref 3)

 

Primeiro trimestre

STF

 

Anencéfalo

STF

Terceiro provocador/ex. médico

 

STJ (ref 4)

 

Terapêutico

STJ (ref 5)

Provocado pela gestante

 

STJ (ref 6)

Sem consentimento da gestante

 

TJSP (ref 7)

6 meses gestação

 

TJSP (ref 8)

Provocado pela gestante

 

TJSP (ref 9)

 

Anencéfalo

O espiritismo nos ensina a viver sob a égide do livre arbítrio com responsabilidade. Do mesmo modo, não cogita a aplicação de penas e castigos. Cada ser é condutor do seu destino; constrói situações aflitivas ou felizes e a lei da reencarnação indica as infinitas oportunidades que os espíritos terão para progredir.

 

            Voltemos à questão inicial: A quem cabe a decisão de interromper uma gravidez?

 

De acordo com o nosso entendimento, esta decisão é da gestante.

 

Particularmente, não somos favoráveis ao aborto, e fazemos questão de ressaltar isso, mas nos sentimos muito à vontade para dizer que não podemos impor a nossa convicção a ninguém, tampouco nos sentimos no direito de condenar a mulher que, por razões desconhecidas, decidiu abortar. Estamos bastante convictos de que todos teremos novas oportunidades para aprender e crescer.

 

Com base nos conceitos fundamentais do espiritismo e no desenvolvimento dos valores da sociedade, sobretudo do respeito aos direitos de todos os seres humanos, propomos a seguinte abordagem para o tema:

 

- somos contrários ao aborto, pois valorizamos demais a vida;

- propomos que a mulher, na medida de suas forças, embora reconhecendo que é dela o direito de decisão e – de regra - a carga advinda da gravidez, busque assimilar a gravidez acidental;

- incentivamos o uso dos métodos anticonceptivos quando a gravidez não é desejada;

- apoiamos mulheres que desejam ter seus filhos (é necessário dar condições);

- consideramos fundamental promover a educação sexual.

Acima de tudo, propomos respeito ao livre arbítrio, cabendo à mulher decidir o que fazer no caso de gravidez indesejada; defendemos a admissão do aborto terapêutico e que em nenhum caso a mulher seja criminalizada.

 

            Os crentes de todas as religiões condenam todo tipo de aborto e condenam até mesmo a pílula do dia seguinte, sob o pretexto de que já teria havido a fecundação e, portanto, já existiria vida. Defendem a criminalização de condutas que a própria lei não pune, como os diversos anticonceptivos e o aborto se a gravidez resultou de estupro.

 

            Pensamos a filosofia kardecista como uma contribuição libertadora e não como instrumento de julgamentos e condenações. Ao invés de intimidar e condenar, exigindo a imputação de crime à gestante que abortou, devemos orientar as mulheres sobre o papel da maternidade e a importância da vida; ajudar na educação; auxiliar a formar uma geração de jovens responsáveis; amparar as jovens mães desprotegidas.

 

            Antes de afirmar que somos favoráveis à criminalização da gestante que pratica qualquer tipo de aborto, deveríamos analisar as consequências da manutenção obrigatória de uma gravidez indesejada, ou decorrente do estupro, por exemplo.  Melhor seria se os representantes dos mais diversos segmentos religiosos saíssem em campanhas públicas, usando a mídia nacional como fazem para condenar o aborto, apresentando propostas concretas de apoio, amparo, proteção e encaminhamento de todas as grávidas de filhos indesejados. Muito melhor seria se esses representantes religiosos tivessem o mesmo olhar implacável contra o abandono e a miséria que ceifam a vida real de crianças marginalizadas e condenadas a condições indignas e degradantes.

Em sua obra ABORTO E CONTRACEPÇÃO, Celso Cezar Papaleo, após discutir a impossibilidade de separar o tema do aborto da irrealização plena do bem comum (justiça social), conclui:

“Sociedades injustas afugentam o amor entre os homens e problematizam a própria autoestima humana, desviando-nos de nossas naturais finalidades, cuja objetivação impossibilita para grande número. A ética individual periclita quando falecem valores na vida social”. (ref 10)

É estranhamente paradoxal que as religiões defendam tanto uma célula recém fecundada, que absolutamente não pode ser denominada feto ou criança, posicionando-se até mesmo contra a pílula do dia seguinte, sob o argumento de que poderia ter ocorrido a fecundação e, por consequência, existiria uma célula ovo com algumas horas em formação, mas não se incomodem  em ver tantas pessoas, incluindo uma imensidão de crianças perambulando pelo mundo, à mercê da própria sorte, sedentas por um olhar religioso em socorro de suas vidas; estas sim, reais, e bem reais. Sejamos a favor da vida, literalmente!

 

Ao tempo em que este artigo estava sendo finalizado um caso chamou a atenção do país: o da menina de dez anos de idade que reside no Espírito Santo, vítima de violência sexual por um familiar. O sigilo que deveria vigorar tendo em vista a idade da menina foi quebrado pela ativista da extrema-direita, Sara Winter. A interrupção da gravidez foi autorizada pelo Poder Judiciário. Esta possibilidade está prevista no ordenamento jurídico brasileiro desde 1940.

 

O que causou espanto, além da divulgação do fato – o que, por si só, já caracteriza crime – foi a movimentação criada contra a decisão judicial e até contra o médico. Cabe avaliar se a intenção dos fundamentalistas é sobrepor preceito religioso a preceito legal, o que é vedado pelo caráter laico do estado brasileiro. Frise-se: a interrupção da gravidez em caso de estupro é autorizada em nossa legislação desde a edição do Código Penal de 1940. Portanto, a decisão judicial aplicou a lei e atendeu recomendação médica – dupla motivação legal, portanto. Neste caso, a integridade da mãe (criança) deve ser preservada. Como já propunha O Livro dos Espíritos, na questão 359, no ano de 1857, Século XIX.

 

A discussão, se considerarmos a idade da mãe – 10 anos – e o fato de que a gravidez resultou de estupro praticado durante vários anos, parece surreal, mas no meio do caminho, além de correntes evangélicas, manifestaram-se contra o aborto o presidente da CNBB e a Associação Médico Espírita do Brasil. Ao que parece tais entidades conseguem ver na criança uma assassina. Como disse Caetano Veloso, “O padre na televisão diz que é contra a legalização do aborto e a favor da pena de morte; Eu disse – Não, que pensamento torto" (ref 11).

 

Autores:

Jacira Jacinto da Silva - Advogada, e Presidenta da CEPA.

Saulo de Meira Albach - Procurador do Município de Curitiba-PR e membro co-fundador do grupo musical Alma Sonora.

 

Referências no texto:

Ref 1 - Em novembro de 1997, foi julgado caso envolvendo 45 professores que tiveram direitos previdenciários suprimidos pelas autoridades municipais de Maria La Baja e Zambrano. Naquela ocasião, a CCC constatou que os motivos determinantes do desrespeito aos direitos dos autores eram decorrentes de falhas estruturais do Estado colombiano, uma vez que não podiam ser imputados a um único órgão, mas sim às diversas esferas integrantes do Poder Público, pois resultavam da execução desordenada e irracional de políticas públicas educacionais. A partir desse diagnóstico, a CCC concedeu o direito pleiteado pelos professores autores da demanda judicial.

Cursino. Bruno Barca. O transplante do Estado de Coisas Inconstitucional para o sistema jurídico brasileiro via ADPF. Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 16 – n. 50, p. 89-121 – jul./dez. 2017.  https://escola.mpu.mp.br/publicacoes/boletim-cientifico/edicoes-do-boletim/boletim-cientifico-n-50-julho-dezembro-2017/o-transplante-do-estado-de-coisas-inconstitucional-para-o-sistema-juridico-brasileiro-via-adpf/at_download/file capturado em 04/08/2020, às 22h.

 Ref 2 - Art. 1º da Lei 9.882/99.

 Ref 3 -  STF – Supremo Tribunal Federal

 Ref 4 - STJ – Superior Tribunal de Justiça

 Ref 5 - C 516437 / SP – STJ HABEAS CORPUS 2019/0175083-7

 Ref 6 - Inq 323-PE, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 19/3/2003.

 Ref 7 -TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 Ref 8 - 2188906-47.2017.8.26.0000 

 

Ref 9 - 1000337-79.2016.8.26.0076 

Ref 10 - Rio de Janeiro; Ed. Renovar, 1993, p. 87.

Ref 11 - Letra da canção “Vamo Comer”.


Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Desigualdade é um desafio persistente - por Roberto Rufo

 

                                             Desigualdade é um desafio persistente.

 

"O amor da democracia é o da igualdade" (Montesquieu).

 

"O mal da igualdade é que nós só a queremos ter em relação aos nossos superiores" (Henri Becque).

 

 

Nesses 130 anos da Proclamação da República no Brasil vários líderes e intelectuais apontaram os principais problemas para consolidar o espírito republicano.  A promoção da democracia e o combate à desigualdade são os valores mais citados por esses líderes e intelectuais.

 

Vamos comparar algumas citações com o que nos ensina a Doutrina Espírita.

  

Segundo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso "a produção, que se faz crescentemente por meios tecnológicos, não dá emprego e concentra renda. A ideia que parecia absurda - a renda universal - eu não sei mais se é absurda ". 

 

Explicando: Renda Básica de Cidadania (Brasil)  ou Rendimento de Cidadania (em Portugal), ou ainda Renda Básica Universal, é uma quantia paga em dinheiro a cada cidadão pertencente a uma nação ou região, com o objetivo de propiciar a todos a garantia de satisfação de suas necessidades básicas.

 

Em comentário à pergunta 805 do Livro dos Espíritos Kardec fala que "a diversidade das aptidões do homem não resulta da natureza íntima da criação, mas do grau de aperfeiçoamento ao qual chegaram os Espíritos nele encarnados. Deus, portanto, não criou desigualdades de faculdades, mas permitiu que os diferentes graus de desenvolvimento estivessem em contato, a fim de que os mais adiantados pudessem ajudar o progresso dos mais atrasados e, também, a fim de que os homens, tendo necessidade uns dos outros, cumprissem a lei de caridade que os deve unir ". Portanto de acordo com o espiritismo todos os seres humanos devem ter garantido o usufruto das necessidades mais elementares para uma vida digna. A compaixão é uma notável herança do cristianismo.

 

O economista Armínio Fraga fala que "a democracia  e a liberdade exigem um complemento  de natureza solidária, que espelhe a importância de lacunas que ainda temos. Igualdade de oportunidades e uma rede de proteção solidária são cruciais ". Os números indicam que as desigualdades sociais e de renda têm aumentado a nível mundial. 

 

Dessa forma a igualdade de oportunidades e as redes de proteção atuais têm se demonstrado insuficientes.  

 

Quando aborda a questão da igualdade de oportunidades o espiritismo fala que atingida esta só restará a desigualdade de mérito. Mas é bom reforçar como assevera o economista Delfim Netto que "essa tal meritocracia só vale se todos saírem do mesmo lugar. Se consigo partir de um ponto  muito avançado, porque meus pais são ricos e tive oportunidades que outros não tiveram, que meritocracia é essa?"

Por último o espiritismo concorda com o filósofo Renato Janine Ribeiro, que "atacar a desigualdade é também combater o privilégio. A sociedade deve ter claro que o objetivo de vivermos em conjunto é ter por meta o bem comum. Isso significa que vantagens pessoais, individuais, devem estar na esfera do direito e jamais do privilégio. Um regime republicano não pode ser um regime do privilégio".

 

Aí se trata de uma mudança mental do mundo, partindo é claro da evolução individual, e que como nos falam os espíritos na resposta à pergunta 806 "a desigualdade não é obra de Deus, e sim dos homens". Remédio: altas doses de humildade e simplicidade para combatermos o orgulho e o egoísmo que trazemos dentro de nós.

 

Infelizmente existe razão no pensamento do Sr.José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares quando fala que "a República de todos se transformou na República de poucos e que o estado democrático do direito vem se apresentando como estado antidemocrático do direito".

 

Convenhamos é uma tarefa gigantesca o atingimento dessa meta de entendimento entre os homens que na pratica há de se traduzir na aplicação da lei de justiça. Todavia, acredito que chegaremos lá com certeza. 

 

 

Roberto Rufo


Nota: Artigo originalmente publicado no Jornal Abertura de Santos.

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