A liberdade sexual da mulher
A oradora explicava o significado da
introdução das pílulas anticoncepcionais na vida das mulheres. Segundo ela,
graças à pílula, as mulheres casadas puderam limitar o número de filhos e com
isso ganhar espaço para a sua realização pessoal.
Aberto o debate,
afirmei que o importante era a liberdade sexual da mulher e que a pílula tinha
permitido que ela pudesse transar com menor risco de gravidez, isso sem relação
direta e necessária com o casamento. Tanto a oradora, quanto a plateia
pareceram pouco à vontade.
Todos falaram da
necessidade e da liberdade. Sem ela, não se vislumbra a possibilidade de
crescimento real do homem, do espírito. Mas, quão difícil é exercer a
liberdade! Quase sempre é imediatamente limitada pela responsabilidade que é o
elemento qualificador, o que qualifica o sentido real da liberdade.
Sobre a liberdade
sexual há terríveis enganos, porque geralmente age-se por comparação,
contradição ou transgressão. Há inevitável transição no percurso para a
liberdade real. Essa transição poderia ser suavizada se houvesse uma reciclagem
maior nas mentes. Trabalha-se com modelos repressores e teme-se que se
transforme em libertinagem, de desregramento puro e simples.
Se, genericamente,
a questão da liberdade sexual está confusa e difusa, fica muito mais aguda e
inconciliável quando se refere, especificamente, à sexualidade da mulher. Esse
parece ser o ponto crucial de toda a questão, por1que a tradição moral e
moralista pressionou negativamente a mulher, de modo a fazê-la sentir-se
envergonhada e pecadora porque tinha desejo e desejava o prazer.
A oradora a que
nos referimos, por exemplo, explicitou essa posição preconceituosa de dizer “isso é outra questão. Não estou me referindo
à possibilidade de a mulher se relacionar ou transar com qualquer um...”. O
que me fez retorquir: “com qualquer um
não, com quem quiser ou desejar...”.
Porque a moral
estabeleceu que a mulher devesse ter apenas um parceiro sexual, ser
“propriedade” daquele que a tomasse como esposa. Nessas condições seria ele,
realmente um parceiro ou alguém que fazia sexo com ela, às vezes sem
considera-la?
Alguém me alertava
que escritores e psicólogos que comandaram campanhas pela libertação sexual,
estão agora, preocupados com os rumos dessa abertura, pelo número alarmante de
abortos praticados por meninas de 13 a 15 anos, levadas pela ignorância da
realidade afetiva e que seriam vítimas dessa pregação pelo prazer.
Esse fato merece
reflexão. A primeira é que, as mentes dos adultos estão apenas pseudo abertas.
Mães e pais atuais falam de liberdade sexual, mas geralmente continuam presos a
medos e limitações e transmitem noções teóricas, sem coragem para examinar suas
realidades afetivas. Pode-se dizer que não possuem condições de orientar
positivamente os filhos. A maioria guarda a esperança de que suas filhas se
casem virgens.
O discurso
religioso prossegue ainda hoje sobre a tônica cristã da repressão e negação do
prazer, especialmente para mulher. Há desconsideração para a sua qualidade de
Espírito, acima das especificações sexuais típicas.
Pede-se
sacrifício, renúncia aos sentimentos, mantendo a imagem de serva do lar, dentro
de padrões conservadores, seja em nome da felicidade futura ou erros do
passado.
Na luta pela
conquista da liberdade e participação da mulher, envolvem-se, não apenas ela
mesma, como um ser, uma pessoa, mas todo o sistema moral, social, todo o
conjunto de fatores que recebem o impacto direto dessas mutações.
Creio que há um
excesso de apelo racional aos critérios de justiça e igualdade, que certamente
imperarão inevitavelmente, pois o caminho iniciado e já percorrido não terá
volta, Mas, será possível proceder a essas mutações fundamentais sem abalos
emocionais, sem atingir o afeto?
É fácil condenar
racionalmente o tabu da virgindade, apoiar o aborto em nome do direto de usar o
próprio corpo, abominar o casamento, e desestruturar a família, baseados em
posições psicológicas e socialmente defensáveis.
Todavia, não se
pode esquecer o vazio emocional que se segue. E não se veja nessas palavras
qualquer apelo à moratória no trajeto da libertação feminina. Mas uma reflexão
sobre as condições da realidade pessoal, de4 estruturas mentais, individuais e
coletivas, que não podem ser negadas.
O sexo existe e é
um sentimento básico, determinante do equilíbrio interno. Reprimi-lo é atirar-se
em prisão degeneradora da mente. Consumi-lo à saciedade é cair em abismo de
desestruturação da alma.
A transição deve
ser considerada. Mas as correntes religiosas, tanto o ativismo feminista,
colocam-se em polos opostos, sem encontrar recursos para auxiliar a
internalização dessas mudanças. Há toda uma tendência a preservar a sociedade
machista, erguida sobre infindáveis equívocos acerca da natureza da estrutura
espiritual do ser humano. De outro, uma negação insensata de qualquer
espiritualidade, cingindo-se a moral proposta a estreitos limites sensoriais.
Jaci Régis
NR: Artigo publicado no Jornal Abertura da Março 2016.
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